Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
622/09.4GAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP00043370
Relator: MELO LIMA
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
RECURSO
Nº do Documento: RP20100113622709.4GAMAI.P1
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 610 - FLS 216.
Área Temática: .
Sumário: I - Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo.
II - A discordância do juiz de instrução em relação à determinação do MP, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art. 281º do CPP, não é passível de recurso (Acórdão de Uniformização do STJ n.º 16/2009).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO Nº 622/09.4GAMAI.P1
RELATOR: MELO LIMA

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

1. No .º Juízo Competência Criminal do Tribunal Judicial da Maia, em julgamento em processo sumário, foi o arguido B………. condenado, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos art.s° 292 e 69 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6 €, num total de 360 €, bem assim na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos com motor pelo período de 3 meses.
2. Previamente àquele julgamento o Ministério Público, de par com o requerimento para julgamento em processo sumário, promoveu que, obtida a concordância do arguido, o processo fosse suspenso provisoriamente, pelo período de 4 meses, sujeito à condição do arguido prestar 25 horas de trabalho a favor da comunidade, ou entregar numa IPSS uma quantia não inferior a € 180.00 e a obrigação de não conduzir veículos motorizados por período não inferior a quatro meses mediante a entrega da carta neste tribunal.
Porém, o Exmo. Juiz titular do processo na consideração de que uma tal promoção não reunia os requisitos legais para que sobre ela pudesse ser proferido o respectivo despacho de concordância – era omisso quanto à concordância do arguido - indeferiu o promovido.
3. Não se conformando com este indeferimento dele interpôs recurso o Exmo Magistrado do Ministério Público, recurso que, subsidiariamente, estendeu à sentença proferida, assim concluindo a respectiva motivação:
I) – O Ministério Público requereu o julgamento de B………. em processo sumário, com a promoção de que, obtida a concordância do mesmo, o processo fosse suspenso provisoriamente.
II) – A M. Juiz “a quo” indeferiu a suspensão provisória do processo com fundamento de que não competia ao juiz do julgamento colher a concordância do arguido à suspensão, pois seria ao Ministério Público a quem incumbiria a realização de tais diligências, apenas cabendo ao juiz do julgamento proferir o despacho de concordância ou discordância.
III) – Não se concorda com a posição assumida pela M. Juiz “a quo”.
IV) - O processo sumário é um processo especial, cabendo ao Juiz classificá-lo como tal, e por isso antes dessa decisão o mesmo assim não existe.
V) – Assim sendo, e atenta a inserção sistemática do preceitos legais – art.º 282 e 384, ambos do C.P.P. - é o Juiz de Julgamento o “dominus” do processo, sendo a ele que cabe a decisão sobre a aplicação concreta do instituto.
VI) – Logo cabe-lhe a realização de diligências que visem tal fim, nomeadamente questionar o arguido relativamente à sua anuência ou não àquele instituto.
VII) - Não se olvida contudo o art.º 382, n.º 2 do C.P.P..
VIII) - Apesar de a nosso ver o Ministério Público poder, em face daquele preceito, interrogar sumariamente o arguido e aí obter a sua anuência, isso não significa que não possa ser feito pelo M.º Juiz de Julgamento, “dominus” da fase processual em que eventualmente se vai aplicar aquele instituto.
IX) - É uma competência do M.º Juiz de julgamento, e não decidindo este da aplicabilidade do instituto com tal fundamento deixa de praticar um acto para o qual o sistema processual penal lhe atribuiu competência.
X) - Nem se invoque a sustentar a posição plasmada na decisão recorrida o artigo 40.º, alínea e), do C.P.P., dado que isso pode ser resolvido em termos processuais sendo o julgamento feito por outro juiz, tal como acontece noutros casos de impedimento.
XI) - O Tribunal “a quo”, ao não realizar as diligências necessárias à verificação dos pressupostos enunciados no artigo 281.º do Código de Processo Penal, violou o art.º 281 e 384 do Código de Processo Penal.
Caso assim se não entenda:
XII) – Consta dos autos que efectuado ao arguido teste quantitativo de pesquisa de álcool no sangue, através de ar expirado, no aparelho Drager Alcotest 7110MKIII P, acusou uma taxa de 1,86 g/l.
XIII) – A M ª Juiz “a quo” efectuou desconto naquela taxa com base em “margem de erro admissível nos alcoolímetros”, para 1, 72 g/l, aplicando com base na mesma e entre outros factores, uma pena de 60 dias de pena de multa.
XIV) - In casu, não se pode fazer correcção na TAS por aplicação das margens de erro.
XV) - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.
XVI) - Em face do constante quer do regime do Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro, da Portaria n.º 748/94 de 13 de Agosto, da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, a solução para o caso concreto, na nossa modesta opinião é a mesma, ou seja, não podia no caso concreto ser efectuado tal desconto.
XVII) - De facto, os erros a que se alude no artigo 6 da Portaria n.º 748/94 e no art.º 8 da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, são considerados nas operações de aprovação e de verificação dos aparelhos em apreço, efectuados pelo Instituto Português da Qualidade, sendo de ter em conta o referido no art.º 10 desta última Portaria quanto à validade dos aparelhos que tenham sido autorizados ao abrigo de legislação anterior à entrada em vigor da mesma.
XVIII) - Ao valor que consta dos talões emitidos por aquele alcoolímetro, não têm de se fazer desconto, uma vez que os níveis máximos de erro já foram tidos em consideração, na aprovação, verificações e ensaios a que aquele é sujeito.
XIX) - Ao fazê-lo a Douta Decisão padece do vício de erro notório na apreciação da prova, cfr. Art.º 410, n.º 2, al c) do C.P.P..
XX) – Assim atento o resultante do auto de notícia e elementos de prova, que foram vertidos na acusação e em função da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, dentre a qual o documento de fls. 4, a confissão do arguido e a não pretensão de realização de contra-prova, cfr. fls. 5, o Tribunal não podia deixar de decidir de acordo com aquela, e dever considerar a taxa de 1, 86 g/l, ou seja, o facto dado como provado está em desconformidade com o que realmente se provou.
XXI) - Não se reportando, em termos de facto provado ao valor que resulta do exame, decidiu contra Direito.
XXII) – Da Sentença recorrida não se verificam os pressupostos de aplicação do principio in dúbio por reo, dado que da prova produzida não resultou qualquer elemento que pudesse causar a dúvida razoável sobre a taxa detectada e colocasse em causa o valor registado no talão de fls. 4. Da fundamentação de facto não consta que algum elemento de prova tenha infirmando ou suscitado alguma dúvida em relação ao valor registado.
XXIII) – Deve a al. b) dos factos provados ter a seguinte redacção b) - Na ocasião acima referida era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,86 g/l.”.
XXIV) - Em face a TAS de 1, 86 g/l, consideramos ser como justa nos termos conjugados do art.º 40 e 71 do C. Penal uma pena multa não inferior a 65 dias, mantendo-se quanto a nós adequada a proibição de conduzir quaisquer veículos com motor por três meses.
XXV) – Ao não considerar para efeito de pena a aplicar a TAS de 1, 86 g/l e considerar, ao invés, a TAS 1,72 g/l, a M Juiz “a quo” violou o art.º 40, n.º 1 e n.º 2, art.º 71, n.º 1 e 2, art.º 77, n.º 1 e 2, art.º 292, n.º 1, do C. Penal, art.º 410, n.º 2, al c) do C.P.P., art.º 153, n.º 1 e 158, n.º 1, al) b) e 170 n.º 3 e 4 do Código da Estrada e Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro, o Decreto Regulamentar n.º 24/98 de 30 de Outubro, a Portaria n.º 1006/98 de 30 de Novembro, e, presentemente, a Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio e a Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de Agosto e Portaria n.º 1556/07 de 10 de Dezembro e o princípio do in dubio por reo.”.
4. O Recorrido não respondeu.
5. Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto lavrou Parecer onde se pronunciou
a. Relativamente à questão suscitada no ponto 1 do recurso - saber se compete ao juiz ouvir o arguido sobre a sua anuência à suspensão provisória do processo promovida pelo M°P°- no sentido de que não assiste razão ao recorrente;
b. Quanto ao recurso da sentença, objecto do ponto II, no sentido de que assiste razão ao magistrado recorrente, pelas esclarecidas razões que constam da respectiva motivação.
6. Colhidos os vistos cumpre decidir.
II Fundamentação.
1. Recurso Principal
1.1 É do seguinte teor o despacho objecto da impugnação recursiva:
“No despacho de fls. 16 e seguintes, o Ministério Público requereu o julgamento, imediato, em processo especial sumário, do arguido. Concomitantemente, e ainda no mesmo despacho, promoveu que “havendo a necessária concordância do arguido (que ainda não foi ouvido) seja suspenso provisoriamente o processo”, por um período e mediante as injunções que enumera.
Extrai-se do aludido despacho/promoção, até pela sua sequência, que o Ministério Público pretende que, em julgamento, se proceda à suspensão provisória do processo e que seja nesta fase processual que se diligencie designadamente pela obtenção da concordância do arguido, pressuposto para a aplicação de tal medida.
Crê-se, no entanto, que tal não é processualmente possível, até porque com o instituto da suspensão provisória do processo o que se pretende é justamente evitar o julgamento, não sendo as duas figuras processuais compatíveis entre si ou susceptíveis de ocorrer em simultâneo.
Por outro lado, da análise conjugada dos artigos 384.º, 281.º e 282.º do Código de Processo Penal resulta, em nosso entendimento, que o que se pretendeu foi não inviabilizar que arguidos detidos em situações em que seja possível a remessa do processo para sumário ficassem privados do benefício do instituto da suspensão. A especialidade do artigo 384.º relativamente ao regime geral do artigo 281.º é apenas a de que o despacho de concordância ou discordância é proferido pelo juiz competente para o julgamento e não pelo juiz de instrução criminal. Nada mais. Continua a competir apenas e só ao Ministério Público o impulso de tal medida, sendo certo que é ao Ministério Público que compete a realização das diligências necessárias à verificação dos pressupostos enunciados no artigo 281.º, sendo ainda certo que a ponderação da aplicação do instituto em causa e a realização das ditas diligências terá de ser equacionado no momento que antecede a remessa dos autos a juízo, como sucede nas situações normais de inquérito e como decorre do regime do artigo 281.º, para o qual o artigo 384.º remete. Na verdade, e pese embora nos processos sumários não exista fase de inquérito há sempre a fase que antecede o hipotético julgamento, e na qual o Ministério Público pode fazer as diligências que entenda pertinentes, o que pode incluir o interrogatório dos arguidos (artigo 383.º, n.º2 do Código de Processo Penal), decidindo o subsequente destino dos autos.
Remetidos a juízo, terá de vir definida e instruída a opção do Ministério Público.
Caso sejam remetidos para a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo cabe ao juiz, apenas, proferir o despacho a que alude o artigo 281.º do Código de Processo Penal, ou seja, de concordância com a medida proposta, ou de discordância dela, (hipótese em que, aliás, fica impedido de presidir a um subsequente julgamento em processo sumário (artigo 40.º, e) do Código de Processo Penal), não lhe competindo a realização de qualquer diligência essencial, designadamente diligenciar pela obtenção da concordância do arguido.
Caso sejam remetidos para julgamento, como no caso presente, será essa a fase que se seguirá, verificados os respectivos pressupostos, mostrando-se então precludida a possibilidade de aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.
Por tudo o exposto, considera-se que o requerimento consta de fls. 16 dos autos não reúne os requisitos legais para que sobre ele possa ser proferido o respectivo despacho de concordância, visto que é omisso quanto à concordância do arguido, pelo que se indefere o ali promovido (neste sentido, embora apreciando questão diversa, se pronunciaram designadamente Ac. TRL de 07.05.2007, proc. 2784; Ac. TRL de 30.05.2007, proc. 2313/2007-3, Ac. TRL de 19.06.2007, proc. 2312/2007-5, Ac. TRL de 18.12.2008, proc. 9726/2008-9; e Ac. TRG de 29.09.2008, proc. 1188/08.2).”

A questão suscitada pelo Digno Recorrente reconduz-se a saber se sendo o Juiz do Julgamento o “dominus” do processo a quem competia a decisão sobre a aplicação concreta do instituto da suspensão não lhe competia de igual passo, “a realização de diligências que visem tal fim, nomeadamente questionar o arguido relativamente à sua anuência ou não.”

Acontece, porém, que, como se entende, o Ministério Público recorre in casu de um despacho irrecorrível.
Como deflui do disposto no artigo 391º do CPP: «Em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou de despacho que puser termo ao processo»
Como claramente ressuma do despacho posto em causa, o “Ministério Público requereu o julgamento, imediato, em processo especial sumário, do arguido”.
Concomitantemente, é certo, promoveu a realização pelo Juiz do Julgamento de uma diligência com vista à aplicação da suspensão provisória do processo.
Ora, o indeferimento consubstanciou despacho intercalar que não pôs termo à causa.
Nem o mesmo comporta, de todo o modo, decisão que ‘restrinja de modo inadmissível as garantias de defesa, incluindo do direito de recurso do arguido e do direito de acesso aos tribunais dos demais sujeitos processuais’ [1]
Aliás, da decisão de não concordância judicial relativamente à suspensão provisória do processo não cabe, sequer, recurso. [2]
Pelo exposto, na atenção às normas ínsitas nos artigos 414º/2, 420º/1 al. b) CPP, decide-se pela rejeição do recurso na parte relativa ao sobredito despacho. [3]

2. Recurso relativo à sentença.
2.1.Em sede de facto, é a seguinte a decisão proferida em termos de factualidade provada/ factualidade não provada/motivação da decisão de facto (Transcrição):
2.1.1. — Factos Provados
Discutida a causa, provou-se que:
2.1.1.1No dia 19.04.2009, pelas 18h 35m, o arguido, conduziu o automóvel ligeiro de passageiros, modelo “Ford ……….”, de matrícula ..-..-CD, na Rua ………., ………., Maia. 2.1.1.2 Na ocasião acima referida o arguido era portador de uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,72 g/l.
2.1.1.3 Actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que conduzia veículo por via de circulação terrestre, afecta ao trânsito público, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, e querendo fazê-lo.
2.1.1.4 O veículo acima descrito é de propriedade do arguido.
2.1.1.5 O arguido é serralheiro mecânico, auferindo 800 € mensais;
2.1.1.6 A sua esposa é doméstica e não tem filhos.
2.1.1.7 O casal vive numa casa arrendada e paga 130€ de renda mensal.
2.1.1.8 Confessou os factos e declarou-se arrependido.
2.1.1.9 O arguido não tem antecedentes criminais.
2.12 - Factos não provados:
Com pertinência ao objecto de processo não se provaram quaisquer outros factos para além ou em contrário dos constantes no ponto anterior, designadamente que o arguido fosse portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,86g/l
2.1.3— A convicção do Tribunal
O tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido, que admitiu ter conduzido a viatura depois de ter ingerido bebidas alcoólicas, ter efectuado o teste de pesquisa de álcool no sangue e ter o aparelho Drager 7110 MKIII P acusado taxa de 1,8 g/l, que resulta também da análise do talão de fls. 4
Todavia, o tribunal considera que a medição efectuada no Drager 7110 MKIII P está sujeita a uma margem de erro, conforme a menção constante a fis. 18 do “manual de operações” do Drager 7110, divulgado pela sociedade “Tecniquitel”que introduziu tal aparelho em Portugal.
O uso do dito aparelho no território nacional, com a característica descrita, foi validado através de “despacho de aprovação de modelo”, publicado a 25.09.1996 e em 05.03.1998 (referente a alterações) e emitido pelo Instituto Português da Qualidade, entidade com competência para o efeito, nos termos do estatuído pelo Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria 748/94, publicada no DR de 13.08.1994, na qual se definiam os requisitos a que tinham que obedecer os aparelhos destinados a efectuar as medições de álcool (sendo certo que tal Portaria se manteve em vigor até 11.12.2007, já que a ela aludia o Decreto Regulamentar 24/98, de 30.10 e aludia a actual Lei 18/2007, de 17.05, no seu art.° 14 n.° 2).
Em tal Portaria aludia-se, de forma clara, ás margens de erros admissíveis nos alcoolímetros, que eram os definidos pela norma NF X-20-701, da Organização Internacional de Metrologia Legal.
A Portaria 748/94 foi expressamente revogada pela Portaria 1556/2007, de 10.12.2007, que aprovou o novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e na qual se continua a referir o Instituto Português da Qualidade como entidade competente para efectuar o controlo metrológico dos alcoolímetros.
Nesta nova Portaria continua a aludir-se, de forma expressa no seu art.° 8.°, ás Processado por computador margens de erros admissíveis nos alcoolímetros, que são os definidos no anexo da própria Portaria.
Assim sendo, não resta senão concluir, que o aparelho usado para medir o nível de álcool no sangue ao arguido nestes autos fornece um valor não totalmente rigoroso, porque sujeito a erro, que todavia se encontra compreendido dentro dos valores máximos legalmente admissíveis (motivo pelo qual o dito aparelho foi aprovado em Portugal e o seu uso continua a ser legal — cfr. art.° 10 da Portaria 1556/2007).
A aplicação das apontadas margens de erro ao valor encontrado produz um intervalo de valores dentro do qual se há-de encontrar o valor de álcool no sangue de que o arguido era realmente portador (neste sentido, entre outros, Ac. TRP de 19.12.2007, relatado pelo Sr. Desembargador Pinto Monteiro, Ac. TRP de 02.04.2008 e Ac. proferido no recurso n.° 2584/08.1 da l.a Secção Criminal do TRP, ambos relatados pelo Sr. Desembargador José Carreto, Ac. TRP de 07.05.2008, relatado pelo Sr. Desembargador Luís Teixeira, e Ac. TRP de 04.02.2009, relatado pelo Sra. Desembargadora Paula Guerreiro, todos em www.dqsi.pt) A DGV divulgou mesmo uma tabela (que foi remetida aos tribunais através da Circular 101/2006 do Conselho Superior da Magistratura) na qual se faz aplicação prática do acima referido, encontrando-se previsto para cada valor de álcool no sangue, obtido através do aparelho Drager 7110, o valor mínimo a que tal há-de corresponder, ou seja, o valor de álcool no sangue de que, pelo menos, o sujeito ao teste há-de ser portador, deduzida a margem de erro máximo aplicável.
De acordo com tal tabela, que se tem como boa, a uma taxa de álcool no sangue de 1,86 g/l corresponde, pelo menos o valor de 1,72 q/l, que é o valor que se considera nestes autos, atento até o princípio in dubio por reo, sendo certo que em audiência não se vislumbrou a possibilidade de produzir qualquer meio de prova adicional com vista a sanar esta questão e se entende, na esteira nomeadamente do Ac. TRP de 10.09.2008 (recurso 3109/08-4) e de 21.05.2008 (recursol7l6/08) que a confissão produzida em audiência se reporta tão só à condução, realização do teste e valor que este indicou e não à taxa de álcool no sangue de que o arguido era concreta e efectivamente portador, facto que não está abrangido pelo seu conhecimento pessoal, antes pressupõe um juízo técnico.
No que se reporta às condições de vida e antecedentes criminais, o tribunal valorou as declarações do arguido, teor do relatório social e o teor do CRC juntos aos autos Os descritos meios de prova, analisados à luz das regras de experiência, serviram para formar a convicção supra expressa.

2.2 A questão de que aqui se cuida consiste em saber se, como decidido na sentença recorrida, em face da reconhecida existência das margens de erro nos aparelhos de medição de álcool no sangue, o princípio in dubio pro reo impõe que ao valor fornecido pelo alcoolímetro se subtraia o valor da margem de erro a que se reporta a Portaria 1556/2007 ou se, como pretende o Recorrente, ao fazê-lo a decisão padece do vício de erro notório na apreciação da prova.
Eis uma vexata quaestio relativamente à qual, por respeitar a uma questão de facto, não se vê jeito no sentido de vir a ser posto cobro à divergência jurisprudencial que subsiste ao nível das Relações.
Não vendo fundamento para alterar a posição que temos vindo a assumir, aderindo, assim, à tese exposta na decisão recorrida, transcrevemos (mutatis mutandis) a fundamentação que no âmbito desta questão, expendemos no Recurso 7609/08-1 (Ac. de 21.01.2009 www.dgsi.pt/jtrp):
«Pelas razões que sem preocupação de exaustação se passam a referir – …. -, assume-se a posição que tem por justificado - maxime por via do referido princípio de prova in dúbio pro reo - o recurso às margens de erro consignadas na sobredita Portaria.
…………………………………………
Interrogar-se-á, …, o julgador sobre a credibilidade que o aparelho e o resultado lhe poderão merecer.
Num primeiro momento, encontra a resposta oferecida pelo próprio legislador, que lhe diz a tais propósitos:
● “A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo” [Artigo 1º Dec. Regul. Nº24/98 de 30 de Outubro]
● “1.Só podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado analisadores que obedeçam às características fixadas em portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, da Justiça e da Saúde e que sejam aprovados por despacho do director-geral de Viação”.“2.A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de aprovação de marca e modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros” [Artigo 12º Dec. Regul. Nº24/98 de 30 de Outubro] [4]
● Finalmente, agora pelo Regulamento do Controlo Metrológico,[5] o legislador diz-lhe que A) “O controlo metrológico dos alcoolímetros [6] é da competência do Instituto Português da Qualidade, I. P. — IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação de modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária”.[7]; B)
● Os erros máximos admissíveis — EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado — TAE, são os constantes do quadro que figura no quadro anexo àquele diploma e que dele faz parte integrante. Dizer:
ANEXO
Os erros máximos admissíveis - EMA são definidos pelos seguintes valores:

Perante este quadro legal interrogar-se-á o julgador sobre qual deva ser o exacto alcance dos referidos erros máximos admissíveis.
Ajuda-o neste esforço de compreensão a explicação técnico-científica dada por António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado no Estudo “A Alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”, acima referido. (Nota 9)
«Os Erros Máximos Admissíveis (EMA) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados, ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra.
A qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da Aprovação de Modelo por forma a averiguar se o instrumento, durante a sua vida útil, possui características construtivas adequadas, de forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos EMA prescritos no respectivo regulamento.»
«A definição, através da Portaria nº 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento, são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais.»
«A operação de adição ou de subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto»
Confortado nesta ciência – uma vez vencida, com êxito, a questão da qualidade do equipamento metrológico - pode o julgador ficar certo de que o resultado é, nos limites da ciência metrológica o mais correcto.
E ficar certo, ainda, de que o aparelho – aprovado, embora - possui uma margem de erro, mas que tal margem de erro situar-se-á ainda dentro dos padrões de cientificidade tidos por correctos quanto, mesmo, acolhidos pelo legislador.
Mas terá igualmente por certo que, visto aquela inelutável (ao menos por enquanto) margem de erro o valor da medição indicado se situa, com inabalável certeza, entre um valor mínimo e um valor máximo de erro.
De igual passo, não ignorará o julgador – porque o CSM, através de Circular, levou-lhe o facto ao conhecimento [8] – que o Director Geral de Viação [9] por ofício dirigido ao Comandante Geral da GNR, na consideração de que
“As normas legais e regulamentares aplicáveis ao controlo metrológico dos alcoolímetros admitem a possibilidade de erro, estando os limites máximos desse erro, para mais ou para menos do valor efectivamente registado, estabelecidos em Recomendações da Organização internacional de Metrologia Legal e na Portaria nº 748/94 de 13 de Agosto, por remissão para a norma NFX20-701”
solicitou, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 7º do DL 2/98 de 3/1, “que sejam transmitidas instruções para que, na fiscalização da condução sob efeito do álcool, sejam tidos em conta os seguintes procedimentos:
“O valor relevante quer para efeitos da qualificação do acto como crime ou contra-ordenação quer para efeitos da qualificação desta como grave ou muito grave, é o que resultar da TAS registada deduzida do valor do erro máximo admissível atrás indicado; os valores resultantes da aplicação desta redução estão calculados no quadro anexo, para TAS até 3,50g/l, parecendo desnecessário completar aquele quadro para valores superiores, porque menos frequentes. Para valores de TAS superiores a 3,50 g/L, os agentes fiscalizadores devem fazer o cálculo, deduzindo ao valor registado a correspondente margem de erro 15% até 4,59 g/L e 30% a partir de 4,60 g/L inclusive.
No auto de contra-ordenação e no campo destinado à descrição da infracção deve constar «conduzia, com uma TAS de, pelo menos, … g/L, correspondente à TAS de …. g/L registada, deduzido o valor do erro máximo admissível. A TAS foi verificada através do (indicar a marca e o modelo do aparelho), aprovado pela DGV em…/…/…. Através do despacho/ofício nº…»
E interrogar-se-á, de novo: sendo, embora, certo que a ciência metrológica, consciente dos limites dos seus conhecimentos, pode conformar-se com a certeza metrológica feita entre margens de erro, poderá o juízo juspenal, na comprovação/infirmação do elemento objectivo do tipo do ilícito, conformar-se com uma qualquer margem ou réstia de dúvida, de um por cento ou de um por mil que seja?
Uma tal dúvida poderá, até, mostrar-se desprovida de “justificação metrológica”. Seguramente, porém, não desprovida de justificação jurídica.
Metrologicamente falando, por certo que o valor apurado, se contido nos limites definidos das margens de erro, será o valor mais correcto. Porém, a dúvida que sobra ao julgador posto que respeite e se enforme nas próprias margens de erro que já os controladores metrológicos consentem existir e/ou que a própria lei previne, vai para além disso, na justa medida em que perturba e inquina a formação da convicção que se exige plena.
Diz-se no texto acima citado: «a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos»
Então, a dúvida para o julgador não ocorre ao nível do resultado fornecido enquanto medida metrologicamente mais próxima da realidade mas enquanto consente que se deva ter necessariamente como a medida que ainda cabe entre duas margens de erro.
Ou dizer, a dúvida formada a partir do conhecimento já da incerteza da medição já do conhecimento de que o resultado apurado cabe entre duas margens de erro não é já ou apenas uma dúvida metrológica, mas uma dúvida moral, de convicção.
Diz-lhe o princípio da presunção da inocência que, aqui chegado, deve valer a regra da “TOLERÂNCIA ZERO”.
Como acima vai referido, no que concerne à condenação, impõe-se a “prova”, a convicção plena e não a simples admissão de maior probabilidade, a ‘certeza’ dos factos, que não se concilia com a reserva da verdade contrária.
Deontologicamente vinculado a garantir à pessoa acusada ‘que não será julgada culpada enquanto não se demonstrarem os factos da imputação através de uma actividade probatória inequívoca’, ao julgador não resta outra opção que não seja adoptar a informação que lhe consente a certeza, dizer a certeza do erro mínimo.
Aderindo, por inteiro, à posição assumida no voto de vencido no Acórdão da Relação de Évora de 01.07.2008 [Processo nº 2699/07-1] [10] transcreve-se, no reconhecimento da sua clareza quanto da sua força argumentativa:
"(...) o legislador penal no caso em apreço (contrariamente ao que sucede em certas normas penais em branco), não remete na descrição típica para a taxa indicada pelos alcoolímetros quantitativos, para a taxa impressa nos talões dos alcoolímetros quantitativos (ou expressão equivalente), antes concebe a taxa de álcool no sangue na proporção de 120 mg de álcool por cada litro de sangue, como uma taxa real, independente dos meios de prova legalmente previstos para a sua determinação.
(...) do ponto de vista penal a incerteza que afecta toda e qualquer medição efectuada com os alcoolímetros em causa coloca problemas ao nível da determinação e prova da taxa real verificada (...) não estamos perante mera dúvida, mais ou menos metódica, sustentada apenas na possibilidade, que sempre existe, de ocorrer um erro não detectado, mas antes em incerteza afirmada e balizada por normas do próprio Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, que o tribunal não pode nem deve ignorar, independentemente de o legislador mandar atender explicitamente àqueles EMA na determinação da taxa real de alcoolémia prevista no tipo penal (art. 292º C.Penal) ou contraordenacional.
Assim sendo, apesar de desconhecermos em cada medição se em concreto ocorreu qualquer discrepância entre a taxa indicada pelo alcoolímetro e a taxa real (que coincidirá - pelo menos em termos ideais - com a taxa padrão em relação à qual se verificam os EMA) e ainda menos se ocorreu um desvio para mais ou para menos, são os princípios da culpa e da presunção de inocência que impedem a condenação do arguido com base em taxa de álcool indicada que pode ser superior à taxa real de álcool presente no sangue. Possibilidade esta que, como referido, resulta da consideração de erros máximos admissíveis no processo de aprovação e verificação dos alcoolímetros quantitativos, maxime no art. 8º da Portaria 1556/2007, com base na Recomendação 126 da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML R 126).
Erros máximos admissíveis que obstam a que possa aceitar-se, para além de toda a dúvida razoável - enquanto parâmetro positivo de decisão - a taxa indicada no talão do alcoolímetro quantitativo, embora não obstem a que se considere o valor resultante da dedução do EMA aplicável, por ser este o valor que pode aceitar-se como certo e preciso do ponto de vista jurídico-penal, visto que em face dos dados técnicos e normativos disponíveis e tidos como válidos, não é admissível duvidar de forma sustentada e razoável que o arguido conduzisse, pelo menos, com a taxa de álcool no sangue indicada no alcoolímetro quantitativo depois de deduzido o EMA aplicável no caso."
Em conclusão, dir-se-á que a incerteza irremovível e inultrapassável relativamente à existência e concreta expressão do desvio entre o valor da indicação e o valor padrão, inerente às medições ainda que efectuadas por alcoolímetros que obedeçam a todas as normas regulamentares, constitui fundamento para que se proceda - por aplicação dos princípios e regras probatórias que regem o processo penal - ao desconto do valor do erro máximo admissível definido no quadro anexo à Portaria nº 1556/2007 ao valor de TAS indicado no talão emitido pelo alcoolímetro.”
2.3 Nesta conformidade não tendo por verificado o apontado vício do erro notório na apreciação da prova inexiste fundamento para modificação da matéria de facto como vem pretendido. [11]
Inexistindo alteração do quadro fáctico, não se vê fundamento para qualquer alteração ao nível da decisão de direito.
III. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em:
a. Rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso relativo ao despacho de indeferimento;
b. Julgar improcedente o recurso relativo à sentença condenatória.

Sem tributação.

Porto, 13 de Janeiro de 2010
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus

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[1] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2ª Ed. Actualizada, Universidade Católica Editora, Lx. 2008, pag.986
[2] “A discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso” Acórdão de Uniformização do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2009
[3] Divergindo na atitude processual, vide Ac. RP 04.11.2009, Recurso 264/09.6PBMAI.P1//Relator: Moreira Ramos, www.dgsi.pt/jtrp
[4] Vide, ainda: Artigo 153º/1 do Código da Estrada aprovado pelo DL 114/94 de 3/5 (revisto e republicado pelos DL 44/2005 de 23/2 e DL 113/2008 de 1/7)
[5] Aprovado pela Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro
[6] Alcoolímetros: “os instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” Artigo 2º da Portaria 1556/2007 de 10/12
[7] Artigo 5º da Portaria 1556/2007 de 10/12
[8] Circular 101/2006 do CSM.
[9] Director Geral de Viação a quem compete – recorde-se -, nos termos do Artigo 12º do Decreto Regulamentar nº24/98 de 30/10, aprovar, por despacho, os analisadores que podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado.
[10] Excertos igualmente transcritos no AC. de 26.11.2008 do T. R. do Porto [Recurso penal 2537/08-1ªSec. - Relatora: Exma Juíza Desembargadora Maria Leonor Esteves] cuja fundamentação, por inteiro, aqui se subscreve.
[11] No sentido exposto, mais recentemente: Ac. RP 09.12.2009 Rec. 531/09.7GAVNF.P1 (Relator: Mário Vargues) Ac.RP 16.12.2009 Rec. 82/09.0GCAMT.P1 (Relator Francisco Marcolino), ambos www.dgsi.pt/jtrp