Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
619/22.9T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
RECONVENÇÃO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
LITISCONSÓRCIO
Nº do Documento: RP20231012619/22.9T8PVZ.P1
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Definido que a acção tem como autora a herança ilíquida e indivisa e que esta, por já não ser jacente, não dispõe de personalidade judiciária, e tendo com esse fundamento sido absolvida da instância a ré, não pode admitir-se a reconvenção deduzida por esta contra os herdeiros da herança, por estes não terem a qualidade de autores.
II - O incidente da intervenção principal provocada serve para resolver os problemas colocados pelo litisconsórcio, não serve para substituir o autor da acção por uma pessoa distinta a fim de contra esta deduzir reconvenção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃOECLI:PT:TRP:2023:619.22.9T8PVZ.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:

A «Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de AA e legalmente representada pela cabeça de casal, BB, viúva, residente …na Póvoa de Varzim» instaurou acção judicial contra a sociedade comercial «A... Unipessoal Lda.» com sede na Póvoa de Varzim, pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ...63, pedindo a condenação da ré no seguinte: a) ser declarada a cessação da situação jurídica de arrendamento por resolução nos termos do art.º 1083.º 1 e 3 do C.C.; b) ser a ré condenada a pagar a quantia de 2.700,00 euros devida pela rendas já vencidas referentes aos meses de Novembro de 2021 a Abril de 2022; c) ser a ré condenada a pagar uma indemnização mensal igual ao quantitativo da referida renda mensal, pelo período em que, caso decaía na presente acção, não restitua o locado por facto que lhe não seja imputável, ou no dobro desse quantitativo se o facto lhe for imputável nos termos do artigo 1038º alín. a) e 1045.º nºs 1 e 2 do C. Civil.

Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que é proprietária de uma fracção urbana arrendada à ré e que esta deixou de pagar as rendas relativas aos meses de Novembro de 2021 a Abril de 2022.

A ré foi citada e apresentou contestação, defendendo a improcedência da acção e alegando para o efeito que o imóvel arrendado necessitava de obras de conservação cuja realização foi pedida aos senhorios, mas estes nunca as realizaram, razão pela qual em Fevereiro de 2022 a inquilina resolveu o contrato de arrendamento e entregou as chaves do imóvel ao senhorio, sendo que com a extinção do contrato deverá ser imputado ao pagamento da renda o valor da caução prestada aquando da celebração do contrato e nunca restituída.

No cabeçalho da contestação referiu apresentar «reconvenção e intervenção de terceiros, contra herança ilíquida e indivisa por óbito de AA, …, e seus legais herdeiros, … BB, …, CC, …, e DD, …».

A final, pediu que seja declarado «resolvido o contrato de arrendamento, com fundamento no nº 5 do art. 1983º do Código Civil e a reconvinda condenada a pagar €32.500 … de indemnização pelos danos causados à reconvinte». Para o efeito, alegou que o arrendado carecia de obras de conservação, que solicitou ao senhorio a sua realização, que este não as realizou, que por tal facto teve avultados prejuízos que perfazem o montante peticionado.

A autora respondeu à matéria da reconvenção, defendendo a sua inadmissibilidade legal e impugnando os factos que lhe servem de fundamento.

Posteriormente, a ré deduziu formalmente incidente de intervenção de terceiros de BB, CC e DD, herdeiras do falecido AA, alegando que existe uma situação de litisconsórcio necessário.

Sobre este incidente não recaiu qualquer despacho.

Ouvidas as partes, no despacho saneador foi decidido o seguinte:

«[…] Esta acção foi intentada por herança ilíquida e indivisa aberta por morte de AA, representada pela cabeça de casal BB.

Citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/07/2014 e 08/06/2022, in www.dgsi.pt, há que notar que a herança apenas tem personalidade judiciária quando se encontra jacente, nos termos do art.º 12º, alínea a), do C. P. Civil.

Como no primeiro se refere, “só, pois, em caso de indeterminação dos respectivos titulares, uma qualquer massa patrimonial proveniente da esfera de pessoa falecida podia ser enquadrada no artigo 6.º (na anterior redacção do C. P. Civil), e só nesse caso disporia de personalidade judiciária, ou seja, constituiria uma pessoa meramente judiciária, por isso que desprovida de personalidade jurídica”.

A herança jacente não se confunde com herança impartilhada, pelo que, no caso que nos ocupa, só se a herança aberta por óbito de AA pudesse ser considerada como herança jacente podia ela ser parte nesta acção por gozar então de personalidade judiciária.

Nos termos do art. 2046.º do C. Civil “diz-se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado”.

Ora, permanecendo sem aceitação ou declaração de vacatura a favor do Estado (art. 2132.º do C. Civil), a herança assume nesta situação transitória o lugar do de cujus sendo, pois, titular dos direitos e obrigações. Todavia, esta personificação judiciária pode não a acompanhar até à partilha, cessando, como se referiu, com a aceitação por parte dos sucessores, efectuada nos termos previstos nos arts. 2050.º e segs. do C. Civil.

Cessando a situação de jacência, como supra se referiu, com a aceitação do chamamento por parte do sucessível ou sucessíveis, pode mesmo assim a herança continuar indivisa, não partilhada e, portanto, sem se verificar a definitiva confusão ou integração dos bens dela componentes no património do ou dos herdeiros, restringindo a personalidade judiciária, nos termos do art. 12º, à herança que, se bem que impartilhada, se mostre ainda não aceite.

Assim, a herança indivisa ou não partilhada apenas enquanto se mantiver na situação de jacente goza de personalidade judiciária, passando a partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar ou ser demandada.

Aceite a herança cessa a personalidade judiciária atribuída à herança jacente e, quem pode intervir como partes são os respectivos titulares, enquanto herdeiros do de cujus, ou o cabeça de casal naquelas situações em que a lei expressamente o prevê.

Ora, como também se escreveu no Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 19/05/2010, in www.dgsi.pt, no caso dos autos, a A. (herança ilíquida e indivisa) não se declara jacente, resultando dos autos que os seus herdeiros já aceitaram a herança, tanto que vinham recebendo rendas desde a morte do marido, alegando que estas deixaram de ser pagas apenas em Novembro de 2021.

Assim, carece a A. – herança ilíquida e indivisa – de personalidade jurídica e judiciária, falta de personalidade essa que é insuprível.

Esta falta de personalidade judiciária da A. implica naturalmente que esta não tenha personalidade judiciária para ser reconvinda, pretendendo assim, na prática, a R. reconvinte deduzir pedido reconvencional contra outros demandados que não a A..

Não estamos assim perante uma contra-acção enxertada na acção primitiva, mas numa nova acção com outros demandados, precisamente os herdeiros da referida herança sem personalidade judiciária.

Apenas seria admissível que a reconvinte fizesse intervir na acção terceiros não demandados inicialmente para suprir uma situação de ilegitimidade activa ou passiva do pedido reconvencional, o que não é o caso, pois que a pessoa contra quem pode efectivamente deduzir o pedido reconvencional é diferente daquela que propôs a acção.

Assim, o pedido reconvencional não pode ser enxertado nesta acção, já que apenas se pode pedir a condenação de quem não propôs a acção.

Vide, neste sentido, numa situação cujo raciocínio é transponível para estes autos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/03/2008, in www.dgsi.pt, de que foi relator o Dr. Fernando Baptista.

Assim, nos termos dos arts. 266º, 590º, nº1, 577º, alínea c), e 578º do C. P. Civil, o Tribunal absolve da instância a R. A... Ld.ª, por falta de personalidade da A. Herança Ilíquida e Indivisa e não admite o pedido reconvencional deduzido pela R. porque deduzido apenas contra quem não é parte na acção.

Custas da acção pela A. e da reconvenção pela R., nos termos do art. 527º do C.P.Civil.»

Do assim decidido, a interpôs recurso de apelação, cujas alegações apresentam, a seguir ao título «conclusões», o seguinte conteúdo que repete praticamente na íntegra o corpo das alegações:

1. O presente recurso interposto da douta sentença proferida no âmbito do processo n.º 619/22.9T8PVZ, na qual o tribunal a quo na decisão proferida absolveu da instância a ré A... Ld.ª, (aqui recorrente) por falta de personalidade da autora herança ilíquida e indivisa e não admitiu o pedido reconvencional deduzido pela recorrente porque deduzido apenas contra quem não é parte na acção.

2. Cumpre clarificar que os presentes autos tiveram como impulso processual, por parte da autora/reconvinda, através da petição inicial, que identifica a autora da seguinte forma, Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA, representada pela cabeça de casal, BB, …, através da qual pretende obter a resolução contratual do contrato de arrendamento que unia o autor da herança já melhor identificada nos presentes autos e aqui recorrente.

3. Esta é a fórmula frequente utilizada para identificar a pessoa que propõe ou conta propõe se propõe uma acção, quando está em causa uma herança, sem que habitualmente, se questione a falta de personalidade judiciária.

4. O cabeça de casal, quando propõe uma acção por questões relacionadas com a herança (designadamente nos casos em que a lei lhe atribui competência para o efeito), não o faz em seu próprio nome e em seu benefício exclusivo e, como é natural, terá que fazer menção desse facto com vista a clarificar que não é o destinatário (ou, pelo menos, o único destinatário) da pretensão que vem exercer e que ela tem como destinatário a herança ou o conjunto dos herdeiros.

5. Como doutamente defendem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (...) quando afirmam que "estando o processo de inventário em curso, mas não estando efectuada a partilha, é em nome da herança (ou contra a herança) embora carecida de personalidade jurídica que hão-de ser instauradas as acções destinadas a defender (ou a sacrificar) interesses do acervo hereditário, sendo a herança normalmente representada, nesse caso, pelo cabeça-de-casal (cf. arts. 2088º e 2089º do cc) desde que a intervenção deste caiba nos seus poderes de administração".

6. Verdade é que o cabeça de casal, quando propõe uma acção no âmbito dos poderes de administração da herança que a lei lhe concede, actua no interesse da herança e não em interesse próprio e exclusivo, ainda que, em termos processuais, seja ele a parte e não a herança, na medida em que esta não dispõe de personalidade jurídica e tão pouco de personalidade judiciária.

7. É certo que ao concretizar a qualidade em que propõe a acção, a cabeça de casal identifica-se como representante da herança que surge, aparentemente, como autora na acção.

8. Não nos parece, no entanto, que essa circunstância deva impedir o normal prosseguimento da acção, na medida em que, em rigor, aquilo que está em causa, é uma mera incorrecção na expressão utilizada para identificar a parte e a qualidade em que interpõe a acção, devendo entender-se que a autora é a própria cabeça-de-casal e não a herança que diz representar.

9. A herança indivisa nem sequer corresponde a uma realidade diferente do conjunto dos herdeiros, a falta de personalidade da herança não jacente decorre precisamente da circunstância de os seus titulares já estarem determinados, pelo que a herança corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros, afigurando-se-nos, por isso, ser excessivamente formalista a afirmação de que a acção não pode ser aproveitada e não pode prosseguir por falta de personalidade judiciária quando são os herdeiros ou a cabeça de casal (actuando no interesse daqueles e no âmbito dos poderes de administração da herança que a lei lhe atribui) que estão na acção (ainda que incorrectamente, se tenham identificado como representantes de uma entidade ou realidade que não tem personalidade e cuja titularidade pertence aos herdeiros).

10. Mais, o artigo 2088º do CC atribui ao cabeça-de-casal o poder de exigir, quer dos próprios herdeiros, quer de terceiros, a entrega dos bens da herança que estão sujeitos à sua administração; por seu turno, dispõe o artigo 2089º do CC que pode o cabeça-de-casal cobrar as dívidas activas da herança, quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente.

11. Ora in casu, na petição inicial dos presentes aos autos, é peticionado pela autora, “o despejo do prédio e entrega do mesmo devoluto de pessoas e bens” bem como, o procede à cobrança das rendas já vencidas referentes a Novembro de 2021 a Abril, o que por si determina o seu enquadramento no âmbito dos preceitos legais enunciados.

12. Determinam os mesmos, que o cabeça-de-casal pode usar de acções de reivindicação ou acções possessórias contra qualquer pessoa que possua ou detenha bens à herança, o que no caso concreto se concretiza visto que o prédio objecto de litígio encontra-se averbado a favor da herança.

13. Sufraga o entendimento supra plasmado, o acórdão da Relação do porto, citado pela Meritíssima Juíza, datado de 08/06/2022 nos poderes de administração do cabeça-de-casal incluem-se aqueles que visam a valorização e protecção do património que são os objectivos principalmente visados com a acção de despejo, meio processual que não se destina à defesa de agressões contra o património.

14. Pelo que a reconvinte ao fazer intervir na acção terceiros que não demandar inicialmente está efectivamente a suprir a situação de legitimidade activa e ou passiva, do pedido reconvencional. isto que, porque agindo o cabeça-de-casal em representação da herança, dos demais herdeiros e do acervo patrimonial inerente à herança ilíquida e indivisa, são as mesmas contra as quais aqui recorrente deduz o seu pedido reconvencional.

15. Neste sentido, não podemos concordar como o entendimento do tribunal a quo que vai no sentido de que o pedido reconvencional não pode ser enxertado nesta acção, já que apenas se pode pedir a condenação de quem não propôs a acção.

16. Pois, não é o que efectivamente sucede, ao pretender ver provado o fundamento que aqui a recorrente entende ter para ver resolvido o contrato de arrendamento – o disposto no nº 5 do artigo 1083º código civil e condenada a herança, na pessoa dos seus herdeiros, a pagar lhe uma quantia por não ter efectuado as obras em tempo como lhe seria exigível, a aqui recorrente refere-se à mesma relação controvertida e aos intervenientes na mesma, que sub-rogaram o lugar do de cujus na posição de senhorio.

17. Pelo que, em momento algum se tratam de novos demandados e de novos ou alheios interesses patrimoniais, mas sim, quer os sujeitos, quer os interesses inerentes e intrinsecamente relacionados com a herança ilíquida e indivisa, autora/reconvinda/recorrida nos presentes autos de processo e que na prática se confundem com a mesma.

18. Sujeito, ora processuais, com quem a ora recorrente extrajudicialmente tentou resolver o litigio dos presentes autos, como por estes já foi largamente admitido e a quem chamou à colação para a realização das obras, cuja omissão das serve de fundamento ao pedido reconvencional.

19. Ora, nos presentes autos de processo discute-se a resolução do contrato de arrendamento que une ambas as partes, sendo que a autora/reconvinda peticiona que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento, com base no incumprimento contratual da ré/reconvinte e por sua vez peticiona contra quem deduziu à acção, isto é, herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA, representada pela cabeça de casal, BB e os seu legais herdeiros, é ao peticionar um montante devido pelo não realização das obras que aqui recorrente, entende chamar à acção os legais herdeiros, providenciando pela sanação da eventual ilegitimidade do cabeça-de-casal, com esta intervenção dos demais herdeiros, herdeiros este que já se encontram sobejamente identificados nos autos de processo.

20. O incidente, este do qual não viu qualquer pronuncia por parte do tribunal a quo, sobre a sua admissão ou não admissão, da intervenção requerida quando da apresentação da contestação com reconvenção.

21. Ora, com a ausência de pronuncia sobre a requerida intervenção, encontramo-nos perante uma nulidade processual coberta pela decisão judicial que a acolhe (in casu, o saneador-sentença recorrido), o meio adequado para invocar essa infracção às regras do processo é o recurso contra a decisão de mérito, a apresentar junto da instância superior (se for admissível), e não a sua reclamação directamente perante o juiz a quo.

22. Tendo sido proposta uma acção onde se identifica como autora a herança indivisa, representada pela respectiva cabeça-de-casal, nada obsta a que se considere, com base numa leitura e interpretação menos rígida e formalista (e centrada nos direitos e interesses a regular), que quem interpõe a acção, nela figurando como autora - ainda que actuando no interesse de todos os herdeiros - é a cabeça-de-casal, no caso, permanecendo a situação de indivisão dos bens que integram a herança, despida ela de personalidade judiciária, como acima se disse, os direitos que lhe são relativos devem ser, conforme se salientou, exercidos pelos herdeiros. ora, sendo eles conhecidos, estando terminada a situação de jacência, necessário se torna que no lugar da herança intervenham os respectivos titulares em bloco, ou seja, os herdeiros identificados na petição. estes, na defesa dos interesses da herança por partilhar, intentam a acção apresentando-se como representantes da herança, embora impropriamente falem em "herança por eles representada".

23. São os herdeiros quem intervém como parte activa, actuando, não em nome próprio, mas em nome do património representado que não dispõe da possibilidade de ser parte em processo judicial, reunindo, assim, no conjunto deles, não só o requisito da personalidade judiciária, mas também o da legitimidade processual activa (art.20919/1, C.C. e 28º/C.P.C.).

24. Assim, deve entender-se a referência à «herança ilíquida e impartilhada de a...», como mero fundamento de serem as pessoas que se identificam como (...) os autores, herdeiros e representantes da herança, que no interesse desta intentam a acção no quadro da legitimidade substantiva prevista no art.2091°c.c..»

25. Concluindo, assiste aos herdeiros determinados da «herança» assim referenciada e nomeados em sede contestação e incidente, personalidade judiciária e legitimidade processual para proporem a acção, bem como, para replicarem o pedido reconvencional, como representantes dela e, na circunstância, formularem, reactivamente, a solicitação em causa.

26. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer (artigo 30º, n.º 1 do CPC), o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha (n.º 2).

27. Atento o conteúdo dos articulados destes autos de processo, resulta claro e evidente que a autora/reconvinda e a ré/reconvinte tiveram interesse em demandar, bem como interesse em contradizer.

28. “ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária (artigo 316º, n.º 1 do CPC).

29. A ré/reconvinte deduziu e esclareceu nos presentes autos que pretendia ver sanada a preterição deste litisconsórcio necessário, chamando, através de intervenção principal provocada os demais herdeiros da herança ilíquida e indivisa, autora dos presentes autos.

30. Atendendo à filosofia subjacente ao actual código de processo civil - que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância - não se justificará, em tal situação, a absolvição da instância por falta de personalidade judiciária da herança indivisa que, formalmente, vem indicada como sendo a autora, restando apenas saber se a cabeça-de-casal tem ou não legitimidade para a propositura da acção e, em caso negativo, providenciar pela sanação da sua eventual ilegitimidade com a intervenção dos demais herdeiros (ou verificar se ocorreu intervenção principal espontânea produzindo o mesmo efeito).

31. Consequentemente, a excepção de ilegitimidade da cabeça de casal por preterição de litisconsórcio necessário é sanável por via do incidente de intervenção de terceiros, conforme decorre do art. 316º, nº 1, do actual CPC, impondo-se mesmo ao juiz o dever de providenciar pela sanação dessa excepção, pronunciando-se no sentido de este sero incidente adequado à intervenção dos herdeiros em falta (cfr. art. 6º, nº 2, do CPC).

32. Este é o entendimento sufragado pela vasta jurisprudência quer do supremo tribunal, quer do tribunal de Relação de Coimbra, designadamente o Acórdão datado de 26-02-2019, do processo 1222/16.8T8VIS, do qual é Relator o Venerando Juiz Desembargador António Carvalho Martins, o Acórdão datado 23-02-2021, dessa mesma Relação de quer do Porto, que apontam como solução e consequência jurídica para o caso litigio do presentes auto a sanação da excepção, uma vez decida a intervenção dos demais herdeiros, só com uma decisão que espelhe este entendimento jurídico e que faça prosseguir os presentes autos se fará a habitual e acostumada justiça.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a douta decisão do tribunal a quo por outra decida o incidente de intervenção provocada e determinada a estabilidade da instância, bem como, vendo-se desta forma sanada a legitimidade activa e passiva da autora, admitindo desta forma o pedido reconvencional da ora recorrente, assim se fazendo a habitual e acostumada justiça.

Não foi apresentada resposta a estas alegações de recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:

i. Se o tribunal a quo não se pronunciou sobre a intervenção principal provocada pela ré e, na afirmativa, se esse vício é arguível no recurso e passível de aqui ser conhecido.

ii. Quem é a autora da acção e se isso pode ser ainda modificado para efeitos da reconvenção.

iii. Se é possível provocar intervenção principal dos herdeiros para assumirem a posição de demandados na reconvenção.

III.Fundamentação de facto:

A decisão recorrida não elenca qualquer fundamentação de facto de suporte à decisão.

IV. Matéria de Direito:

A dado passo das alegações de recurso a recorrente sustenta que deduziu o incidente da intervenção principal provocada dos herdeiros do senhorio falecido e que o tribunal a quo não se pronunciou sequer sobre esse incidente, situação que consubstancia «uma nulidade processual coberta pela decisão judicial que a acolhe (in casu, o saneador-sentença recorrido)», razão pela qual «o meio adequado para invocar essa infracção às regras do processo é o recurso contra a decisão de mérito».

Tanto quanto nos parece o recorrente incorre num erro. O que a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo não é que o recurso seja o meio de arguir uma nulidade processual e provocar o seu conhecimento directamente pelo tribunal de recurso, mas sim que o recurso pode ser o meio processual adequado para reagir contra a omissão ou um acto ou a prática de um acto ilegal quando essa falha determina que a própria decisão enferme de nulidade, o que, note-se, já não é ou não se confunde com uma nulidade processual[1]. Como quer que seja, independentemente de saber se essa falha pode ser qualificada como nulidade processual ou apenas como nulidade processual e se nessa qualidade pode constituir objecto de recurso, quer-nos parecer que não foi cometida sequer a falha apontada.

Na verdade, embora de forma precipitada, à latere e sem a necessária autonomização e fundamentação, o tribunal a quo pronunciou-se sobre a viabilidade de através do incidente de intervenção de terceiros se alcançar uma modificação dos sujeitos da acção passível de permitir a reconvenção.

Na decisão recorrida, após se concluir que a demandante é a herança ilíquida e indivisa, que a herança por não ser jacente não tem «personalidade jurídica e judiciária», que a «falta de personalidade … é insuprível», e que por isso ela também «não te[m] personalidade judiciária para ser reconvinda», afirma-se que a reconvinte pretende «na prática, … deduzir pedido reconvencional contra outros demandados que não a autora» e que «apenas seria admissível que a reconvinte fizesse intervir na acção terceiros não demandados inicialmente para suprir uma situação de ilegitimidade activa ou passiva do pedido reconvencional, o que não é o caso, pois que a pessoa contra quem pode efectivamente deduzir o pedido reconvencional é diferente daquela que propôs a acção

Por outras palavras, o tribunal a quo manifestou, embora, repete-se, desta forma breve, no sentido de que o incidente de intervenção de terceiros deduzido não é viável porque através dele o que se pretende não é sanar uma situação de ilegitimidade, mas demandar por via reconvencional quem não é parte na acção. Certa ou errada, acabada ou apenas principiada, existe aqui uma tomada de posição e uma decisão, pelo menos implícita, sobre o incidente de intervenção de terceiros.

Por esse motivo, entendemos que não foi cometida qualquer nulidade, designadamente a nulidade da própria decisão recorrida por omissão de pronúncia sobre questão de que estava obrigada a conhecer, sem prejuízo de na apreciação do mérito da decisão recorrida, a fazer de seguida, não estarmos impedidos de apreciar se o obstáculo à admissibilidade de reconvenção relacionado com a identidade do sujeito activo da lide pode ser superado pela intervenção de terceiros provocada pela reconvinte, caso em que haverá que revogar a decisão recorrida e ordenar essa intervenção.

Entrando agora na apreciação do mérito da decisão de «não admitir» a reconvenção «porque deduzido(a) apenas contra quem não é parte na acção», torna-se necessário afirmar um primeiro ponto que acaba por ser absolutamente decisivo para essa apreciação.

Na decisão recorrida foram ainda apreciados os pressupostos processuais da lide, tal como ela foi configurada e deduzida pelo autor, ou seja, da acção propriamente dita.

Nessa apreciação, entendeu-se que a acção foi instaurada pela «Herança ilíquida e indivisa aberta por morte de AA, representada pela cabeça de casal BB». Por outras palavras, entendeu-se que a autora da acção é herança, representada pela cabeça de casal (por via da sua natureza de entidade orgânica e não pessoa singular, carecida de ser representada por quem possua vontade de acção).

Foi assim excluído, sequer por via de interpretação do texto da petição inicial e da configuração da acção, que o autor da acção sejam os herdeiros do de cujus ou sequer a própria cabeça de casal, no exercício de direitos abrangidos pela capacidade de exercício possuída por aquela ou por esta, nessa qualidade.

A seguir entendeu-se que a herança demandante já não é jacente (por o recebimento das rendas do arrendamento traduzir a aceitação da herança pelos herdeiros do senhorio) e por isso não possui a personalidade judiciária necessária para poder demandar. E, em conformidade com esse entendimento, por falta de personalidade judiciária da autora, decidiu-se absolver a ré da instância, pondo-se fim à lide no tocante à acção.

E de facto a nossa lei revela preocupação com o património do de cujus e com o vazio criado pela morte deste. Com esse objectivo, da mesma forma que dispõe que a aceitação, o repúdio e a partilha retrotraem os seus efeitos à data da abertura da sucessão, dispõe sobre a administração da herança. E aí distingue consoante a herança ainda está jacente ou já não está jacente.

Uma vez aberta, a herança pode ser jacente ou já não o ser. Diz-se jacente a herança que ainda não foi aceite nem declarada vaga para o Estado (artigo 2046.º do Código Civil). Uma vez aceite (por qualquer dos herdeiros, pois não existe uma obrigação de aceitação simultânea para todos os herdeiros) a herança deixa de ser jacente. Todavia, a herança não se extingue ao deixar de ser jacente, ela só se extingue com a respectiva liquidação e partilha.

Na primeira situação, exactamente porque ainda nenhum dos sucessores chamados aceitou a herança, para evitar a perda ou deterioração dos bens prevê a nomeação de um curador da herança (artigo 2048.º do Código Civil) e consente mesmo que qualquer sucessor chamado à herança que ainda não a tenha aceitado nem repudiado possa providenciar pela administração dos bens, ainda que não seja sua intenção aceitá-la ou queira repudiá-la (artigo 2047.º do Código Civil).

Nessa situação, exactamente porque ainda ninguém se apresentou a aceitar a herança, a lei confere inclusivamente à herança jacente personalidade judiciária. A razão percebe-se pelo teor do próprio artigo 12.º, alínea a), do Código de Processo Civil que refere a “herança jacente e os patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não estiver determinado”. O que justifica essa extensão de personalidade judiciária à herança é precisamente o facto de o seu titular ainda não se encontrar determinado, o que apenas sucederá com a aceitação, e, portanto, este ainda não se poder apresentar como titular do interesse material em discussão e assumir a posição de parte no processo.

Embora a recorrente se insurja contra o entendimento do tribunal a quo quanto à identidade do autor da acção e defenda que se deva considere que o autor não é a herança, mas sim o cabeça de casal, a verdade é que a recorrente não impugna o segmento da decisão que a absolveu da instância, ela somente impugna o segmento da decisão que recusou o incidente da intervenção de terceiros e a reconvenção.

O tribunal a quo absolveu a ré da instância relativamente ao pedido do autor. Nos termos do n.º 1 do artigo 631.º do Código de Processo Civil os recursos só podem ser interpostos pela parte que tenha ficado vencida na decisão, não pela parte vencedora.

Contudo, independentemente de saber se a ré, por não ter na sua contestação invocado a falta de personalidade judiciária do autor e ter defendido a sua absolvição do pedido, não a sua absolvição da instância, tinha legitimidade para recorrer da decisão, certo é que a ré não recorre desse segmento da decisão. O que a ré faz, no recurso, é somente questionar um dos fundamentos em que tal decisão assenta – que o autor é a herança – não para efeitos de obter a revogação da decisão de a absolver da instância em relação ao pedido do autor, mas para efeitos de tornar admissível a dedução do seu próprio pedido reconvencional.

Esta situação determina que a procedência da pretensão da recorrente geraria afinal de contas um verdadeiro paradoxo processual, qual seja, o de o mesmo processo poder ter um autor para efeitos da acção e ter outro autor para efeitos da reconvenção, o que nos parece nunca ter sido admitido ou configurado como possível[2].

Encontrando-se já transitada em julgado a decisão de absolver a ré da instância em relação ao pedido do autor com fundamento em o autor ser a «herança ilíquida e indivisa», já não se encontrar jacente – aspecto em relação ao qual, aliás, não há controvérsia nos autos – e, nessa situação, não dispor de personalidade judiciária, parece inelutável que para efeitos do pedido reconvencional a acção não poderá vir a ter uma configuração subjectiva diferente.

É absolutamente contraditório, cremos, que a ré possa ter sido absolvida da instância com esse fundamento e, não obstante, possa deduzir um pedido reconvencional contra um autor com identidade distinta, quando, a ser essa a identidade do autor na acção, então a decisão de absolvição da instância não podia subsistir, sendo que a mesma, por não ter sido impugnada, já se encontra … transitada em julgado!

A ré não pode no mesmo processo tirar benefícios de posições contraditórias entre si: que o autor é a herança para efeitos de ser absolvido da instância em relação ao pedido deduzido contra si; que o autor são os herdeiros (a cabeça-de-casal, originariamente demandante, e os demais herdeiros, chamados à acção por via incidental) para efeitos de poder aproveitar a acção e deduzir pedido reconvencional contra estes.

Por isso, embora em bom rigor se nos afigurasse possível fazer outra leitura da petição inicial que não a feita pela Mma. Juíza a quo, mais influenciada pela preocupação com o aproveitamento dos recursos e dos meios processuais desencadeados, e decidir, porventura após convite ao esclarecimento e aperfeiçoamento da petição inicial, que, apesar da descrição feita no cabeçalho da petição inicial, a demandante era verdadeiramente a cabeça-de-casal, nessa qualidade, e não a herança indivisa representada por aquela (o que levaria a decidir que a autora possuía personalidade judiciária), entendemos que na situação processual criada com o trânsito em julgado da decisão de absolvição da ré da instância por falta de personalidade judiciária da herança demandante, não é mais possível para efeitos da presente acção configurar subjectivamente a lide de outro modo.

A pergunta que se coloca é se isso pode alterar-se por via do incidente de intervenção de terceiros deduzido pela reconvinte.

A resposta é, acreditamos, negativa.

Com efeito, o incidente da intervenção principal provocada de terceiros não é um incidente que permita à parte chamar à acção quem ela entenda ou deseje. O incidente só serve para o objectivo que lhe está definido na lei processual e mais especificamente nos artigos 316.º e 317.º do Código de Processo Civil.

O artigo 311.º do Código de Processo Civil, que define o âmbito da intervenção principal espontânea e serve de referência à intervenção provocada, estabelece que estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º [litisconsórcio voluntário] 33.º [litisconsórcio necessário] e 34.º [litisconsórcio conjugal: acções que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges].

Deixou assim de ser admitida a figura da intervenção principal a título de coligação (artigo 36.º) que era admitida no Código de Processo Civil de 1961 (cf. A. Geraldes, P. Pimenta e L. F. Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 362), sendo certo que mesmo então com fundamento na coligação a lei apenas admitia o incidente pela parte activa da lide – artigo 320º, alínea b) do Código de Processo Civil – e não a intervenção principal com fundamento na coligação com os demandados.

Como resulta da própria epígrafe do preceito, “intervenção de litisconsorte”, com excepção da situação prevista no artigo 317.º (que se reporta às situações de existência de co-devedores solidários, e mesmo assim não na totalidade porque situações existem que estão apenas previstas no artigo 321.º do Código de Processo Civil, apenas consentindo a intervenção acessória, não a intervenção principal), o campo de aplicação da intervenção principal está confinado às situações de litisconsórcio: só pode intervir na acção, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que por referência ao objecto da lide esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio, não sendo suficiente para o efeito uma situação de coligação e, muito menos, uma situação que não preencha sequer os pressupostos da coligação. E isto é assim quer no tocante à intervenção espontânea quer no tocante à intervenção provocada, conforme resulta do disposto no artigo 316.º que define os casos em que o terceiro pode ser chamado pelas partes primitivas.

A figura do litisconsórcio refere-se à situação em que a mesma e única relação material controvertida tem uma pluralidade de partes. Já a coligação reporta-se às situações em que a pluralidade de partes corresponde a uma pluralidade de relações materiais controvertidas, unidas entre si por um determinado vínculo quanto à fonte ou causa de pedir, quanto à dependência que se estabelece entre elas ou quanto a uma determinada conexão jurídica entre os respectivos fundamentos.

Em regra, o litisconsórcio é voluntário, ou seja, consente que a acção seja proposta por todos ou contra todos os interessados, mas não obriga a que o seja. Se apenas um dos titulares intervier, o tribunal deve conhecer apenas da quota-parte do seu interesse ou responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade, mas se a lei ou o negócio jurídico consentir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação seja exigida a um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade, devendo nesse caso o tribunal conhecer da totalidade do interesse ou responsabilidade (artigos 27.º do antigo e 32.º do novo Código de Processo Civil).

Nos casos em que o litisconsórcio é necessário, torna-se indispensável a intervenção de todos os titulares para assegurar a legitimidade processual. Isso ocorre, desde logo, quando a lei ou o negócio exigem especialmente a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, mas também quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, isto é, seja capaz de regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado (artigos 28.º do antigo e 33.º do novo Código de Processo Civil) – cf. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, 1985, pág. 165 e seguintes, e Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 1999, p. 58 –.

Por conseguinte, para que no caso a intervenção provocada pela reconvinte fosse admissível era indispensável que se pudesse afirmar que entre o autor da acção e reconvindo e as demais pessoas em relação às quais a ré pretende (ou necessita de) deduzir a reconvenção houvesse uma situação de litisconsórcio.

Ora se o autor e reconvindo fosse um dos herdeiros (ainda que na qualidade de cabeça de casal, o qual não deixa de ser um herdeiro ainda que detenha poderes próprios no tocante à administração da herança) entre ele e os demais herdeiros haveria uma situação de litisconsórcio no que respeita à relação material da responsabilidade pelo incumprimento do contrato de arrendamento de que era titular o de cujus, a permitir ao reconvinte deduzir a reconvenção contra todos os herdeiros, provocando para o efeito a intervenção principal (passiva, em relação à reconvenção) dos herdeiros que não estavam presentes na configuração inicial da acção.

Todavia, como vimos, no processo deve considerar-se processualmente adquirido e inalterável que a autora da acção e, como tal, a parte contra a qual a ré podia deduzir reconvenção é a Herança, não são os herdeiros ou um dos herdeiros (designadamente o que exerce as funções de cabeça de casal).

Ora se entre os herdeiros haveria uma situação de contitularidade da mesma relação material controvertida, qualificável como litisconsórcio, já entre a herança e os herdeiros a relação não é de contitularidade, é de exclusão: ou é a herança que sendo jacente assume processualmente a titularidade exclusiva da relação material, podendo litigar ou ser demandada sozinha, sem intervenção de mais ninguém, ou, não sendo aquela jacente, são os herdeiros que em conjunto assumem essa titularidade, excluindo a intervenção da herança.

Dito por outras palavras, a intervenção principal não é admissível no caso porque ela não visa trazer para a acção para assumir também a posição de parte principal, ao lado da parte principal já presente na lide, pessoa que fosse necessário ou conveniente trazer para assegurar a utilidade da decisão, o seu objectivo é sim substituir a pessoa que está do lado activo da acção por outra que é afinal de contas a titular da relação material controvertida na reconvenção e a titular do interesse directo em contradizer o pedido reconvencional. Como vimos, tal finalidade não está assinalada ao incidente de intervenção principal provocada pelo reconvinte.

Neste contexto, medida e fundamento, a decisão de rejeitar a intervenção principal provocada e a reconvenção deve ser confirmada.

V. Dispositivo:

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas do recurso pela recorrente, as quais, por não ter havido resposta às alegações, incluem apenas a taxa de justiça já paga.


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Porto, 12 de Outubro de 2023.

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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 774)
Ernesto Nascimento
Isabel Silva


[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]____________
[1] Nesse sentido, por exemplo, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7.ª edição actualizada, 2022, página 24 e seguintes.
[2] Naturalmente, não estamos a excluir a possibilidade de por via do litisconsórcio ou da coligação ao autor original se juntar mais alguém para contradizer o pedido reconvencional, o que, no entanto, não se traduz numa diferença material de autor.