Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9028/21.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: FACTOS CONCLUSIVOS
PROVA DE UM FACTO
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RP20230927/9028/21.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 09/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
II - “Importa verificar se um facto, mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa”.
III - As declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado nos artigos 396.º do Código Civil e 607.º n.º 5, do CPC, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente, a testemunhal e documental (que não tenha força probatória plena).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 9028/21.6T8VNG.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 AA instaurou a presente acção de processo comum emergente de contrato de trabalho contra A... UNIPESSOAL, LDA., pedindo que julgada procedente, em consequência, seja julgado o despedimento da Autora ilícito, com as respectivas consequências legais, nomeadamente condenando a Ré a pagar-lhe o seguinte:
- As retribuições vencidas desde o despedimento até à cessação do seu contrato de trabalho;
– Indemnização Legal por despedimento ilícito da Ré, com base em 1,5/mês por cada ano de trabalho, no mínimo de três meses, no valor de €: € 4.500,00.
- O fecho de contas (férias subsídio de férias e subsídio de natal) no valor de € 2.333,37;
- Indemnização por nanos não patrimoniais no valor de € 1.500,00;
- Juros de mora, vencidos e vincendos até pagamento do débito à A.
Pede, ainda, a condenação da Ré a regularizar a situação contributiva da autora na Segurança Social a partir de setembro de 2021.
Alegou, no essencial, que celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo pelo período de 6 meses, tendo a Autor sido contratada com a categoria de arquitecta e perita de certificação energética, cumprindo horário determinado por aquela.
Como contrapartida do trabalho por si desenvolvido, a Ré pagava-lhe mensalmente a quantia líquida de € 1000,00, acrescida de € 500,00, não previsto no contrato, para que não fosse sujeita a impostos e segurança social, situação unicamente aceite por si para não perder o emprego. Foi ainda acordado que lhe afectaria um carro para a o exercício da actividade, assim como um telemóvel, mas como não lhe forneceu estes instrumentos de trabalho, veio a ser acordado que lhe pagaria a quantia de € 15,00, por mês a título de comunicações e € 0,36 por cada km realizado em carro da Autora.
A Autora desenvolveu o seu trabalho desde dia 1 de setembro de 2021 até ao dia 29 de outubro de 2021, data em que foi avisada verbalmente pelo gerente da Ré que estava despedida e que não voltasse mais às instalações da Ré.
No dia 29 de outubro de 2021, da parte da tarde, por volta das 15 horas, encontrando-se o gerente da Ré e a Autora nas instalações de ..., foi confrontada por aquele sobre o seu modo de execução das certificações energéticas, dizendo-lhe que era muito rigorosa a tirar medidas e a fazer cálculos, demorando excesso de tempo, já que o próprio apenas demorava cerca de 10 minutos a elaborar cada certificado. Perante o confronto de ideias, o gerente da Ré ficou exaltado, e após a Autora ter-lhe dito que não acederia a fazer certificado contra as regras da B... e que lhe permitem ser Perita Qualificada, disse-lhe que estava despedida, que não se apresentasse mais ao trabalho.
A Autora, no dia 31 de outubro de 2021, pediu, por mail, ao gerente da Ré que lhe colocasse o despedimento de sexta feira por escrito, emitindo as declarações a que estava obrigada. O mesmo respondeu, no dia 2 de novembro de 2021, que pretendia fazer um acordo com a Autora, sendo certo que no dia 30 de outubro a Ré retirou-lhe o acesso à plataforma zohomail por parte da Autora bem como a retirou do grupo de trabalho do whatsapp da obra de ....
O gerente da Ré a partir de dia 2 de novembro de 2021, começou a tentar negociar um acordo de resolução do contrato de trabalho com a Autora, nunca tendo os mesmos chegado a acordo.
Assim, e tendo a Autora sido despedida de forma ilícita deve a Ré ser obrigada a pagar todos os créditos salariais devidos.
As circunstâncias em que ocorreu o despedimento fizera com que a Autora tenha sofrido grande desgosto e agonia, tendo ficado com insónias, ansiedade e tristeza, sentindo-se
Humilhada, devendo ser ressarcida desses danos através de uma indemnização no montante de € 1500,00.

Designado dia para a audiência de partes, procedeu-se a este acto, mas sem que se tenha conseguido alcançar o acordo entre as partes.
A Ré contestou, defendendo-se por via de impugnação.
Pediu a sua condenação como litigante de má-fé a pagar-lhe uma indemnização de 5.000,00€.
Findos os articulados foi proferido despacho saneador, prosseguindo os autos para a fase de julgamento.
Realizou-se a audiência de julgamento.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando os factos e aplicando-lhes o direito, concluída com o dispositivo seguinte:
- «114. Julga-se a acção parcialmente procedente e condena-se a empregadora a pagar a quantia líquida de 6.195,59€ (seis mil cento e noventa e cinco euros e cinquenta nove cêntimos) à autora, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde 29/10/2021 quanto a 831,09€ (oitocentos e trinta e um euros e nove cêntimos) e de 31 de Março de 2022 quanto ao restante.
115. Custas da acção pela autora e pela ré na proporção do decaimento que se fixa em 57% e em 43% respectivamente.
116. Valor processual: € 14.333,37.
117. Registe e notifique.
[..]».
I.3 Não concordando com a sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
1. A Recorrente defende que a apreciação crítica da prova e a subsunção dos factos ao direito, não foi tão criteriosa ou até escorreita quanto poderia e deveria sê-lo, tornando, por isso, atacável a decisão, socorrendo-se a Recorrente do duplo grau de jurisdição, que reforça as garantias de uma decisão justa.
2. A Recorrente considera que, atenta a prova produzida, designadamente a testemunhal, a decisão de direito que se impunha seria no sentido da improcedência integral do pedido da Recorrida no que concerne ao facto de – segundo a douta sentença de que ora se recorrer – se ter entendido como ocorrido, um despedimento ilícito e promovido pela entidade empregadora.
3. A Recorrente não se conforma com a decisão de alguns dos pontos da matéria de facto provada que, à luz da apreciação dos depoimento das testemunhas produzidos em audiência de julgamento, nomeadamente da testemunha BB e de documentos juntos autos, conjugados com os factos provados constantes da sentença, deveria ter sido considerado como não provado, e, assim, ser a decisão proferida em sentido diverso do que foi, no que respeita, concretamente, ao despedimento ter ocorrido de forma ilícita.
4. A Autora não fez prova de que a Ré (na pessoa do seu gerente) a tenha despedido de forma verbal, muito menos que tal tenha tido lugar de forma ilícita. Na verdade;
5. Quem logo disse que “ali” não mais trabalhava foi ela própria (Autora), tendo inclusivamente feito na presença da testemunha BB.
6. A sociedade Ré “limitou-se” a acompanhar a sua decisão, aliás por si orientada, tendo ambas (inclusivamente) chegado a um acordo quanto à metodologia de cessação a adoptar, assim como aos valores a pagar/receber.
7. Existem nos autos, factos e provas, quer documentais quer testemunhais que o comprovam.
8. Pelo exposto, impunha-se uma decisão diferente daquela que foi proferida, designadamente: ponto 40: Gerou-se uma discussão entre ambos mas o gerente da Ré não disse à Autora que ela estava despedida.
9. Impunha-se igualmente, uma resposta diversa ao ponto n.º 45.º, designadamente: No decurso da discussão a Autora chegou a dizer ao gerente da Ré que não queria mais trabalhar com ele e para a entidade empregadora, tendo este também dito que (também) não queria trabalhar com ela, não sendo pois verdade que a A.ª se tenha colocado à disposição da Ré, dai não ter esta lhe dado qualquer trabalho. Aliás, nunca a Ré disse à Autora para não mais voltar às suas instalações (cfr 64).
10. Esta factualidade pode-se inferir, por exemplo, do testemunho do Sr. BB conforme melhor resulta das declarações do Sr. BB (ficheiro áudio: 20230106113942_16079462_287161 - Dia 06.01.2023, iniciado às 11.31.11 e términus às 11.38.35, com a duração de 00.07.25,)
• Na passagem 04.22 da referida inquirição foi pelo mandatário da Ré formulada a seguintes questão à testemunha BB: Em algum momento dessa conversa ou dessa incompatibilidade o senhor ouviu o Eng. CC a dizer que ela estava despedida?
• Pergunta à qual a identificada testemunha respondeu ao minuto 04.36, dizendo o seguinte: Não…ouvi. Ouvi a AA a dizer que não queria mais trabalhar com ele e ele dizer que não queria mais trabalhar com ela também.
• A passagem 05.53 daquela inquirição o mandatário da Ré perguntou ainda o seguinte: O senhor não ouviu nenhuma frase da parte dele a dizer, olha não te quero cá mais, não interessas, trabalhar mal e porcamente (por exemplo), estás despedida?
• Questão à qual a dita testemunha respondeu da seguinte forma na passagem 05.11 da sua inquirição: “…a AA disse que ala não queria trabalhar com ele e ele disse que não queria trabalhar com ela também…”.
11. Consideram-se factos incorretamente julgados, existindo no processo meios probatórios que impunham decisão diversa.
Pelo exposto e nos melhores de Direito que serão por V.ª ex.ª doutamente supridos, requer-se a procedência do presente recurso considerando-se:
• Procedente, nos termos supra expostos o recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto,
• Devendo, em consequência, considerar-se procedente o pedido de total absolvição da Ré/Apelante
I.4 A A apresentou contra-alegações mas sem que as finalizasse com conclusões.
No essencial, refere o seguinte:
Na fundamentação dada pelo Tribunal “a quo” é apresentado um raciocínio explicitado pelo Tribunal “a quo”, que é perfeitamente lógico e coerente, não apresentando nenhuma contradição insanável ou qualquer erro notório na apreciação da prova, e que justifica a apreciação e valoração feita pelo Tribunal relativamente ao depoimento BB.
Com efeito, o Tribunal a quo indica que a testemunha BB é ainda trabalhador na Ré, e que este apenas referiu ter presenciado parte do sucedido, isto é, ouviu as Partes a discutir e referiu que ambos se terão ausentado das instalações (para a rua) razão pela qual não ouviu integralmente a conversa de A. e Ré. Mas ouviu que o gerente da Ré não queria mais trabalhar com a A.
É igualmente referido pelo Tribunal “a quo”, em linha com a tese de que o gerente da Ré despediu a Autora, está o facto de em consequência dos factos ocorridos a Autora solicitou ao gerente da Ré que colocasse por escrito que a mesma estava despedida. Ao e-mail o Réu responde com a proposta de um acordo, referindo que não pretende receber mais o trabalho da Autora.
Mais, o gerente da Ré retira-lhe o acesso à plataforma de e-mails da Ré e retira-a do grupo de whatsapp.
Todos estes raciocínios articulados estão espelhados no fundamento do raciocínio do Tribunal a quo, e estão espelhados nos pontos 69 a 75».
Pugna pela improcedência do recurso.
I.5 O Digno Procurador Geral Adjunto junto desta Relação teve visto nos autos para os efeitos do art.º 87.º3 do CPT, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, na consideração, no essencial, que as provas foram livremente apreciadas segundo a prudente convicção do ilustre julgador, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do CPC, e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
I.6 Foram colhidos os vistos legais e determinou-se a inscrição do processo em tabela para ser submetido a julgamento.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, as questões colocadas para apreciação pela recorrente consistem em saber o seguinte:
- Se o Tribunal a quo errou o julgamento na decisão sobre matéria de facto quanto à matéria provada que consta sob os pontos 40 e 45;
- No pressuposto de ver atendida a impugnação da matéria de facto, defende o erro na aplicação do direito.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que adiante se passa a transcrever [mantém-se a numeração conferida pelo Tribunal a quo]:
Factos provados
30. A ré celebrou com a autora contrato de trabalho a termo pelo período de 6 meses, com início em 1/9/2021, com fundamento na abertura de nova filial em ...,
31. A Autora foi contratada com a categoria de Arquitecta e Perita de certificação energética.
32. Ficando obrigada a prestar um horário de trabalho de 40 horas semanais, 8 horas diárias, de acordo com as ordens e instruções da Ré.
33. A Autora ficou obrigada a prestar a sua actividade de vistorias com vista à emissão de certificados energéticas,
34. Como contrapartida do trabalho desenvolvido pelaA., a Ré pagava-lhe mensalmente a quantia líquida de € 1000,00 (mil Euros),
35. Foi ainda acordado que lhe afectaria um carro para o exercício da actividade, assim como um telemóvel.
36. Como a Ré não lhe forneceu estes instrumentos de trabalho, ficou acordado que pagaria à Autora a quantia de € 15,00 (quinze Euros) por mês a título de comunicações e € 0,36 por cada km realizado em carro da Autora.
37. A Ré não havia inscrito o contrato celebrado com a Autora em Setembro de 2021, mas apenas no dia 1 de outubro de 2021, e tinha consignado na Segurança Social um salário mensal de apenas € 875,00 (oitocentos e setenta e cinco Euros).
38. A Autora trabalhava exclusivamente para a Ré, dependendo a sua subsistência daquela retribuição.
39. No dia 29 de Outubro de 2021, da parte da tarde, por volta das 15 horas, encontrando-se o gerente da Ré e a Autora presentes nas instalações de ..., foi a Autora confrontada pelo gerente sobre o seu modo de execução das certificações energéticas.
40. Gerou-se uma discussão entre ambos e o gerente da Ré disse à Autora que estava despedida.
41. No dia 30 de Outubro a Ré retirou o acesso à plataforma zohomail por parte da Autora (plataforma de correio electrónico da ré) e retirou-a do grupo de trabalho do Whatsapp da obra de ....
42. No dia 31 de Outubro de 2021, a autora pediu, por mail, ao gerente da Ré que lhe colocasse o despedimento de sexta feira por escrito, emitindo as declarações a que estava obrigada.
43. O mesmo respondeu, no dia 2 de Novembro de 2021 que pretendia fazer um acordo com a Autora
44. O gerente da Ré a partir de dia 2 de novembro de 2021, começou a negociar com a Autora um acordo de resolução do contrato de trabalho que não chegou a ser formalizado.
45. Durante todo este período a Autora esteve sempre à disposição da Ré, não lhe tendo esta, porém, dado qualquer trabalho.
46. Da retribuição de Outubro, só no dia 5 de Novembro é que a ré pagou 1.000€ à autora.
47. A Ré não pagou os Km e a compensação de telemóvel do mês de Outubro.
48. A Autora sofreu desgosto e agonia perante os comportamentos da sua entidade patronal,
49. Ficou com insónias, ansiedade e tristeza, sentindo-se humilhada.
50. Contestação
51. A ré corrigiu na segurança Social a data do início do contrato de trabalho da autora.
52. O gerente da ré remeteu à autora no dia 02 de novembro de 2021 o email dando-lhe conta do seguinte:
conforme conversado telefonicamente, venho formalizar o seguinte:
- pelo que se passou na quinta feira e na sexta feira, não existem condições de trabalho possíveis dentro da empresa;
- pela forma como você falou para mim na sexta feira não existem condições e trabalho possíveis comigo;
- pela baixa produtividade evidenciada nos últimos 2 meses, o seu trabalho só gera prejuízo na empresa;
- pelas avaliações dos nossos clientes do seu trabalho, temos estado a perder diversos clientes, com os correspondentes prejuízos monetários e danos de imagem.
Venho propor que seja realizado um acordo de rescisão por mútuo acordo do contrato de trabalho, onde a empresa lhe paga o salário de Outubro e ficam assim saldadas todas as contas com a empresa. Caso não aceite estas condições de mútuo acordo a minha única alternativa é de facto instaurar um processo disciplinar com o objectivo de despedimento com justa causa e invocando todas as indemnizações e compensações provocadas pelo seu trabalho e pelo seu comportamento dentro da empresa.
Agradeço que me responda ainda hoje sobre este assunto
53. A autora no dia 03 de novembro de 2021, respondeu à Ré, via email, dando-lhe conta do seguinte:
Na sequência das diversas conferências telefónicas de ontem informo que estou disposta a chegar a um acordo de rescisão do contrato de trabalho celebrado no dia 01 de setembro de 2021, sujeito ao cumprimento das seguintes obrigações:
Pagamento da retribuição mensal relativa ao mês de outubro de 2021, no montante de € 1.000,00 líquidos, conforme contrato celebrado.
Pagamento de despensas relativas às deslocações e telecomunicações, no valor de € 831,09 líquidos, conforme acordo verbal.
Pagamento dos 4 dias férias ganhas e não gozadas, no montante de € 181.81.
Pagamento do proporcional do subsídio de férias, no montante de € 181.81.
Pagamento do proporcional do subsídio de natal, no montante de € 166.66.
Entrega dos recibos relativos aos pagamentos efetuados em setembro e outubro, a título de retribuição mensal e despesas, onde conste as menções obrigatórias, nomeadamente, os descontos para a Segurança Social e IRS retido na fonte.
Comprovativo do pagamento à Segurança Social referente à retribuição mensal do mês de setembro e outubro.
Os valores acima mencionados deverão ser pagos até à próxima sexta-feira, dia 05 de novembro de 2021, bem como os documentos referidos entregues no mesmo prazo.”
54. No mesmo dia 03 de novembro de 2021, o gerente da Ré respondeu à A. transmitindo-lhe o seguinte:
Bom dia AA
Conforme conversado ontem, ok, são estes os valores
Obrigado e até sexta-feira
55. Na sequência da recepção e teor do supra aludido email, a A. – no dia 04 de novembro de 2021 – respondeu ao gerente da Ré, dando-lhe conta do seguinte:
Boa tarde CC,
Pretendo combinar o local e hora para a amanha dia 05 de Novembro de 2021, para a rescisão do contrato de trabalho, pagamento e entrega dos documentos (recibos relativos aos pagamentos efectuados em setembro e outubro e os comprovativos do pagamento à segurança social).
Agradeço que entre em contacto comigo o mais breve possível. Posso sugerir, no escritório em ... às 10:30h”;
56. Ao que a A. no mesmo dia 04.11.2021, respondeu dizendo (doc. 18): “Boa tarde,
Como combinado por conversa telefónica, ficou combinado às 14h no escritório em ..., encontramo-nos para resolver todos os assuntos referidos nos mail do dia 3/11/21.
57. Havia ainda por resolver a questão da correcta inscrição (rectificação) junto da Segurança Social, a Ré, por intermédio do seu gerente Eng. CC, enviou email à A. no dia 08.11.2021, dando-lhe conta do seguinte:
Bom dia AA.
Junto anexo comprovativo da Segurança Social. O contabilista não registou desde o início de Setembro. Temos duas formas de resolver este problema:
- peço ao contabilista para corrigir este registo desde o dia de Setembro;
- ou reembolsamos-lhe este valor.
Como prefere fazer?
58. A A. optou pela rectificação do registo junto da Segurança Social, a Ré assim procedeu à correspondente rectificação junto da SS para início do vínculo contratual a partir do dia 01.09.2021.
59. Mas não mais as duas partes se encontraram para assinarem o acordo de “rescisão” e ser feito pagamento do valor remanescente.
*
Factos não provados
60. A autora trabalhava presencialmente nos domicílios dos clientes da Ré, às segundas, quartas e quintas
61. E às terças e sextas, em regime de teletrabalho, a realizar os cálculos e demais actividade necessária à emissão dos certificados, atendimento de telefone aos clientes, agendamentos de vistorias.
62. Estando apenas obrigada a prestar o se trabalho no estabelecimento comercial da Ré, sito na Rua ..., ..., quando recebia instruções específicas do gerente da Ré e do colega BB, para lá comparecer para fazer ponto de situação dos processos.
63. À retribuição acresciam € 500,00 (quinhentos Euros) não previsto no contrato, para que não fosse sujeita a impostos e segurança social, situação unicamente aceite pela Autora, por temor reverencial, por ter medo de perder o emprego,
64. No dia 29 de Outubro de 2021, o gerente da Ré disse à autora para que não voltasse mais às instalações da Ré
Contestação
65. O e-mail de 2/11 foi enviado pelo gerente da ré depois de terem conversado telefonicamente e chegado a um consenso.
66. Com esta acção, a autora criou um “incidente” junto das bases de controlo de crédito, limita o acesso da ré ao crédito junto dos seus fornecedores e empresas de concessão de seguro de crédito.
*
67. Os demais factos alegados são irrelevantes para a decisão.
II.2 Impugnação da matéria de facto
A recorrente Ré impugna a decisão sobre matéria de facto, alegando que o Tribunal a quo errou a decisão ao dar como provados os pontos 40 e 45, defendendo que se impunha decisão diferente para esses pontos, indicando para cada um deles a respectiva redacção [conclusões 8 e 9].
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
O mesmo autor, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
No que concerne ao que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
- I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
Ainda a este propósito, o recente Acórdão do STJ de 06-07-2022 [Proc.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt], após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal” – como nele se refere, consolidada, entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1] – sintetiza no respectivo sumário o entendimento seguinte:
I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente.
II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”).
III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo.
Para encerrar estas notas, acresce dizer, que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos os princípios enunciados, cabe verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
No que concerne às conclusões, verifica-se que a recorrente cumpre o que se entende exigível, enunciando os factos impugnados e indicando o sentido e termos das alterações pretendidas [Conclusões 8 e 9].
O mesmo é de entender quanto ao cumprimento dos demais ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, dado estar indicado o meio de prova que sustenta a impugnação – o testemunho de BB -, bem assim indicados os tempos de gravação dos extractos transcritos e, ainda, aduzida argumentação para justificar as alterações pretendidas.
II.2.1 Nos pontos impugnados lê-se o seguinte:
40. Gerou-se uma discussão entre ambos e o gerente da Ré disse à Autora que estava despedida.
45. Durante todo este período a Autora esteve sempre à disposição da Ré, não lhe tendo esta, porém, dado qualquer trabalho.
Pretende a recorrente que se altere esses conteúdos, para passar a constar provado o seguinte:
40: Gerou-se uma discussão entre ambos mas o gerente da Ré não disse à Autora que ela estava despedida.
45. No decurso da discussão a Autora chegou a dizer ao gerente da Ré que não queria mais trabalhar com ele e para a entidade empregadora, tendo este também dito que (também) não queria trabalhar com ela, não sendo pois verdade que a A.ª se tenha colocado à disposição da Ré, dai não ter esta lhe dado qualquer trabalho. Aliás, nunca a Ré disse à Autora para não mais voltar às suas instalações (cfr 64).
Começaremos por atentar na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, dela constando, na parte aqui relevante, o seguinte:
[..]
Análise da prova
[..]
69. É incontroverso que entre a autora e CC, gerente da ré, houve uma discussão devido à insatisfação deste com a forma da autora trabalhar e a sua produtividade.
Reafirmaram-no ambos em declarações de parte. E, também, a testemunha BB, funcionário da ré, que presenciou parte do sucedido.
70. Então, segundo a autora, o gerente da ré disse-lhe que estava despedida. O que fez com que ela abandonasse as instalações. CC nega que tivesse dito semelhante coisa.
71. O tribunal acredita no contado pela autora.
72. Desde logo porque segundo o citado BB, o gerente da ré disse à autora que não queria mais trabalhar com ela. Tratando-se de uma testemunha que é funcionário da ré, logo, mais comprometido com esta, é sintomático de que a autora foi efectivamente despedida naquele momento.
73. Depois, temos a mensagem electrónica da autora de 31/10/2021 onde pede ao gerente da ré que formalize o despedimento. Sem que este, na mensagem electrónica da resposta (de 2/11, junta à p.i.), escreva alguma coisa a esse propósito. Parece fugir à questão.
74. Além disso, nessa mensagem electrónica e nas seguintes (maxime a de 11/11/2021, também junta à p.i) o gerente da ré manifesta claramente a vontade de não voltar a receber o trabalho da autora.
75. Igualmente indicativo do despedimento foi, como disse a autora, retirar-lhe o acesso à plataforma de correio electrónico da ré e ao grupo de trabalho do Whatsapp de uma obra em .... Factos admitidos pelo gerente da ré. E comprovado pela imagem de captura de ecrã junta com a p.i..
[..]».
Passando à apreciação, diremos desde já que a impugnação não pode de todo proceder, dado que a recorrente pretende que em substituição daqueles factos sejam consideradas provados diferentes conteúdos, sendo que em qualquer dos casos os mesmos consubstanciam afirmações com natureza conclusiva que, para além disso, respeitam ao tema fulcral controvertido, ou seja, o despedimento verbal. Passamos a justificar esta asserção.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirma-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, em linha com esse entendimento, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].
No entanto, a aplicação deste entendimento dever ser feita criteriosamente. No acórdão do STJ de 14-07-2021 [proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1, Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt], citando Helena Cabrita [A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107], afirma-se que “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”. Mais se retira do aludido aresto, que mesmo que a resposta, tendo embora uma componente conclusiva, se ainda assim tiver um substrato de facto relevante, não deve ser tido como não escrito, referindo-se na fundamentação o seguinte:
“(…)
Mas mesmo sem ir tão longe e admitindo que o Tribunal possa excluir factos genuinamente conclusivos, importa ter em conta que, como já referiu este Supremo Tribunal:
“Torna-se patente que o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas. Insiste-se: o que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sancionando a infração desta proibição com o considerar tal tipo “[de juízos como não escritos. Conforme já pusemos em relevo noutra ocasião (Ac. de 7.4.05, proferido na Revª 186/05, subscrito pelos mesmos juízes deste), não pode perder se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstrações (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger. E quem diz quesitação diz também, logicamente, estabelecimento da resposta, isto é, incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2007, processo n.º 07A3060, NUNO CAMEIRA).
Importa, pois, verificar se o facto mesmo com uma componente conclusiva, não tem ainda um substrato relevante para o acervo dos factos que importam para uma decisão justa».
Com o propósito de dissipar alguma dúvida, para que fique esclarecido, este entendimento afirmado pelo STJ nos termos da transcrição imediatamente acima, aplica-se ao caso do facto provado 40, mais precisamente, quanto à parte final, onde consta, “e o gerente da Ré disse à Autora que estava despedida”. Com efeito, embora a expressão “despedida” tenha uma conotação jurídica, o certo é que também faz parte da linguagem corrente e, para além disso, há um conjunto de factos que lhe dão substracto, desde logo, a primeira parte do facto. Deve também ter-se presente que o ponto está a afirmar que essa expressão foi utilizada pelo gerente da Ré.
Mas já assim não acontece com os conteúdos que a Recorrente pretende ver provados. Na alteração pretendida para o ponto 40, quando pretende se dê como provado “mas o gerente da Ré não disse à Autora que ela estava despedida”; e, no ponto 45, ao pretender-se seja dado como provado “não sendo pois verdade que a A. se tenha colocado à disposição da Ré, dai não ter esta lhe dado qualquer trabalho. Aliás, nunca a Ré disse à Autora para não mais voltar às suas instalações (cfr 64).
Mas ainda que assim não se entendesse, não teria razão a recorrente, dado que vem pretender fazer prevalecer a sua convicção, sustentada num único testemunho - que como refere o Tribunal a quo apenas assistiu a parte do ocorrido entre a A. e o legal representante da Ré -, à do julgador, sendo certo que este justiçou com suficiência e clareza como chegou àquele juízo, máxime quanto ao ponto provado 40. Basta ler com a devida atenção a fundamentação, para se perceber com a necessária clareza, que o Tribunal a quo conjugou os vários meios de prova que refere, nessa ponderação merecendo-lhe credibilidade as declarações de parte da autora.
Ora, é sabido que, como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). Pode dizer-se ser pacificamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436].
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Não é despiciendo deixar ainda uma nota a propósito das declarações de parte. Fazendo uso da fundamentação do acórdão desta Relação e Secção, de 24-10-2022, relatado pelo aqui relator e com intervenção dos mesmos adjuntos [Proc.º 675/19.7Y7PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt], o nosso entender sobre esse meio de prova é o que segue:
-«[..]
As declarações de partes constam previstas no art.º 466º, nº 1, do CPC, ao dispor que “[a]s partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto”.
Em conformidade com o estabelecido no n.º2, daquele mesmo artigo, às declarações das partes aplica-se o disposto no art.º 417.º, norma que regula o dever de cooperação para a descoberta da verdade; e, no que respeita à valoração dessas declarações (n.º3), estabelece-se, ainda, que o tribunal aprecia-as livremente, isto é, segundo a sua prudente convicção (art.º 607.º/5, CPC), salvo se as mesmas constituírem confissão.
Significa isto, pois, que em face do disposto no art.º 466.º, actualmente é inequívoco que as declarações de parte sobre factos que lhe sejam favoráveis devem ser apreciadas pelo tribunal, sendo valoradas segundo o princípio da livre apreciação da prova, consagrado nos artigos 396.º do Código Civil e 607.º n.º 5, do CPC, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente, a testemunhal e documental (que não tenha força probatória plena).
A este propósito, observa José lebre de Freitas, o seguinte:
-«O CPC de 2013 introduziu, ao lado da prova por confissão, mas como meio de prova autónomo, a figura da prova pro declarações de parte. Através dela, a parte [..] pode, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, requerer a prestação de declarações sobre factos em que tenha tido intervenção pessoal ou de que tenha conhecimento directo (art.º 466-1), isto é, sobre factos pessoais, na aceção que a esta expressão é dada nos arts. 454-1 e 547-3 [..]”. […] A sua valoração está sujeita à regra da livre apreciação da prova (466-3).
[..]
A apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes sido efectivamente ouvidas” [A Acção Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 277/278].
Num breve parêntesis releva assinalar que o art.º 466.º CPC, não veio trazer uma inovação absoluta. Parafraseando Rui Pinto, “[A] inovação reside em expressamente se admitir a legitimidade de a parte requerer a prestação de declarações por si mesma” [Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2013, p. 283]. Com efeito, como observa Luís Filipe Pires de Sousa [AS MALQUISTAS DECLARAÇÕES DE PARTE, Julgar on line, http://julgar.pt/as-malquistas-declaracoes-de-parte, p. 2], “ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado, foi crescendo uma corrente jurisprudencial pugnando no sentido de que o depoimento de parte- no que exceder a confissão de factos desfavoráveis à mesma parte - constitui meio de prova de livre apreciação pelo tribunal – Artigo 361º do Código Civil”, nesse sentido apontando os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.2003, Ferreira Girão, proc.º 03B1909; de 9.5.2006, João Camilo, proc.º 06A989; de 16.3.2011, Távora Víctor, proc.º 237/04; de 4.6.2015, João Bernardo, proc.º 3852/09; e, do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.11.2011, Araújo de Barros, proc.º 2700/03 [todos disponíveis em www.dgsi.pt].
[..]
Vale isto por dizer que as declarações de parte podem ser valoradas em sentido favorável à parte, desde que haja uma convicção segura quanto à sua correspondência com a realidade, a qual deve ser formada numa ponderação global de todos os meios de prova que incidam sobre essa matéria, feita em termos lógicos e de acordo com as regras da experiência».
Por conseguinte, se a recorrente entende que o Tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova, errando assim na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção, antes lhe cumprido evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova.
Não é o caso e, logo, como se disse, sempre improcederia a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
II. 3MOTIVAÇÃO de DIREITO
A ré insurge-se contra a sentença na vertente da aplicação do direito no pressuposto de ver atendida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Como se retira das conclusões, não é colocada qualquer questão jurídica para evidenciar eventual erro na aplicação do direito.
Assim, mantendo-se inalterada a decisão sobe a matéria de facto, necessariamente
Improcede o recurso.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso nos termos seguintes:
i) Improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
ii) Em consequência, improcedente na vertente de alegado erro na aplicação do direito, confirmando-se a sentença.

Custas do recurso a cargo da Ré, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 27 de Setembro de 2023
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira