Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14298/18.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
EXERCÍCIO DE DIREITO
LIMITAÇÃO
SEGURANÇA
LINHA ARQUITECTÓNICA
OBRAS ILICITAS
Nº do Documento: RP2019100814298/18.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 911, FLS. 156-160)
Área Temática: .
Sumário: I - Para além das limitações impostas aos proprietários em geral, está especialmente vedado aos condóminos prejudicar, com obras novas a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício-cfr. art. 1422.º, n.º 2, al. a) do C.Civil.
II - A construção de uma cobertura num terraço, situado no 1.º andar do edifício, em toda a sua largura, que se destina, aquando da conclusão das obras, a ser encostada à fachada do edifício, ficando à altura da soleira da varanda do 2º andar esquerdo, e que permite o acesso directo à fracção dos Autores através da varanda (que aí residem há mais de quarenta anos) deixando-a mais facilmente ao alcance de terceiros, não residentes, desrespeita a segurança e a linha arquitectónica do edifício, razão pela qual não é permitida.
III - A cobertura do referido terraço, no circunstancialismo apurado nos autos, consubstancia uma obra ilícita, violadora dos direitos de personalidade e de segurança dos Autores na medida em que a sua qualidade de vida e bem estar psicológico ficaram prejudicados com o legítimo e justificado receio da sua habitação poder vir a ser alvo de actos ilícitos e da sua própria integridade física correr sérios riscos, provocados por situações de insegurança no edifício.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 14298/18.4T8PRT.P1

Relatora : Anabela Tenreiro
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
B… e esposa, C…, residentes na Avenida … n.º …, …, no Porto, instauraram a presente acção de condenação, sob forma comum, contra D… e marido, E…, residentes na Rua …, n.º …, …, Vale de Cambra, pedindo a condenação destes no seguinte:
a) A “reconhecer que a construção identificada no presente articulado (artigos 3º a 5º), pelas suas características, constitui uma clara ofensa ao direito de compropriedade dos Autores, porque limitativo do direito de uso e gozo, na sua plenitude, do terraço identificado no artigo 2º desta petição, o que é passível de lhe causar um prejuízo de muito difícil reparação”;
b) “Demolir a construção identificada no presente articulado (artigos 2º a 5º) ou retirá-la do terraço por violadora do direito de compropriedade dos Autores”;
c) “Abster-se de praticar quaisquer actos que possam violar ou constituir infracção ao direito de compropriedade dos Autores sobre o referido terraço e, em caso de violação do direito dos mesmos”,
d) “A pagar a sanção pecuniária compulsória, de montante mínimo de €500,00 (quinhentos euros) por cada infracção que venha a cometer, relativamente ao direito de compropriedade, quer pela prática de novos factos da mesma natureza do aqui descrito, quer de outros da mesma natureza ou que conduzam ao mesmo resultado”;
e) A pagar, a cada um dos Autores, uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos que, até à data, … susceptíveis de compensar os mesmos pela angústia e ansiedade que esta obra lhes causa, a quantia de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), acrescido de juros de mora à taxa de 4% ao ano, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegam, em síntese, que são proprietários de uma fracção autónoma, sendo os Réus proprietários de uma outra, no mesmo edifício, sita no piso imediatamente inferior.
Mais alegam que, nas traseiras da fracção dos Réus, existe um terraço de cobertura, parte comum do edifício e do qual os Autores são comproprietários, mas por aqueles ocupado e onde colocaram uma estrutura que permite o fácil acesso à sua fracção, através da varanda, o que lhes tem causado danos, nos termos que descrevem.
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Os Réus contestaram alegando que o terraço é parte integrante da fracção autónoma de que são proprietários, que a estrutura colocada tem natureza amovível e que no passado existiram em tal terraço outras estruturas semelhantes.
Concluem pedindo a improcedência da acção e a condenação dos Autores como litigantes de má fé.
Deduziram pedido reconvencional, peticionando a condenação dos Autores no pagamento da quantia de €2.000,00, a título de indemnização dos danos de natureza não patrimonial que descrevem.
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Replicaram os Autores, a fls. 57, pronunciando-se sobre a reconvenção deduzida e a peticionada condenação como litigantes de má fé.
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A fls. 62 foi fixado o valor da acção, foi o processo saneado, não tendo sido admitida a reconvenção deduzida, admitidos os meios de prova e designada data para a realização da audiência final.
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Realizou-se a audiência final, com observância do formalismo legal, como o atesta a acta respectiva, tendo no seu início os Autores apresentado articulado superveniente, que foi liminarmente admitido e sobre o qual se pronunciaram os Réus (cfr. fls. 89 e requerimento datado de 1 de Fevereiro de 2019).
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Proferiu-se sentença que julgou a presente acção parcialmente provada e procedente e, em consequência, decidiu:
a) Condenar os Réus a demolir ou retirar do terraço a construção identificada nos art.s 2º a 5º da petição inicial;
b) Condenar os Réus no pagamento da quantia de €500,00, a cada um dos Autores, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente decisão e até efectivo e integral pagamento;
c) Absolver, no mais, os Réus do pedido.
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Inconformados com a sentença, os Réus interpuseram recurso, terminando com as seguintes
Conclusões
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41. Assim devem sempre os Réus apelantes ser absolvidos das pretensões formuladas pelo Autor apelado no petitório da sua petição inicial com todas as consequências legais.
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D - A douta sentença recorrida aplicou corretamente a lei aos factos considerados provados e não provados, pelo que deve ser confirmada, improcedendo o recurso dos RR.
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II - Delimitação do Objecto do Recurso
A principal questão a dirimir, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se a cobertura (pérgola) construída pelos Réus no terraço da fracção, de que são proprietários, é permitida por lei e se ofende o direito de personalidade dos Autores, vizinhos do andar superior.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1) Os Autores são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 2º andar esquerdo, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, com entrada pelo n.º … da Avenida …, da União das freguesias de …, …, …, …, …, do concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 11416 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o n.º 2614/20080514-E (cfr. certidões de fls. 6v. a 7 e 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
2) Os Réus são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 1º andar esquerdo do n.º … da Avenida …, a qual é composta, nos termos do título constitutivo da propriedade horizontal, para além do mais, por terraço (nas traseiras) – cfr. documentos de fls. 36v. a 38 e 39 a 41, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
3) Os Autores são os vizinhos de cima da fracção autónoma dos Réus, há mais de quarenta anos;
4) Tal terraço tem cerca de 25m de comprimento por cinco de largura e serve de cobertura à fracção autónoma que se situa no piso inferior;
5) No passado dia 11 de Junho de 2018, os Autores constataram que em tal terraço, e com toda a sua largura, se encontrava uma estrutura, constituída por uma cobertura, em placa “sandwich”, sustida por sete pernas metálicas com rodas, com uma altura de cerca de 2,50 metros;
6) Tal estrutura destina-se, aquando da conclusão das obras, a ser encostada à fachada do edifício, ficando à altura da soleira da varanda do …;
7) Neste momento, por possuir rodas, é fácil deslocar tal estrutura para junto da fachada, o que permite o acesso directo à fracção dos Autores através da varanda;
8) Deixando a fracção dos Autores mais facilmente ao alcance de terceiros;
9) As traseiras do n.º … da Avenida … são rodeadas pelos telhados dos restantes prédios da rua, mais ao menos ao mesmo nível e encostados uns aos outros;
10) Tais telhados, entre si, podem vir a servir de corredor de passagem de um prédio para outro que, chegado ao terraço do …, facilmente acede à varanda da habitação dos Autores através da referida construção;
11) E mesmo com a porta da varanda fechada, sempre poderá ser quebrado um vidro para permitir a entrada;
12) Os Autores temem que esta estrutura constitua um “convite” à entrada em sua casa;
13) O que lhes causa ansiedade, por causa da permanente inquietação em que vivem, e sentimentos de frustração e angústia;
14) Sentimentos que lhes tiram a paz de espírito e que os levaram a tentar resolver o problema quer junto dos Réus, quer com a intervenção da Polícia Municipal e da Câmara Municipal do Porto;
15) Durante alguns anos, existiu um telheiro ou coberto, de dimensões não concretamente apuradas, em acrílico, à frente da janela da sala do 1º andar e cujo cume ia até à cota da soleira da habitação dos Autores;
16) E nesse mesmo terraço, afastado da fachada, encontrou-se depositado um contentor com cerca de 6 metros de comprimento por 2,5 metros de largura e 2,80 metros de altura e que sempre foi utilizado por todos aqueles que utilizavam e fruíam da fracção autónoma “C” como dispensa;
17) Quer o coberto, quer o contentor foram retirados;
18) Quando os Réus se aperceberam que o imóvel lhes seria adjudicado nas partilhas, decidiram efectuar obras de remodelação e reabilitação profundas;
19) A colocação daquela estrutura tem por finalidade, por um lado, permitir o sombreamento de parte do terraço;
20) E, também, garantir privacidade e segurança dos Réus e seus convidados;
21) O prédio é composto por seis andares e as traseiras dos pisos 2º a 6º esquerdos deitam directamente para cima do terraço dos Réus;
22) Nas traseiras desses 2º a 6º andares esquerdos situam-se as respectivas cozinhas e marquises, pelo que é frequente caírem na superfície do terraço dos Réus resíduos de comida, beatas de cigarro, molas da roupa e outro tipo de objectos;
23) Por volta dos anos de 1980, houve inclusivamente uma pessoa que resolveu pôr termo à vida e se atirou do 6º andar;
24) Os Réus colocaram no terraço, na parede da fachada do prédio, tubos para recepção de águas e cabos eléctricos para ligação;
25) Sendo sua intenção aí colocar uma máquina de lavar roupa;
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Não se provaram outros factos que se não compaginem com os anteriormente enunciados, nomeadamente que:
1) Os Autores estão sempre a falar do assunto, a verificar se a estrutura se encontra afastada da fachada do prédio e procurar ausentar-se o mínimo possível de casa e nunca os dois ao mesmo tempo;
2) Quando houve necessidade de efectuar obras de reparação e impermeabilização no terraço, foi o proprietário da fracção “C” que as pagou;
3) A estrutura erigida pelos Réus foi colocada no mesmo local e posição que essa antiga estrutura que existia no local por mais de trinta e cinco anos;
4) Esta obra de colocação de uma estrutura amovível veio substituir as anteriores estruturas existentes;
5) Em tempos tenha caído uma machada em cima do telheiro e há quem cuspa para a superfície do terraço;
6) Se a estrutura estiver encostada à fachada do edifício o acesso de pessoas vindas do exterior à sua cobertura apenas se poderá fazer com o auxílio de materiais de elevação, nomeadamente uma escada;
7) A cobertura das garagens dos edifícios vizinhos dificulta o acesso ao local de pessoas vindas do exterior;
8) É intenção dos Réus fixar tal estrutura de forma definitiva ao pavimento;
9) As sapatas destinam-se e servem apenas para fixar as rodas;
10) O travejamento que a estrutura dispõe na sua base, quase junto ao solo, destina-se a dar-lhe maior resistência;
11) Os tubos visíveis nas fotografias de fls. 87 e 88 destinam-se à criação do sistema de iluminação do terraço e para a criação de um circuito de água para montagem de torneiras que servirão, depois, para se poder proceder à rega de plantas e lavagem do pavimento do terraço.
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IV - DIREITO
Os Autores solicitaram ao tribunal, como pretensão nuclear, a condenação dos Réus na demolição de uma cobertura que construíram no terraço da respectiva fracção, situada no piso inferior, que lhes causa grande intranquilidade e perturbação atendendo ao perigo de, através dessa estrutura, terceiros poderem entrar ilicitamente na sua habitação.
Na sentença, após produção dos meios de prova nomeadamente em resultado da inspecção judicial ao local, o tribunal reconheceu esse perigo e consequente ofensa do direito de personalidade dos Autores, e condenou os Réus a demolirem a mencionada estrutura instalada no dito terraço.
Os Réus continuam a discordar desta solução jurídica sustentando que não existe qualquer conflito de direitos entre o direito de personalidade dos seus vizinhos e o seu direito de propriedade e mesmo que tal sucedesse, seria possível harmonizá-los.
Quadro legal
Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem às limitações impostas aos proprietários de coisas imóveis-v. art. 1422.º, n.º 1 do C.Civil.
Mas as restrições não são apenas essas.
Como explicam José António e Gustavo França Pitão[1], em resumo, na propriedade horizontal, em confronto com o regime geral da propriedade, impendem limitações específicas decorrentes do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, que pode gerar conflitualidade, justificadora de novas restrições.
Assim, para além das limitações impostas aos proprietários em geral, está especialmente vedado aos condóminos prejudicar, com obras novas a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício-cfr. art. 1422.º, n.º 2, al. a) do C.Civil.
Por obra nova entende-se qualquer obra que altere o aspecto visual do edifício, quer na sua estrutura volumétrica, quer na sua cor e pode ir desde uma simples pintura até ao aumento para o exterior da área coberta, passando por abertura de portas, janelas, vedações de varandas e construções de caves.[2]
É justamente a violação desta norma, que impõe obrigações propter rem[3] aos condóminos, que ficou provada no caso em apreciação.
Na verdade, ficou demonstrado que os Réus, no terraço da sua fracção, situada no 1.º andar do edifício, e em toda a sua largura, instalaram uma estrutura, constituída por uma cobertura, em placa “sandwich”, sustida por sete pernas metálicas com rodas, com uma altura de cerca de 2,50 metros, que se destina, aquando da conclusão das obras, a ser encostada à fachada do edifício, ficando à altura da soleira da varanda do …, onde residem os Autores.
Os Autores, vizinhos do andar de cima da fracção autónoma dos Réus, há mais de quarenta anos, constataram, em Junho de 2018, essa situação, sendo que, neste momento, por possuir rodas, é fácil deslocar tal estrutura para junto da fachada, o que permite o acesso directo à fracção dos Autores através da varanda, deixando a fracção dos Autores mais facilmente ao alcance de terceiros.
As traseiras do n.º … da Avenida … são rodeadas pelos telhados dos restantes prédios da rua, mais ao menos ao mesmo nível e encostados uns aos outros.
Tais telhados, entre si, podem vir a servir de corredor de passagem de um prédio para outro que, chegado ao terraço do …, facilmente se acede à varanda da habitação dos Autores através da referida construção e mesmo com a porta da varanda fechada, sempre poderá ser quebrado um vidro para permitir a entrada.
Atendendo a este circunstancialismo, os Autores temem que esta estrutura constitua um “convite” à entrada em sua casa, o que lhes causa ansiedade, por causa da permanente inquietação em que vivem bem como sentimentos de frustração e angústia.
Sentimentos que lhes tiram a paz de espírito e que os levaram a tentar resolver o problema quer junto dos Réus, quer com a intervenção da Polícia Municipal e da Câmara Municipal do Porto.
Por conseguinte, em bom rigor, não estamos perante um verdadeiro conflito de direitos porquanto não assiste aos Réus, na qualidade de condóminos, o direito de erigir construções no mencionado terraço que põem em causa o arranjo e linha arquitectónica e principalmente a segurança do edifício, o que tem constituído factor de enorme perturbação e inquietação dos vizinhos do andar do piso de cima, aqui Autores, que aí residem há mais de quarenta anos.
No Acórdão da Relação de Lisboa[4] observou-se, numa situação similar, que o acesso pelo exterior à casa do autor, um 1.º andar, seria sempre possível, mas basta-nos que, com ele, o acesso surja facilitado, criando um sentimento de maior insegurança.
Por outras palavras, a estrutura que os Réus pretendem que fique instalada no terraço da sua fracção, torna muito vulnerável a habitação dos Autores, facilitando o acesso ilícito de terceiros ao interior do edifício, particularmente através da fracção dos Autores, situada no piso imediatamente acima da fracção dos Réus.
Esse perigo de intrusão de estranhos no edifício resulta também, de forma evidente, da circunstância dos telhados dos prédios vizinhos, poderem vir a servir de corredor de passagem de um prédio para outro, facilitando igualmente o acesso à varanda da habitação dos Autores através da referida construção e, mesmo com a porta da varanda fechada, sempre poderá ser quebrado um vidro para permitir a entrada.
Num caso em que estava em discussão a cobertura da parte descoberta do logradouro, situado na parte traseira do edifício, por chapas de alumínio e de plástico translúcido, amovíveis, suportada em armação de ferro, também amovível, o tribunal não teve dúvida em considerar essa obra uma alteração à linha arquitectónica e estética do edifício.[5]
Consequentemente, a cobertura do terraço, pertencente aos Réus, consubstancia uma obra ilícita, violadora dos direitos de personalidade e da segurança dos Autores na medida em que a sua qualidade de vida e bem estar psicológico ficaram prejudicados com o legítimo e justificado receio da sua habitação poder vir a ser alvo de actos ilícitos e da sua própria integridade física correr sérios riscos provocados por situações de insegurança no edifício.
De qualquer modo, mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de corroborar, em matéria de colisão de direitos (direito de personalidade e direito de propriedade), a solução preconizada de prevalência pelo direito à tranquilidade, bem estar físico e psíquico, em suma, à saúde dos condóminos afectados com a perturbação permanente de poderem vir a ser vítimas, na sua habitação, de assaltos.[6]
Com efeito, atendendo à importância conferida pelos valores e princípios inerentes à civilização, a nossa lei fundamental proíbe a violação da integridade moral e física das pessoas, da liberdade e segurança (art. 25.º, n.º 1 e 27.º da CRP) mas também reconhece o direito à propriedade privada (art. 62.º da CRP).
A lei civil, no art. 70.º, tutela a personalidade, física ou moral, contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa, prevendo a responsabilidade civil do infractor e a faculdade do ofendido requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.
Havendo colisão de direitos (apenas na hipótese de se considerar que os Réus têm direito a construir a cobertura no terraço) desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que, nas circunstâncias que forem apuradas, se revele superior (cfr. art. 335.º, n.º 2 do CC), que, no caso concreto, era o direito à tranquilidade e qualidade de vida dos Autores.
No que concerne aos danos não patrimoniais preceitua o art. 496º, n.º1 do Cód. Civil que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Neste particular, ficou provado que os Autores temem que esta estrutura constitua um “convite” à entrada em sua casa, o que lhes causa ansiedade, por causa da permanente inquietação em que vivem, e sentimentos de frustração e angústia; sentimentos que lhes tiram a paz de espírito e que os levaram a tentar resolver o problema quer junto dos Réus, quer com a intervenção da Polícia Municipal e da Câmara Municipal do Porto.
A falta de segurança, que se faz sentir com mais acuidade nos centros urbanos, é reconhecidamente um factor causador de grave perturbação, receio e inquietação, sendo limitador da liberdade individual dos cidadãos.
Na actual conjuntura assiste-se a um aumento de procedimentos de segurança destinados a evitar a entrada ilícita de estranhos nas habitações por se verificar, com frequência, a ocorrência de assaltos, o que causa, naturalmente, um sentimento de alarme social.
A construção de uma cobertura no terraço dos Réus, que causa insegurança no edifício e nos condóminos que aí residem, tendo já provocado danos não patrimoniais relevantes aos vizinhos residentes no andar superior, permite-nos concluir que, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 483.º e 496.º, n.º 1 do C.Civil, merecem ser compensados, como aliás foram, num montante pecuniário que consideramos equilibrado e justo, por terem sido ilicitamente violados os seus direitos de personalidade e de segurança.
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V - DECISÃO
Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a sentença.
Custas pelos Apelantes.
Notifique.

Porto dia 8 de Outubro de 2019
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
Alexandra Pelayo
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[1] Condomínio e Propriedade Horizontal, QJ,2019, págs. 83 e 84; no mesmo sentido, v. Lima, Pires de, Varela, Antunes, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição revista, pág. 425, nota 4.
[2] v. Ac. Rel.Porto de 22 de Março de 1988, citando Antunes Varela, Pardal e Fonseca e Rui Miller, CJ 1988, tomo II, pág. 209.
[3] Lima, Pires de, Varela, Antunes, ob. cit., pág. 425, nota 5.
[4] Ac. de 21.02.1989, CJ, tomo I, 1989, pág. 127.
[5] V. Ac. Rel.Porto de 22/03/1988, CJ 1988, tomo II, pág. 209.
[6] Lima, Pires de , Varela, Antunes, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, pág. 104, nota 2.