Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | LILIANA DE PÁRIS DIAS | ||
Descritores: | CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL SEGURANÇA SOCIAL CONTINUAÇÃO CRIMINOSA PRESSUPOSTOS SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO JUÍZO DE PROGNOSE OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DA SENTENÇA CONDIÇÃO DE PAGAMENTO OBRIGATORIEDADE PERDA DE VANTAGENS CONFISCO NATUREZA APLICABILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202309132111/21.0T9VFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELOS ARGUIDOS | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A continuação criminosa supõe a repetição da conduta no quadro de uma mesma situação exterior que atenue a culpa do agente (artigo 30.º, n.º 2, in fine, do Código Penal); e tal não se verifica quando ocorre uma descontinuidade temporal nessa repetição e a partir do momento em que o agente é advertido por algum órgão do Estado da ilicitude dessa conduta. II - Deste modo, perante uma sentença condenatória anterior do agente pela prática de um crime continuado – em concreto, um crime continuado de abuso de confiança fiscal ou contra a segurança social –, o momento temporal a considerar para a inversão do sentido de culpa do agente, de uma “diminuição considerável” para a sua agravação, só pode ser o do trânsito em julgado daquela decisão. III - A menor exigibilidade de conduta diversa, pressuposta no crime continuado, deixa de se verificar a partir do momento em que o agente é advertido, mormente em face de sentença transitada em julgado, alertando-o para as consequências penais da sua conduta e, não obstante de tal se encontrar devidamente advertido e ciente, o arguido persiste na sua conduta criminosa. IV - O acórdão de uniformização de jurisprudência n° 8/2012 não permite ultrapassar a obrigatoriedade da sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e do montante dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do artigo 14°, n° 1, do R.G.I.T. V - A necessidade do juízo de prognose a que se reporta o acórdão de uniformização de jurisprudência n° 8/2012 só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos do artigo 14°, n° 1, do RGIT) ou outra pena não privativa da liberdade. Esta jurisprudência, diretamente aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, do R.G.I.T. – crime punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução) ou pena de multa -, é também aplicável a outros crimes tributários puníveis com pena de prisão ou pena de multa. VI - Assim, estando em causa um crime fiscal punível com pena de prisão ou pena de multa, a opção pela pena de prisão e subsequente determinação da suspensão da respetiva execução, tomada pelo tribunal de primeira instância, não podia prescindir da prévia formulação do juízo de prognose quanto à efetiva capacidade (presente e futura) do arguido para satisfazer a condição – que é, como vimos, de natureza obrigatória e, por isso, também não podia deixar de ser determinada, caso o resultado daquele juízo de ponderação fosse positivo. VII - A omissão da necessária formulação do juízo de prognose a que alude o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência n.º 8/2012, determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP VIII - Impõe-se, assim, que o tribunal de primeira instância equacione a possibilidade de imposição da condição pecuniária ao arguido, formulando o mencionado juízo de prognose, tendo em conta a sua concreta situação económica, e decida em conformidade: caso o resultado dessa ponderação seja positivo (eventualmente, mediante a extensão do prazo de suspensão até ao limite de cinco anos, para facilitar o cumprimento da obrigação pecuniária), mantendo a suspensão da execução da pena de prisão, obrigatoriamente condicionada ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos; caso seja negativo, regressando ao primeiro passo da decisão relativa à determinação da sanção (escolha da pena a aplicar: prisão ou multa; eventualmente, optando por outra pena de substituição, caso considere inadequada a pena de multa, ou determinando o cumprimento da pena de prisão, revelando-se inadequadas todas as penas de substituição). IX - Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas, o seu carácter sancionatório análogo à da medida de segurança e, para além disso, obrigatório, subtraído a qualquer critério de oportunidade ou utilidade, o juiz não pode deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, na sentença penal, independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil (e do seu desfecho), ou de ter optado por outros meios alternativos de cobrança do crédito que possa coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens. X - O confisco não tem caráter sancionatório – ou não o tem primordialmente -, assumindo-se, antes, quer como um simples mecanismo preventivo análogo à medida de segurança (perda de instrumentos e de produtos), quer como um mero mecanismo civil enxertado no processo penal (confisco das vantagens, das recompensas e do património incongruente) de tutela de uma ordem patrimonial conforme ao direito. XI - Se para a verificação e consequente condenação pela prática do crime de abuso de confiança fiscal se mostrava indiferente o concreto destino dado pelo arguido (e sociedade arguida) aos montantes liquidados a título de contribuições para a Segurança Social, que não vieram a ser entregues a esta entidade, o mesmo sucede com o funcionamento do confisco: este opera independentemente da prova de enriquecimento ou de obtenção de benefício pessoal pelos autores do crime. Daí que se afigure desnecessária a demonstração de um efetivo incremento no património do arguido, sócio gerente da sociedade arguida, impondo-se a declaração da perda a favor do Estado das vantagens do facto ilícito típico, substituída, no presente caso, pelo pagamento do respetivo valor a cargo dos arguidos, nos termos previstos no art.º 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do Código Penal. [Sumário da responsabilidade da relatora] | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2111/21.0T9VFR.P1 Recurso Penal Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis (Moreira Ramos; Maria Dolores da Silva e Sousa) Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. I. Relatório No âmbito do processo comum singular que, sob o nº 2111/21.0T9VFR, corre termos pelo Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Considerando o supra exposto, decide o Tribunal: E) Condenar a arguida A..., LDA pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artº 105º, n.º 1 e 4 ex vi do 107º do Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei nº 15/2001, de 05 de Junho) e 30º, nº 2 do Código Penal, sendo a sociedade criminalmente responsável ex vi do 7º do Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei nº 15/2001, de 05 de Junho), na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros); F) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelo artº 105º, n.º 1 e 4 ex vi do 107º do Regime Geral das Infrações Tributárias (Lei nº 15/2001, de 05 de Junho) e 30º, nº 2 do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão, suspensa na execução por 2 (dois) anos, subordinada no período da suspensão ao pagamento pelo arguido ao Estado/ISS da quantia total correspondente aos valores das quotizações retidas e não pagas no valor de 24.936,66 € (vinte e quatro mil novecentos e trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos) e acréscimos legais, comprovando nos autos o pagamento, que se determina tenha lugar mensalmente, em prestações mínimas de €300,00 (trezentos) por mês, sem prejuízo de proceder a pagamentos em quantias superiores, devendo sempre até ao final do período da suspensão ter procedido ao pagamento integral da quantia total, e ainda sujeita a regime de prova, com vista à interiorização do desvalor da conduta e ao desenvolvimento de estratégias de prevenção da prática de factos similares àqueles pelos quais vai condenado e sujeita aos deveres e regras de conduta previstos no nº3 do art. 54º CP, a saber: b.1) Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social; b.2) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência; b.3) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; b.4) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro; G) Declarar perdida a favor do Estado a quantia de 24.936,66 € (vinte e quatro mil novecentos e trinta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), correspondente à vantagem patrimonial obtida pela prática do ilícito ainda em dívida, condenando-se solidariamente os arguidos A..., LDA e AA a pagar tal quantia ao Estado ao abrigo do disposto no art.º 110º, n.º1 al. b) do Código Penal, sem prejuízo dos direitos dos ofendidos (ISS, incluída, portanto) ou de terceiros de boa fé, bem como da dedução de eventuais quantias da dívida que tenham sido, entretanto, pagas; H) Condenar os arguidos A..., LDA E AA nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC´s para cada um, bem como, nas demais custas, nos termos dos artigos 8º nº 9 por referência à tabela iii do RCP, 513º e 514º do CPP. […]». Inconformados com a decisão condenatória, dela interpuseram recurso os arguidos para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem: «1. A Douta Sentença recorrida enferma de uma irregularidade processual quanto ao seu depósito. 2. Com efeito, analisando o aresto constante no sistema informático citius com a referência 126687866, na data de 27/03/2023 e, em suporte de papel de folhas 218 a 250, verificamos que o seu teor encontra-se em duplicado, divergindo as duas versões da mesma Sentença, nomeadamente quanto à numeração de alguns parágrafos. 3. E, como não podem ser proferidas duas sentenças em relação a um mesmo processo, tem sempre esta irregularidade de ser sanada. 4. Até porque, se autonomizássemos cada uma das duas versões, obteríamos não uma irregularidade processual, mas uma verdadeira nulidade. 5. Pois, na primeira versão, que está de folhas 218 a 233 deixaria de constar a menção do n.º 2 do artigo 94.º do Código de Processo Penal e, na segunda, que segue de folhas 234 a 250, não se vislumbraria a assinatura da autora da mencionada Sentença. 6. Assim, nos termos do disposto no artigo 380.º do Código de Processo Penal deve a mesma sentença ser devidamente retificada. 7. Acresce que, para além desta irregularidade e independentemente dela, viola ainda a Douta Sentença recorrida várias disposições legais, motivo pelo qual os ora recorrentes discordam do seu conteúdo, particularmente em três pontos, vertidos na fundamentação de direito constante na Douta Sentença que, pelo presente, colocam em escopo. 8. O primeiro prende-se com o entendimento sufragado pelo Tribunal a “quo” de que a pluralidade de atos dos arguidos apenas em apreço nestes autos se subsume a um único crime continuado nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal já citado.” (sublinhado nosso). 9. E, no seu enquadramento jurídico, temos que o crime de abuso de confiança em relação à segurança social, passou a ter consagração legal com o Decreto-Lei n.º 140/95, de 14 de Junho, que aditou ao RJIFNA, nomeadamente, o artigo 27.º-B (Abuso de confiança em relação à segurança social). 10. Estatuindo o n.º 1 do artigo 107.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, que: “1 - As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105.º. 2 - É aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 7 do artigo 105.º”. 11. Apesar das semelhanças dos dois tipos legais previstos nas normas mencionadas, releva para o caso em apreço uma diferença - o objeto de ação. 12. Especialmente porque o que está em causa no crime pelos quais os arguidos foram condenados, são as deduções nas remunerações devidas aos trabalhadores e membros dos órgãos sociais. 13. E releva este aspeto porque estes arguidos não receberam de terceiros a título de impostos para serem entregues ao Estado, quaisquer quantias. 14. Ou seja, no crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, a entidade responsável, enquanto ela própria geradora da receita a entregar pode, pelas dificuldades de tesouraria, não ter alcançado os valores suficientes para satisfazer essa obrigação - como foi o caso dos autos -, enquanto no crime de abuso de confiança fiscal a entidade recebe, efetivamente, as verbas, entrando as mesmas na sua esfera jurídica, decidindo canalizá-las, indevidamente, para outros fins. 15. Esta diferença que, na perspetiva dos ora recorrentes, se mostra extremamente relevante, não pode deixar de ser considerada, concretamente para a apreciação da diminuição da culpa, que existe no caso em apreço, mas que o Tribunal “a quo” não atendeu na sua plenitude, ao não considerar os factos aqui subsumidos como estando englobados na continuação da atividade criminosa precedente. 16. Até porque o crime continuado, que se encontra previsto no n.º 2 do artigo 30.º, do Código Penal, é claramente aplicável ao caso sub judice. 17. Na verdade, uma simples análise a este preceito legal, conduz-nos a essa, por evidente, conclusão. 18. Senão vejamos, num primeiro momento, torna-se necessário que tenha ocorrido uma realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime. 19. E, como salientam Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos no Código Penal de 1982, Rei dos Livros, 1986, Vol. 1, págs. 208 e 209, as diversas resoluções criminosas devem conservar-se dentro de “uma linha psicológica continuada”. 20. O que se verifica no caso dos autos. 21. Segue-se uma homogeneidade essencial na sua execução, a qual, segundo o Prof. Germano Marques da Silva “é apenas um indício exterior da diminuição da culpa” - in Direito Penal Português, pág. 323. 22. O que nos transporta para uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa. 23. Ora, nas palavras do Prof. Eduardo Correia, no livro Direito Criminal, Vol. II, pág. 209, o que fundamenta uma diminuição considerável da culpa é a “existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”. 24. E, ao dizer-se que a situação é exterior quer-se com isso significar que o agente não pode provocar ele próprio uma situação anterior, mas apenas aproveitar-se de uma situação que se repete, e à ocorrência da qual é alheio. 25. Para além disso, torna-se necessário que haja uma conexão temporal entre os diversos atos, uma vez que, de contrário, dificilmente se poderá afirmar, no caso concreto, a ocorrência de uma diminuição considerável da culpa. 26. O que também se verifica no caso concreto. 27. Até porque, não foram os ora recorrentes quem decidiu, deliberou, ou escolheu separar, por diferentes processos, factos repetidos ao longo do tempo. 28. Foi o próprio Instituto de Segurança Social I.P. quem comunicou ao Ministério Público, os factos que seriam suscetíveis de integrar a prática de um crime de abuso de confiança contra si. 29. Mas fê-lo sem critérios, ou seja, de forma completamente arbitrária!! 30. Atentemos, por exemplo, no processo n.º 168/19.2T9VFR, que se iniciou em 2019, e no qual não foram englobadas algumas cotizações subsumidas agora nos autos sub judice, mas reportadas ao período anterior àquele ano de 2019, e que aquele Instituto já sabia não terem sido cumpridas. 31. Com efeito, em 2019, já a sociedade arguida tinha deixado de proceder à entrega ao Instituto da Segurança Social I.P. das contribuições devidas e referentes aos meses de Setembro de 2017 a Abril de 2018 e de Setembro de 2018 até 2019. 32. E o facto de tal Instituto não ter participado, naquela altura ao Ministério Público, este período temporal, em simultâneo com as que abrangeram os autos precedentes, mais não é do que uma decisão arbitrária, sem fundamento ou respaldo legal, tornando-se claramente penalizadora dos ora arguidos. 33. O que nos faz questionar como pode o Tribunal “a quo” penalizar os arguidos pelos critérios arbitrários do indicado Instituto, que pode direcionar conforme lhe é conveniente as notícias do crime? 34. Para além disso, não pode deixar de relevar para este fim, o que refere o Ilustre Professor Taipa de Carvalho, quando diz que “…não pode, sem mais, negar-se a existência de um verdadeiro conflito de deveres, (…) na hipótese em que o patrão, na impossibilidade de pagar os salários e os impostos, cumpre o dever jurídico-laboral em detrimento do dever jurídico-penal fiscal”. 35. Até porque não há ainda uma sólida consciência social nesta matéria, pelo que nos é permitido continuar a considerar a hipótese de o agente ter agido com uma culpa sensivelmente diminuída, não obstante o valor do bem jurídico protegido pelos crimes de abuso de confiança em relação à segurança social. 36. E, pese embora essa consciência social começar a emergir, até por força da grande pendência judicial, a verdade é que continua muito enraizada no nosso tecido empresarial, de pequenas dimensões e pouca escolaridade uma perceção – embora errada – de que os salários são um direito/dever que tem que ser cumprido, acima de tudo o resto, mesmo em detrimento do próprio salário do sócio-gerente, como é o caso manifesto e demonstrado do arguido AA. 37. Afigura-se, deste modo, estarem preenchidos todos os requisitos de aplicabilidade do mencionado preceito legal ao caso sub judice. 38. Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 70.º do código Penal, se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior. 39. Não se aceitando as objeções apontadas na douta sentença recorrida para a aplicabilidade destes preceitos legais, pois elas ficam claramente esbatidas quando confrontadas com a realização da justiça no caso concreto. 40. Até porque, tanto na doutrina, como na jurisprudência aceite, pensamos que de forma pacífica, a integração como crime continuado o abuso de confiança em relação à segurança social. 41. Para além disso, o recurso da sociedade arguida ao Processo Especial de Revitalização, e o cumprimento do acordo homologado, demonstrou a sua clara tentativa de arrepiar caminho da atividade delituosa, devendo ser valorado como diminuição considerável da sua culpa. 42. E o Código Penal, ao prever a atenuação especial da pena conforme o faz no artigo 72.º, criou uma válvula de segurança para situações particulares, como a dos presentes autos, em que se verificam circunstâncias que diminuem as exigências de punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista pelo legislador para o facto, por outra menos severa. 43. Veja-se nesse sentido os Doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferidos no Processo 55/17.9T9SCR.L1-5, e 2002/17.9T9LSB.L1-5, ou ainda o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2008, proferido no Processo n.º 4079/06 -3.ª Secção. 44. Não esquecendo ainda que os arguidos se viram impossibilitados de entregar ao Instituto da Segurança Social I.P. as quantias que nas declarações dos salários dos trabalhadores e dos sócios constam a título de contribuição para a segurança social, única e exclusivamente por força das sérias e graves dificuldades financeiras da empresa, não se tendo apropriado das mesmas para proveito ou benefício próprios. 45. Por último salienta-se que o raciocínio de que a conduta criminosa continuada cessa com uma anterior condenação, esvaziaria de conteúdo o citado n.º 2, do artigo 79.º do Código Penal, já que a aplicabilidade de tal preceito pressupõe, necessariamente, o conhecimento posterior a uma condenação transitada em julgado (e naturalmente posterior à respetiva acusação) de condutas que integrem a continuação criminosa julgada. 46. Não ressalvando, tão pouco, como condição à sua aplicabilidade que a nova conduta conhecida haja sido praticada “anteriormente àquela condenação”, podendo aplicar-se a uma conduta tanto anterior à primeira condenação, como posterior a ela, desde que integrante da continuação e conhecida posteriormente ao trânsito em julgado da anterior condenação. 47. Assim, a condenação sofrida pelos arguidos na Douta Sentença recorrida, pelo que supra se menciona, viola aquele dispositivo legal, e ainda porque tal solução vai impor múltiplas condenações e penas para a prática de um só crime, continuado. 48. Pelo exposto ao entender que os factos já julgados nos processos 703/09.4TAOAZ, 1503/15.8T9VFR e 168/19.2T9VFR não se encontram em situação de continuação criminosa com os factos dos presentes autos, estando preenchidos todos os pressupostos legais para a sua aplicabilidade, viola a Douta Sentença recorrida o n.º 2 do artigo 30.º, e o artigo 79.º, do Código Penal e ainda o n.º 5 do artigo 29.º, da Constituição da República Portuguesa. 49. Deve, desta feita, a decisão recorrida ser revogada e/ou alterada, determinando-se que o crime pelo qual os arguidos foram agora condenados integra a continuação do crime pelo qual foram julgados e condenados no âmbito dos processos anteriores, e que a pena em que incorreram mostra-se, ao abrigo do artigo 79.º, n.º 2, do Código Penal, consumida pela condenação anterior. 50. O segundo ponto de discordância dos recorrentes, que também motiva o presente recurso, prende-se com o dever imposto ao arguido AA para beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, que é o de pagar ao Instituto da Segurança Social a quantia total correspondente às quantias em dívida e acréscimos legais (artigo 14.º n.º 1 RGIT), comprovando nos autos o pagamento das cotizações a que se referem estes autos, que se determina tenha lugar mensalmente, em prestações mínimas de 300,00€ mês, sem prejuízo de proceder a pagamentos em quantias superiores, devendo sempre até ao final do período da suspensão ter procedido ao pagamento integral. 51. Entendem os recorrentes que neste ponto concreto, poderá, por via indireta, ter a douta sentença recorrida operado uma transferência da responsabilidade penal, o que viola o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa que consagra a proibição da transmissão da responsabilidade penal. 52. Com efeito, a responsabilidade legal, pelo pagamento das cotizações devidas e das contribuições retidas é da arguida A..., Lda, pessoa coletiva. 53. Mas a determinação desse pagamento em relação ao arguido AA, como condição de suspensão da execução da pena de prisão, faz com que esse pagamento passe a participar na realização das funções do direito penal. 54. Ou seja, a responsabilidade civil como que se transforma em responsabilidade penal. 55. E, não deixando de ser a mesma responsabilidade, opera-se, desta feita, uma transmissão, ainda que de modo indireto, da responsabilidade da arguida sociedade A..., Lda, para o arguido AA, pessoa singular. 56. Poderíamos ser compelidos a pensar que, por ocorrer de forma indireta, não ocorre uma verdadeira violação desse princípio consagrado constitucionalmente, mas a verdade é que a nossa lei fundamental não distingue a abrangência de tal transmissão, podendo entender-se, por via dessa omissão, que ela abarca tanto a insusceptibilidade direta como a indireta. 57. Assim, como não pode uma lei inferior, como o Regime Geral das Infrações Tributárias, plasmar no seu conteúdo, nomeadamente no n.º 1 do artigo 14.º, uma forma de transmissão da responsabilidade penal, mesmo que indireta, do agente, pessoa coletiva e responsável pelo pagamento da dívida, para o sócio-gerente, pessoa singular, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do artigo 30.º acima mencionado, então nunca poderia ter sido determinada a condição da suspensão da execução da pena de prisão, como o foi. 58. No entanto, para a eventualidade de não vir a ter acolhimento neste Venerando Tribunal, esta alegada inconstitucionalidade, sempre se acrescentará, por cautela de patrocínio, uma outra circunstância que, no entender dos recorrentes, não foi levada em consideração pelo Tribunal “a quo”, quando o deveria ter sido, por violadora da lei, e que se prende com o critério da razoabilidade. 59. Efetivamente, sem nos afastarmos, do vertido no Acórdão n.º 8/2012, que fixou jurisprudência no sentido de que «[n]o processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia», 60. Podemos concluir que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter, nem ter expectativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam. 61. E a imposição de um tal dever representa para o condenado uma obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir, o que contrariaria o disposto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal. 62. Daí que, a nosso ver, se deva interpretar conjugadamente o mencionado artigo 14.º, n.º 1, do RGIT e o artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, do que resulta que nos crimes tributários, tal como acontece com os restantes crimes, só pode ser imposto o dever de pagamento, quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para que essa obrigação possa ser cumprida. In Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no Processo 1467/11.7IDLSB.L1-3. 63. Mas, no entender dos recorrentes, para além da conjugação com o n.º 2, atrás mencionada, reputa-se ainda de essencial para uma correta aferição da própria lei e do seu espírito, a sua conjugação ainda com a alínea a), do n.º 1, do artigo 51.º, do Código Penal, porquanto a mesma prevê a possibilidade do pagamento abranger apenas uma parte, que o tribunal considere ser a possível, em face de todos os elementos carreados para o processo. 64. Assim, da conjugação abrangente do disposto na alínea a), do n.º 1, e no n.º 2, ambos do artigo 51.º, do Código Penal, com o n.º 1 do artigo 14.º do RGIT, podemos concluir que o Tribunal pode, fundamentadamente, suspender a execução da pena de prisão aplicada, mediante o pagamento de quantia inferior à apurada nos autos, por a mesma se mostrar dentro dos juízos da razoabilidade e ser suficiente para as finalidades da punição. 65. Ora, no caso em apreço, tendo em conta o montante da dívida, a profissão do arguido, o valor da sua remuneração, os seus encargos fixos e o facto de não ser conhecida a titularidade de um qualquer bem de fortuna, não se pode exigir que o recorrente pague, no prazo para o efeito estabelecido, a totalidade da quantia em dívida nestes autos e os legais acréscimos – que nem estão estabelecidos. 66. E menos que o faça de forma faseada, mensalmente, quando se sabe que nem em todos os meses ele consegue auferir rendimento. 67. Daí que, forçosamente, se tem que concluir que, no caso em apreço, a suspensão da execução da pena de prisão, não deveria ter ficado condicionada ao pagamento dos montantes em dívida à Segurança Social I.P., pelo menos não no modo como o foi. 68. Até porque desvirtua o cumprimento das prestações, pré-estabelecidas e já determinadas, no âmbito do acordo devidamente homologado por sentença transitada em julgado, no Processo Especial de Revitalização, que correu termos no Tribunal de Comércio de Oliveira de Azeméis, às quais estão associadas diversas garantias válidas, constituídas por ónus reais sobre bens imóveis, podendo mesmo gerar-se um cumprimento duplicado. 69. Com efeito, eles não podem deixar de pagar naquele processo de Revitalização, sob pena de ser declarada a sua Insolvência, o que pretendem evitar. 70. Mas também não o podem deixar de fazer nestes autos, atento o modo como foi estipulado o pagamento nestes autos. 71. Aliás, atendendo à situação económica concretamente do arguido AA – devidamente provada nos autos - e também à situação económica atual que vivemos na nossa sociedade, forçoso será dizer que a condição que lhe foi imposta é praticamente impossível de cumprir. 72. Aliás, o Tribunal "a quo" reconhece essa impossibilidade, pois determinou um pagamento mínimo de 300,00€ mensais, ciente de que um valor superior seria inalcançável ao arguido. 73. E, em 24 meses, ainda não estarão regularizados os 24.936,66€ e acréscimos legais. 74. Poder-se-ia até dizer que o n.º 2 do artigo 14.º, do RGIT, acautela esta hipótese. 75. Mas, a ser assim, estamos a inverter o juízo de prognose – sério – que deve ser feito na altura da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, afastando-nos do Douto Acórdão de fixação de jurisprudência. 76. Nestes termos, concluímos que o ora recorrente não tem condições económicas – nem será seriamente expectável que tenha, no futuro próximo (dois anos) condições económicas que lhe permitam amealhar tal quantia (24.936,66€). 77. Verificando-se, pois, que a condição suspensiva é manifestamente desadequada, injusta e desproporcional face à dicotomia funções da pena/direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados. 78. Nesse sentido encontramos o teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Processo 129/14.8GAVLC.P1, que refere I- A imposição de deveres e regras de conduta, condicionantes da pena suspensa, constitui um poder/ dever, sendo quanto aos deveres condicionado pelas exigências de reparação do mal do crime e quanto às regras de conduta vinculado à necessidade de afastar o arguido da prática de futuros crimes. II – A exigibilidade de tais deveres e regras deve ser apreciada tendo em conta a sua adequação e proporcionalidade em relação com o fim preventivo visado. Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/00ac8ba28a8d5450257e8002ee5ff?OpenDocument 79. A condição suspensiva aplicada, viola, deste modo, os artigos 18.º, n.º 2, e 25.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e o disposto nos números 1 e n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal, devendo ser novamente ponderada, determinando-se outra em sua substituição, que encontre um outro equilíbrio entre o cumprimento da pena e as condições do agente, de forma a tornar legal, justa e exequível a medida imposta e o tempo de suspensão. 80. Igualmente padece de vício por violação da lei a determinação da perda de vantagens a favor do Estado, consagrada na Douta Sentença recorrida, sendo este o último ponto de discórdia dos ora recorrentes com a interpretação feita da lei pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” naquele aresto. 81. Senão vejamos, o artigo 110.º do Código Penal, na alínea b), do n.º 1, define que as vantagens do facto ilícito típico, se consideram todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem. 82. E é comummente entendido que vantagem é todo e qualquer benefício que se alcance. 83. Assim, resta-nos saber se ocorreu uma vantagem para os arguidos com a prática do ilícito pelo qual foram condenados. 84. A resposta é evidentemente negativa. 85. Com efeito, tendo em conta a noção de “vantagem” referida no artigo 110.º do Código Penal, isto é, encarada com o sentido de um incremento patrimonial efetivo, temos que concluir por essa negatividade. 86. Até porque se torna necessário que essa vantagem se espelhe no património do agente, o que, no caso que curamos, não ficou minimamente demonstrado em relação aos arguidos. 87. Aliás, antes pelo contrário, ficaram demonstradas as dificuldades económicas e a circunstância de as receitas geradas no desenvolvimento da sua atividade não terem sequer sido suficientes para o pagamento de todas as despesas – daí a existência das dívidas e do Processo Especial de Revitalização. 88. Por outro lado, temos sempre que interpretar a existência de um incremento como o património aumentado para além, e na medida do excesso, do valor não entregue. 89. Ou seja, a interpretação correta de tal dispositivo legal passa por ter presente qual o património do agente do crime antes da prática dos factos e qual o património do mesmo agente após essa prática, para que, com rigor, se apure qual o efetivo aumento desse património e, consequentemente, se determine a vantagem a perder. 90. Assim, só deve declarar-se perdida uma vantagem que realmente tenha ocorrido, não bastando, para tal, a mera não entrega das quantias devidas ao Estado. 91. No Douto Acórdão deste Venerando Tribunal, de 22/03/2017, in www.dgsi.pt., podemos ler no seu sumário que: "Não há lugar ao decretamento da perda de vantagens (art.º 111º do Código Penal) se o Estado (A.T.) optou pela recuperação do seu crédito de imposto através da execução fiscal, arredando o Ministério Público de intervenção na recuperação daquela quantia por considerar ter meios suficientes para cobrança coerciva desse imposto.". No mesmo sentido, ainda o Acórdão, de 05/04/2017, igualmente disponível in www.dgsi.pt. 92. Em face do vertido nestes Acórdãos parece legítimo aos recorrentes a sua aplicabilidade por analogia ao caso em apreço, dado o acordo de pagamento homologado por sentença transitada em julgado, no âmbito do Plano de Revitalização. 93. Até porque decorre do próprio preceito legal, a impossibilidade de se declararem perdidas a favor do Estado, as quantias equivalentes às prestações não entregues e, por maioria de razão, aquelas relativamente às quais tenha havido condenação ou acordo no seu pagamento. 94. Atentemos ainda no que acaba por ser uma incongruência da Douta Sentença recorrida. 95. Com efeito, se proceder a condição para a suspensão da execução da pena de prisão que passa pelo pagamento do arguido AA ao Instituto da Segurança Social I.P., das contribuições discutidas nestes autos, então, nunca poderá o Ministério Público executar a perda da vantagem determinada, enquanto não decorrer o prazo de pagamento estipulado, ficando ainda o mesmo condicionado, na sua ação, apenas para a eventualidade de o indicado arguido não proceder, até ao final do tempo, a esse mesmo pagamento. 96. Pois, se assim não for e, o Ministério Público, em representação do Estado, executar essa perda imediatamente após o trânsito em julgados dos presentes autos, então, o arguido AA ficará automaticamente desobrigado de proceder a esse pagamento, pois o mesmo já terá ocorrido com a execução, esvaziando-se, desta forma simplista, as finalidades da própria punição. 97. Tal como será posto em causa todo o acordo já homologado por Sentença transitada em julgado, efetuado no âmbito do Processo Especial de Revitalização, se este executar a perda da vantagem imediatamente, correndo-se ainda o risco de ocorrer uma duplicação de pagamento. 98. Salienta-se, por fim, que o próprio Estado é titular de um direito de crédito relativamente a uma obrigação, sendo que a obrigação tributária (por corresponder a um Direito da Segurança Social) não pode ser declarada perdida em seu próprio benefício. 99. Pelo que, o regime jurídico da “perda de vantagens” previsto no artigo 110.º do Código Penal, não justifica que sejam declaradas perdidas a favor do Estado vantagens que efetivamente não existiram, nem justifica declarações de perda de vantagens meramente intimidatórias e sem qualquer utilidade prática ou mesmo incongruentes, devendo a Douta Sentença recorrida ser substituída por outra em que improceda tal perda de vantagem. 100. Não sendo assim entendido, sempre se dirá também que, uma qualquer determinação de perda de vantagens, no caso em apreço, por força do atrás referido, deverá ficar condicionada, ela própria, à prévia verificação da sua recuperação, dentro dos prazos já fixados, ou dos que se vierem a fixar para esse ressarcimento, quer no âmbito dos presentes autos, quer no âmbito do Processo Especial de Revitalização. 101. Só será considerada justa e adequada uma sentença que: • Determine outra medida como suspensão da execução da pena de prisão; e • Não determine a perda de vantagem. 102. Nestes termos, a decisão recorrida padecendo de vício substancial, por violação das normas legais atrás mencionadas, deve ser substituída por outra, que se adeque à justiça do acaso em apreço. Pelo exposto, e do muito que há a esperar do douto suprimento para as deficiências do patrocínio, aguardam os recorrentes que seja admitido o presente recurso e consequentemente lhe seja dado provimento, devendo a Sentença ser revogada por um Acórdão que atenda ao que supra se expõe, como é de Direito e de JUSTIÇA!» * O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo. * O Ministério Público respondeu ao recurso dos arguidos, pugnando pela sua improcedência.* O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida, salientando a circunstância de não se verificar, neste momento, a apontada irregularidade processual, por a mesma ter sido já reparada pelo tribunal de primeira instância, a inadequação da figura do crime continuado, no caso concreto, por falta de verificação dos respetivos pressupostos, para além da natureza obrigatória da declaração de perda de vantagens e da condição pecuniária imposta para a suspensão da execução da pena de prisão.* Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Sr. Procurador-Geral Adjunto.Procedeu-se a exame preliminar e, colhidos os vistos, após conferência, cumpre apreciar e decidir. * II - FundamentaçãoÉ pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cf., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt). Podemos, assim, equacionar como questões colocadas à apreciação deste tribunal, as seguintes: 1) Irregularidade processual. 2) Verificação dos pressupostos do crime continuado. 3) Suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais – constitucionalidade e juízo de prognose relativo à razoabilidade de imposição da condição. 4) Perda de vantagens. * Delimitado o thema decidendum, importa conhecer a factualidade em que assenta a decisão proferida e os respetivos segmentos alvo dos presentes recursos.«A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A.1) FACTOS PROVADOS Com interesse para a boa decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: 1. A arguida A..., Lda tem como objeto a fabricação de janelas, portas e elementos similares em metal e o número de contribuinte para a Segurança Social .... 2. O arguido sempre assumiu as funções de direção e organização da sociedade arguida, dando ordens e instruções e controlando toda a atividade, chamando a si a iniciativa e a responsabilidade por todas as decisões do giro da empresa, nomeadamente perante trabalhadores, fornecedores, Autoridade Tributária e Segurança Social. 3. No exercício das suas funções, impendia sobre o arguido a obrigação de, em nome da sociedade arguida, reter no ato de pagamento das remunerações mensais aos trabalhadores por sua conta as cotizações legais a entregar à Segurança Social, montantes esses que, bem sabiam, pertenciam à Segurança Social e a ela deveriam ser entregues. 4. Assim, atuando em nome e no interesse da sociedade arguida e nos seus próprios interesses pessoais, o arguido, apesar de ter efetuado as retenções a que alude o art.º 42º, nºs 1 e 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial da Segurança Social (Lei nº 110/2009, de 16-09) aos trabalhadores da sociedade arguida, não entregou esses montantes nos cofres da Segurança Social, utilizando tais quantias em benefício próprio, como se lhes pertencesse. 5. Com efeito, o arguido, em representação da arguida sociedade, reteve mensalmente do valor das remunerações dos trabalhadores as respetivas cotizações legais e não as entregou nos cofres da Segurança Social, entre os meses de Setembro de 2017 a Abril de 2018 e de Setembro de 2018 a Janeiro de 2021, os montantes que a seguir se discriminam: 6. Apesar de o arguido ter procedido ao desconto destas quantias nos vencimentos dos trabalhadores, não as entregou à Segurança Social mensalmente, entre o 10º e 20º dia do mês seguinte àquele a que as cotizações respeitavam, nem nos noventa dias seguintes, integrando a totalidade das cotizações retidas aos salários pagos aos trabalhadores, no montante de 24.936,66€, no património da sociedade arguida. 7. Os arguidos foram notificados a 10 de Novembro de 2021 para, no prazo de 30 dias, procederem ao pagamento da quantia descrita em 6), nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b) do R.G.I.T, no entanto, o pagamento da quantia em dívida e seus juros não foi efetuado até ao termo desse prazo. 8. Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu de forma livre e consciente, bem sabendo que os montantes que reteve como cotizações obrigatórias eram devidos à Segurança Social e a esta deviam ser entregues, não devendo ser gastos em seu benefício e da sociedade arguida, tal como fez e que, por esse motivo, não podia agir de tal modo. 9. Ao assim proceder não desconhecia o arguido o carácter proibido e criminalmente punido das suas condutas. - Provou-se ademais que: 10. No Processo Comum Singular 703/09.4TAOAZ que correu termos nesta Comarca no extinto 2º Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis, e cuja sentença transitou em julgado em 11.07.2011 ( e cujo teor se dá aqui para todos os efeitos por reproduzido) foram dados como provados os seguintes factos: «1) os arguidos BB, AA e CC eram os únicos sócios gerentes da arguida A..., Lda, à data da prática dos factos, exercendo toda a gestão desta sociedade que se dedica à fabricação de janelas, portas e elementos similares em metal, tratamentos e revestimentos de metais e montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia, atuando sempre no interesse, em nome e a favor da sociedade arguida (certidão de matrícula fls. 8 a 11). 2) Nessa qualidade os arguidos procederam ao desconto das contribuições devidas à Segurança Social pelos seus trabalhadores nas remunerações efetivamente a estes pagas e sem que tivessem procedido à sua entrega nos cofres da Segurança Social – Estado, nos prazos legalmente estipulados, nem nos noventa dias posteriores, num total de € 23.084,92 (…) 11. Os factos referidos em 10. foram levados a cabo nos períodos relativos aos meses de Março de 2007 a Abril de 2007 e de Agosto de 2007 a Março de 2009. 12. No processo referido em 10. foram o arguido e a Sociedade arguida condenados sendo o arguido em onze meses de prisão suspensa na sua execução e a sociedade arguida na pena de 400 dias de multa à taxa diária de oito euros pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada previsto e punível pelos artigos 105º, nº 1, 107º, do Regime Geral das Infrações Tributárias - Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e 30º, nº 2 do Código Penal. 13. As penas referidas em 12. mostram-se extintas pelo seu cumprimento. 14. No Processo Comum Singular 1503/15.8T9VFR que correu termos nesta Instância local, e cuja sentença transitou em julgado em 13/11/2017 (e cujo teor se dá aqui para todos os efeitos por reproduzido) foram dados como provados os seguintes factos: “1º A arguida A..., Lda. é uma sociedade comercial por quotas, com sede no concelho de Oliveira de Azeméis, com o número de contribuinte da Segurança Social ..., que se dedica à fabricação de janelas, portas e elementos similares em metal, tratamentos e revestimentos de metais e montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia. 2º No período de Abril de 2009 até à data dos factos infra exerciam a gerência da sociedade os arguidos DD, AA e CC. 3º No período compreendido entre Abril de 2009 a Setembro de 2014, a referida sociedade deixou de proceder à entrega ao Instituto da Segurança Social I.P. das contribuições devidas à Segurança Social decorrentes dos descontos efetuados nas remunerações pagas aos órgãos estatutários ou equiparados e dos trabalhadores da sociedade. 4º No período compreendido de Abril de 2009 a Dezembro de 2010, Maio de 2011 a Dezembro de 2012 e Fevereiro de 2013 a Setembro de 2014, a referida sociedade deixou de proceder à entrega ao Centro Regional da Segurança Social das contribuições devidas à Segurança Social decorrentes dos descontos efetuados nas remunerações pagas aos trabalhadores e gerentes, correspondendo: - O valor de 59.281,23€ respeitantes ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem; - O valor de 7.797,64€ respeitante ao regime dos membros dos órgãos Estatutários, Sendo que a contribuição mais elevada em falta diz respeito ao mês de Dezembro de 2010, no montante de 2.189, 37 € respeitantes ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem. 5º Com efeito, a citada sociedade comercial, através dos arguidos, então gerentes da sociedade, procederam às deduções do valor das contribuições das remunerações pagas aos trabalhadores e das contribuições no valor das remunerações pagas aos gerentes e devidas a título de contribuições para a Segurança Social e não as entregaram à Segurança Social. 6º O montante global das contribuições efetivamente retidas pela citada sociedade ascende a €67.078,87 (sessenta e sete mil, setenta e oito euros e oitenta e sete cêntimos). 7º Em vez de entregar os referidos quantitativos à Segurança Social mensalmente até ao 15º dia do mês seguinte àquele a que respeitavam até ao ano de 2010, e entre o 10º e o 20º dia do mês seguinte a partir de Janeiro de 2011, nos termos da lei, a "A..., Lda., através dos arguidos, não o fez, e não procedeu a essa entrega nos noventa dias seguintes ao termo desse prazo nem em qualquer outro momento, apesar de todos arguidos terem sido notificados para o efeito. 8º Em vez de entregar tais montantes, a sociedade fez suas tais quantias passando a dispor das mesmas para satisfazer outros compromissos da empresa. 9º”. 15. No processo referido em 14. foram o arguido e a Sociedade arguida condenados, sendo o arguido em catorze meses de prisão suspensa na sua execução condicionada ao pagamento da quantia em dívida (€67.078,87) e a sociedade arguida na pena de 400 dias de multa à taxa diária de oito euros pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada previsto e punível pelos artigos 105º, nº 1, 107º, do Regime Geral das Infrações Tributárias - Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e 30º, nº 2 do Código Penal. 16. No processo referido em 14., nos termos do disposto no artigo 79º, nº 2, do Código Penal, considerou-se que os factos julgados no processo Comum Singular 703/09.4TAOAZ, integram e mostram-se abrangidos pela continuação criminosa julgada nestes autos e assim ali se determinou a perda de autonomia da condenação ali proferida passando a estar integrada e consumida tal pena na ora proferida no presente processo por ser aquele a que corresponde a conduta mais grave, julgando-se pois que remanescem por cumprir três meses de prisão, suspensos pelo aludido período de catorze meses com a obrigação dita em n). 17. No Processo Comum Singular 168/19.2T9VFR que correu termos nesta Instância local, e cuja sentença transitou em julgado em 16/04/2021 (e cujo teor se dá aqui para todos os efeitos por reproduzido) foram dados como provados os seguintes factos: “1º A arguida A..., Lda. é uma sociedade comercial por quotas, com sede no concelho de Oliveira de Azeméis, com o número de contribuinte da Segurança Social ..., que se dedica à fabricação de janelas, portas e elementos similares em metal, tratamentos e revestimentos de metais e montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia. 2º No período de Abril de 2009 até à data dos factos infra exerciam a gerência da sociedade os arguidos DD, AA e CC. 3º No período compreendido entre outubro de 2014 a novembro de 2015 e fevereiro de 2016 a agosto de 2017 a referida sociedade deixou de proceder à entrega ao Instituto da Segurança Social I.P. das contribuições devidas à Segurança Social decorrentes dos descontos efetuados nas remunerações pagas aos órgãos estatutários ou equiparados e dos trabalhadores da sociedade. 4º No período compreendido de entre outubro de 2014 a novembro de 2015 e fevereiro de 2016 a agosto de 2017, a referida sociedade deixou de proceder à entrega ao Centro Regional da Segurança Social das contribuições devidas à Segurança Social decorrentes dos descontos efetuados nas remunerações pagas aos trabalhadores e gerentes, correspondendo: - O valor de 19.402,41€ respeitantes ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem; - O valor de 3.427,94€ respeitante ao regime dos membros dos órgãos Estatutários, Sendo que a contribuição mais elevada em falta diz respeito ao mês de dezembro de 2014 no valor de €1.194,69. 5º Com efeito, a citada sociedade comercial, através dos arguidos, então gerentes da sociedade, procederam às deduções do valor das contribuições das remunerações pagas aos trabalhadores e das contribuições no valor das remunerações pagas aos gerentes e devidas a título de contribuições para a Segurança Social e não as entregaram à Segurança Social. 6º O montante global das contribuições efetivamente retidas pela citada sociedade ascende a €23.252,96. 7º Em vez de entregar os referidos quantitativos à Segurança Social mensalmente até ao 15º dia do mês seguinte àquele a que respeitavam até ao ano de 2010, e entre o 10º e o 20º dia do mês seguinte a partir de Janeiro de 2011, nos termos da lei, a "A..., Lda., através dos arguidos, não o fez, e não procedeu a essa entrega nos noventa dias seguintes ao termo desse prazo nem em qualquer outro momento, apesar de todos arguidos terem sido notificados para o efeito. 8º Em vez de entregar tais montantes, a sociedade fez suas tais quantias passando a dispor das mesmas para satisfazer outros compromissos da empresa. 9º Ao atuarem da forma descrita, agindo em nome, representação e no interesse da citada sociedade por quotas, os arguidos sabiam que os montantes deduzidos das remunerações dos trabalhadores e dos gerentes, e devidos a título de contribuições para a segurança social não lhes pertenciam, nem à sociedade da qual eram gerentes, cabendo apenas a esta entidade deduzir os montantes e entrega – los à Segurança Social. 10º Sabiam igualmente os arguidos que, ao não efetuarem a entrega desses montantes à Segurança Social, utilizando tais verbas para satisfazer outros compromissos da sociedade, estavam a apoderarem-se de quantias que não lhes pertenciam nem à citada sociedade, não obstante tais conhecimentos, os arguidos procederam à dedução nos salários e integraram os respetivos montantes devidos à Segurança Social no património da sociedade, querendo e conseguindo, com tal conduta, provocar o enriquecimento da sociedade na medida das quantias devidas ao Estado e, o consequente, prejuízo da Segurança Social. 11º Os arguidos, na qualidade de gerentes da sociedade, sabiam que a sua conduta era proibida e criminalmente punível.” 18. No processo referido em 17. decidiu-se, a final, “Nos termos do disposto no artigo 79º, nº 2, do Código Penal, considerar que os factos julgados no processo Comum Singular 703/09.4TAOAZ e 1503/15.8T9VFR que correram termos nesta Comarca no extinto 2º Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis e nesta instância local, respetivamente integram e mostram-se abrangidos pela continuação criminosa julgada nestes autos, e assim Manter as penas ali aplicadas aos arguidos BB, AA, CC e a sociedade arguida A..., Lda, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos art.ºs 105.º, n.º 1 do RGIT e 30.º e 79.º do Código Penal, e designadamente em penas de 14 meses de prisão para cada um dos arguidos e na pena de 400 dias de multa para a sociedade arguida, pena que engloba os factos integradores de tal crime, considerados provados, tanto naqueles dois autos, como nos presentes autos, e já extintas”. 19. As penas referidas de penas mostram-se extintas pelo seu cumprimento. 20. A sociedade arguida figura como devedora no processo de revitalização que corre termos no Juiz 1 do Juízo Central de Comércio de Oliveira de Azeméis, tendo, por sentença transitada em julgado em 22.12.2022 sido homologado o plano de revitalização, figurando como credor o ISS, IP, com créditos reconhecidos no valor total de €520 734.17, garantido por hipoteca legal, registada sobre o imóvel registado na Conservatória do Registo Predial com a descrição n.º..., do Concelho de Oliveira de Azeméis, Freguesia ... – inscrito nas respetivas matrizes sob os artigos ......, ...... e ..., privilégios creditórios imobiliário e mobiliário geral, sendo acordado plano de pagamento em prestações, que engloba as quotizações referidas em 5. 21. O arguido tem o 6.º ano de escolaridade, é gerente da sociedade arguida, auferindo o vencimento de cerca de €700,00, vive com os pais em casa própria destes, não contribuindo para as despesas domésticas, tem dois filhos, já maiores e autónomos. 22. A arguida é uma sociedade por quotas, com o capital social de €125.100,00, encontrando-se a laborar com cerca de 9 trabalhadores ao seu serviço. 23. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais registados: - Por sentença transitada em julgado em 11.7.2011 proferida no processo comum singular 703/09.4TAOAZ, pela prática em Março de 2007 de um crime de abuso de confiança à segurança social, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na execução, por um ano, subordinada a deveres, extinta pelo cumprimento; - Por sentença transitada em julgado em 17.10.2016, proferida no processo comum singular n.º230/15.0IDAVR, pela prática, em Março de 2007 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 12 meses de prisão suspensa na execução, já extinta; - Por sentença transitada em julgado em 13-11-2017 proferida no processo comum singular n.º P.C.S. 1503/15.8T9VFR, pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, praticado em 2015, na pena de 14 meses de prisão (na qual foi integrada a pena do P. 703/09.4TAOAZ), subordinada a deveres, extinta pelo cumprimento; - Por sentença transitada em julgado em 16.04.2021, no P. 168/19.2T9VFR, pela prática em Abril de 2009, de um crime de abuso de confiança à segurança social, sendo mantida a pena na qual o arguido foi condenado no P. 1503/15.8T9VFR, integrando-se os factos de ambos os processos em continuação criminosa, nos termos do art. 79.º n.º2 do Código Penal. 24. A arguida tem os seguintes antecedentes criminais registados: - Por sentença transitada em julgado em 11.7.2011 proferida no processo comum singular 703/09.4TAOAZ, pela prática em Março de 2007 de um crime de abuso de confiança à segurança social, na pena de 400 dias de multa à taxa diária de €8,00, extinta pelo cumprimento; - Por sentença transitada em julgado em 17.10.2016, proferida no processo comum singular n.º230/15.0IDAVR, pela prática, em Março de 2007 de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €10,00, já extinta; - Por sentença transitada em julgado em 13-11-2017 proferida no processo comum singular n.º P.C.S. 1503/15.8T9VFR, pela prática de um crime de abuso de confiança à segurança social, praticado em 2015, na pena de 400 dias de multa, já cumprida no P. 703/09.4TAOAZ; - Por sentença transitada em julgado em 16.04.2021, no P. 168/19.2T9VFR, pela prática em Abril de 2009, de um crime de abuso de confiança à segurança social, sendo mantida a pena na qual a arguida foi condenada no P. 1503/15.8T9VFR, integrando-se os factos de ambos os processos em continuação criminosa, nos termos do art. 79.º n.º2 do Código Penal. A.2) FACTOS NÃO PROVADOS A) As quantias referentes às quotizações referidas em 5. já estão pagas ao abrigo do acordo de pagamento prestacional referido em 20. - O mais, seja da acusação e pedido de indemnização civil, não resulta espelhado na factualidade ora dada por provada e não provada, por se tratar de matéria genérica, conclusiva, de direito ou sem interesse para a boa decisão da causa. […]» * Apreciando os fundamentos do recurso.I) Erro material / irregularidade processual. Começam os recorrentes por referir, no recurso que agora apreciamos, que a sentença constante dos autos foi proferida “em duplicado”, devendo ser sanada esta irregularidade, ao abrigo do disposto no artigo 380.º do Código de Processo Penal. Efetivamente, e como faz notar o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, tal duplicação evidencia-se e decorre da simples leitura do texto da decisão, verificando-se que a mesma, salvo quanto à data e referência ao artigo 94º, n.º 2, do CPP, se repete quanto ao relatório e à respetiva fundamentação e dispositivo, nas páginas 33 a 64. Contudo, sobre essa questão pronunciou-se o tribunal a quo, no despacho de admissão do recurso, de que se prevaleceu para, reconhecendo a duplicação, decidir tratar-se de um mero lapso de composição e inserção informática do texto na representação eletrónica do processo na plataforma Citius, cabível na previsão do artigo 380º, n.º 1, al. b), do CPP, e proceder à sua correção [1] - o que se afigura legal, pertinente e oportuno, na medida em que a referida duplicação só pode ter resultado de lapso nas operações conducentes à sua inserção na representação eletrónica do processo, como é observado no parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, sendo manifesta a coincidência de conteúdo dos trechos duplicados, de que, aliás, não resulta qualquer ambiguidade ou obscuridade sobre a sua fundamentação de facto e de direito e sentido decisório. A eliminação da parte do texto duplicado nenhuma modificação essencial provoca na sentença objeto do presente recurso, sendo, por isso, consentida nos termos do art.º 380.º, n.º 1, b) do CPP, como se faz notar no acórdão deste TRP de 20/1/2021 (proferido no processo 1734/10.7TXEVR-O-P1 e disponível para consulta no sítio www.dgsi.pt). Deve, por conseguinte, ter-se por corrigido o referido lapso material. * II) A questão do “crime continuado”.De acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 30.º do Código Penal, constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Fundando-se a diminuição da culpa (que justifica a punição pelo crime continuado) no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente, o pressuposto da continuação criminosa deverá ser encontrado numa relação que, de modo considerável, e de fora, facilitou aquela repetição, conduzindo a que seja, a cada crime, menos exigível ao agente que se comporte de maneira diversa. Importante, portanto, será determinar quando existiu um condicionalismo exterior ao agente que facilitou a ação daquele e a repetição da atividade criminosa (“tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito” – cf. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, II, pág. 209) e, por isso, diminui/atenua a respetiva culpa. É que se o agente concorre para a existência daquele quadro ou condicionalismo exterior está a criar condições de que não pode aproveitar-se para que possa dizer-se verificada a figura legal da continuação criminosa. É esse o entendimento da jurisprudência dominante, como se observa no acórdão do STJ de 19/3/2009 (disponível em www.dgsi.pt), ao afirmar que inexiste crime continuado – mas concurso de infrações - «quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem ou arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa». Ora, no presente caso, é manifesto que resulta da factualidade provada que foi sempre o próprio arguido, atuando em representação da sociedade arguida, que criou as condições necessárias por forma a poder concretizar os seus intentos criminosos e, assim, formulou várias resoluções criminosas, agindo e concretizando-as em função de cada caso concreto, sem que tivesse ficado demonstrado qualquer fator exterior ou exógeno que diminua ou mitigue a sua culpa. A continuação criminosa supõe a repetição da conduta no quadro de uma mesma situação exterior que atenue a culpa do agente (artigo 30.º, n.º 2, in fine, do Código Penal); e tal não se verifica quando ocorre uma descontinuidade temporal nessa repetição e a partir do momento em que o agente é advertido por algum órgão do Estado da ilicitude dessa conduta, como é observado no acórdão deste TRP de 8/2/2023 (relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato e disponível para consulta em www.dgsi.pt). Assiste, por isso, inteira razão ao tribunal de primeira instância quando assinala que não se perspetiva uma situação de continuação criminosa entre os factos julgados nos presentes autos e aqueles já julgados nos processos 703/09.4TAOAZ, 1503/15.ST9VFR e 168/19.2T9VFR. Com efeito, não obstante nos encontrarmos em períodos de tempo subsequentes aos que integraram e foram julgados nos processos supra identificados, não podemos olvidar que os arguidos já haviam sido condenados por sentenças transitadas em julgado em 2011, 17/10/2016 e 13/11/2017 pela prática de crimes de abuso de confiança fiscal e também contra a segurança social. Deste modo, acompanhando o entendimento sufragado no acórdão do TRP de 8/2/2023, atrás mencionado, e ainda no acórdão do TRC de 10/3/2021 (Ana Carolina Cardoso, in www.dgsi.pt), perante uma sentença condenatória anterior do agente pela prática de um crime continuado – em concreto, um crime continuado de abuso de confiança fiscal ou contra a segurança social –, o momento temporal a considerar para a inversão do sentido de culpa do agente, de uma diminuição considerável para a sua agravação, só pode ser o do trânsito em julgado daquela decisão. Como é salientado na sentença recorrida, “ocorre com o trânsito em julgado das condenações anteriores uma quebra do requisito relacionado com a “diminuição considerável da culpa” do agente. É que tal pressuposto implica uma menor exigibilidade de conduta diversa por parte do agente. Ora, tal menor exigibilidade de conduta diversa deixa de se verificar a partir do momento em que o agente é advertido, mormente em face de sentença transitada em julgado, alertando-o para as consequências penais da sua conduta e, não obstante de tal se encontrar devidamente advertido e ciente, o arguido persiste na sua conduta criminosa. Tal, ademais de não preencher o pressuposto legal em causa no art.º 30.° n.°2 CP, ainda inculca no sentido inverso, ou seja, consubstanciando agravante da culpa dos arguidos nas condutas posteriores e que integram a unidade criminosa em apreço.”. Aliás, e como bem observa o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, no presente caso nem sequer aqui haveria que convocar a figura do crime continuado, por falta de verificação dos respetivos pressupostos, em particular da referida causa externa suscetível de diminuir sensivelmente a culpa dos arguidos, antes se perfilando mais consentâneo com a sua atuação a punição por um ou vários crimes de abuso de confiança, analisados como de trato sucessivo, por cada um dos períodos temporais judicialmente escrutinados, na sequências das acusações contra eles deduzidas, também por diferentes períodos temporais. Com efeito, há muito que a doutrina e a jurisprudência deixaram de atribuir essa natureza à simples inação ou demora na intervenção e fiscalização do Estado/Segurança Social sobre o funcionamento das entidades económicas em matéria de cumprimento das respetivas obrigações contributivas e tributárias, as quais constituem um ónus ou obrigação inerente a essa mesma atividade. Por outro lado, e como também se assinala no parecer constante dos autos, dificuldades económicas e financeiras, estruturais ou conjunturais, no desenvolvimento das atividades económicas e comerciais não justificam a falta de cumprimento das obrigações fiscais ou análogas, antes obrigando, se for o caso, para proteção dos credores e da sã concorrência, ao recurso aos meios disponíveis no ordenamento jurídico, como sejam a insolvência e/ou mecanismos de recuperação negociados e judicialmente escrutinados e decretados, como, de resto e finalmente, terão feito os recorrentes mediante o Plano de Recuperação e Revitalização da empresa de que são proprietários e gerentes. Inexiste, consequentemente, continuação criminosa entre os factos julgados na sentença recorrida e os factos objeto das condenações anteriores, improcedendo, consequentemente, o presente fundamento do recurso. * III) Suspensão da execução da pena de prisão condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais – constitucionalidade e juízo de prognose relativo à razoabilidade de imposição da condição.Invocam os recorrentes que, impondo o tribunal a quo ao arguido AA a obrigação de pagamento dos valores em dívida à Segurança Social, como condição para beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, operou-se uma transferência da responsabilidade penal da pessoa coletiva para o arguido, que atuou em sua representação, o que viola o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa. Contudo, e diversamente do que sustenta o recorrente, não se descortina na sentença recorrida qualquer violação da regra da intransmissibilidade da responsabilidade penal, consagrada no artigo 30.º, n.º 3, da CRP. Com efeito, e contrariamente ao que parece pressupor o recorrente, a sua responsabilidade criminal é originária (funda-se na prática, a título individual, do crime de abuso de confiança contra a segurança social demonstrado nos autos) e não subsequente ou derivada da responsabilidade igualmente reconhecida à pessoa coletiva da qual era gerente. Além disso, importa atentar no art.º 14º do RGIT (Lei n.º 15/2001, de 5/6), que dispõe, no seu n.º 1, que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa. A propósito da interpretação e aplicação da referida norma contida no RGIT, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012 (publicado no DR nº 206, 1ª série, de 24/10/2012) veio fixar jurisprudência no sentido seguinte: «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art.º 105.°, n.° 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art.º 50.°, n.° 1, do CP, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o art.º 14.°, n.° 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.» Salientando o STJ a obrigatoriedade da imposição da condição – e sublinhando que, no domínio tributário, existe apenas uma espécie pré-definida de dever, de sentido e expressão única, com uma dimensão económica exata, intocável, incontornável, sem possibilidade de configuração parcial, de qualquer redução, corte ou desconto, configurando-se como pena fixa –, observa que o julgador, concluindo pela impossibilidade do cumprimento, deve reponderar a hipótese de optar por pena de multa, “pois o processo de confeção da pena a aplicar não é um caminho sem retorno, há que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes”. Isto porque “o que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a imposição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exatamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exatamente por isso a merecer maiores cuidados. A suspensão está subordinada, ela própria, à verificação de pressupostos, carecendo de avaliação a situação presente”. Assim, e como vem sendo salientado pela generalidade da jurisprudência dos tribunais superiores, o acórdão de uniformização de jurisprudência n° 8/2012 não permite ultrapassar a obrigatoriedade da sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e do montante dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do artigo 14°, n° 1, do R.G.I.T. [2] Importa, ainda, sublinhar que a necessidade do juízo de prognose a que se reporta o acórdão de uniformização de jurisprudência n° 8/2012 só se verifica quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos do artigo 14°, n° 1, do RGIT) ou outra pena não privativa da liberdade. Esta jurisprudência, diretamente aplicável ao crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1, do R.G.I.T. – crime punível com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução) ou pena de multa -, é também aplicável a outros crimes tributários puníveis com pena de prisão (eventualmente suspensa na sua execução, nos termos indicados) ou pena de multa. Assim, estando em causa um crime fiscal punível com pena de prisão ou pena de multa, a opção pela pena de prisão e subsequente determinação da suspensão da respetiva execução, tomada pelo tribunal de primeira instância, não podia prescindir da prévia formulação do juízo de prognose quanto à efetiva capacidade (presente e futura) do arguido para satisfazer a condição – que é, como vimos, de natureza obrigatória e, por isso, também não podia deixar de ser determinada, caso o resultado daquele juízo de ponderação fosse positivo. Sucede que, no presente caso, o tribunal de primeira instância omitiu em absoluto a formulação do necessário juízo de prognose, mostrando-se omissa a decisão recorrida quanto à ponderação da capacidade económica do recorrente para suportar o pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos. Com efeito, lido o segmento da decisão recorrida referente à suspensão da execução da pena de prisão (previamente determinada), verificamos que em nenhum momento a questão da formulação do juízo de prognose é tratada. O tribunal de primeira instância apoiou-se na norma contida no art.º 50.º do Código Penal, ignorando, contudo, a norma especial prevista no art.º 14.º do RGIT. A omissão da necessária formulação do juízo de prognose a que alude o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência n.º 8/2012, determina a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP [3]. Impõe-se, assim, que o tribunal de primeira instância equacione a possibilidade de imposição da condição pecuniária ao arguido AA, formulando o mencionado juízo de prognose, tendo em conta a sua concreta situação económica, e decida em conformidade: caso o resultado dessa ponderação seja positivo (eventualmente, mediante a extensão do prazo de suspensão até ao limite de cinco anos, para facilitar o cumprimento da obrigação pecuniária), mantendo a suspensão da execução da pena de prisão, obrigatoriamente condicionada ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos; caso seja negativo, regressando ao primeiro passo da decisão relativa à determinação da sanção (escolha da pena a aplicar: prisão ou multa; eventualmente, optando por outra pena de substituição, caso considere inadequada a pena de multa, ou determinando o cumprimento da pena de prisão, revelando-se inadequadas todas as penas de substituição) [4]. Procede, assim, parcialmente o presente fundamento do recurso. * IV) Declaração de perda das vantagens do crime.Analisemos, por fim, o último dos fundamentos invocados no recurso, que se prende com a declaração de perda das vantagens resultantes do crime e cujo conhecimento não fica prejudicado pela decisão anteriormente proferida, quanto à nulidade parcial da sentença recorrida. Discorrendo sobre a problemática da declaração de perda a favor do Estado das vantagens do facto ilícito típico, escreveu o tribunal de primeira instância na sentença recorrida o seguinte (segue transcrição parcial): «DA PERDA DE VANTAGENS Promoveu ainda o Ministério Público que se declare perdida a favor do Estado da vantagem patrimonial obtida pelos arguidos ao abrigo do disposto no art.º 110. n.°1 al b) do CP e arts. 490.° e 497.° CC ex vi art. 129.° CP, sem prejuízo dos direitos do lesado — cf. art. 110.º n.º 6 e 130.° n.° 2 CP. Nos termos das disposições citadas “1 - São declarados perdidos a favor do Estado b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente re9ultante desse facto, para o agente ou para outrem 2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem 3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado 4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112. °-A. 5 — O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz”. No caso em apreço, não obstante o acordo celebrado e homologado em sede de PER não se vê que se mostre já paga a quantia em causa nos autos. Por outro lado, não se vê que qualquer acordo (ou PIC que tivesse sido deduzido) constitua obstáculo à declaração de perda de vantagem — cf. neste sentido Ac. TRL de 08.07.2020 P. 165/16.OT9LNH.L1-3, in www.dgsi.pt. Assim, em face dos factos provados, cumpre julgar verificados os pressupostos legais da norma em apreço e em consequência declarar perdida a favor do Estado o valor global de 24.936,66 €, correspondente à vantagem patrimonial obtida pela prática do ilícito, condenando-se os arguidos a pagar solidariamente tal quantia ao Estado, sem prejuízo dos direitos dos ofendidos (ISS, incluída, portanto) ou de terceiros de boa fé, bem como da dedução de eventuais quantias da dívida que tenham sido, entretanto, pagas.». A posição sustentada na sentença recorrida corresponde à ideia, defendida pela generalidade da jurisprudência mais recente e, claramente, maioritária neste Tribunal da Relação do Porto, de que o confisco das vantagens não constitui um mecanismo eventual ou facultativo de assegurar as finalidades (fundamentalmente preventivas) que lhe estão subjacentes. Com efeito, já no acórdão proferido no processo n.º 282/18.1T9PRD.P1[5] fizemos notar que o legislador nacional estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, que com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos – como claramente resulta do disposto no artigo 110.º do Código Penal, na redação introduzida com a Lei 30/2017, reproduzindo, no essencial, o disposto no art.º 111º do Código Penal, na versão anterior à entrada em vigor daquele diploma legal. Portanto, não se atribui ao intérprete ou ao realizador do direito qualquer margem de discricionariedade na aplicação deste mecanismo ablativo. Como afirma João Conde Correia, “mesmo nos casos em que no confronto com a pena aplicada ele seja insignificante, implique a utilização de meios ou custos desproporcionados, torne muito difícil a obtenção da própria condenação ou seja óbvia a inexistência de bens confiscáveis, o Ministério Público e o juiz não podem prescindir da questão patrimonial e restringir o objeto do processo à questão penal. A adesão do confisco à sorte do processo penal é total, precludindo qualquer tipo de ponderação sobre a sua pertinência ou utilidade prática”. Também este Tribunal da Relação do Porto vem decidindo, maioritariamente, na sua jurisprudência mais recente e à qual aderimos, que, no tocante à articulação entre a responsabilidade civil (ou fiscal) e perda de vantagens, o instituto da perda de vantagens marca sempre a sua autonomia. Assim, e como é salientado no acórdão deste TRP, de 22/3/2017[6], verificados os necessários pressupostos legais, a perda da vantagem decorrente da prática do crime terá de ser decretada sempre, “e também sem prejuízo do que a Administração Fiscal possa vir ou não a decidir e a conseguir no âmbito da pretensão assente na respetiva obrigação fiscal – aliás, numa harmonia ontologicamente perfeita. Isto é, se efetivamente cobra o crédito a ela correlativo ou não, se o deixa ou não prescrever, se em relação a ele deixa ou não operar qualquer fundamento de oposição, etc. Porque a questão da determinação da perda de vantagens, conexionada que está diretamente com o crime praticado, e competindo ao Tribunal decidi-la na sentença penal, não pode ser deixada à sorte (abdicando o Tribunal de tal poder-dever de decisão, omissão que seria sempre irreversível), de uma futura e eventual reclamação dos valores que o Fisco pudesse entender serem devidos e ao sucesso que tal pretensão pudesse ter. Sendo que é na sentença penal e através dela que se poderá cumprir o caráter sancionatório de tal medida.” [7]. Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas, o seu carácter sancionatório análogo à da medida de segurança [8] e, para além disso, obrigatório, subtraído a qualquer critério de oportunidade ou utilidade, o juiz não pode deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, na sentença penal. E isto independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil (e do seu desfecho), ou de ter optado por outros meios alternativos de cobrança do crédito que possa coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens [9] [10]. Só em situações comprovadas e concretas de inutilidade – pois, como se acentua no acórdão deste TRP, de 11/4/2019 [11], o Estado não pode receber duas vezes a mesma quantia - se poderá verificar uma específica e excecional subsidiariedade entre os dois institutos [12]. Algo que, porém, não sucede no caso concreto, subsistindo por reparar o prejuízo causado ao Estado/Segurança Social por via da prática do crime fiscal em apreço, apesar da existência de um Plano de Recuperação e Revitalização no âmbito do qual se estabeleceu um programa de pagamento da dívida - não havendo entre a perda de vantagens e estes mecanismos qualquer relação de prejudicialidade ou de mútua exclusão, tão pouco derivando da coexistência destes mecanismos qualquer risco de dupla “penalização” ou responsabilização dos arguidos, como justamente salienta o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer. Pensamos, ainda, que também a segunda objeção enunciada pelos recorrentes à declaração de perda das vantagens decorrentes da prática do crime, traduzida na exigência de demonstração de uma efetiva vantagem para o agente, não pode proceder. No modelo, que é o nosso, de mera restauração de uma ordem patrimonial conforme ao direito, o confisco não é uma pena. Está em causa, apenas, corrigir uma situação patrimonial ilícita, que não goza de tutela jurídica. O mecanismo dirige-se contra os próprios bens, sem qualquer juízo de censura da ação ou omissão individual que lhes está subjacente. Portanto, o confisco não tem caráter sancionatório – ou não o tem primordialmente -, assumindo-se, antes, quer como um simples mecanismo preventivo análogo à medida de segurança (perda de instrumentos e de produtos), quer como um mero mecanismo civil enxertado no processo penal (confisco das vantagens, das recompensas e do património incongruente) de tutela de uma ordem patrimonial conforme ao direito. “O crime nunca é título legítimo de aquisição”, dizia Sidónio Rito, sendo, pois, natural e legítimo que o Estado procure restabelecer a situação anterior, reduzindo essas vantagens a zero. O crime não pode compensar.[13] Daí que se nos afigure desnecessária a demonstração de um efetivo incremento no património do arguido, como sustentam os recorrentes.[14] A verdade é que o desvio patrimonial que o legislador pretende corrigir com o instituto da perda de bens ou vantagens ocorreu e foi, para além disso, determinado pelo comportamento do arguido, o qual omitiu indevidamente a obrigação, que sobre si impendia, de entrega das prestações tributárias à Segurança Social.[15] Se para a verificação e consequente condenação pela prática do crime de abuso de confiança fiscal se mostrava indiferente o concreto destino dado pelo arguido (e sociedade arguida) aos montantes liquidados a título de contribuições para a Segurança Social, que não vieram a ser entregues a esta entidade, o mesmo sucede com o funcionamento do confisco: este opera independentemente da prova de enriquecimento ou de obtenção de benefício pessoal pelos autores do crime.[16] A exigência ao funcionamento dos mecanismos do confisco sustentada pelos recorrentes equivale a uma restrição que não se encontra legalmente prevista [17] e que, para além disso, colide com a sua natureza e finalidade marcadamente preventivas. Para demonstração de que o crime não compensa e que não se pode tolerar a manutenção de uma situação patrimonial contrária ao direito, o tribunal a quo não podia deixar de proceder à declaração da perda a favor do Estado das vantagens do facto ilícito típico, substituída, no presente caso, pelo pagamento do respetivo valor a cargo dos arguidos, nos termos previstos no art.º 110.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4, do Código Penal. Nenhuma censura merece, quanto a este aspeto, a sentença recorrida, improcedendo o presente fundamento do recurso. * III - DispositivoNos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos arguidos, com a consequente revogação parcial da sentença recorrida, decretando-se, consequentemente, a nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, decorrente da omissão da necessária formulação do juízo de prognose a que alude o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência n.º 8/2012, devendo o tribunal de primeira instância proferir nova sentença, na qual equacione a possibilidade de pagamento pelo arguido AA da prestação tributária em dívida e legais acréscimos, formulando o mencionado juízo de prognose, tendo em conta a sua concreta situação económica, e decida em conformidade com o explanado no presente acórdão. Confirma-se, quanto ao demais decidido, a sentença recorrida. Não são devidas custas pelo recurso. Notifique. * (Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).* Porto, 13 de setembro de 2023. Liliana de Páris Dias Moreira Ramos Maria Dolores da Silva e Sousa ____________ [1] O aludido despacho é do seguinte teor: «QUESTÃO PRÉVIA SUSCITADA EM SEDE DE RECURSO. Alega a defesa que “a Douta Sentença que consta no sistema informático citius com a referência 126687866, na data de 27/03/2023, estando a sua versão em suporte de papel depositada e, no processo físico, de fls. 218 a250. 2. No entanto, encontra-se tal aresto em duplicado. 3. Com efeito, esta circunstância configura a prolação de duas sentenças para o mesmo processo. Suscitando vícios por falta de aposição da menção do n.° 2 do artigo 94.° do CPP na “primeira versão” e falta de assinatura na “segunda versão”, importando nulidade. Ora, salvo o devido respeito, a sentença proferida e a cuja leitura se procedeu no passado dia 27M3.2623 é apenas uma e não duas. De resto, como bem percebe a defesa, o documento eletrónico no qual foi materializada a sentença a cuja leitura se procedeu consubstancia um único e apenas um documento o qual é composto por 65 folhas, constando da primeira no canto superior esquerdo aposta a assinatura eletrónica da signatária e na última (a fis. 65 a data e local de prolação e ainda a menção ao art. 94.° n.°2 CPP. Sem prejuízo, sempre se dirá que, não se concordando com a alegação de que constam do documento duas sentenças, a sentença proferida foi materializada em duplicado no mesmo (e único) documento, certamente por manifesto lapso na utilização do processador de texto. Aliás, evidencia disso mesmo é — como resulta à saciedade — o facto de na “duplicação” o elenco dos factos provados (a fls. 34) não se iniciar com o n°1, antes prosseguindo a numeração anterior a fls. 10 (terminada em 24.), iniciando-se em 25 (o que resulta da utilização no processador de texto da numeração automática, como bem sabe qualquer pessoa que diariamente utiliza estas ferramentas) e ainda o facto de na “duplicação” os factos provados fazerem menção no seu corpo a outros factos elencados de fis. 2 a 10. Face ao que vai dito, entende-se que o documento eletrónico de 27.03.2023 com a ref. citius 126687866 denominado “sentença” enferma de manifesto lapso de fis. 33 a 64, duplicando o constante de fls. 1 a 32 desde “1 — RELATÓRIO (..)” a fls. 1 a “E após trânsito, informe em conformidade.” a fls. 32, lapso pelo qual nos penitenciamos. A eliminação do referido lapso (de duplicação a fls. 33 a 64) não importa modificação essencial, mantendo-se na íntegra o documento constante de fls. 1 a 32, inclusive e 65. Assim, verificando-se os pressupostos previstos no art. 380.° n.°1 al. b) CPP, tem-se por não escrito o constante de fis. 33 a 64, inclusive, mantendo-se na íntegra o documento constante de fls. 1 a 32, inclusive e 65.» [2] Aliás, a conformidade constitucional da norma contida no art.º 14.º do RGIT (designadamente, a sua compatibilidade com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da culpa) vem sendo sistematicamente afirmada pelo Tribunal Constitucional, como nos dá conta o acórdão do TRC de 29/10/2014, relatado pela Desembargadora Maria José Nogueira e disponível para consulta em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, cf. os acórdãos deste TRP de 8/2/2023 (Pedro Vaz Pato, in www.dgsi.pt) e de 1/3/2023 (Liliana Páris Dias), igualmente disponível no sítio www.dgsi.pt.. [3] Que dispõe que é nula a sentença “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Como vimos, a aplicação do regime contido no art.º 14.º do RGIT é obrigatória, não facultativa. [4] Cf. sobre esta matéria o acórdão do TRC de 19/5/2021 (relatado pela Desembargadora Ana Carolina Cardoso e disponível para consulta em www.dgsi.pt): “O que resulta de forma clara do AUJ n.º 8/2012 é o seguinte: a) No caso de o crime fiscal ser punível, em abstrato, e em alternativa, com pena de prisão ou pena de multa, o julgador opta, perante as circunstâncias, por uma das penas; b) Caso a opção seja a pena de prisão, após a determinação da pena em concreto, pondera a eventual aplicação de uma pena de substituição; c) Se a opção incidir sobre a suspensão da execução da pena de prisão, tem o julgador de considerar, para a sua aplicação, a imposição obrigatória da condição prevista no art. 14º, n.º 1, do RGIT; d) Nessa altura, deverá efetuar um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, sob pena de nulidade (conforme impõe o AUJ); e) Concluindo pela impossibilidade, presente e futura, de o condenado poder cumprir a condição, cuja aplicação é automática, deverá o julgador regressar ao primeiro passo da decisão relativa à determinação da sanção (escolha da pena a aplicar, prisão ou multa); f) Se for de afastar a aplicação da pena de multa, por via do art. 70º do Código Penal, e concluir pela incapacidade do condenado de cumprir a condição de suspensão legalmente imposta pelo art. 14º, n.º 1, do RGIT, nem deva/possa ter lugar outra pena de substituição, terá o condenado de cumprir a pena de prisão (no mesmo sentido, cf. Ac. desta Relação de Coimbra de 19.3.2014, no processo 189/09.3IDSTR.C1, relatado pelo Juiz Des. Jorge Dias, e de 12.4.2011, no proc. 89/04.3TAACB.C1, rel. pela Juíza Des. Elisa Sales, ambos em www.dgsi.pt, e o n/ Ac. de 15.1.2020 proferido no proc. 38/14.0TASJP.C2).”. [5] Datado de 10/12/2019, publicado em www.dgsi.pt e com o seguinte sumário: VI - A vantagem do crime corresponde a um benefício e a eliminação de um benefício não está limitada a objetos certos e determinados. VII - O confisco das vantagens não constitui um mecanismo eventual ou facultativo de assegurar as finalidades que lhe estão subjacentes, mas antes uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre que, por imperativo legal, com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos. VII - Reconhecendo-se a autonomia do instituto da perda de vantagens, tendo presente a sua natureza e finalidade (marcadamente preventivas) e o seu carácter sancionatório (análogo à da medida de segurança) e, para além disso, sendo obrigatório, o juiz não pode, na sentença penal, deixar de decretar a perda de vantagens obtidas com a prática do crime, independentemente de o lesado ter deduzido ou não pedido de indemnização civil ou de ter optado por outros meios alternativos de cobrança do crédito que possam coexistir com a obrigação e necessidade de reconstituição da situação patrimonial prévia à prática do crime, própria do instituto da perda de vantagens. VIII - Tendo ficado demonstrado que a recorrente obteve uma vantagem patrimonial ilícita, decorrente da prática de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, não podia o tribunal a quo deixar de a condenar, como condenou, no pagamento ao Estado do valor correspondente a tal vantagem, mostrando-se totalmente irrelevante para o efeito a circunstância de ter sido deduzido pedido de indemnização civil pelo lesado Instituto da Segurança Social. [6] Relatado pelo Desembargador Francisco Mota Ribeiro e disponível para consulta em www.dgsi.pt. [7] Em sentido absolutamente idêntico, afirma-se no acórdão do TRP de 26/10/2017 (relatado pelo Desembargador Vítor Morgado), igualmente disponível em www.dgsi.pt: “Tenha ou não deduzido pedido civil, tenha ou não a Autoridade Tributária entendido que dispõe de meios suficientes para a cobrança coerciva do imposto devido, há lugar, nos termos do artº 111º CP, num crime de burla tributária, ao decretamento de perda de vantagens obtidas com a prática do crime”. Veja-se, ainda, os acórdãos deste TRP, de 11/4/2019 (Relator: Desembargador João Venade), de 24/10/2018 (Relator: Desembargador José Piedade), de 12/9/2018 (Relatora: Desembargadora Maria Dolores da Silva e Sousa), de 25/9/2019, de 12/7/2017 (Relator: Desembargador Jorge Langweg), de 26/1/2022 e de 29/6/2022 (Relatora: Liliana Páris Dias), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt. Na Relação de Guimarães, veja-se o acórdão relatado pela Desembargadora Isabel Cerqueira, datado de 14/1/2019, também disponível para consulta em www.dgsi.pt. [8] Como é salientado no acórdão do TRP, 22/3/2017, a autonomia entre os dois institutos afirma-se “num plano desde logo iminentemente substantivo, o facto de aquele assumir uma natureza sancionatória análoga à da medida de segurança e o outro apenas uma natureza fundamentalmente ressarcitória das perdas e danos sofridos pelo ofendido ou lesado com o comportamento ilícito típico.” [9] Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, página 142: «e se a vantagem obtida corresponder integralmente ao imposto em dívida? Parece-nos que mesmo neste caso o tribunal deve condenar na perda de vantagem correspondente, ainda que se entretanto tiver sido pago o imposto em dívida deva considerar não haver já lugar à condenação por essa vantagem pertencer ao Estado a título de imposto já cobrado. …». [10] Por condensar tudo o que vem de ser exposto, reproduz-se o sumário do acórdão deste TRP, de 25/9/2019 (relatado pelo Desembargador Jorge Langweg). I - O instituto da perda de vantagem do crime constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, com intuitos exclusivamente preventivos. II - Não é determinante da inviabilidade da sua efetivação a opção pela execução tributária ou a omissão de dedução de pedido de indemnização civil. III - Tanto a doutrina como a jurisprudência consideram que a perda de vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através da qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que nenhum benefício resultará da prática de um ilícito. IV - A vontade do ofendido a propósito da obtenção do ressarcimento devido não pode afetar o exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa. V - A circunstância de o ofendido ser o próprio Estado, dotado de mecanismos de ressarcimento coercivo bem mais amplos que os concedidos aos particulares, não pode justificar solução diversa, sob pena de colocar em crise o ius imperium manifestado no aludido instrumento de política criminal e os fins preventivos do direito sancionatório. VI - Os mecanismos de cobrança coerciva à disposição do Estado/Autoridade Tributária não deixam de estar sujeitos a determinados requisitos e condicionalismos, não havendo uma absoluta garantia de concretização do ressarcimento. VII – Também eles não afastam a necessidade de fazer vingar os fins de prevenção prosseguidos pelo instituto de perda da vantagem patrimonial. [11] Relatado pelo Desembargador João Venade e disponível em www.dgsi.pt. [12] Cf., no mesmo sentido, os acórdãos deste TRP de 22/3/2017 e de 26/10/2017. [13] Cf. João Conde Correia, in “«Non-Conviction Based Confiscations» no Direito Penal Português Vigente”, Revista Julgar nº 32, Maio-Agosto 2017, pág. 94. [14] A imposição do confisco ao autor do crime, independentemente da demonstração de um efetivo ganho patrimonial ou enriquecimento na sua esfera jurídica, vem sendo reconhecida pelos tribunais superiores italianos, como nos dá conta Tommaso Trinchera, em “Confiscare Senza Punire? Uno studio sullo statuto di garanzia della confisca della ricchezza illecita”, G. Giappichelli Editore – Torino, páginas 115, 118 e 406. [15] Sendo, por isso, manifesta a existência de “vantagem patrimonial”, diversamente do que parece ser pressuposto pelos recorrentes. Com efeito, a não entrega à Segurança Social das contribuições previamente deduzidas das remunerações dos trabalhadores/membros dos órgãos estatutários da sociedade traduz sempre um ganho patrimonial, independentemente do concreto destino dado a essas quantias (tornando-se indiferente para o preenchimento do tipo legal, como é sabido, saber se os agentes efetivamente se “apropriam” dessas quantias em seu benefício ou se as utilizam na gestão corrente da sociedade, afetando-as ao pagamento de outras despesas). [16] Do mesmo modo, o arguido teria de ser condenado solidariamente com a sociedade arguida no pagamento da indemnização devida ao Estado, nos termos próprios da responsabilidade civil extracontratual, caso tivesse sido formulado pedido de indemnização civil: o que ocorreria independentemente da indagação e prova da obtenção de qualquer benefício patrimonial (direta ou indiretamente) pelo próprio arguido. [17] É de notar que mesmo que o arguido fosse um terceiro – e não é, sendo antes o autor do crime de abuso de confiança em relação à segurança social – a perda (ou pagamento ao Estado do respetivo valor) poderia ser decretada, desde que estivesse prevista qualquer uma das situações contempladas nas diversas alíneas do nº 2 do art.º 111.º do CP. E é manifesto que estas hipóteses não se restringem às situações em que o terceiro retirou benefícios do facto ilícito cometido por outrem. Também a redação do art.º 110.º, n.º 1, alínea b) do CP sugere que a nossa interpretação é a mais correta e adequada, pois nele se prescreve que são perdidas a favor do Estado “as vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”. |