Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | M. PINTO DOS SANTOS | ||
Descritores: | ACTO MÉDICO RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL E CONTRATUAL PRESUNÇÃO DE CULPA RESPONSABILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP2014061711279/09.2TBVNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/17/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A actuação do médico perante o doente/paciente pode, nuns casos, reconduzir-se às obrigações de meios e, noutros, às obrigações de resultado, dependendo o enquadramento numa ou noutra da ponderação casuística da natureza e do objectivo do acto médico; em vez da dicotomia entre obrigações de meios e obrigações de resultado, há quem proponha uma distinção entre obrigações fragmentárias de actividade e obrigações fragmentárias de resultado. II - A responsabilidade do médico deverá, umas vezes, ser aferida no quadro da responsabilidade extracontratual e, noutras, no da responsabilidade contratual, predominando hoje o entendimento de que a regra é a da responsabilidade contratual do médico, constituindo a responsabilidade extracontratual a excepção e apenas possível nos casos em que o médico actue em situações de urgência, em que inexiste acordo/consentimento do doente à sua actuação/intervenção. III - No quadro da responsabilidade contratual do médico, há quem entenda que só existe presunção de culpa quando a actividade do médico se reconduz a uma obrigação de resultado, mas não já nos casos em que se configura como obrigação de meios, e quem, pelo contrário, defenda que em ambas as situações existe presunção de culpa do médico, apenas divergindo o grau de aferição desta em cada uma das situações. IV - A responsabilidade da clínica onde o médico levou a cabo os actos que podem estar na base da sua responsabilidade radica na previsão do art. 800º do CCiv. e no que tiver sido acordado no contrato que o doente/paciente em causa tenha celebrado com o médico e a clínica. V - Tendo-se o réu/médico obrigado, por contrato e por um determinado montante de honorários, a colocar 21 coroas em zircónia e duas pontes no mesmo material em determinados dentes da autora, estando a boca desta já devidamente preparada para o efeito [em consequência de tratamentos anteriores noutra clínica], apresenta-se inequívoco estarmos perante caso de responsabilidade contratual e que a obrigação assumida pelo primeiro se traduziu numa obrigação de resultado [ou numa obrigação fragmentária de resultado]. VI - Não pode assacar-se ilicitude na actuação do réu médico, nem incumprimento contratual ou cumprimento defeituoso da sua parte, se as anomalias/incorrecções apuradas se deveram, em grande parte, às sucessivas alterações solicitadas pela autora ao longo dos tratamentos e que aquele não pode corrigir ou eliminar por a autora, a certa altura, ter abandonado os tratamentos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Pc. 11279/09.2TBVNG.P1 – 2ª S. (apelação) _____________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Francisco Matos Des. Maria João Areias * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório: B…, residente nesta cidade do Porto, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra C…, Lda., com sede em Vila Nova de Gaia e D…, com domicílio profissional em Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação solidária destes a pagarem-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia de 74.789,00€, bem como a importância que vier a liquidar-se após a sentença relativamente ao alegado nos arts. 148º a 155º da p. i., ambas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. Alegou, para tal, que: ● em 2007, sofria de doença temporo-mandibular com os seguintes sintomas: desgaste da articulação do maxilar, desgaste dentário, sintomatologia dolorosa no maxilar, cabeça e olhos, rigidez muscular, dificuldade na articulação da fala e contracturas na coluna e pescoço; ● começou a fazer tratamento numa clínica em Lisboa que lhe preparou a boca e gengiva e lhe colocou 27 coroas e pontes provisórias de acrílico, que já impediam os sintomas atrás referidos; ● posteriormente, decidiu continuar o tratamento na clínica da 1ª ré [que presta cuidados de saúde] e através do 2º réu [médico dentista que ali exerce tal função], tendo com eles celebrado um contrato verbal de prestação de cuidados de saúde médico-dentários para tratamento da sobredita doença, contra o pagamento da quantia de 13.500,00€; ● para tal, os réus apresentaram-lhe um documento de «diagnóstico, plano de tratamento e orçamento para reabilitação com prótese fixa», no qual, sob o segundo item, e com a sua concordância, se obrigaram à «colocação de 21 coroas em zircónia» noutros tantos dentes [ali devidamente identificados] e à «colocação de 2 pontes em zircónia: dentes pilares – 1.4, 1.6, 2.4, 2.6» e «dentes pônticos – 1.5 e 2.5»; ● mais acordou com os réus que só aceitaria as coroas definitivas desde que fossem correctamente adaptadas e funcionais e lhe agradassem esteticamente, devendo a última prova ser feita já com a forma definitiva e que só depois seria dado o retoque final e o brilho; ● quando se apresentou aos réus, os dentes/cotos estavam já preparados para receber as coroas e pontes definitivas, pois já estavam desvitalizados e talhados; ● os tratamentos realizados pelos réus prolongaram-se por diversas sessões que totalizaram, no mínimo, 73 horas; ● desnecessariamente, os réus voltaram a mexer-lhe na gengiva, cortando-a e voltaram a talhar-lhe os dentes/cotos, com vista à colocação das coroas e pontes definitivas; ● fizeram depois diversas provas a essas coroas e pontes e, em cada uma delas, descolaram e retiraram e depois voltaram a colocar e a colar as coroas provisórias; ● durante os tratamentos voltou a sentir dores e rigidez no maxilar em virtude do novo talhe dos cotos e preparação da gengiva, feitos pelos réus, já não permitirem uma correcta adaptação às coroas e pontes provisórias que trazia dos tratamentos em Lisboa; ● mostrou-se desagradada com o resultado estético das coroas definitivas, comunicando-o aos réus, as quais tinham comprimento diferente, quando deviam ter comprimento igual; ● os réus negaram-se a corrigir a diferença e a fazer novas provas para a correcção; ● depois, noutra sessão, os réus fizeram alguns acertos e colaram e cimentaram provisoriamente as coroas e pontes definitivas; ● com os tratamentos que efectuaram, os réus talharam-lhe em excesso os dentes/cotos, cortaram-lhe a gengiva e invadiram o espaço biológico dos seus dentes [espaço que é necessário manter, com gengiva saudável e intacta, entre os dentes e o osso; ● e causaram-lhe inflamação gengival grave, perda óssea irreversível, elevada mobilidade dentária e a necessidade de colocação de coroas mais compridas que dentes normais; ● bem como cefaleias, sintomatologia dolorosa na face, pescoço, região cervical e articulação temporo-mandibular, com dificuldade em falar devido a contracturas faciais; ● pelo que teve necessidade de fazer diversos exames [que descreve], submeter-se a consultas noutros médicos dentistas [indica-os e as datas em que isso aconteceu] e efectuar múltiplos tratamentos [refere-os], no que gastou e terá que gastar a quantia global de 29.369,01€; ● mais terá, no futuro, que repetir os tratamentos devido ao estado em que os réus lhe deixaram os dentes/cotos e as gengivas, desconhecendo quanto gastará então; ● sofreu, ainda, diversos danos não patrimoniais [que enumera] que pretende ver compensados com a importância de 39.000,00€; ● pretende, finalmente, que os réus lhe devolvam a quantia de 6.420,00€, que lhes pagou por conta do preço contratado, por não terem cumprido o contrato. Os réus, citados, contestaram, separadamente, a acção, impugnando a alegação factológica da autora e sustentando, factualmente, que observaram «in casu» as «leges artis» a que estavam obrigados e que quem agiu culposamente foi a demandante. Pugnaram ambas pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido. A 1ª ré, alegando que transferiu a responsabilidade civil decorrente da sua actividade profissional para a Companhia de Seguros E…, SA, requereu a intervenção principal desta. O 2º réu, alegando também a transferência da responsabilidade civil decorrente da sua actividade profissional para a F… – Companhia de Seguros, SA, requereu a intervenção principal desta seguradora. Houve réplica. A 1ª ré informou depois que se equivocou na indicação da existência de seguro que cobrisse a situação em questão e desistiu o incidente de intervenção de terceiros que havia formulado na sua contestação. Observado o contraditório, foi admitido o incidente de intervenção da F… – Companhia de Seguros, SA, não a título principal, como havia sido requerido, mas a título acessório. Citada, apresentou esta Seguradora a sua contestação, na qual concluiu pela improcedência da acção com as legais consequências. Fixado o valor da acção e dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória. Ambas as partes reclamaram, mas só a autora com parcial êxito. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, já ao abrigo do Novo CPC, foi proferida sentença que fixou os factos provados e os não provados e que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido. Inconformada com o sentenciado, interpôs a autora o recurso de apelação em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões: “1. Na douta sentença que deu, o Exmo. Senhor Juiz considerou provados os factos que enumera de 1) a 36), e não provados os factos que enumera de 1) a 31). 2. Os factos que o Exmo. Senhor Juiz considerou assentes e provados são, por si só, suficientes para dar uma sentença bem diferente, uma sentença mais conforme com a que a recorrente merece e pediu. 3. Pois parece que, para o Exmo. Senhor Juiz, o problema posto pela recorrida, ao Tribunal, só teve natureza estética, não teve repercussão clínica nem de saúde oral. 4. A recorrente socorreu-se dos requeridos, como está provado, para que, simplesmente, lhe fosse concluído o tratamento de reabilitação oral que iniciara em Lisboa, na G…. 5. Não era mais do que a colocação de 21 coroas em zircónia, em igual número de dentes, pré-determinados, e de 2 pontes em dentes pilares e pônticos, também pré-determinados, conforme o plano de tratamento que os recorridos apresentaram á recorrente. (cfr. documento nos autos). 6. Pois a recorrente, como está provado, veio da G…, de Lisboa, para a Clínica e Médico recorridos, já com «... os dentes/cotos preparados para receber coroas e pontes definitivas, uma vez que todos estavam desvitalizados e talhados, não sendo necessário fazer essa preparação ou voltar a talhar os dentes/cotos». (cfr. alínea F) da factualidade assente). 7. No fundo, era replicar, em definitivo, o que a recorrente trouxera provisório, de Lisboa, com a boca devidamente preparada para isso. 8. Mas, o que se mostrava simples e breve, passou a ser um pesadelo, causa de muito aborrecimento, sofrimento e despesa para a recorrente. 9. Depois de ter frequentado a G…, em Lisboa, como se disse, em tratamentos com o Sr. Dr. H…, Médico Dentista, de Março de 2007 a Abril de 2008, de onde saiu bem e confiante, 10. A recorrente passou a frequentar a Clínica recorrida, em tratamento com o recorrido Médico Dentista, de Maio a Dezembro de 2008. 11. Mas o Médico Dentista recorrido não foi capaz de implementar, na boca da recorrente, o prometido plano, e o resultado foi um desastre: a) Entendeu mexer no que já estava preparado, isto é, nos dentes e nas gengivas; b) Mexeu e remexeu nos dentes provisórios da recorrente, constantemente a tirá-los e a pô-los, provocando diferenças de altura, de cima e de baixo, dando lugar a desacerto da oclusão e ao inevitável desconforto da paciente; c) Também, de sua iniciativa, mexeu na gengiva da recorrente, e procedeu a novo talhe dos dentes, tudo sem necessidade e mal executado; d) O resultado foi que as gengivas da recorrente passaram a estar constantemente inflamadas, a sangrar e a causar dores; e) Os dentes provisórios que a recorrente tinha na boca, trazidos de Lisboa e modelo dos definitivos, com a actuação do recorrido deixaram de lhe assentar bem, ficando o tratamento impossível de conseguir, como foi o caso. 12. Foi em estado lastimável e de necessidade que a recorrente, em Dezembro de 2008, se viu forçada a abandonar os recorridos, procurando apoio e tratamento num outro Médico Dentista, o Sr. Dr. I…. (J…). 13. Antes, em 05.01.2009, foi a recorrente de urgência, ao K…, na …, onde foi vista e submetida a provisório tratamento pelo Sr. Dr. L…. (cfr. relatório clínico nos autos). 14. Em 13.01.2009, depois (de) aturada observação da recorrente, o Sr. Dr. I… emite um relatório médico dentário onde tece considerações preliminares, de diagnóstico e conclui com um plano de tratamento. (cfr. relatório clínico nos autos). 15. Aquele relatório é bem concludente e esclarecedor do estado clínico da recorrente, quando abandonou os recorridos, e basta a simples leitura do plano de tratamento, para se ficar com plena consciência disso: «Há necessidade de desprogramar a musculatura no sentido de reposicionar as Articulações em relação cêntrica e determinar a correcta dimensão vertical. Nos sectores anteriores deve ser realizada uma cirurgia periodontal no sentido de restabelecer o espaço biológico. Com os modelos montados em articulador vamos elaborar um novo plano dos modelos com a preparação dos mesmos e o encerado com a correcção dos planos sagital mediano e plano horizontal anterior, curvas de Spee e Wilson, restabelecer as guias caninas e anteriores. Duplicação destes modelos e confecção de novos dentes temporários, para testar a função, fonética e estética. Há necessidade de reconstruir o falso coto do dente 24 que está facturado. Após todos os testes e com os tecidos periodontais saudáveis, reconstruiremos com próteses anteriores em alumínio-cerâmica e posteriores em zircónio-cerâmica. Nesta altura aplicaremos um splint oclusal superior para protecção durante o sono». (cír. relatório clínico nos autos). 16. O plano de tratamento referido no ponto anterior, previa que «nos sectores anteriores deve ser realizada uma cirurgia periodontal no sentido de restabelecer o espaço biológico», o que queria dizer que a recorrente tinha de submeter-se a uma cirurgia nas gengivas, antes de retomar o seu tratamento, agora bem mais amplo, como se vê. (cfr. relatório clínico nos autos). 17. Em consonância com o Sr. Dr. I…, a recorrente imediatamente procurou especialistas em tratamento cirúrgico das gengivas, tendo consultado, para o efeito, os seguintes cirurgiões: a) Sr. Prof. Doutor M…; b) Sr. Prof. Doutor N…; c) Sr. Prof. Doutor O…. 18. O Sr. Prof. Doutor M…, por relatório que emitiu, em 06.05.2009, diagnosticou «gengivite e hiperplasia hemorrágica no bloco anterior maxilar», sugerindo se fizesse «gengivectomia, gengivoplastia e osteotomia com osteoplastia no bloco anterior maxilar com eventual colocação de alo-enxerto ósseo». (cfr. relatório clínico nos autos). 19. O Sr. Prof. Doutor N…, por relatório que emitiu, em 12.05.2009, propôs «cirurgia de alongamento coronário com osteoplastias e osteotomias de todas as peças dentárias». (cfr. relatório clínico nos autos). 20. O Sr. Prof. Doutor O…, por relatório que emitiu, sem data, mas foi em Maio de 2009, propôs «cirurgia de alongamento coronário com osteotomia dos sextantes 1, 2, 3, 4, 5 e 6». (cfr. relatório clínico nos autos). 21. Foi este último Médico Cirurgião que operou a recorrente e, durante semanas, a acompanhou no tratamento das gengivas, de maneira a que ela ficasse pronta para, como se disse, iniciasse o tratamento com o Sr. Dr. I…, como aconteceu em Julho de 2009. 22. Perturbada com o que lhe aconteceu, tão inesperado como indesejável, teve a recorrente de receber tratamento psíquico, desde logo da Psicóloga sua colega, amiga e testemunha, Sra. Dra. P…, e do Médico Psiquiatra, Sr. Dr. Q…. 23. O Sr. Dr. Q…, no relatório médico que emitiu, em 04.06.2009, afirma que receitou medicamentos à recorrente e que ela se queixava de tendência para o isolamento, abaixamento do humor, tristeza difusa, desânimo, cansaço facial, dificuldades cognitivas, perda de contactos sociais, alteração dos padrões do sono e alimentares, ideias mórbidas acerca do presente e do futuro. (cfr. relatório médico nos autos). 24. Todos os factos descritos decorrem dos autos e da matéria provada, que se traduziram em danos, físicos e psíquicos, sofridos pela recorrente. 25. Devidos ao comportamento lesivo dos réus, um como profissional médico e o outro como sociedade comercial, como consequência directa e necessária da sua conduta, o que os obriga ao pagamento, solidário, de uma indemnização à recorrente, por danos materiais e morais sofridos, em conformidade com o que pediu ao Tribunal. 26. Como mandam as regras do direito substantivo, especialmente os artigos 70, 483 e ss, 562 e ss e 801 e ss do Código Civil, não consideradas pela douta sentença em recurso. 27. Para afastar a condenação do Médico recorrido, o Exmo. Senhor Juiz invoca o clássico argumento, há muito ultrapassado, de que o profissional apenas tinha uma obrigação de meios, não de resultado, apesar de o ter garantido à recorrente. 28. A medicina e, no caso concreto, a medicina dentária, como noticia a jurisprudência e a doutrina, tem tido um avanço técnico e cientifico notáveis, pode dizer-se, hoje, sem segredos, onde tudo se faz sem dificuldade. 29. A não ser, como foi seguramente o caso, que o Médico recorrido revele incompetência técnica, acabando por criar problemas graves que a recorrente, quando o procurou, não tinha, vitimando-a, com todas as consequências causais supra descritas. 30. Alguma concreta dúvida de prova tida pelo Exmo. Senhor Juiz, tinha ele a faculdade de se socorrer de presunções judiciais, até para ajudar a recorrente lesada a vencer naturais dificuldades de prova, atendendo à especialidade do que está em causa nos autos, pouco acessível ao senso comum e a que os especialistas não dedicam disponibilidade. (Artigo 349 nº 1 do Código Civil; António Meneses Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, Almedina, pág. 477 e ss; vasta jurisprudência, só na base de dados da Ordem dos Advogados existem, sobre este ponto, 225 acórdãos dos Tribunais Superiores, que nos orientaram). 31. Também, com base na factualidade provada e no que respeita ao quantum indemnizatório pedido pela recorrente, bem podia o Ilustre Magistrado, com recurso a critérios de equidade, encontrar uma solução justa para o caso submetido à sua apreciação. (Jurisprudência referida no ponto anterior). 32. Por constituir matéria de facto, bem pode o Tribunal da Relação formular juízos de valor com base em ilações logicamente deduzidas dos factos provados, em regra da experiência que são as presunções. 33. Em suma, a recorrente foi vítima de factos danosos, que imputou, objectivamente, aos recorridos, cada um na sua função, geradores de responsabilidade civil, pedida mas não atendida pelo Tribunal. 34. Tivesse o Exmo. Senhor Juiz em melhor consideração a factualidade agora alertada, neste recurso, como decorre dos autos e da prova produzida, e a sentença teria sido outra, uma que condenasse os recorridos como pediu a recorrente. (cfr. artigo 662 do Código de Processo Civil). Termos em que deve ser revogada a douta decisão dada pelo Tribunal «a quo», e substituída por outra que condene todos os recorridos, em solidariedade, no que foi pedido pela recorrente.”. Contra-alegaram os réus e a seguradora chamada, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. * * * II. Questões a apreciar e decidir:Em atenção à delimitação constante das conclusões das alegações da recorrente, que fixam o «thema decidendum» a cargo desta 2ª instância - arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Novo CPC, aqui aplicável em atenção à data da prolação da sentença recorrida [2013/11/15] e ao disposto nos arts. 5º nº 1 e 7º nº 1, este «a contrario», da Lei nº 41/2013, de 26/06 - e recordando que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o nº 2 do art. 608º, «ex vi» do nº 2 do art. 663º, ambos daquele diploma, não se confunde nem demanda qualquer dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas por elas invocados, por mais fundamentados e respeitáveis que se apresentem [assim, i. a., Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pgs. 677-688, Ac. do Tribunal Constitucional nº 371/2008, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos e Acs. do STJ de 10/04/2008, proc. 08B877 e de 11/10/2001, proc. 01A2507, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj], as questões a apreciar e decidir são as seguintes: ● Se a recorrente impugna a matéria de facto [questão prévia]; ● Se ocorrem os pressupostos da responsabilidade civil relativamente a ambos os réus e que modalidade está aqui em causa: contratual ou extracontratual; ● Se há lugar à condenação dos réus no pagamento de indemnização à autora e, na afirmativa, em que montantes. * * * III. Factos provados e factos não provados:A) Na sentença foram dados como provados os seguintes factos: 1) A Ré é uma empresa que se dedica à prestação de cuidados de saúde (anterior al. A da factualidade assente). 2) O 2.º Réu exerce a profissão de médico com especialidade de medicina dentária que também exerce na 1.ª Ré (anterior al. B da factualidade assente). 3) A Autora procurou a 1.ª Ré para lhe prestar serviços de saúde médico-dentários contra o pagamento de 13.500 EUR (anterior al. C da factualidade assente). 4) Em Maio de 2008, Autora e Réus acordaram em que fosse efectuado tal tratamento com o objectivo de terminar tratamento de reabilitação oral total, com plano de tratamento de vinte e uma coroas em zircónia em determinados dentes, duas pontes em zircónia, com garantia de três anos sobre as coroas e pontes de zircónia conforme fls. 31, cujo teor se dá por reproduzido (anterior al. D da factualidade assente). 5) Em 18/07/08, Autora e Réus acordaram na realização do mencionado tratamento nos termos constantes de fls. 32, cujo teor se dá por reproduzido e que iria tornar definitivo alcançado com as coroas provisórias (anterior al. E da factualidade assente). 6) Quando a Autora se apresentou aos Réus e em consequência de tratamentos por si anteriormente efectuados, tinha os dentes/cotos preparados para receber coroas e ponte definitivas, uma vez que todos estavam desvitalizados e talhados não sendo necessário fazer essa preparação ou voltar a talhar os dentes/cotos (anterior al. F da factualidade assente). 7) Em cumprimento do acordado com os Réus, a Autora pagou 6 420 EUR, sendo o restante a pagar nas últimas consultas (anterior al. G da factualidade assente). 8) A Autora mostrou-se desagradada com o resultado estético das coroas definitivas colocadas pelos Réus, o que lhes comunicou ao longo das provas (anterior al. H da factualidade assente). 9) Entre o Réu D… e F… - Companhia de Seguros, Lda. foi celebrado contrato de seguro titulado pela apólice n.º ………….., com duração de dias e anos seguintes, relativo a responsabilidade civil pela prática de actos da actividade de dentista nos termos constantes de fls. 145 a 155, cujo teor se dá por reproduzido (anterior al. I da factualidade assente). 10) A Autora iniciou um tratamento dentário na G…, em Lisboa, a qual lhe preparou a boca para colocação de vinte e sete coroas e pontes definitivas em cerâmica pura, tendo aí sido colocadas vinte e sete coroas e pontes provisórias em acrílico. 11) A Autora decidiu passar a tratar-se perto da sua residência tendo, por isso, procurado os Réus. 12) A Autora acordou com os Réus que as coroas definitivas teriam de lhe agradar em termos de correcta adaptação, funcionalidade e estética. 13) A Autora apresentou-se aos Réus com as coroas provisórias que os Réus não alteraram. 14) Os Réus efectuaram tratamentos à Autora em: ● 17/06/2008, pelas 09.00 horas; ● 20/06/2008, pelas 15.00 horas; ● 26/06/06/2008, pelas 09.00 horas; ● 18/07/2008, pelas 09.00 horas; ● 31/07/2008, pelas 09.00 horas; ● 12/08/2008, pelas 14.30 horas; ● 04/09/2008, pelas 09.00 horas; ● 18/09/2008, pelas 09.00 horas; ● 02/10/2008, pelas 09.30 horas; ● 10/10/2008, pelas 09.30 horas; ● 23/10/2008, pelas 09.30 horas; ● 12/12/2008, pelas 10.00 horas, num total mínimo de 50 horas. 15) A Autora não sentia dores usando as coroas provisórias colocadas pela G…. 16) As coroas definitivas deveriam ser iguais, em termos de comprimento, às provisórias que a Autora tinha. 17) Em 12/12/2008, a Autora foi a consulta com os Réus, que ocorreu das 10.00 às 20.00 horas, na qual os Réus procederam a acertos e cimentaram provisoriamente as coroas e pontes definitivas, não tendo mais a Autora sido consultada pelo Réu D… por vontade da mesma. 18) Em 05/01/2009, a Autora consultou o Dr. L… no K…. 19) A Autora, em 05/02/2009, consultou o Prof. Dr. O…, o qual indicou à Autora que deveria realizar cirurgia de alongamento coronário com osteotomia dos sextantes 1, 2, 3, 4, 5, 6 tendo realizado estes tratamentos. 20) Em 13/01/2009, a Autora consultou o Dr. I…, o qual diagnosticou o que consta a fls. 34 e indicou à Autora que deveria proceder ao tratamento constante de fls. 35 (realizar moldes, montar articulador, remoção de próteses existentes, colocação de próteses fixas temporárias, …). Em 09/07/2009 a Autora consulta de novo o Dr. I… que estipulou um plano de tratamento à mesma no valor de 22 690 EUR. 21) A Autora realizou, pelo menos, parte dos tratamentos indicados pelo Dr. I… até 28/08/2009, tendo pago 6 702 EUR em 09/07/2009 e 3 197 EUR em 28/08/2009. 22) Os tratamentos junto do Dr. O… ocorreram em 22/06 e 29/06/2009, tendo custado 660 EUR e 660 EUR pagos nas referidas datas, respectivamente. 23) De acordo com o plano de intervenção médica junto da Autora, gizado pelo Dr. I…, as coroas e pontes definitivas realizadas pelos Réus não seriam colocadas na boca da Autora. 24) A Autora, em consultas para aferir do tratamento a realizar, despendeu em 24/04/2009 a quantia de 80 EUR (Prof. Dr. M…), em 06/05/2009 a quantia de 170 EUR (Prof. Dr. N…). 25) A Autora terá de realizar manutenção regular das coroas e pontes colocadas no que despenderá dinheiro e sofrerá incómodos, eventual dor e dispêndio de tempo. 26) A Autora despendeu diversas horas em consultas e deslocações para e junto de médicos depois de ter cessado o tratamento nos Réus. 27) A Autora, em 04/06/2009, queixava-se de diminuição de humor, desmotivação, desânimo, cansaço fácil, dificuldades cognitivas, ideias mórbidas acerca do presente e futuro, com um quadro depressivo tendo de receber tratamento psiquiátrico junto de médico que lhe prescreveu medicamentos. 28) A Autora teve consultas em 19/01, 22/01, 15/04, 11/05, 18/05, 25/05, 01/06, 06/07 de 2009 pelo que pagou 80 EUR, 60 EUR, 70 EUR, 70 EUR, 70 EUR, 70 EUR, 70 EUR, 70 EUR, respectivamente. 29) Em 24/03/2009, a Autora pagou 75 EUR por consulta em médica. 30) Em 28/04 e 05/05 de 2009, a Autora pagou 80 EUR e 70 EUR, respectivamente, por consulta em consultas de psicoterapia. 31) Em 20/06/08, a Autora pediu aos Réus que executassem novas coroas provisórias para substituírem as anteriores que não lhe agradavam na plenitude, o que os Réus aceitaram. 32) A Autora, por diversas vezes, no decurso dos tratamentos efectuados pelo Réu D… na clínica Ré, não deixou retirar completamente o cimento provisório, o que veio a originar inflamações gengivais. 33) À Autora foi referido, por volta da sexta prova, de que poderia haver excesso de queimas e comprometimento dos dentes que iriam suportar as coroas. 34) A Autora depois dessa referência, continuou a pretender alterações estéticas. 35) Em termos habituais, o trabalho acordado entre Autora e Réus não ultrapassa vinte e cinco horas de trabalho e três provas das coroas em zircónio-cerâmica. 36) Por não querer que ocorresse persistente degradação das coroas, fragilização das raízes e gengivas e para evitar o insucesso do tratamento acordado, os Réus, ao fim da oitava prova, informaram a Autora que na próxima consulta não seriam permitidas alterações estéticas, devendo ser finalizado o tratamento com a colocação definitiva das coroas zircónio-cerâmica. * B) … E foram considerados não provados os seguintes factos:* 1. Em 2007 a Autora sofresse de doença temporo-mandibular, apresentando desgaste de articulação do maxilar, desgaste dentário, dores no maxilar, cabeça e olhos, rigidez muscular, dificuldade na articulação da fala, contracturas na coluna e pescoço. 2. A Autora tenha recorrido à G… para tratamento da referida doença temporo-mandibular. 3. O tratamento realizado pela G… visasse impedir os sintomas referidos em 1. 4. Os tratamentos referidos em 4) e 5) dos factos provados visassem impedir os sintomas referidos em 1. 5. A Autora tenha combinado com o Réu D… que a última prova das coroas seria com a forma definitiva e que só após a mesma prova seria dado o retoque final e o brilho às coroas. 6. Os Réus não tenham confeccionado novas coroas provisórias. 7. A Autora tenha efectuado tratamento na Clínica Ré e pelo Réu D… nos dias 14/11/2008 e 05/12/2008 unicamente para acerto da estética da cerâmica das coroas definitivas dos seis dentes superiores da frente. 8. Durante os tratamentos, os Réus tenham intervencionado a gengiva da Autora, cortando-a e voltando a talhar os dentes/cotos daquela alegando ser para colocar coroas e pontes definitivas. 9. Durante os tratamentos os Réus tenham causado na boca da Autora perda óssea irreversível e elevada mobilidade dentária e que durante os mesmos a Autora tenha voltado a sentir dores e rigidez no maxilar. 11. O novo talhe dos cotos e preparação da gengiva realizados pelos Réus não permitisse uma correcta adaptação às coroas e pontes provisórias que a Autora trazia, o que lhe causava dores. 12. As coroas definitivas realizadas pelos Réus, após sucessivas provas, tivessem comprimento diferente das coroas provisórias. 13. Os Réus se tenham negado a corrigir tal diferença e a realizar as necessárias provas. 14. Os Réus tenham talhando os dentes/cotos da Autora, cortando a sua gengiva e invadindo o espaço biológico dos dentes causando assim inflamação gengival, perda óssea irreversível, elevada mobilidade dentária sendo necessário colocar coroas mais compridas que dentes normais em virtude da mencionada inflamação o que, se não sucedesse, levaria à perda dos acima referidos vinte e sete dentes. 15. Em virtude da actuação dos Réus, em 12/12/08 a Autora tenha começado a sentir cefaleias e dores na face, pescoço, região cervical e na articulação temporo-mandibular bem como dificuldade em falar devido a contracturas faciais, o que antes dos tratamentos efectuados pelos Réus não sucedia. 16. A Autora tenha pago 100 EUR pela consulta referida em 18) dos factos provados. 17. A Autora tenha pago 10 EUR pela consulta referida em 19) dos factos provados. 18. A Autora tenha ido a uma consulta com o Dr. O… em 14/07/2009. 19. A Autora tenha realizado a totalidade dos tratamentos junto do Dr. I…. 20. A Autora ainda fosse concluir o tratamento junto do Dr. I… tendo ainda de pagar 15.883 EUR. 21. As coroas e pontes realizadas pelos Réus não tenham sido colocadas na boca da Autora. 22. A Autora, para a consulta do dia 06/05/2009 junto do Prof. Dr. N…, tenha gasto 120 EUR na deslocação para Lisboa. 23. A Autora tenha de repetir os tratamentos referidos em 19) dos factos provados. 24. A Autora vá sofrer de tristeza por efectuar manutenção regular das coroas e pontes colocadas. 25. O número de horas gasto despendido pela Autora no referido em 26) dos factos provados fosse de oitenta. 26. Essas horas gastas pela Autora e referidas em 26) dos factos provados tenham ocorrido por causa da actuação dos Réus. 27. A Autora, devido aos tratamentos efectuados pelo Réu D… na clínica Ré, quase não conseguisse abrir a boca ficando com a comunicação verbal diminuída e que por isso se tenha isolado. 28. A Autora tenha comprado os medicamentos receitados por médico psiquiatra com o custo de 1.002,01 EUR. 29. A Autora tenha alegado perante os Réu D… na clínica da Ré que as coroas que tinha estivessem a ficar feias e que tal lhe causava problemas sociais. 30. Tenha sido referido à Autora, na circunstância referida em 33) dos factos provados, que as raízes dos dentes se podiam ressentir. 31. Tenha havido marcação de consulta para terminar o tratamento para o dia 14/11/08 à qual a Autora não compareceu. * * * IV. Apreciação das questões enunciadas em II:1. Se a recorrente impugna a matéria de facto. A leitura dos nºs 11 a 24, 30 e 32 das conclusões das doutas alegações da recorrente suscita a seguinte questão prévia que importa esclarecer antes de avançarmos: aquela pretende [também] impugnar a decisão de facto da 1ª instância? Isto porque, ali, a recorrente alude a diversos relatórios constantes dos autos e deles parece querer retirar várias consequências fácticas, não coincidentes com a materialidade que vem dada como provada pela 1ª instância. Acontece, porém, que a impugnação da matéria de facto demanda o cumprimento de diversos ónus que não se mostram observados e que impedem a reapreciação, por este Tribunal, da decisão de facto. Já se disse em II que ao caso é aplicável o Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06. Relevam aqui os arts. 639º nº 1 e 640º nº 1 als. a) a c) deste Novo CPC. O primeiro destes normativos estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Por sua vez, o art. 640º refere, no seu nº 1, que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Acrescenta depois a al. a) do nº 2 que “no caso previsto na alínea b) (…), quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Da conjugação destes dois normativos e, bem assim, do disposto no nº 4 do art. 635º, resulta [como já resultava dos arts. 685º-A nº 1, 685º-B nºs 1 als. a) e b) e 2 e 684º nº 3 do anterior CPC] que, além do dever de alegar [sob pena de o recurso ser logo declarado deserto; dever que se traduz na apresentação de “uma peça processual onde expõe os motivos da sua impugnação, explicitando as razões por que entende que a decisão é errada ou injusta, através de argumentação sobre os factos, o resultado da prova, a interpretação e aplicação do direito, para além de especificar o objectivo que visa alcançar com o recurso”], o recorrente, “deve (…), face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão”, até porque, “tratando-se de recurso a interpor para a Relação, e como este pode ter como fundamento só razões de facto ou só razões de direito ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre matéria de facto ou de direito ou sobre ambas” [assim, no âmbito da anterior versão do CPC, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª ed., pgs. 165 e 167; no mesmo sentido, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª ed. revista e act., pgs. 146 e 147; segundo este Autor, “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância”, tanto mais que se trata “de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes” e que constituem “o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes na sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça”]. O cumprimento de tais ónus não se impõe, contudo, do mesmo modo ou com a mesma amplitude no corpo das alegações e nas respectivas conclusões. Efectivamente, antes da entrada em vigor do Novo CPC vinha-se formando Jurisprudência maioritária que defendia que no corpo da motivação, o recorrente tinha que mencionar os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados [mediante expressa menção desses mesmos factos ou por referência aos números do respectivo articulado ou, existindo, da base instrutória] e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo/gravação nele efectuado, que impunham, na sua óptica, decisão diversa sobre os pontos impugnados da matéria de facto. Mas, relativamente às conclusões das alegações, entendia-se que bastava que o recorrente nelas fizesse referência à impugnação da decisão da matéria de facto, especificando os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, sem que fosse necessário que aí especificasse os concretos meios probatórios em que radicava a sua discordância, nem que indicasse as passagens da gravação em que se encontravam registados os depoimentos que pretendia ver reapreciados. Quanto a estes, entendia-se que bastava a alegação no corpo da motivação e a remessa, nas conclusões, para essa parte das alegações [neste sentido, Abrantes Geraldes, obr. cit., pgs. 146-147, que refere que “a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, deve verificar-se em alguma das seguintes situações: a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto; b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (…); d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda, quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos; (…)”; idem, Acórdãos do STJ de 23/02/2010, proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1, de 30/10/2007, proc. 07A3366, de 01/03/2007, proc. 06S3405, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj e de 17/05/2007, in AD 552-2230, bem como o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/2002, publicado na II Série do DR de 13/12/2002, que, embora relativo à falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso penal, dos ónus fixados nas als. a) a c) do nº 3 do art. 412º do CPP, vale, igualmente, para os recursos cíveis em que as exigências dos nºs 1 e 2 do art. 685º-B do CPC não sejam observadas]. Este entendimento mantém a sua pertinência à luz do regime ora instituído no Novo CPC, acrescendo apenas o dever do recorrente especificar, no corpo das alegações, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. No caso «sub judice», a recorrente, querendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, estava, pois, obrigada ao cumprimento dos ónus que se deixaram apontados, o que significa que no corpo da motivação tinha, desde logo, que cumprir integralmente o que o art. 640º nº 1 als. a) a c) impõe e que nas respectivas conclusões tinha que, pelo menos, especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, remetendo quanto ao resto para o corpo das alegações. No entanto, a recorrente não indicou, nem no corpo das alegações, nem nas conclusões, qualquer concreto ponto de facto da base instrutória que considere incorrectamente julgado, tendo-se limitado a aludir a excertos de diversos relatórios clínicos sem retirar consequências relativamente aos factos dados como provados ou como não provados. Como tal, não há lugar à reapreciação da matéria de facto, por não ter sido impugnada pela recorrente. Acrescenta-se, ainda, que os relatórios clínicos referidos pela recorrente também não relevam para os efeitos do nº 2 do art. 663º, com referência à 2ª parte do nº 4 do art. 607º, ambos do Novo CPC, já que os factos que em tal âmbito podem ser [oficiosamente] tomados em consideração pelo Tribunal são os que “estão admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito” e aqueles relatórios não se reconduzem a nenhum destes meios de prova. * 2. Se ocorrem os pressupostos da responsabilidade civil relativamente a ambos os réus.* O que está aqui em causa é o apuramento da eventual responsabilidade civil dos réus: o 2º réu enquanto médico dentista e a 1ª ré enquanto sociedade/clínica onde aquele levou a cabo a intervenção que, na versão da autora/recorrente, lhe causou os danos que quer ver ressarcidos. Por isso, ainda que sucintamente, importa começar por definir a modalidade da responsabilidade civil em que se enquadra a actividade médica e a do médico dentista em particular – se na contratual ou se na extracontratual -, a natureza da obrigação que estava a cargo do 2º réu – se uma obrigação de meios ou se uma obrigação de resultado – e a que título poderia a 1ª ré ser responsabilizada pela actuação daquele. Depois, tendo por base a factologia que foi dada como provada na douta sentença, haverá que indagar da verificação ou não, «in casu», dos pressupostos da modalidade da responsabilidade civil aplicável e, se for o caso, que determinar os montantes indemnizatórios, por referência ao que foi peticionado. 2.1. Durante muito tempo vigorou, nos casos de responsabilidade médica, a orientação que a enquadrava no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e que assentava nos seguintes pressupostos: “os direitos e deveres dos médicos resultam apenas da lei e de normas deontológicas”, “a vida e saúde humanas não podem ser objecto de negócios”, “as operae liberales não podem, (…), ser objecto de relações jurídicas, por representarem a expressão máxima da liberdade dos que a exercem” e “o exercício das profissões liberais é gratuito por natureza; os «honorários» não significam pagamento, mas um modo de «honrar» e agradecer” [cfr. Ferreira de Almeida, in “Os Contratos Civis de Prestação de Serviço Médico”, Direito da Saúde e Bioética, 1996, AAFDL, pg. 80]. Esta orientação típica da “tradicional relutância em admitir a natureza contratual da responsabilidade civil médica estava (…) ligada a uma certa repugnância em aceitar que o médico pudesse considerar-se presumidamente culpado sempre que o tratamento tivesse efeitos nefastos ou não alcançasse as metas que as expectativas do agente haviam subjectivamente fixado”. Isto porque, dispondo a generalidade dos sistemas jurídicos [como também acontece no português, «ex vi» do estabelecido no art. 799º nº 1 do CCiv.] que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede(u) de culpa sua, facilmente se compreende a delicadeza de posição (…) em que o médico ficaria colocado, vendo-se sistematicamente obrigado a elidir a presunção de culpa que sobre ele, na qualidade de devedor, passaria a recair” [cfr. J. Álvaro Dias, in “Procriação Assistida e Responsabilidade Médica”, 1996, pgs. 223-224]. Esta orientação tradicional foi abandonada a partir da adopção da dicotomia entre «obrigações de meios» e «obrigações de resultado» - nestas últimas, o devedor compromete-se a produzir um certo resultado em benefício do credor ou de terceiro, de tal modo que a obrigação apenas se considera cumprida se o resultado projectado pelas partes for alcançado; nas primeiras, o devedor, ao contrair a obrigação, não fica adstrito à produção de nenhum resultado, vinculando-se apenas a realizar determinado esforço ou diligência para que o resultado pretendido se obtenha [cfr. J. Álvaro Dias, obr. cit., pg. 224 e, quanto à distinção entre obrigações de meios e obrigações de resultado, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, reimpr. 7ª ed., 2001, pg. 73 e Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 5ª ed., pg. 431]. As obrigações do médico perante o doente passaram, segundo alguma doutrina, a ser consideradas como obrigações de meios [assim, a título de exemplo, Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, 3ª ed. pg. 414, que entendia que “embora o doente busque naturalmente, ao recorrer ao médico, a sua cura, a sua saúde perdida (…), o médico não se obriga à produção de tal resultado, mas apenas a empregar uma certa diligência para tentar curar o doente ou evitar-lhe o mal que ele receia; somente se vincula (…) a prestar-lhe assistência, mediante uma série de cuidados ou tratamentos aptos a curar”; “só a isso se obriga, só por isso responde”]. Outros, num registo não muito divergente, entendem que o médico assume uma obrigação de risco ou de resultado aleatório, na medida em que “não se obriga apenas a usar a sua melhor diligência para obter um diagnóstico ou conseguir uma terapia adequada, antes se vincula a fazer uso da sua ciência e aptidão profissional para a realização do diagnóstico e para a definição da terapia aconselhável”, pelo que “ainda que o médico não possa responder pela obtenção de um resultado, ele é responsável perante o paciente pelos meios que usa (ou deve usar) no diagnóstico ou no tratamento” [assim, Teixeira de Sousa, in “Sobre o Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil Médica”, Direito da Saúde e Bioética, 1996, AAFDL, pgs. 136-137 e nota 26]. Hoje, doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que a actuação do médico perante o doente/paciente pode, nuns casos, reconduzir-se às obrigações de meios e, noutros, às obrigações de resultado e que a respectiva responsabilidade deverá, umas vezes, ser aferida no quadro da responsabilidade extracontratual e, noutras, no da responsabilidade contratual. Quanto a este último ponto, predomina o entendimento de que a regra é a da responsabilidade contratual do médico, constituindo a responsabilidade extracontratual a excepção e apenas possível nos casos em que o médico actue em situações de urgência, em que inexiste acordo/consentimento do doente à sua actuação/intervenção [assim, J. Álvaro Dias, obr. cit., pgs. 221-222, que sustenta que “é hoje praticamente indiscutível que a responsabilidade médica tem, em princípio, natureza contratual”, pois, “médico e doente estão, no comum dos casos, ligados por um contrato marcadamente pessoal, de execução continuada e, por via de regra, sinalagmático e oneroso”; “pelo simples facto de ter o seu consultório aberto ao público e de ter colocado a sua placa, o médico encontra-se numa situação de proponente contratual”, ao passo que “o doente que aí se dirige, necessitando de cuidados médicos, está a manifestar a sua aceitação a tal proposta”. Idem, A. Henriques Gaspar, in “A Responsabilidade Civil do Médico”, CJ ano III, 1978, pg. 341, citado no Acórdão do STJ atrás mencionado, que, depois de referir que a regra, na “relação médico-doente haverá de enquadrar-se na figura conceitual do contrato”, acrescenta que “o médico apenas pode ser responsabilizado extracontratualmente, se a sua actuação, violadora dos direitos do doente é culposa, se processou à margem de qualquer acordo existente entre ambos, o que acontecerá em todos os casos em que o médico actue em situações de urgência que não permitem qualquer hipótese de obter o consentimento, o acordo do doente”]. Relativamente ao primeiro ponto, o STJ decidiu que há que “ponderar a natureza e objectivo do acto médico para não o catalogar aprioristicamente na dicotómica perspectiva obrigação de meios/obrigação de resultado, devendo antes atentar-se, casuisticamente, ao objecto da prestação solicitada ao médico ou ao laboratório, para saber se, neste ou naqueloutro caso, estamos perante uma obrigação de meios – a demandar apenas uma actuação prudente e diligente segundo as regras da arte – ou perante uma obrigação de resultado com o que implica de afirmação de uma resposta peremptória, indúbia. (…) No caso de intervenções cirúrgicas, em que o estado da ciência não permite, sequer, a cura mas atenuar o sofrimento do doente, é evidente que ao médico cirurgião está cometida uma obrigação de meios, mas se o acto médico não comporta, no estado actual da ciência, senão uma ínfima margem de risco, não podemos considerar que apenas está vinculado a actuar segundo as legis artes; aí, até por razões de justiça distributiva, haveremos de considerar que assumiu um compromisso que implica a obtenção de um resultado, aquele resultado que foi prometido ao paciente. É de considerar que em especialidades como medicina interna, cirurgia geral, cardiologia, gastroenterologia, o especialista compromete-se com uma obrigação de meios – o contrato que o vincula ao paciente respeita apenas às legis artis na execução do acto médico; a um comportamento de acordo com a prudência, o cuidado, a perícia e actuação diligentes, não estando obrigado a curar o doente. Mas especialidades há que visam não uma actuação directa sobre o corpo do doente, mas antes auxiliar na cura ou tentativa dela, como sejam os exames médicos realizados, por exemplo, nas áreas da bioquímica, radiologia e, sobretudo, nas análises clínicas. Neste domínio é dificilmente aceitável que estejamos perante obrigações de meios, consideramos que se trata de obrigações de resultado. Se se vier a confirmar a posteriori que o médico analista forneceu ao seu cliente um resultado cientificamente errado, então, temos de concluir que actuou culposamente, porquanto o resultado transmitido apenas se deve a erro na análise.” [Acórdão do STJ de 04/03/2008, proc. 08A183, disponível in www.dgsi.pt/jstj]. Em sentido idêntico, pronunciou-se também esta Relação do Porto afirmando que: “É a álea que funciona como critério de distinção entre estas duas categorias de obrigações, reflectindo-se na disciplina aplicável a cada uma, não só no plano dos encargos probatórios, mas também no plano do regime aplicável ao seu incumprimento, nomeadamente no que concerne às causas de exoneração do devedor. Se o resultado desejado for, em regra, atingido com a actuação diligente do devedor, com a adopção dos procedimentos e da técnica apropriada, estaremos perante uma obrigação determinada. A não verificação da consequência pretendida (resultado) constitui base suficiente para presumir a culpa do devedor, podendo este, apesar disso, provar a existência de uma facto de força maior inultrapassável pela diligência exigível e efectivamente empregue. Se, pelo contrário, o resultado almejado com a realização da prestação for de consecução incerta, mesmo que o devedor empregue o cuidado e competência exigíveis, então, a obrigação assumida deverá ser qualificada como uma obrigação geral de prudência, não se incluindo aí o resultado perspectivado. A mera não ocorrência do mesmo não é elemento suficiente para fazer presumir a culpa do devedor, pois a sua obtenção, condicionada por uma elevada carga de aleatoriedade, não está exclusivamente dependente dos seus esforços. Neste caso, a culpa terá de ser positivamente demonstrada, sem o que se não poderá falar de incumprimento. Como já se aflorou, as obrigações do médico são consideradas, em regra, meras obrigações de meios, só excepcionalmente assumindo obrigações de resultado. No entanto, existem algumas áreas da medicina em que a menor influência de factores não controlados pelo profissional e o avançado grau de especialização técnica fazem reconduzir a obrigação do médico a uma obrigação de resultado, por ser quase nula a margem de incerteza deste. Pense-se, por exemplo, nas intervenções médico-dentárias com fins predominantemente estéticos, tais como colocação de próteses, restauração de dentes e até a realização de implantes. Aí, o resultado surge sempre como substrato imprescindível da obrigação.” [Acórdão da Relação do Porto de 05/03/2013, proc. 3233/05.0TJPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp, que cita, no mesmo sentido, o ensinamento de Rute Teixeira Pedro, in “A Responsabilidade Civil do Médico”, Centro de Direito Biomédico da Universidade de Direito de Coimbra, vol. 15, pgs. 95-96]. Há, porém, quem divirja na consideração das especialidades médicas que se reconduzem às obrigações de meios e das que correspondem a obrigações de resultado. Em anotação a um acórdão desta Relação do Porto [Acórdão de 11/09/2012, proc. 2488/03.9TVPRT.P2, disponível in www.dgsi.pt/jtrp] que considerou que a regra nas obrigações dos médicos é a respectiva qualificação como obrigações de meios e que a excepção, correspondendo a obrigações de resultado, integra apenas casos de cirurgia estética de embelezamento, de manobras próprias do parto, de odontologia e em áreas de vasectomia e exames laboratoriais, defende-se que: “Quanto à cirurgia estética de embelezamento, há realmente quem sustente, com o fundamento de o médico intervir em corpo são, a sujeição do tratamento dos danos neste âmbito registados aos cânones das obrigações de resultado, ao invés do que sucede no campo da cirurgia estética reconstrutiva, onde se deve seguir o regime-regra delineado na existência de uma obrigação de meios. (…) De igual modo, também no universo da odontologia nos parece leviano afirmar, em termos genéricos, que os médicos assumem obrigações de resultado. A colocação de próteses, ou certas operações onde os objectivos a alcançar não dependem senão da competência técnica dos médicos, podem configurar-se como obrigações de resultado. Porém, certas actividades dentárias mais complexas, porquanto se encontram dependentes de factores diversos do estrito cumprimento das leges artis, devem considerar-se incluídas na categoria das obrigações de meios.” [Filipe Albuquerque Matos, in Cadernos de Direito Privado, nº 43, Julho-Setembro 2013, pgs. 68-69]. Por isso, este último Autor conclui que “parece fazer sentido, tal como defende uma certa orientação doutrinal, a necessidade de «abandonar uma perspectiva global da actividade do médico, considerando cada fragmento individualizável da mesma, e, desta forma, atendendo à álea que o caracteriza, poder-se-ão distinguir obrigações fragmentárias de actividade e obrigações fragmentárias de resultado».” [idem, pg. 69, que invoca, no mesmo sentido, Rute Teixeira Pedro, obr. cit., pgs. 98-99]. Num outro ponto, também o Professor de Coimbra que temos vindo a citar diverge da jurisprudência e doutrina maioritárias: quanto à presunção de culpa do médico, ao abrigo do nº 1 do art. 799º do CCiv.. Com efeito, a jurisprudência e a doutrina maioritárias vêm entendendo que só existe presunção de culpa quando a actividade do médico se reconduz a uma obrigação de resultado, mas não já nos casos em que se configura como obrigação de meios [neste sentido, i. a., na jurisprudência, Acórdãos desta Relação do Porto de 06/03/2006, in CJ ano XXXI, tomo II, pg. 151 e segs. e de 20/07/2006, proc. 0633598, disponível in www.dgsi.pt/jtrp; na doutrina, J. Álvaro Dias, obr. cit., pg. 225 e Teixeira de Sousa, obr. e loc. atrás citados; aquele 1º Autor refere que “bem se compreende que o ónus da prova funcione em termos diversos num e noutro tipo de situação, pois enquanto no primeiro caso, obrigações de resultado, a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada (…) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor (podendo este provar o contrário), no segundo tipo de situações caberá ao credor fazer a demonstração em juízo que a conduta do devedor não foi conforme com as regras de actuação susceptíveis de, em abstracto, virem a propiciar a produção do resultado almejado” – obr. cit., pg. 225; o 2º Autor diz que a presunção de culpa “não se justifica na área da responsabilidade médica”, uma vez que “a existência de uma relação contratual entre o médico e o paciente não acrescenta, na área da responsabilidade profissional, qualquer dever específico aos deveres gerais que incumbem a esse profissional, pelo que parece não dever atribuir-se qualquer relevância, quanto ao ónus da prova da culpa, à eventual celebração de um contrato entre esses sujeitos”, pois “a posição do médico não deve ser sobrecarregada, (…), com a demonstração de resultados que não garantiu, nem podia garantir”, pelo que “o regime do ónus da prova da culpa deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual”, cabendo ao lesado a respectiva prova – obr. cit., pg. 127]. Ligeiramente diferente foi o caminho seguido pelo STJ no douto aresto atrás referenciado [Acórdão de 04/03/2008, proc. 08A183] que, sufragando entendimento de um outro Autor [Manuel Rosário Nunes, in “O Ónus da Prova nas Acções de Responsabilidade Civil por Actos Médicos”, pgs. 41-42] e da doutrina e jurisprudência italianas, proclamou que “enquanto nos casos de difícil execução o médico terá apenas (de) alegar a provar a natureza complexa da intervenção, incumbindo ao paciente alegar e provar não só que a execução da prestação médica foi realizada com violação das leges artis, mas que também foi causa adequada à produção da lesão, nos casos de intervenção «rotineira» ou de fácil execução, ao invés, caberá ao paciente o ónus de provar a natureza «rotineira» da intervenção, enquanto que o médico suportará o ónus de demonstrar que o resultado negativo se não deveu a imperícia ou negligência por parte deste”. Divergindo da orientação maioritária, o ilustre Professor já várias vezes citado, depois de advertir que “no ponto crucial do regime jurídico coenvolvido na distinção entre obrigação de meios e obrigação de resultado, não nos parece razoável concluir pelo afastamento da aplicação de presunção de culpa no âmbito da primeira modalidade de obrigações mencionada”, sustenta que “(…) tendo em conta o tipo de vinculação assumida, no contexto do contrato concluído entre as partes, presume-se sempre a culpa do devedor: a diferença reside tão-somente na diversidade da bitola ou parâmetro a partir do qual se vai formular uma conclusão quanto à censurabilidade ético-jurídica do sujeito passivo da relação contratual. Nas obrigações de meios aquilo que está in obligatio é a realização de uma actividade médica, de acordo com os padrões de diligência exigíveis a um profissional da respectiva categoria. Desta feita, se na sequência da intervenção médica se registarem ou agravarem os danos do paciente, presume-se a culpa do profissional de saúde, independentemente deste não se ter comprometido a alcançar o resultado da cura. Não faz sentido afirmar que nestas situações a presunção de culpa não se revela aplicável em virtude do devedor não se ter vinculado à obtenção de um resultado” [Anotação e local citados, pg. 69; no mesmo sentido, Acórdão do STJ de 22/09/2011, proc. 674/2001.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj]. 2.2. Menos controversa tem sido a solução da questão da responsabilidade da clínica onde o médico exerce a sua actividade e onde levou a cabo os actos que podem estar na base da sua responsabilidade. A responsabilidade daquela [circunscrita à medicina exercida no sector privado] vem sendo radicada no disposto no art. 800º do CCiv., mais concretamente na parte final do seu nº 1, com referência ao concreto contrato que o doente/paciente em causa tenha celebrado com o médico e a clínica. Ao falar de actos “das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação”, o legislador abarca quer os auxiliares, quer os substitutos, sendo que este “substitui o devedor, que não intervém no cumprimento”, havendo “então o cumprimento por terceiro”, ao passo que o auxiliar “coloca-se em plano secundário, pressupondo a intervenção principal do devedor como autor” do respectivo acto. É substituto [em sentido amplo] todo aquele que executa o acto “em vez do devedor, seja qual for a sua posição jurídica perante este: procurador, mandatário, subcontratante (em certos casos), autor de uma promessa de liberação, fiador, etc.”. Embora empregue em sentido amplo, “há todavia que fazer uma restrição para os efeitos do artigo 800º (…): a responsabilidade do devedor pelos actos do substituto só existe quando a intervenção deste decorre da iniciativa daquele” [Pessoa Jorge, in “Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1995, pgs. 139-141; idem, Vaz Serra, in “Responsabilidade do Devedor pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes Legais e dos Substitutos”, BMJ nº 72, pgs. 272-273; aludindo apenas aos auxiliares, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed. rev. e act., pgs. 57-58]. Na anotação dos Cadernos de Direito Privado atrás mencionada, o seu Autor, depois de referir que os contratos celebrados entre a clínica médica e o doente/cliente podem revestir as modalidades de «contrato total» ou de «contrato dividido» [no primeiro, a clínica responsabiliza-se pelos danos causados pelos respectivos funcionários na sequência do internamento e pelos danos provocados pelo médico; no segundo, a clínica só assume a responsabilidade pelos danos causados ao doente no âmbito da hospedagem/internamento e não já pelos decorrentes da prestação do serviço médico], conclui que se deve dar atenção “ao concreto acordo celebrado entre a clínica e o autor”, para se saber qual a modalidade contratual que poderá estar em causa e para se saber a amplitude da responsabilidade da clínica [Filipe Albuquerque Matos, “Cadernos …”, pgs. 64-65 e nota 38]. 2.3. Feitas estas considerações genéricas relativas à problemática da responsabilidade médica [em sentido amplo, compreendendo a responsabilidade do médico e da clínica onde o acto médico foi levado a cabo], é então tempo de nos debruçarmos sobre o caso «sub judice». Autora e réus celebraram um acordo/contrato mediante o qual o segundo demandado se obrigou, conforme consta do doc. junto a fls. 32, a colocar 21 coroas em zircónia nos dentes 1.1, 1.2, 1.3, 1.7, 2.1, 2.2, 2.3, 2.7, 3.1, 3.2, 3.3, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 4.1, 4.2, 4.3, 4.4, 4.5 e 4.7, bem como 2 pontes em zircónia: dentes pilares 1.4, 1.6, 2.4 e 2.6 e dentes pônticos 1.5 e 2.5, tendo aquele ali reconhecido que, fruto de tratamento iniciado noutra clínica, a demandante apresentava ausência dos dentes 1.5, 1.8, 2.5, 2.8, 3.8, 4.6 e 4.8, tinha coroas provisórias nos dentes 1.1, 1.2, 1.3, 1.7, 2.1, 2.2, 2.3, 2.7, 3.1, 3.2, 3.3, 3.4, 3.5, 3.6, 3.7, 4.1, 4.2, 4.3, 4.4, 4.5 e 4.7 e pontes provisórias: dentes pilares 1.4, 1.6, 2.4 e 2.6 e dentes pônticos 1.5 e 2.5, e, bem assim, que todos os dentes existentes na boca da autora estavam então com tratamento endodôntico e com preparo (talhados) para receberem coroas definitivas. Mais decorre do referido acordo que os tratamentos a efectuar pelo 2º réu seriam feitos na clínica da autora, dando esta garantia de 3 anos sobre as coroas e pontes de zircónia que iriam ser colocados na boca da paciente. Esta, por sua vez, como contrapartida, obrigou-se a pagar aos réus a quantia global de 13.500,00€, sendo 10.500,00€ pelas coroas em zircónia e 3.000,00€ pelas pontes em zircónia. Do teor deste contrato e do que se mostra provado nos nºs 4) a 6), 12) e 16) do ponto III.A) deste acórdão, resulta que estamos, inequivocamente, perante um caso de responsabilidade contratual, que a obrigação assumida pelos réus se traduziu numa obrigação de resultado [ou numa obrigação fragmentária de resultado] e que a responsabilidade da 1ª ré se reconduz ao designado «contrato total», pois responsabilizou-se também pelos danos que pudessem advir dos tratamentos que iriam ser realizados pelo 2º réu. Importa, por isso, verificar se ocorrem ou não os pressupostos da responsabilidade civil contratual, que são, como na extracontratual, a ilicitude [facto ilícito], a culpa, o dano e o nexo causal entre o facto e o dano, sendo que, diversamente do que acontece nesta última [responsabilidade delitual ou aquiliana] em que cabe ao lesado a prova de todos estes pressupostos, naquela o lesado não tem que provar a culpa do agente - tem, no entanto, que fazer prova dos outros três pressupostos, em conformidade com o prescrito no nº 1 do art. 342º do CCiv. [diploma a que nos reportaremos daqui em diante quando outra menção não for feita] -, pois a mesma presume-se, nos termos do nº 1 do art. 799º [culpa que é apreciada, segundo o nº 2, nos termos previstos no art. 487º para a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos]. Estando aqui em causa uma obrigação de resultado, como atrás dissemos, nem sequer é necessário tomarmos posição acerca da questão atrás assinalada, de saber se a presunção de culpa estabelecida naquele preceito também funciona no âmbito das obrigações de meios. Comecemos pela ilicitude. É sabido que no nosso sistema jurídico predomina a concepção objectiva deste pressuposto [apesar de haver autores que defendem uma concepção subjectiva – nesta, o aspecto objectivo da ilicitude consubstancia-se na omissão do comportamento devido, enquanto o subjectivo se traduz na imputação da falta de cumprimento à vontade do agente; seguem esta tese, Pessoa Jorge, obr. cit., pgs. 61-70 e Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, tomo III, 2010, pgs. 456-457], que considera que a ilicitude “se satisfaz com a produção do resultado danoso prefigurado na lei, sem se revelar necessário o recurso a quaisquer outros critérios complementares” [cfr. Filipe Albuquerque Matos, anotação já várias vezes mencionada, pg. 61; idem, J. Sinde Monteiro, in “Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações”, 1989, pgs. 300-307, citado na nota 15 daquela anotação]. No que para aqui interessa, “a ilicitude da actividade do médico [«in casu», do 2º réu] será afirmada se concluirmos que a mesma se consubstancia numa violação das leges artis impostas a um profissional prudente da respectiva categoria ou especialidade”, sem necessidade de “aquilatar se, na execução ou inobservância dos deveres que lhe são exigíveis, o médico actuou com a diligência, cuidado ou prudência impostos a um profissional medianamente diligente, zeloso e cuidadoso, uma vez que tal juízo terá lugar a nível da culpa. No fundo, a ilicitude traduz-se numa desconformidade objectiva face aos comandos da ordem jurídica e a culpa num juízo de censurabilidade subjectiva à conduta desviante do lesante/devedor” [Filipe Albuquerque Matos, loc. cit., pg. 63]. Na alegação da autora, na petição inicial, a ilicitude da actuação do 2º réu ter-se-ia traduzido no seguinte circunstancialismo, integrador do alegado incumprimento contratual [em sentido amplo, compreendendo o incumprimento propriamente dito e o cumprimento defeituoso]: ● no facto de ter voltado a mexer-lhe na gengiva, cortando-a e invadindo o espaço biológico dos dentes [que devia manter-se intacto e saudável] e ter talhado novamente os dentes/cotos, com vista à colocação das coroas e pontes definitivas - apesar da desnecessidade destes actos, que já haviam sido executados na clínica onde a autora anteriormente fez tratamentos provisórios -, o que levou à não permissão de uma correcta adaptação às coroas e pontes provisórias que a demandante trazia dos tratamentos anteriores; ● no facto de ter feito diversas colagens e descolagens provisórias das coroas e pontes dentárias, em desrespeito do que era aconselhável pelas leges artis da medicina dentária; ● e no facto de ter colocado coroas definitivas de comprimento diverso das coroas provisórias, tendo, assim, aquelas ficado inestéticas. E que é que a autora conseguiu provar [prova que, como vimos atrás, lhe competia]? Lendo a factologia provada e a não provada descritas, respectivamente, nos diversos números das alíneas A) e B) do ponto III deste acórdão, constata-se que não se mostra provado que o 2º réu: ● tenha cortado a gengiva da autora; ● tenha invadido o espaço biológico dos dentes desta; ● tenha talhado novamente os seus dentes/cotos provisórios; ● tenha deixado as coroas definitivas com comprimento diverso das coroas provisórias. ● se tenha negado a corrigir as coroas e pontes provisórias; Embora conste do relatório junto a fls. 34, datado de 13/01/2009, da autoria do Dr. I…, que, em tal data, na comparação com uma ortopantomografia realizada em Maio de 2008, era “visível nos sectores anteriores uma invasão dos espaços biológicos” e que isso “ocasionou uma inflamação dos tecidos periodontais”, daí não decorre [foi esse o entendimento perfilhado pelo Mmo. Julgador «a quo» na fixação da factualidade que considerou provada e não provada, factualidade que, como assinalado supra, não foi devidamente impugnada pela recorrente para que esta Relação pudesse aferir da correcção da valoração da prova produzida] que essa invasão tenha resultado dos tratamentos realizados pelo 2º réu, quer por não constar dos autos aquela ortopantomografia de Maio de 2008 [desconhecendo-se de foi efectivamente feita e o que nela foi constatado/diagnosticado], quer porque antes de 13/01/2009 e depois de ter deixado os tratamentos do 2º réu, a recorrente foi, pelo menos, consultada por um outro clínico [Dr. L…], no K…, desconhecendo-se em que consistiu essa consulta e o que aí lhe foi feito. Provado está, porém, que o 2º réu, no decurso dos tratamentos [que se prolongaram por diversas sessões], mexeu na gengiva da autora, colocando-lhe novas coroas provisórias em substituição das anteriores e que as coroas e pontes definitivas que lhe colocou foram sujeitas a vários acertos e cimentadas provisoriamente; e, bem assim, que a demandante se mostrou desagradada com o resultado estético das coroas definitivas e que terá de realizar manutenção regular das mesmas e das pontes colocadas. Este circunstancialismo apresenta-se, no entanto, insuficiente para integração do conceito de ilicitude em apreço e demonstração do alegado incumprimento contratual por parte do 2º réu; isto porque: ● Relativamente à colocação de novas coroas provisórias, ficou, outrossim, provado que foi a autora que pediu a sua colocação, em substituição das anteriores, por estas não lhe agradarem - o que significa que, nesta parte [e no que se indica de seguida], o contrato inicial sofreu alteração/aditamento a pedido da demandante; ● Quanto ao (re)mexer das gengivas, aos acertos das coroas e pontes definitivas e ao cimento provisório nestas colocado, também se mostra provado que se deveram às sucessivas alterações estéticas que a demandante solicitou ao 2º réu e ao facto de não ter deixado retirar completamente o cimento provisório, o que tudo levou a que o demandado médico a tivesse advertido que as suas exigências poderiam levar a um excesso de queimas e comprometimento dos dentes que iriam suportar as coroas e que a tivesse advertido que não permitiria mais alterações estéticas, o que fez com que a demandante deixasse de ir a consultas depois de 12/12/2008 e tivesse ido consultar outros médicos, impossibilitando, assim, com esta atitude, que aquele concluísse a colocação do cimento definitivo nas coroas e pontes definitivas e que procedesse ao acerto final destas. Significa isto que, com o abandono definitivo dos tratamentos sem que estes estivessem concluídos, foi a autora que se colocou numa situação de incumprimento contratual, tornando impossível ao 2º réu a conclusão das tarefas que ainda estavam inacabadas e que procedesse aos acertos e rectificações que, até final do tratamento, se impusessem. Por isso, não pode ser assacado a incumprimento ou deficiente execução do 2º demandado o facto de, na consulta de 13/01/2009, realizada pelo Dr. I…, se ter constatado que a autora apresentava [cfr. relatório de fls. 34]: ● a prótese do lado superior esquerdo dos dentes 24 a 26 cimentada provisoriamente; ● o coto do dente 24 fracturado; ● deficiente deslocação da mandíbula [deslocava-se no sentido anterior e lateral], com sobrecarga da mandíbula mastigatória e da articulação temporo-mandibular; ● perda da dimensão vertical dos dentes e inclinação do plano anterior, não seguindo a linha bipupilar e a linha da comissura labial; ● e alteração das curvas de Spee e Wilson. Isto porque se trata [à excepção da fractura do coto do referido dente, que, no entanto, se desconhece se se deveu aos tratamentos levados a cabo pelo 2º réu] de anomalias/incorrecções devidas, em grande parte, às sucessivas alterações solicitadas pela autora ao longo dos tratamentos [conforme decorre dos nºs 31) a 36) dos factos provados] e que, ainda assim, poderiam ter sido corrigidas pelo médico dentista demandado se ela não tivesse abandonado os tratamentos que havia contratado . O que fica dito vale também para o desagrado da recorrente relativamente ao resultado estético das coroas definitivas. Podemos então concluir que da factologia que vem dada como provada não resulta que a actuação do 2º réu, como médico dentista, tenha sido ilícita, nem que tenha incumprido definitivamente, ou executado deficientemente, o contrato. Perante esta constatação, fica prejudicada a análise dos demais pressupostos da responsabilidade civil contratual [sendo certo que, como atrás se disse, a autora estaria dispensada da prova da culpa, por esta se presumir, caso se tivesse concluído pela ilicitude da conduta do referido demandado], bem como a apreciação da eventual responsabilidade da 1ª ré. Há, assim, que confirmar a douta sentença recorrida, julgando improcedente a douta apelação. * Síntese conclusiva:* ● A actuação do médico perante o doente/paciente pode, nuns casos, reconduzir-se às obrigações de meios e, noutros, às obrigações de resultado, dependendo o enquadramento numa ou noutra da ponderação casuística da natureza e do objectivo do acto médico; em vez da dicotomia entre obrigações de meios e obrigações de resultado, há quem proponha uma distinção entre obrigações fragmentárias de actividade e obrigações fragmentárias de resultado. ● A responsabilidade do médico deverá, umas vezes, ser aferida no quadro da responsabilidade extracontratual e, noutras, no da responsabilidade contratual, predominando hoje o entendimento de que a regra é a da responsabilidade contratual do médico, constituindo a responsabilidade extracontratual a excepção e apenas possível nos casos em que o médico actue em situações de urgência, em que inexiste acordo/consentimento do doente à sua actuação/intervenção. ● No quadro da responsabilidade contratual do médico, há quem entenda que só existe presunção de culpa quando a actividade do médico se reconduz a uma obrigação de resultado, mas não já nos casos em que se configura como obrigação de meios, e quem, pelo contrário, defenda que em ambas as situações existe presunção de culpa do médico, apenas divergindo o grau de aferição desta em cada uma das situações. ● A responsabilidade da clínica onde o médico levou a cabo os actos que podem estar na base da sua responsabilidade radica na previsão do art. 800º do CCiv. e no que tiver sido acordado no contrato que o doente/paciente em causa tenha celebrado com o médico e a clínica. ● Tendo-se o réu/médico obrigado, por contrato e por um determinado montante de honorários, a colocar 21 coroas em zircónia e duas pontes no mesmo material em determinados dentes da autora, estando a boca desta já devidamente preparada para o efeito [em consequência de tratamentos anteriores noutra clínica], apresenta-se inequívoco estarmos perante caso de responsabilidade contratual e que a obrigação assumida pelo primeiro se traduziu numa obrigação de resultado [ou numa obrigação fragmentária de resultado]. ● Não pode assacar-se ilicitude na actuação do réu médico, nem incumprimento contratual ou cumprimento defeituoso da sua parte, se as anomalias/incorrecções apuradas se deveram, em grande parte, às sucessivas alterações solicitadas pela autora ao longo dos tratamentos e que aquele não pode corrigir ou eliminar por a autora, a certa altura, ter abandonado os tratamentos. * * * V. Decisão:Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º. Julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida. 2º. Condenar a recorrente nas custas desta fase recursória. * * * Porto, 2014/06/17Pinto dos Santos Francisco Matos Maria João Areias |