Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
421/15.4T8GDM-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: ACÇÃO DE ALIMENTOS FILHO MAIOR
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
ENSINO SECUNDÁRIO RECORRENTE
ACTIVIDADE LABORAL EM REGIME DE PART-TIME
Nº do Documento: RP20200109421/15.4T8GDM-B.P1
Data do Acordão: 01/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os “alimentos educacionais ou de formação” têm o mesmo âmbito que os “alimentos em geral”, abrangendo tudo o que é indispensável à existência do alimentado, como seja o seu sustento, incluindo segurança, saúde, instrução e educação, bem como habitação e vestuário.
II - Ocorre uma prestação alimentar educacional ou de formação profissional cuja exigência é irrazoável, quando esta revelar-se imprópria ou então manifestamente incompatível com os fins pelos quais emana esse dever de alimentos atribuído aos progenitores, o que ocorre quando os meios alimentares colocados por estes últimos à disposição do filho maior não estão a ser afetados de modo sustentado pelo alimentado ao seu processo educacional ou então para a sua formação profissional.
III - Mantendo o filho maior a frequência do ensino secundário recorrente, ao mesmo tempo que mantém uma atividade laboral em regime de part-time, do qual aufere rendimentos, quando estes estão contabilizados, mas sem que permitem ter uma “vida existencial” autónoma, os progenitores não se encontram desonerados daquele dever de alimentos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 421/15.4T8GDM-B.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjuntos: António Paulo Vasconcelos, Filipe Caroço

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
1.1. No processo n.º 421/15.4T8GDM-B do Juízo de Família e Menores de Gondomar, J4, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/Requerida: B…

Interessado: C…

Recorrido/Requerente: D…

foi proferida sentença em 21/jun./2019, cuja parte dispositiva foi a seguinte:
“Julgo verificado o incumprimento do regime fixado quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais e, consequentemente: Condeno B… no pagamento da quantia de €1.900,00, relativo à pensão de alimentos vencidas até à data do requerimento inicial e ainda as que, entretanto, se foram
vencendo na pendência da acção e as que se vencerem, relativas à pensão de alimentos do seu filho actualmente maior C….”
1.2. O requerente suscitou em 15/mai./2018 o incumprimento da prestação alimentar no valor mensal de € 100,00 a cargo da requerida e a favor do aqui interessado, que é filho de ambos, o qual atingiu a maioridade em 27/ago./2016, desde setembro de 2016, estando por isso em dívida € 1.900,00. Para o efeito alegou que este interessado continua a estudar, mantendo-se na dependência económica do primeiro, com quem vive, tendo, entretanto, desde março de 2017 começado a trabalhar em regime de parte-time, possibilitando esse rendimento suportar apenas as suas despesas de vestuário, calçado e obter a carta de condução.
1.3. A requerida contestou em 24/mai./2018, sustentando essencialmente que o seu filho C… atingiu a maioridade, tendo a partir de setembro de 2016 passado a ser trabalhador/estudante, auferindo os rendimentos que melhor precisou, sendo irrazoável manter-se a obrigação de prestar-lhe alimentos, pugnando pela improcedência do pedido de incumprimento.
1.4. O MP na vista que teve dos autos, promoveu em 01/abr./2019 o seguinte: “Compulsados os autos entendemos não ser razoável exigir à requerida que pague alimentos ao seu filho, desde a data em que este começou a trabalhar, até porque o seu percurso escolar não evidência dedicação e empenho nos estudos. Assim, e uma vez que não se verificam os requisitos do artigo promovo que se julgue improcedente o requerido, desde 4/9/2017”.
2. A recorrida insurgiu-se contra esta sentença, tendo em 04/SET./2019 interposto recurso da mesma, pugnando pela sua revogação, no sentido de ser julgado não verificado o incumprimento do regime fixado quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais e, consequentemente a absolva, apresentando 54 conclusões, que reproduzem na integra o corpo das suas alegações e que pela sua extensão, apenas reproduzimos aquelas que expressam divergência e podem suscitar a impugnação do sentenciado, que sintetizamos nas seguintes:
39. A Requerida, ora Recorrente não aceita a decisão proferida pelo Tribunal a quo que a condenou no pagamento da quantia de € 1.900,00, no incidente de incumprimento das responsabilidades parentais.
40. A Recorrente verteu já nos autos a sua posição, o que fez na sequência das suas alegações, dizendo que o Requerente não alegou, como lhe incumbia, um único facto passível de justificar a continuação da prestação alimentar fixada que peticiona em € 100,00.
41. A Recorrente defendeu já nos autos que tal escassez de alegação é passível, por si só, de fazer perigar, diga-se seriamente sua pretensão, pois não se mostram desde logo alegados factos para quantificar a prestação alimentar, fosse no montante pretendido ou qualquer outro ou até mesmo, na sua necessidade de todo.
42. A Recorrente, como de resto também já deixou dito nos autos referiu que o C… em Setembro de 2016 passou a ser trabalhador/estudante, auferindo rendimento mensal de € 167,64 (Setembro de 2016), € 195,58 (Outubro de 2016), € 300,78 (Março de 2017), € 433,13 (Abril de 2017), € 334,20 (Maio de 2017), € 492,06 (Junho de 2017), € 699,96 (Julho de 2017), € 595,96 (Setembro de 2017), € 470,53 (Outubro de 2017, € 668,07 (Novembro de 2017) e € 418,93 (Dezembro de 2017) e como é superior à prestação anteriormente fixada de € 100,00, o Requerente não provou a carência de alimentos.
43. O C…, a partir de Setembro de 2016 passou a ser trabalhador/estudante, pelo que deixa de ser razoável pedir que a Requerida continue a contribuir para o seu sustento.
44. Após completar 18 anos de idade o C… continuou a escolaridade, e no ano lectivo de 2016/2017 frequentou o regime do novo ensino secundário recorrente.
45. Após completar 18 anos de idade o C… continuou a escolaridade, e no ano lectivo de 2017/2018 frequenta o regime do novo ensino secundário recorrente.
46. Factos com interesse para a decisão da causa, provados por documento ou por acordo.
47. Uma vez que tem actualmente 19 anos de idade e estando concluída sua formação, em princípio não deverá manter-se a prestação de alimentos anteriormente fixada, pois, como já se sublinhou, a Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro ao introduzir o n.º 2, do art. 1905.º, do Código Civil é meramente interpretativa.
48. Importa, porém, analisar das implicações das demais circunstâncias e aferi-las pelo critério da razoabilidade e da normalidade, pois que a obrigação apenas se mantém na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
49. A cláusula do razoável, densificada por factores objectivos – atinentes às condições económicas do jovem maior e dos progenitores – e factores subjectivos – condições pessoais ligadas ao credor, como, por exemplo, aproveitamento escolar ou capacidade para trabalhar durante o período escolar – é aferida pelo abuso de direito.
50. Na situação dos autos sabe-se que o C… vive com o Requerente, que aufere, em média, cerca de € 390,00 por mês, embora com despesas, e que tem mantido actividades profissionais em regime de par-time.
51. Comprovando-se que o C… está activo, e recaindo sobre a demandada, ora Requerida o ónus da prova quanto à verificação das condições excepcionais do art. 1905.º, n.º 2 parte final, do Código Civil, como factos extintivos, que logrou de demonstrar, não deve, por isso, manter-se a pensão inicialmente atribuída de € 100,00 por mês.
52. Do vindo de expor resulta que não deve julgar-se verificado o incumprimento do regime fixado quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, que condenou a Requerida, ora Recorrente no pagamento da quantia de € 1.900,00, relativo à pensão de alimentos vencida até à data do requerimento inicial e ainda as que entretanto se foram vencendo na pendência da acção e as que se vencerem, relativas à pensão de alimentos do seu filho actualmente maior C….
53. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida, violou, entre outras, as disposições constantes dos art. 1880.º e 1905.º, do Código Civil.
3. O requerente e o MP não apresentaram contra-alegações.
4. Admitido o recurso, foi o mesmo remetido a esta Relação onde foi autuado em 07/nov./2019, realizando-se o exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
5. Não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso, cujo objeto incide sobre incumprimento da prestação de alimentos por parte da recorrente.
*
* *
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida
“A) FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA:
1) O C… nasceu a 27 de Agosto de 1998, tendo em 27 de Agosto de 2016 atingido a maioridade.
2) Em Setembro de 2016 o C… passou a ser trabalhadora/estudante, auferindo rendimento mensal de € 167,64 (Setembro de 2016), € 195,58 (Outubro de 2016), € 300,78 (Março de 2017), € 433,13 (Abril de 2017), €334,20 (Maio de 2017), € 492,06 (Junho de 2017), € 699,96 (Julho de 2017), € 595,96 (Setembro de 2017), € 470,53 (Outubro de 2017, € 668,07 (Novembro de 2017 e € 418,93 (Dezembro de 2017).
3) Após completar 18 anos de idade o C… continuou a escolaridade, e no ano lectivo de 2016/2017 frequentou o regime do novo ensino secundário recorrente.
4) Após completar 18 anos de idade o C… continuou a escolaridade, e no ano lectivo de 2017/2018 frequenta o regime do novo ensino secundário recorrente.
5) O C… vive com o Requerente, que aufere, em média, cerca de € 390,00 por mês, embora com despesas, e que tem mantido actividades profissionais em regime de part-time.”
*
2. Fundamentos do recurso
A Constituição, através do seu artigo 36.º, n.º 5 e no âmbito da família e filiação, confere aos pais um direito e dever constitucional de educação e manutenção dos filhos, sendo o primeiro dirigido ao Estado, e o segundo essencialmente em benefício dos filhos, os quais traduzem-se, através do Código Civil e entre outras vertentes, num dever mútuo de assistência, como se enuncia no artigo 1874.º, n.º 1 – aqui estipula-se que “Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência”. Este dever de assistência e de prestação de alimentos, não só existe quando pais e filhos mantêm uma vida em comum (artigos 1874.º, n.º 2; 1878.º, n.º 1 Código Civil), mas também nas situações de vida em separado (artigo 1905.º Código Civil). Este dever de prestar alimentos mantem-se entre pessoas maiores, podendo assumir-se como um dever genérico (artigo 2009.º Código Civil) ou então como um dever específico, como sucede com o dever dos progenitores respeitante à formação profissional dos filhos maiores ou emancipados (artigo 1880.º Código Civil). Assim e muito embora seja comum referenciar o direito a alimentos como sendo estruturalmente obrigacional, o mesmo não deixa de representar uma dimensão essencial dos direitos constitucionais da filiação.
A Reforma de 1977 (Decreto-Lei n.º 496/77, de 25/nov.; DR I, n.º 273), ao estabelecer o “mínimo dos mínimos” de ajustamentos do Código Civil à Constituição, veio igualmente promover a adaptação e reequilíbrio de certos institutos, mediante “acertos legislativos”, como sucedeu com o estabelecimento da maioridade aos 18 anos de idade (ponto 2 parte final e ponto 6 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 496/77). E com esta idade seria por demais previsível que os filhos não tivessem completado a sua formação educacional, mormente a nível universitário, para além de os “jovens maduros” já terem certas capacidades jurídicas de disposição e administração dos seus rendimentos e bens, designadamente desde os 16 anos de idade (artigo 127.º Código Civil). Assim e conjugando estas bivalências, o Código Civil passou a estatuir no seu artigo 1879.º que “Os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos”. Mas logo no subsequente artigo 1880.º, consagrou que “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.” – sendo nosso o negrito.
Posteriormente surgiu a Lei n.º 121/2015, de 01/set., a qual visou pôr termo à controvérsia então existente entre os alinhamentos jurisprudenciais até então expressos, os quais perfilhavam uma leitura ampla ou então restrita deste artigo 1880.º quando o menor atingisse a maioridade, de modo a verificar-se a continuidade ou não da prestação alimentícia devida nos tempos da menoridade. Destarte, veio a reformular-se o artigo 1905.º, fazendo o aditamento que passou a constar no seu n .º 2, o qual foi o seguinte: “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência” – sendo também nosso o negrito. Por sua vez e de acordo com o artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita”.
A jurisprudência tem vindo a acolher esta Lei n.º 122/2015, na parte em que alterou este artigo 1905.º do Código Civil, como sendo lei interpretativa (Ac. STJ 08/fev./2018, Cons. Salazar Casanova, www.dgsi.pt), conferindo plena automaticidade ao direito à pensão de alimentos que for fixada durante a menoridade e até serem completados os 25 anos de idade (Ac. TRG de 21/jun./2018, Des. Margarida Sousa, www.dgsi.pt). A propósito também considerou que esta alteração legislativa conduziu à inversão do ónus de prova, o qual passou a ficar a cargo do progenitor devedor (Ac. TRL de 21/dez./2017, Des. Maria de Deus Correia, www.dgsi.pt), estendendo ao FGADM a obrigatoriedade de suportar essa prestação, em conformidade com a Lei n.º 24/2017, de 24/mai., a quem tenha atingido a maioridade antes da entrada em vigor deste último diploma (Ac. TRP de 23/abr./2018, Des. Carlos Gil, www.dgsi.pt).
Por sua vez e no que concerne à designada “cláusula de razoabilidade” prevista nos artigos 1880.º e 1905.º, do Código Civil, tem sido considerado que a mesma “deverá ser interpretada de acordo com determinados elementos objetivos e subjetivos que a densificam, e não tanto na averiguação de (in)existência de “culpa grave” do filho, sem prejuízo do funcionamento, se for o caso, da cláusula geral de “abuso de direito” por parte do filho maior em peticionar alimentos” (Ac. TRG 02/nov./2017, Des. António Penha, www.dgsi.pt). E neste alinhamento sustentou-se que “Os “pressupostos objetivos” prendem-se com as possibilidades económicas do jovem maior (mormente rendimentos de bens próprios ou rendimentos do trabalho) e com os recursos dos progenitores” e “Os “pressupostos subjetivos” referem-se, no essencial, a todas aquelas circunstâncias ligadas à pessoa deste credor (mormente capacidade intelectual, aproveitamento escolar e capacidade para trabalhar durante a frequência escolar) que modelam e estão na génese do prolongamento desta obrigação”. Daí que “A real possibilidade de trabalhar do filho maior não deve ser tomada em conta enquanto pressuposto e medida dos alimentos a favor daquele, se e quando possa comprometer o sucesso dos estudos, sobretudo na medida em que os progenitores disponham, em concreto, de recursos económicos bastantes para satisfazer tais alimentos”, pelo que “O financiamento dos estudos, por parte dos progenitores, não é um “direito absoluto” do filho maior, podendo o tribunal, analisando o caso concreto, condicionar, no futuro, as respetivas prestações alimentares a um certo escalão de dedicação, assiduidade ou aproveitamento escolar daquele filho.” Como se pode constatar destas referências jurisprudenciais, as mesmas têm sido fortes na sustentabilidade deste direito à educação e formação profissional, pelo que o seu afastamento ou então graduação deverá estar igualmente suportado em consistentes factualidades. Mas qual o âmbito desta prestação alimentar relativamente aos filhos maiores? E em que consiste essa razoabilidade?
Assim, a propósito da dispensa dessa prestação alimentícia a cargo dos progenitores e a favor dos filhos maiores, haverá que começar por delimitar o âmbito de dever alimentar. Como podemos constatar do enunciado normativo dos artigos 1879.º e 1880.º do Código Civil, por um lado, e 2003.º do Código Civil, por outro lado, não parece existir uma identidade do seu âmbito. E isto, porquanto aqueles referem-se à “segurança, saúde e educação”, neste último a noção legal de alimentos comporta “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” (n.º 1), compreendendo também a “instrução e educação do alimentado” (n.º 2). Mais acresce, que enquanto o enunciado normativo do citado artigo 1880.º menciona a “formação profissional”, já o citado artigo 1905.º, n.º 2, alude ao “processo de educação ou formação profissional”. Esta dessintonia semântica deve-se mais a uma falta de acerto legislativo do que a uma destrinça jurídica entre “alimentos educacionais” – talvez fosse mais consistente para quem segue esta nomenclatura referir-se a “alimentos educacionais ou de formação” – e “alimentos em geral”, porquanto, na prática, não existe uma autêntica diferenciação social – mas apenas da sua capacidade jurídica – entre a situação de “dependência existencial” do filho menor relativamente ao filho maior, quando ambos estão num processo de educação ou de formação profissional. Em suma, podemos dizer que os “alimentos educacionais ou de formação” têm o mesmo âmbito que os “alimentos em geral”, abrangendo tudo o que é indispensável à existência do alimentado, como seja o seu sustento, incluindo segurança, saúde, instrução e educação, bem como habitação e vestuário.
Mas já existe uma destrinça de critérios de avaliação entre os “alimentos educacionais e de formação”, por um lado, e os “alimentos em geral”. Assim, enquanto aqueles assentam num critério de razoabilidade, face ao preceituado nos citados artigos 1880.º, 1905.º, n .º 2 do Código Civil, estes têm o seu suporte de avaliamento num critério de proporcionalidade, como decorre da norma que fixa a medida dos alimentos, prevista no artigo 2004.º do Código Civil – no seu n.º 1 estipula-se que “Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los”, sendo nosso o negrito, aditando-se no n.º 2 que “Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência”. E tais critérios ou testes correspondem a conceitos técnico-jurídico distintos. Assim, o teste de razoabilidade, originalmente conhecido através do caso Wednesbury, na sua versão clássica (Associated Provincial Picture Houses ltd. v. Wednesbury Corporation – 10/nov./1947), assenta num comportamento irrazoável, de modo a revelar-se impróprio, o qual tem subjacente a má-fé, ou então manifestamente incompatível entre os meios realizados e os fins perseguidos, sendo, por isso, de todo inadmissível. O mesmo tem tido expressão no nosso ordenamento jurídico, designadamente para além das passagens citadas, mediante o Código de Procedimento Administrativo (Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07/jan., DR I, n.º 4), através do seu artigo 8, ao estabelecer o comando de que “A Administração Pública deve tratar de forma justa todos aqueles que com ela entrem em relação, e rejeitar as soluções manifestamente desrazoáveis ou incompatíveis com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa.” Por sua vez, o critério da proporcionalidade, que é imanente à ideia de Estado de Direito Democrático expressa no artigo 2.º da Constituição (Ac. TC 205/2000, 491/2002, 73/2009, 387/2012, 767/2019, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt assim como os demais oriundos desta jurisdição), tem também uma referência impressiva no âmbito dos direitos fundamentais através do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição, segundo o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (Ac. TC n.º 62/2011, 67/2011, 132/2011, 313/2013, 97/2014). A partir deste bloco normativo, a jurisprudência constitucional, tem aferido este teste de proporcionalidade através de outros subcritérios, como seja a adequação, necessidade, justa medida, podendo ainda aditar-se o interesse legítimo.
Após este breve excurso, podemos considerar que ocorre uma prestação alimentar educacional ou de formação profissional cuja exigência é irrazoável, quando esta revelar-se imprópria ou então manifestamente incompatível com os fins pelos quais emana esse dever de alimentos atribuído aos progenitores, o que ocorre quando os meios alimentares colocados por estes últimos à disposição do filho maior não estão a ser afetados de modo sustentado pelo alimentado ao seu processo educacional ou então para a sua formação profissional.
Ora dos factos provados não transparece de modo amparado que tal ocorra no caso em apreço, porquanto nos anos em causa de 2016/2017 e 2017/2018 o interessado filho do recorrente frequentou o regime do novo ensino secundário recorrente, não havendo circunstâncias factuais de modo a concluir que durante esse período os rendimentos por si obtidos foram suficientes para suportar essa sua educação e uma vida existencial autónoma. Em suma, mantendo o filho maior a frequência do ensino secundário recorrente, ao mesmo tempo que mantém uma atividade laboral em regime de part-time, do qual aufere rendimentos, estando estes contabilizados, mas sem que permitem ter uma “vida existencial” autónoma, os progenitores não se encontram desonerados daquele dever de alimentos. E como tal ónus de prova encontra-se a cargo da recorrente, não existe qualquer censura a fazer à sentença recorrida.
*
Na improcedência do recurso, as suas custas ficam a cargo da recorrente – artigos 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
*
No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresentamos o seguinte sumário:
……………………………
……………………………
……………………………
*
* *
III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto por B… e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo da recorrente.

Notifique.

Porto, 09 de janeiro de 2020
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço