Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5777/15.6T9MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
CRIME DE DIFAMAÇÃO
AGRAVAÇÃO
POLÍTICO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E INFORMAÇÃO
LIMITES
Nº do Documento: RP201903275777/15.6T9MTS.P1
Data do Acordão: 03/27/2019
Votação: MAIORIA COM 1 DECLARAÇÃO VOTO
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL(CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO RECURSO DO ASSISTENTE E NEGADO PROVIMENTO AO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º13/2019, FLS.152-182)
Área Temática: .
Sumário: I – É frequente que no debate político se imputem, de forma polémica, determinadas intenções maléficas a adversários políticos.
II – Porém, não havendo qualquer fundamento sério para a imputação em causa, estaremos perante a imputação de factos desonrosos que, sendo matérias de interesse público, são conscientemente falsos.
III – Não é crível que o arguido se considerasse legitimado para imputar ao assistente desonrosos conscientemente falsos apenas porque este se dedica à vida política, não estando legitimado para o fazer, quanto aos mesmos factos, em relação à sociedade de advogados de que este era director, o que nos remete para a existência de erro notório na apreciação da prova.
IV – Na verdade, não é do senso comum, e não exige conhecimento da doutrina e da jurisprudência, que a imputação a qualquer pessoa de factos desonrosos conscientemente falsos, seja ele político ou não, integra a prática de um crime de difamação.
V – Tal conduta não poderá ser albergada pela interpretação restritiva do TEDH no tocante à liberdade de expressão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso penal no processo nº 5777/15.6T9MTS.P1
1. Relatório
No processo nº 5777/15.6T9MTS do Tribunal Judicial de Matosinhos, Juízo Local Criminal de Matosinhos, J1, foi em 12/06/2018 depositada sentença com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto, o Tribunal decide:
a) absolver o arguido B… da prática de um crime de difamação agravada, p..p. pelas disposições conjugadas dos artºs 180°, n° 1 e 183°, n° 2 e 184° do Cód. Penal (crime relativo ao assistente C…);
b) condenar o arguido B… pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p.p. pelas disposições conjugadas dos artºs 187°, n°s 1 e 2, al. a), este último por referência ao artº 183°, n° 2, todos do Cód. Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €20,00 (vinte euros), num total de €4.000,00 (quatro mil euros);
c) julgar improcedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante C… e, em consequência, absolver B… do pedido contra ele formulado;
Condena-se este demandante C… na totalidade das custas cíveis relativamente a este pedido.
Valor da causa: €50.000,00.
d) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o Pedido de Indemnização Civil deduzido pela demandante D… & Associados, RL e condenar o demandado B…, a pagar à demandante D… a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), valor acrescido dos juros moratórios, vencidos e vincendos, computados a partir da notificação do PIC e até efetivo e integral pagamento, contabilizados sobre aquele valor de €5.000,00, juros computados à taxa anual legal aplicável aos juros civis e que atualmente é de 4% ao ano, sendo o demandado absolvido da restante parte do pedido.
Mais são a demandante e o demandado condenados nas custas cíveis deste pedido, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 10% para o demandado e 90% para a demandante.
Valor da causa: €50.000,00.
f) Condenar o arguido nas custas penais e demais encargos, fixando em 5 Uc o valor da taxa de justiça penal.
Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C.»
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2. Fundamentação
A- Circunstâncias com interesse para a decisão
Pelo seu inegável interesse para a decisão a proferir, passamos de seguida a reproduzir a sentença recorrida no que respeita à decisão de facto e subsunção dos factos ao direito:
«II. Fundamentação de Facto
a) Factos Provados
Da Acusação Pública
1. O assistente C… é advogado, portador da cédula profissional n° ….., encontra-se inscrito na Ordem dos Advogados desde .. - .. - 1994 (como advogado após estágio) e, pelo menos em 2014 e 2015, exerceu a sua atividade na sociedade de advogados D… & Associados, RL (também assistente neste processo e doravante apenas designada por “D…”).
2. A assistente D… é uma sociedade de advogados registada na Ordem dos Advogados com o n° ../89 desde .. - .. - 1989.
3. O arguido foi comentador habitual às segundas-feiras, no programa "E…" que é exibido no canal de televisão denominado "F…".
4. No dia 25-05-2015, cerca das 20h28m, aquando da exibição do referido programa, a propósito da construção da ala G1… do Hospital G… que iniciou e depois parou, o arguido comentou tal assunto, tendo proferido as seguintes palavras:
“Entrevistador: Professor, vamos ao tema de hoje, que é um tema complicado, é a construção da ala pediátrica do Hospital G… pela associação “H…”, da qual o professor é o presidente, começou e parou. O que é que aconteceu?
Arguido B…: começou e parou. I… a política meteu-se no meio. Esta obra, que é uma oferta de todos os portugueses congregados na associação de que eu sou presidente, uma oferta mecenática em que a associação paga a obra a duas construtoras que se associaram também com espírito mecenático a esta obra (a J… e a K…) que é dada, oferecida, ao Hospital G….
Mas a política meteu-se no meio.
Entrevistador: de que forma?
Arguido B…: veio sob a forma de uma sociedade de advogados D…, de que é Diretor o Dr. C…, político e eurodeputado do L….
Foi basicamente a produção deste documento pela sociedade de advogados que é Director o C… que levou o hospital G… a paralisar a obra com medo das consequências, sobretudo um dos administradores que ficou muito preocupado. O presidente do Hospital é um grande entusiasta desta obra, mas uma das coisas que a sociedade de advogados D…, do Dr. C…, produziu foi dividir a Administração do Hospital G… em torno desta obra.
Entrevistador: E porquê?
Arguido B…: exatamente, porquê??? O Dr. C… é um político. Um político partidário. E os partidos são para partir, para dividir. E já começaram a dividir. E para destruir. Quem parte é sinónimo, frequentemente, de destruição, portanto, querem-se opor a esta obra.
Aparentemente, e embora eu sempre tenha conduzido esta obra juntando todos os portugueses (ninguém está excluído, as instituições do Estado não estão, nenhum político está excluído), eu tinha o receio desde o início, que se está a materializar, que há certos políticos que, embora façam muitos apelos à sociedade civil, quando a sociedade civil se põe a fazer uma obra destas, a oferecer esta obra ao Hospital G…, no valor de 20 milhões de euros (uma obra que competiria ao Estado, e, portanto, aos políticos, ter feito), eles sentem que esta obra os faz parecer mal. Eles sentem que esta obra (porque no fim de contas são os políticos, incluindo o Dr. C… que, aliás, até pertence ao partido do governo – quero fazer aqui uma distinção: o Primeiro Ministro esteve no lançamento da primeira pedra, mas como sabe o Dr. C… é de uma fação diferente da fação do Primeiro Ministro, até concorreu contra ele e perdeu quando foram as eleições para a presidência do L… aqui há uns anos).
E, portanto, o Dr. C… e a sua sociedade de advogados produziram um documento que paralisou a obra. Este documento, sob a aparência de ser um trabalho jurídico, é na realidade uma palhaçada jurídica. Portanto o que paralisou a obra é um documento produzido pela sociedade do Dr. C…, e de que ele tem conhecimento porque ele é o patrão aqui no Porto e que na realidade é uma palhaçada jurídica.
Eu quero, em primeiro lugar - se o F… me permitir -, convidar o Dr. C… para na próxima segunda-feira (até porque é dia Mundial da Criança e as crianças estão lá metidas no barracão e o Dr. C… quer contribuir para que as crianças continuem metidas no barracão em lugar de ter uma instalação condigna de cinco andares que nós estamos – a comunidade portuguesa – se está a juntar para oferecer ao Hospital G…), eu queria convidar o Dr. C… para discutir comigo esta palhaçada jurídica, aqui, na segunda feira. Eu não vou entrar nos detalhes do documento, apenas afirmar que o documento paralisou a obra (está paralisada há 4 semanas).
Entrevistador: mas com que interesse professor?
Arguido B…: ó I…, isso teremos de lhe perguntar a ele. Já mencionei um argumento possível. Ele interpretar que esta obra, dada pelos cidadãos (uma obra que pertenceria ao Estado pagar) faz parecer mal os políticos. Embora eu sempre tenha dito que a minha posição como presidente da associação não excluía ninguém.
Há outra. Isto vem a propósito da promiscuidade entre política e negócios ou atividade profissional, neste caso juristas (de alguns, não são todos, evidentemente!).
O que é que isto significa? O Dr. C… é um exemplo acabado no fim de contas ele é um politico e ao mesmo tempo está à frente de uma grande sociedade de advogados. É preciso capacidade. Ainda por cima é político Eurodeputado, está muito tempo no estrangeiro, o que é que isto significa? Como político anda certamente a angariar clientes para a sua sociedade de advogados, clientes sobretudo do Estado: Hospital G…, Câmaras Municipais, Ministérios disto e Ministérios daquilo. Quando produzem um documento jurídico a questão que se põe é: este documento é um documento profissional de um jurista profissional ou, pelo contrário, é um documento político para compensar a mão que lhes dá de comer?
Tudo pode acontecer! E neste caso, desta palhaçada, é um documento político para compensar a mão que lhes dá de comer.
Porque, de facto, há políticos (e eu falo com conhecimento de causa) que olham para esta obra que nós andamos generosamente a entregar ao Hospital G… (e à qual eles se podiam associar) como uma obra que os faz parecer mal. Por isso se opõem a ela. Será certamente o caso do Dr. C….
Há ainda outra dimensão.
O grande jantar de gala que se realizou há um mês no …, que reuniu 300 pessoas, cada mesa custava 8.000 euros. Nas semanas que antecederam fui convidar várias instituições da cidade. Quase todas aderiram. As principais a M…, ali na N…. O Presidente O… recebeu-me e disse-me “Óbvio! A M…? esta obra é tão importante para a nossa cidade, para as nossas crianças, não apenas para a cidade, para todo o norte do país, e em última instância para todo Portugal (porque o Hospital G… serve todos os portugueses), que a M… não pode estar ausente!”. E ele disse-me “sim senhor, pode contar com a mesa”, significando 8.000 euros. Divulgaram ainda entre os seus associados, vieram ainda outras empresas que estiveram presentes no jantar, a pagar 1000 euros por pessoa, 8.000 por mesa.
Fiz o mesmo com a Associação P…. E com muitas outras. Na Associação P… foi recebido por um jovem diretor – Dr. Q… - que se mostrou imensamente sensível a esta obra (um homem com trinta e tal anos, com filhos pequenos), de tal modo sensível que ele disse-me “eu agora tenho de apresentar à direção”, mas ele mostrou-se de tal modo sensível que eu saí de lá convencido que a Associação P… também estaria presente. Uns dias antes do jantar recebi um telefonema dele a dizer “olhe, lamentavelmente, a Associação P… não vai estar presente”. Para mim foi a maior deceção. A ajuda não tinha de ser apenas em presença e dinheiro, poderia ser divulgando junto dos seus associados. Não mexeram um dedo. Foi a ausência que mais me chocou. Tanto que eu, entretanto, tinha andado a dizer junto de outras empresas que visitava, e até em Lisboa, “as principais instituições da cidade estão presentes”. E mencionava frequentemente a Associação P…, que, à última da hora, disse que não.
Fiquei tão penalizado que ainda ontem – é genuíno, eu pensava nisto – e fui à internet, interrogando-me assim “mas quem é que terá tomado esta decisão? Quem é a direção da Associação P…?”, que eu de facto não sabia, fui recebido por aquele senhor que me tratou muito bem. E então não é que está lá também o Dr. C… e mais outro jurista da mesma sociedade de advogados?
Foi nesse momento, ontem à noite, que eu decidi qual seria o tema do meu comentário hoje.
Entrevistador: qual é o argumento para bloquearem a obra, professor?
Arguido B…: Eles inventam umas palhaçadas. O argumento é uma palhaçada, que eu convido a vir aqui discutir comigo perante si e à frente dos nossos telespetadores, para vermos se isto é um argumento jurídico sério, ou se é uma palhaçada.
Basicamente é o seguinte: a associação contrata com as construtoras, por aqui está tudo bem. E oferece, dá, desde a primeira pedra, ao hospital G…. Isto até já tinha sido aceite pelo Secretário de Estado. Eu fui pedir ao Secretário de Estado para o Estado – o Hospital G… – aceitar a obra. E foi isto. Vem a D…, os advogados, o Dr. C… dizer assim "a Associação não pode dar a obra ao hospital”. “Não pode dar?”. Ó I… a Associação não pode dar a obra ao hospital?!? Não cabe na cabeça de ninguém, pois não?
E então conceberam um esquema, e aqui é que começa a palhaçada, em que o hospital cede o espaço para a associação fazer a obra, se a partir de certo momento a obra for interrompida (o que é possível, pode temporariamente não haver dinheiro para a continuar, não se esqueça que são 20 milhões, está previsto, e as construtoras aceitam parar até a obra ou trabalhar mais devagar, sem qualquer penalização para a associação, que foi das grandes concessões que as construtoras fazem), metem-se ali numa baralhada jurídica, em que, em última instância, o hospital G… se reserva ao direito de pôr a associação em Tribunal! Ó I…, o Hospital G… nesta palhaçada jurídica da D… e do Dr. C…, reserva-se ao direito de pôr a associação e as construtoras (que são os mecenas), I…, em Tribunal! E reserva-se o direito de rapinar a obra da associação, dar um pontapé na associação!
Ó I…, eu tenho atrás de mim o progresso, nós estamos a atingir o primeiro milhão de euros, que normalmente é o mais difícil. Trouxemos duas construtoras que fizeram imensas concessões, já tenho um banco disponível para financiar a obra, no dia 8 de junho encontro-se com outro banco ao mais alto nível – é o S…. O presidente do S… – O Dr.T… – e o presidente da Fundação S… juntos vão-me receber (já falei com o presidente da Fundação S…, foi ele que arranjou um encontro, porque eu pedi um financiamento humanitário, e daí estarem as duas mais altas pessoas da estrutura do S… a receber-me), e depois de todo este esforço, aparecem uns fulanos destes, uns politiqueiros de segunda categoria a meterem-se à frente de uma obra que e uma obra boa! Uma obra para crianças!
Entrevistador: Mas vislumbra aí algum interesse escondido?
Interesses políticos. Não deixar que seja a associação a fazer a obra para que eles um dia… para que os cidadãos não digam “olhem os políticos não fazem nada”, é a associação, no sentido de que é a comunidade portuguesa.
Eu quero dizer uma coisa ao Dr. C… e a todos os C… que vierem a seguir no sentido de impedirem esta obra.
Eu, congregando todos os mecenas, e é assim que estou comprometido com eles, eu vou fazer esta obra! Só passando por cima do meu cadáver é que eu não farei esta obra. O I… perguntará: “isso de passar por cima do cadáver é uma figura de retórica? Estaria disposto a dar a sua vida, pronto a dar a sua vida por esta obra? Estou! Eu sinto! Eu sinto, I…. O que vou dizer não é universal, o I… até pode achar que não tem sentido nenhum. Mas eu sindo que nesta fase da minha vida esta obra foi uma missão que Deus me encomendou. E eu prometi a Deus que cumpriria esta missão. Eu vou cumpri-la! Não será nenhum politiqueiro de segunda categoria, nem juristas de vão de escada que me vão impedir de fazer esta obra!
Está parada. Vai recomeçar. Na segunda feira, de hoje a 8 dias, espero que o Dr. C… aceite o meu convite. É dia Mundial da Criança. Voltarei a falar cobre crianças e sobretudo sobre aquelas, muitas acabaram de nascer, muitas não vão viver muito tempo, e que estão ali num pavilhão, num barracão, uma instalação de contentores. Quero ter uma mensagem final para as mães: em primeiro lugar para as mães do Porto, porque o Hospital G… é um hospital do …. E em segundo lugar para todas as mães do norte. Porque o Hospital G… é um hospital central do norte. E em terceiro lugar para todas as mães portuguesas. O hospital G… é um hospital português, atende todas as crianças. Os vossos filhos podem, numa situação aflitiva, virem parar ao hospital G…. Se quiserem que eles continuem a ficar internados num barracão; se quiserem que as condições para as mães que os acompanham – e há muitas que não largam as cabeceiras dos filhos – sejam nulas (não há condições para cuidarem sequer da vossa higiene pessoal, se lá estiverem) não tem nada que enganar. Nas próximas eleições votem no Dr. C… e no partido a que ele pertence”.
5. Ao proferir as expressões acima mencionadas, o arguido agiu com o propósito conseguido de humilhar e ofender a honra, a consideração e o caráter político de C…, sabendo que também atingia indiretamente o seu brio profissional de advogado, factos que o arguido conhecia.
6. No que respeita ao assistente C…, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
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Da Acusação Particular da D…
7. A D… & Associados, RL é uma sociedade de advogados, registada na Ordem dos Advogados com o nº ../89, desde .. - .. - 1989, possuindo instalações e escritório na cidade do Porto desde há mais de 25 anos, sendo certo que no presente ano de 2017 a entidade espanhola que lhe deu origem celebra o seu centésimo aniversário.
8. A assistente D… é uma sociedade de advogados muito conhecida em todo o território nacional nos meios forenses — nos tribunais e entre os advogados.
9. O seu escritório no Porto é referencial do ponto de vista da prestação dos serviços da advocacia, conhecido e reconhecido como é pelas qualidades e competências profissionais dos advogados que o integram e pela seriedade, honestidade e probidade dos mesmos.
10. Por isso, granjeia a assistente da credibilidade, do prestigio e da confiança, dos seus clientes, pessoas individuais e coletivas, bem como dos seus pares, dos tribunais, e de todos aqueles com quem priva, contacta ou que a conhecem.
11. Tudo o que o arguido conhecia e sabia, isto é, que a assistente D… como sociedade de advogados notoriamente conhecida na cidade do Porto e no país nos meios forenses, e com vários milhares de clientes, granjeia e conserva credibilidade, prestígio e confiança que lhe são reconhecidos pelos clientes, colegas e demais entidades que com ela lidam.
12. Sabia o arguido que, ao proferir as expressões acima mencionadas no número 4. dos factos provados, ofendia a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à assistente,
13. o que mais fez sabendo que factos que por aquele meio foram propalados eram falsos.
14. Ao proferir as expressões e ao afirmar e propalar factos inverídicos a propósito da D…, no comentário acima mencionados no número 4. dos factos provados, o arguido agiu com o propósito conseguido de ofender credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à assistente.
15. Tudo o que o arguido sabia que iria lograr, sendo sempre passível de o conseguir, face à verbalização de tais expressões e factos inverídicos.
16. No que respeita à assistente D…, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas e proibidas por lei penal.
Do PIC do demandante C…
17. O demandante C…. é também:
- professor convidado da Escola U… da Faculdade U1.1…., da Universidade U…,
- professor da V1…, Escola … da Universidade V…;
- convidado para lecionar um seminário na U2…;
18. O demandante exerceu sempre a sua atividade de advogado, sendo conhecido e reconhecido como advogado e jurista de alto mérito, quer pelos seus saber, conhecimentos de direito e competência técnica, mas também pela elegância, capacidade intelectual, honestidade, retidão e independência com que exerce essa profissão e os mandatos que lhe são confiados.
19. É também conhecido e reconhecido como investigador e ensaísta, fundamentalmente nas áreas do direito constitucional e do direito administrativo e ensaísta ao nível da intervenção cívica, sendo autor de livros e inúmeros artigos nas áreas do direito administrativo, do direito constitucional, do direito judiciário e do direito europeu, publicados em revistas e em coletâneas várias.
20. O demandante C…:
- foi membro do Conselho de Redação da revista Jurisprudência Constitucional, do Conselho Editorial da Universidade U… e é membro do Conselho Estratégico do Instituto de Estudos Políticos da Universidade U….
- é membro da Direção da Associação P…, desde 2001, e do Conselho de Administração da Fundação W…, desde 2010.
- foi Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça do … Governo Constitucional.
- foi distinguido com o Prémio …, da Universidade U… (….) e com o Prémio …, do Conselho da Europa (…).
- foi condecorado pela República Federal da Alemanha, em …., com Grã-Cruz com a estrela da Ordem do Mérito concedida em …. (…).
21. O reconhecimento pessoal, profissional e académico que lhe é dispensado não se circunscreve à cidade do Porto, onde tem sediada a sua atividade profissional e académica e onde reside, mas estende-se a todo o país, reconhecimento esse que granjeou à custa do trabalho que de forma esforçada, abnegada, profunda, reflexiva e repetida vem desenvolvendo nas áreas do direito, especialmente nas acima referidas, há mais de 20 anos
22. Para além disso o assistente é pessoa de bem, séria, humilde e muito trabalhadora, de grande aprumo moral e ético, afável, sensível e educada, respeitador do próximo, independentemente do estatuto social, económico ou cultural.
23. É, ainda, pessoa solidária e genuína para com os mais carenciados, sendo inúmeros os donativos e apoio monetário que dispensa a quem o procura e amigo do seu amigo, sempre disponível para ouvir e ajudar quem dele precisa, tanto em opiniões jurídicas, como noutros assuntos, também pelo bom senso que o caracteriza.
24. Como consequência directa e necessária das expressões proferidas pelo demandado a seu respeito, o demandante sentiu-se vexado e humilhado publicamente, com alteração de humor, que passou a ser triste em alguns períodos, irritabilidade, desgosto, a par da natural revolta, o que teve interferência no seu quotidiano e no seu descanso, atentas as imputações e as qualificações insultuosas efetuadas.
25. As expressões proferidas chegaram ao conhecimento de mais de 9.500 espectadores que assistiam ao programa televisivo em causa, e ainda de todos quantos foram sabendo, por comentários e conversas posteriores, do ocorrido, pois que a entrevista acima descrita ainda hoje continua disponível na internet para visualização pública através do endereço http://F....sapo.pt/noticia/60141/, onde já teve mais de 2000 visualizações, tendo depois sido espalhada e reproduzida em blogues.
26. O demandante foi confrontado por pessoas, em diferentes ocasiões, locais e circunstâncias, durante semanas que se seguiram à entrevista, no sentido de saber da razão da sua suposta oposição à referida construção, bem como qual a forma pela qual havia alegadamente impedido a referida construção e outrossim sobre o que teria dado azo às expressões proferidas pelo demandado, abordagens essas incómodas, perturbadoras e constrangedoras para o demandante.
27. Factos esses que ofenderam e fizeram sofrer o demandante porquanto lesam e denegriram a sua imagem.
28. O demandado tem formação académica do ensino superior, é professor universitário, comentarista público, em programas de televisão, artigos de jornais e escritos vários.
29. Sendo ainda a face de conhecidas sociedades de gestão de patrimónios, designadamente a B… - SGPS, S.A., com o capital social realizado de 3.945.000,00€ e da B… - Gestão de Patrimónios, S.A, com o capital social realizado de 5.000.000 €, da qual é principal acionista e Presidente do Conselho de Administração, sociedades estas, além de outras, sediadas numa das mais conhecidas …, a Avenida …, num emblemático e valioso edifício.
Da contestação
29. A. Na minuta de acordo apresentada pela D…, o Hospital teria apenas de ceder o espaço, competindo à associação obter as licenças de construção.
29 B. A associação criada pelo arguido para a construção da ala pediátrica (H…) tinha estatuto de utilidade pública.
Da … dos factos
30. No dia 29/04/2015, às 19:35, o arguido enviou o seguinte email ao “Dr. X…”:
“Caro Dr. X…,
Apreciaria muito ter o seu parecer sobre o assunto seguinte:
Juntamente com o contrato de empreitada entre a Associação H… e o consórcio J… - K…, que há muito está assente, o Hospital G… pretende, coincidentemente, assinar com a Associação e o consórcio o Protocolo Tripartido em anexo.
Que lhe parece?
31. Em resposta, o “Dr. X…” enviou, no dia 29/04/2015, às 22:46, o seguinte email ao arguido:
“Boa noite, caro Prof. B….
Vi o referido "protocolo tripartido". Em geral:
Pareceu-me um documento especialmente pesado de responsabilidades para o H…, ficando este em contraste desfavorecido relativamente ao G… Pareceu-me que o H… só tem deveres e o G… só tem direitos (para lá da obrigação de ceder temporariamente o local e o projecto). Desculpará que lhe diga, mas este desequilíbrio pareceu-me ser manifesto, injusto e ingrato. Fiquei com a sensação de estar perante um trabalho de advogados do G… que, naturalmente, pretenderam valorizar e acautelar a posição do G… e sobrecarregar a posição do H… (Estarei a ver mal? Não terei o conhecimento dos meandros da negociação?)”.
32. Tendo então o arguido respondido ao aludido “Dr. X…”, com um email, datado de 29/04/2015, às 23:24 horas, com o seguinte teor:
“Caro Dr. X…. Fico-lhe muito agradecido.
A sua opinião é inteiramente coincidente com a minha.
E esta versão do Protocolo já está aliviada de várias cláusulas especialmente agressivas (ofensivas) que constavam da primeira versão
Notará que o nosso contrato com as construtoras, que foi submetido ao escrutínio cerrado do G… , é muito generoso para connosco e para com o G… (v.g .. as construtoras abdicam do direito de retenção).
Pelo contrário, o Protocolo não é apenas pesado (ingrato, como disse) para connosco, mas também para com as construtoras. O G… reserva-se o direito, se a obra parar durante um certo número de meses (uma hipótese provável se faltar o dinheiro), de afastar quer a Associação quer as construtoras, e entregar a continuação da obra a quem muito bem entender (Y…, muito seguramente). Quer dizer a J… e a K… fazem a parte difícil, começar a obra sem garantias de pagamento, fazé-la à medida que haja dinheiro (sem quaisquer penalizações por interrupções), etc, e uma vez estando a obra iniciada, e haja interrupção por certo tempo, o G… reserva-se o direito de a "rapinar" (literalmente) a obra, afastando a Associação e o consórcio J… - K… ficando com ela e entregando-a a quem entender.
É demais. O mecenato tem limites.
Hoje, fui obrigado a adiar pela segunda vez a assinatura dos contratos de empreitada, mecenato, fiscalização, etc. prevista para amanhã, por causa deste Protocolo, acerca do qual não há acordo (os juristas da K…, para quem esta obra já de si foge totalmente às regras de uma multinacional, não aceitam de maneira nenhuma) E eu, embora inclinado a assinar, sinto este Protocolo como uma ofensa. Na versão inicial até a obtenção de licenças recaía sobre a Associação.
Para já o Presidente do G… parece estar connosco e a lutar sozinho. contra a sua própria máquina. Mas já perdemos dois meses. E eu não estou certo de conseguir aguentar a generosidade das construtoras sine die.
Tenho um Plano B, acerca do qual gostaria de obter o seu conselho, no caso de não se obter acordo sobre este Protocolo.
Para já, fico-lhe muito grato por me ter atendido e me ter permitido falar sobre um assunto que me anda a incomodar há semanas.
Quero, no entanto, garantir-lhe que esta obra se vai fazer Tem a minha palavra de honra”.
33. O arguido não tem antecedentes criminais.
34. Neste momento aufere cerca de 2500 euros mensais da sua profissão e tem casa própria.
35. É pessoa respeitada pela carreira académica, pelo êxito profissional e por abraçar causas solidárias e o comentário referido no número 4. dos factos provados ocorre num momento de tensão, para o arguido, pelo facto das obras para a construção da ala pediátrica não avançarem.
b) Factos não provados
Da acusação Pública
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B – Fundamentação de direito
Tendo presente o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu das respetivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, passamos a analisar as questões suscitadas nos recursos:
Como questão prévia, analisaremos a questão, suscitada pelo assistente, da omissão de pronúncia;
Em relação ao recurso interposto pelo arguido, analisaremos a questão, por ele invocada, da eventual insuficiência de factos provados para conduzir à condenação proferida pela sentença recorrida.
Quanto ao recurso interposto pelo assistente, analisaremos a questão do eventual erro notório na apreciação de facto (quanto à consciência da ilicitude por parte do arguido) e a questão de saber se as expressões proferidas pelo arguido estão, ou não, cobertas pela tutela da liberdade de expressão.

a) O assistente C… alegou que a sentença recorrida enferma de omissão de pronúncia porquanto não conheceu dos factos que constavam dos números 6, 7, 8 e 9 da acusação particular deduzida pelo assistente, ora recorrente.
Na perspetiva do assistente, C…, a prova de tais factos implicaria necessariamente a prova do facto constante do ponto 4 dos factos dados como não provados na sentença recorrida, relativo à consciência da ilicitude do arguido.
Na verdade, entende o assistente, que o facto fulcral que determinou a absolvição do arguido contende com ausência de prova de que:
«No que respeita ao assistente C…, o arguido bem sabia que as suas condutas eram punidas e proibidas por lei.»
O Sr. Juiz que elaborou a sentença recorrida veio responder à arguição de nulidade nos seguintes termos:
«Neste processo foi proferida sentença que absolveu o arguido do crime imputado pelo assistente C….
O assistente veio interpor recurso.
No recurso interposto, subsidiariamente, veio invocar a nulidade da sentença, por o Tribunal não se ter pronunciado sobre os seguintes factos:
- Art. 6 – Acresce que os propósitos que o arguido imputou ao assistente e os processos de intenção que formulou, designadamente de o querer bloquear a obra através de um documento jurídico cuja autoria lhe atribuiu, qualificando-o, ao documento, de palhaçada jurídica, e ao assistente de jurista de vão de escada, documento esse elaborado para satisfazer interesses pessoais do assistente e “daqueles que lhe dão de comer”, são, não só absolutamente falsos, como gratuitos e objectivamente ofensivos“;
- Art. 7 – Nomeadamente porque os documentos em causa, minutas de um contrato designado por “acordo” que aqui se juntam como docs.1 e 2, não foram a causa do bloqueio da obra, o qual inexistiu, não reservavam o direito ao Hospital G… de “rapinar a obra da associação” e também porque o assistente, através desses documentos por qualquer outra forma, não havia manifestado qualquer oposição à construção da ala pediátrica do Hospital G… pela Associação H… ou sequer comentado negativamente essa ideia.
Art. 8 – Considerou, por isso, o arguido, através das expressões proferidas, que o assistente era uma pessoa que, enquanto advogado, elabora documentos jurídicos na medida dos seus interesses pessoais e políticos, ou na medida dos interesses da “mão que lhe dá de comer”, e não da forma independente, proba, honesta e recta, como é dever e apanágio dos advogados, e são-no do assistente.
Art. 9 – Aliás, o arguido, em coerência e repetição dessa sua intenção deliberada e concretizada de ofender o assistente, publicou, em 22 de Dezembro de 2016, no blog denominado Algol Mínima, sob o título “Parece que o C… vai emigrar de vez”, um texto, por si elaborado com o seguinte teor:
“Cheguei à televisão e desanquei-o só pela razão de que em virtude da situação de conflito de interesses em que se encontrava, se pôs e à sua sociedade de advogados no caminho de uma obra que estou a fazer.
Convidei-o para ir lá rebater as aminhas afirmações, mas como é um cobarde nem deu sinais.
Pois este parolo, teve o desplante de me pôr um processo em tribunal porque eu lhe ofendi a honra – que é uma coisa que eu só sou capaz de ofender a quem a tem – ao mesmo tempo que com pezinhos de lã, se demitia de director da sociedade de advogados, reconhecendo a verdade das minhas afirmações.”
A falta de indicação de determinados factos na sentença originaria nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379º, nº1 al.c) do Cód. Proc.Penal.
Antes de enviar a sentença ao Tribunal superior, pode o Tribunal, sustentar ou reparar a nulidade, se esta existir (cfr. 414º nº4, do CPP, aplicável ex vi art. 379º nº 2, in fine CPP).
Entende o Tribunal, no entanto, sustentar a sua decisão.
Com efeito,
a) o teor do aludido artigo 6º da acusação particular, manifestamente é conclusivo e não selecionável ( designadamente, o Tribunal é que iria ou não qualificar o trabalho da D… como sendo, ou não, uma palhaçada jurídica?);
b) o teor do art. 7º está contido no nº13 dos factos provados na sentença
(“13. o que mais fez sabendo que factos que por aquele meio foram propalados eram falsos.”)
c) o teor do art. 8º está contido, por partes :
- no numero 18. dos factos provados da sentença
(18.O demandante exerceu sempre a sua atividade de advogado, sendo conhecido e reconhecido como advogado e jurista de alto mérito, quer pelos seus saber, conhecimentos de direito e competência técnica, mas também pela elegância, capacidade intelectual, honestidade, retidão e independência com que exerce essa profissão e os mandatos que lhe são confiados), e
- no número 3 dos factos não provados
(3. Ao proferir as expressões acima mencionadas, o arguido agiu com o propósito direto e imediato de ofender o brio profissional de advogado de C…); e
- no número 6 dos factos não provados
(6. O arguido estava convencido da veracidade das afirmações que proferiu, no que respeita ao envolvimento de C… e da D… na criação de dificuldades, por razões políticas, à construção da ala pediátrica do Hospital G…)
d) os factos indicados no artigo 9º, manifestamente, são irrelevantes e não devem ser seleccionados. O que está em causa neste processo é a conduta do arguido no dia 25/05/2015.
É completamente irrelevante, para este processo, o que o arguido possa, ou não ter feito, no dia 22/12/2016 (factos que, inclusive até podem dar origem a outro processo).
Ora, o Tribunal ao selecionar os factos,
- não deve selecionar aqueles que extravasam o objeto do processo e que, por isso, são irrelevantes para este processo (como sucede com os factos presentes no artigo 9º da acusação particular do assistente C…);
- e também não lhe é exigível que, se os mesmos factos forem alegados várias vezes com diferentes palavras, os tenha de enunciar várias vezes na sentença (num julgamento em que existam vários arguidos, ou vários assistentes, se cada um deles enunciar os mesmos factos, com diferentes palavras, o Tribunal teria de selecionar e enunciar várias vezes os mesmos factos?).
É por isso, aliás, que o assistente, no recurso, primeiro pede a condenação. E depois vem alegar a nulidade, subsidiariamente, como se os factos relevantes o pudessem ser relevantes “subsidiariamente” e uma sentença fosse “subsidiariamente nula”. Ora, os factos ou são relevantes e foram selecionados ou não são relevantes e não devem ser selecionados. E uma sentença ou é nula, ou não é.
E neste caso, pelas razões expostas, entendemos que a sentença não padece do vício da nulidade invocada.
Em todo o caso, melhor decisão será sempre a de V.Ex.as, como é de JUSTIÇA.»

Os factos da acusação particular que teriam sido omitidos foram transcritos no despacho de sustentação, estando, por isso, reunidos todos os elementos necessários para apreciar a questão suscitada, o que cumpre fazer como questão prévia.
A enumeração dos factos provados e não provados deve incluir os factos submetidos à apreciação do tribunal que sejam relevantes para a apreciação do mérito da causa como dispõe o nº2 do art. 368.º do Código de Processo Penal.
Porém, ao selecionar os factos, o Tribunal deve excluir conclusões e conceitos jurídicos, assim como deve evitar repetições.
Ora, as expressões que o arguido proferiu no dia 25 de maio de 2015, durante a exibição do programa “E…” do canal de televisão denominado “F…”, estão relatadas no ponto nº4 dos factos dados como provados, da acusação pública, pelo que, aí se contêm as imputações que concretamente foram feitas pelo arguido, para além do que o remanescente do art. 6º da acusação particular formulada pelo assistente mais não contém do que conclusões que não devem constar da matéria de facto assente.
Que o arguido sabia que os factos não eram verdadeiros resulta do nº 13 dos factos assentes na decisão e ainda facto nº6 dos factos não provados.
Os factos referentes à competência profissional e honestidade do assistente constam do ponto nº 18 dos factos considerados provados, não tendo ficado demonstrado que o arguido tivesse agido com o propósito de ofender o brio profissional do assistente C… – facto nº3 dos factos não provados da decisão recorrida.
Assim, não se verifica qualquer omissão relativamente aos factos alegados nos artigos 6, 7 e 8 da acusação particular do assistente.
Também a circunstância de o arguido ter convidado o assistente para ir ao programa televisivo apresentar a sua versão dos factos está contida no já referido facto nº4 dos factos provados da acusação.
As outras expressões que eventualmente possam ter sido proferidas pelo arguido em data posterior aos factos de 25 de maio de 2015 constituem matéria que se situa fora do objeto deste processo, que poderia dar origem a um outro processo por outro crime contra a honra, sendo que a queixa apresentada contra o arguido não versou sobre as expressões que eventualmente terão sido por ele proferidas no seu blogue em 22 de dezembro de 2016 - mais de um ano depois dos factos participados nos autos.
Assim sendo, tudo visto e ponderado concluímos que não se verifica a invocada omissão de pronúncia suscitada pelo assistente C….
Questão diferente, a analisar de seguida, é a de saber se se verifica, ou não, erro na apreciação da prova quanto ao facto de o arguido saber que a sua conduta, no que se refere ao assistente, era proibida e o fazia incorrer em responsabilidade criminal.

b). No entendimento do arguido recorrente, os factos provados, que, no essencial, se traduzem no segmento das expressões proferidas na entrevista de 25 de maio, não preenchem os elementos do tipo de crime previsto no art.º 187.º, n.ºs 1 e 2, a), do Código Penal pelo qual veio a ser condenado.
Vejamos.
O arguido B… foi condenado pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva p. p. pelo art.º 187.º, nº1, do Código Penal (agravado nos termos do n.º 2, a), do mesmo artigo) que reza assim:
«Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa coletiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.»
Afirmou o arguido que um documento produzido pela sociedade de advogados D…, assistente no presente processo, da qual era diretor o também assistente C…, levou o Hospital G… a paralisar a obra respeitante à construção de uma ala pediátrica que seria levada a efeito pela Associação “H…”, como oferta mecenática, e que isso seria devido a interesse políticos do assistente C…. A assistente não teria atuado com um propósito de defesa do seu cliente, mas com o propósito de satisfazer uma intenção de protagonismo político do assistente C… (porque os políticos ficariam mal vistos pela população quando uma obra socialmente meritória se fica a dever a uma iniciativa da sociedade civil).
Do ponto 32 do elenco dos factos provados constante da sentença recorrida resulta ainda que tal documento teria sido elaborado pelos advogados do Hospital G… para proteção do mesmo, ficando este com reserva do direito “se a obra parar durante um certo número de meses (uma hipótese provável se faltar o dinheiro), de afastar quer a Associação quer as construtoras, e entregar a continuação da obra a quem muito bem entender...”
Tal documento, denominado Protocolo Tripartido, não terá obtido consenso de todos os intervenientes, o que motivou a relatada paralisação da obra.
O que resulta destes factos é que a sociedade assistente era mandatária do Hospital G… e elaborou uma minuta de acordo para ser assinada pela Associação Z….
Atenta a forma como foi levada a efeito a proteção dos interesses do Hospital não terá sido possível o acordo, o que impediu o prosseguimento da obra.
O arguido, nas suas declarações, apesar de conhecedor dos motivos do desacordo, desvirtua-os, alegando que terá sido o Hospital a ficar preocupado com as consequências, quando bem sabia que o Hospital era a parte especialmente protegida como o referido documento jurídico, e que o motivo da paralisação da obra não foi o documento em si, mas antes, a falta de acordo da Associação e das Construtoras, com o protocolo elaborado pela D… que claramente beneficiava o Hospital.
Assim, desvirtuando a verdade dos factos o arguido propalou através de um órgão de comunicação nacional, factos inverídicos com o propósito conseguido de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos à sociedade de advogados assistente.
Tudo o que o arguido sabia que iria lograr, sendo sempre passível de o conseguir, face à verbalização de tais expressões e factos inverídicos.
Estamos perante uma afirmação assertiva, não, como alega o arguido na motivação do seu recurso, uma simples especulação, indagação ou interrogação.
No que respeita à assistente D…, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram punidas e proibidas por lei penal, desvirtuando a verdade dos factos e divulgando-os, apesar de conhecer que não eram verídicos.
Atendendo aos factos provados que ficaram relatados, afigura-se-nos que estão preenchidos todos os elementos, objetivos e subjetivos, do tipo de crime pelo qual foi condenado o arguido e recorrente, nada havendo a censurar nesta parte à sentença recorrida. Estão verificados os elementos do tipo de crime p. e p. pelo artigo 187.º, n.º 1, do Código Penal. Tal crime é agravado, nos termos das disposições conjugadas do n.º 2, a), desse artigo e do artigo 183.º, n.º 2, do mesmo Código, por ser cometido através da comunicação social.
Deverá, pois, ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido.

c). Vem o assistente C… alegar que o arguido deverá ser condenado pela prática do crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1; 183.º, n.º 2; e 184.º do Código Penal, por que vinha acusado.
Considerou a douta sentença recorrida que o arguido deveria ser absolvido da prática desse crime com os fundamentos seguintes.
Deverá considerar-se que as expressões proferidas pelo arguido a que se reporta a acusação estão cobertas pela tutela da liberdade de expressão constitucionalmente garantida. Essa tutela tem uma especial amplitude no âmbito da vida política, onde os limites a essa liberdade são muito reduzidos, como exigência de uma sociedade livre e democrática. Aceitar a liberdade de expressão implica aceitar que ela seja usada para a expressão de ideias incómodas, desagradáveis ou injustas. Quem não quiser estar sujeitos a ataques (mesmo que soezes ou injustos) não deverá enveredar pela vida política; se enveredar deverá pagar esse preço, por exigências da própria democracia. É invocada, nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, com a citação de vários acórdãos. No caso em apreço, estamos perante críticas que se centram na atuação política do assistente (e só indiretamente na sua conduta como advogado). São relativas a factos de interesse público, não da vida privada. Estamos perante um misto de imputação de factos (que não têm, de qualquer modo, a gravidade de um crime) e de um juízo crítico (onde não se coloca uma questão de veracidade ou falsidade, mas de opinião), com predominância deste segundo aspeto.
Vejamos.
Não pode, certamente, ignorar-se a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que é invocada na douta sentença recorrida. Há que evitar, porém, uma invocação abusiva dessa jurisprudência, como se dela decorresse que as exigências da democracia implicam uma tutela absoluta da liberdade de expressão na vida política, contra o que se verifica em geral noutros âmbitos, com sacrifício absoluto do direito à honra dos políticos. Ou seja, quase como se, a vida política se devesse caracterizar, neste campo, pelo “vale tudo”, estivesse desligada, num reflexo de maquiavelismo, da ética e do direito. Não é desse modo que se fortalece a democracia. Pelo contrário, desse modo sai enfraquecida e desprestigiada a atividade política e, portanto, a própria democracia. É verdade que quem envereda pela vida política deve aceitar sujeitar-se a críticas incómodas, eventualmente injustas, mas não tem que prescindir em absoluto da tutela do direito ao bom nome e reputação, direito que também é constitucionalmente garantido (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição). Se essa tutela deixar de existir, muito provavelmente fugirão da vida política as pessoas mais honestas e honradas, as que têm uma mais valiosa reputação a defender, com o que em nada ganha a solidez da democracia. E poderá ser afetado o princípio da igualdade (entre cidadãos que se dedicam à política ativa e cidadãos em geral). O princípio da concordância prática, geralmente invocado em matéria de colisão de direitos, veda o sacrifício absoluto de um dos direitos em conflito, como poderá ser, neste campo, o do direito à honra dos políticos. E também não é aceitável dizer que só o domínio da vida privada escapa ao âmbito da absoluta liberdade de expressão no debate político; a honra, e não apenas a reserva da vida privada, é merecedora de tutela nesse âmbito.
Como deverá, então, conciliar-se o direito à honra dos políticos com a liberdade de expressão e de crítica (essencial numa sociedade livre e democrática)? Há que distinguir, por um lado, entre a formulação de juízos e a imputação de factos. No que se refere à formulação de juízos, há que distinguir entre a crítica de uma atuação ou medida de ordem política (que pode ser injusta ou expressa com modos violentos e descorteses), da crítica que atinge a própria pessoa na sua dignidade de pessoa (para além da crítica à sua atuação). É verdade que, neste aspeto da formulação de juízos, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (como o revelam os acórdãos citados na douta sentença recorrida) nem sempre terá em conta esta distinção. De qualquer modo, o que está em discussão no caso em apreço é saber se as expressões do arguido se devem, ou não considerar, não tanto um juízo de opinião, mas uma imputação de factos.
Como é reconhecido na própria sentença recorrida, os termos amplos que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos confere à tutela da liberdade de expressão no âmbito da vida política dizem respeito à formulação de juízos, não à imputação de factos. Podem ver-se, a este respeito, por exemplo, os acórdãos desse Tribunal Jerusalém c. Áustria, Wabl c. Áustria, Renaud c. França, Pinto Pinheiro Marques c. Portugal e Pais Pires de Lima c. Portugal (todos acessíveis em https//hudoc.echr.int), onde se distingue bem a imputação de factos e a formulação de juízos de valor, não sendo a imputação de factos não verdadeiros coberta pela liberdade de expressão que cobre juízos de valor.
No que se refere à imputação de factos, na vida política como noutros âmbitos, a conciliação entre a liberdade de expressão e de crítica e a tutela do direito à honra concretiza-se através do recurso à causa de justificação especial prevista no artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal. Estatui este artigo que a imputação de factos desonrosos (ou a reprodução dessa imputação) não é punível quando a imputação for feita para realizar interesses legítimos (alínea a)) e o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira (alínea b)). No âmbito político, pode dizer-se que a imputação de factos desonrosos relativos a questões de interesse público (não a questões da vida privada) é feita para a realização de interesses legítimos. E pode dizer-se que será frequente a justificada imputação de factos que se reputam verdadeiros com fundamento sério (sendo que neste aspeto as exigências de um debate político livre e amplo poderão reclamar alguma flexibilidade na consideração da solidez desses fundamentos), mesmo que não seja provada a verdade da imputação. Mas não pode dizer-se que nesse campo é admissível a imputação de factos desonrosos conscientemente falsos. Não o reclamam as exigências da vida democrática; pelo contrário, a mentira consciente não pode deixar de falsear e corromper o debate democrático. E não se justifica alguma violação da igualdade entre os cidadãos neste aspeto da tutela do direito à honra.
Importa, então saber, no que ao caso em apreço diz respeito, se as expressões proferidas pelo arguido configuram, ou não, a imputação ao assistente C… de factos desonrosos. Considera a douta sentença recorrida que estamos perante um misto de imputação de factos e de formulação de um juízo em que tem predominância este segundo aspeto. Não nos parece que assim seja. Há aspetos dessas expressões que poderão configurar a formulação de um juízo, mas há outros que configuram inegavelmente a imputação de factos.
É precisamente porque estamos perante a imputação de factos que, no que diz respeito à assistente D…, o arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. Neste tipo de crime cabe apenas a imputação de factos que representem a ofensa à credibilidade, prestígio e confiança de uma pessoa coletiva (e que poderão ofender a honra de uma pessoa singular quando a esta imputados), não a formulação de juízos relativos a essa pessoa coletiva. E a douta sentença recorrida distingue bem o que são juízos relativos à assistente D… e à sua atuação (quando se fala em “palhaçada jurídica” ou em “advogados de vão de escada”) e o que é a imputação de factos. Esses factos consistem na elaboração de um documento jurídico que impediu a construção da ala pediátrica de um hospital público, quando crianças doentes se encontram instaladas em barracões, sendo esse facto motivado, não pelo propósito de defesa do Hospital G…, cliente da assistente D… (de que o assistente C… era diretor), mas pelo propósito de satisfazer uma intenção de protagonismo político do assistente C… (porque os políticos ficariam mal vistos pela população quando uma obra socialmente meritória se fica a dever a uma iniciativa da sociedade civil).
Ora, exatamente os mesmos factos que são imputados à assistente D… são imputados ao assistente C… É logicamente contraditório, e não se compreende à luz do princípio da igualdade, que as mesmas expressões sejam consideradas, no que se refere à assistente D…, imputação de factos integrante do crime de ofensa a pessoa coletiva, p. e p. pelo artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, e não sejam consideradas, no que se refere ao assistente C…, imputação de factos integrante do crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1; 183.º, n.º 2; e 184.º do mesmo Código (mas antes um legítimo exercício do direito de crítica da sua atuação como político).
O que está em causa é a atuação do arguido C… como advogado (que, enquanto tal, colocaria os seus propósitos de protagonismo político acima dos seus deveres deontológicos de advogado). Mas mesmo que se considere (como faz a douta sentença recorrida) que está em causa a sua atuação como político (que, como político, sobreporia a salvaguarda da imagem dos políticos como merecedores dos louros da construção de uma ala hospitalar acima da concreta prossecução do bem das crianças doentes), não pode dizer-se, pelas razões indicadas, que a sua condição de político, por si só, lhe retira o benefício da tutela do direito à honra perante a imputação de factos desonrosos. Não se compreende que a tutela de que beneficia a sociedade de advogados de que era diretor não o beneficie (em termos análogos) a ele próprio, apenas por causa da sua condição de político.
Estamos perante a imputação de factos externos (a elaboração de um documento que foi causa da paralisação da construção de uma ala hospitalar que beneficiaria crianças doentes) e de factos internos (a intenção que subjaz a essa decisão de paralisação: a intenção de protagonismo político do assistente C…, e não qualquer a defesa dos interesses do Hospital G…, cliente da sociedade de advogados de que era diretor).
Poder-se-á confundir a imputação de factos internos, de intenções, com a formulação de um juízo de opinião. Mas, em rigor, estamos perante a imputação de factos internos quando a alguém se imputa uma intenção, como sucede no caso em apreço. Numa qualquer sentença a referência a uma intenção inclui-se sempre no elenco dos factos provados e não provados, como facto interno que é, não num qualquer juízo conclusivo. O que pode suceder, mais frequentemente do que sucede com os factos externos, é que a imputação de factos internos se baseie não tanto numa prova inequívoca (mais difícil precisamente porque estamos perante factos internos), mas na existência de fundamentos sérios (estes baseados em factos externos) para considerar a existência desses factos internos (como pode ser uma determinada intenção). É frequente que no debate político se imputem, de forma polémica, determinadas intenções maléficas a adversários políticos. Será legítimo fazê-lo se houver fundamentos sérios para tal (sendo que neste aspeto já as exigências de um debate político livre e amplo poderão reclamar alguma flexibilidade na consideração da solidez desses fundamentos).
Ora, no caso em apreço, não há qualquer fundamento sério para a imputação em causa. Estamos perante a imputação de factos desonrosos que, sendo de matérias de interesse público, são conscientemente falsos. A consciência da falsidade da imputação por parte do arguido não ofereceu dúvidas ao Tribunal a quo, nem foi sequer suscitada nesta sede. E isso verifica-se quer em relação à assistente D…, quer em relação ao assistente C…, quer em relação aos factos externos (o arguido sabia que a paralisação da obra não era devida ao documento da responsabilidade da assistente D…, que nem sequer tinha sido elaborado pelo assistente C…), quer em relação ao facto interno (o arguido sabia que nem a elaboração desse documento, nem a paralisação da obra, eram motivados por qualquer intenção de ordem política do assistente C…). Não está, pois, verificada a causa de justificação especial prevista no artigo 180.º, n.º 2, do Código Penal.
Estamos perante uma afirmação assertiva, não, como alega o arguido na motivação do seu recurso, uma simples especulação, indagação ou interrogação. É de salientar que também integra o tipo de crime de difamação a imputação de factos mesmo sob a forma de suspeita (ver artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal), Mas estamos sequer perante uma imputação de factos sob a forma de suspeita. Estamos perante uma afirmação assertiva. E o apelo do arguido à resposta do assistente à acusação que lhe dirige não anula essa afirmação assertiva, nem a transforma em simples interrogação ou levantamento de suspeita (podendo – é certo – ser tido em conta como circunstância atenuante).
A douta sentença recorrida, embora tenha considerado que o arguido atuou com intenção de ofender a honra do assistente C… (ponto 5 do elenco dos factos da acusação pública considerados provados), e que, no que se refere à assistente D…, o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei (ponto 16 do elenco dos factos da acusação particular dessa assistente considerados provados) considerou não provado que ele, no que se refere ao assistente C…, soubesse qua a sua conduta era proibida e punida por lei (ponto 4 do elenco dos factos da acusação pública considerados não provados). Impõe-se afirmar que se verifica, a este respeito, erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, c), do Código de Processo Penal. Na verdade, é do senso comum, e não exige o conhecimento da doutrina e da jurisprudência, que a imputação a qualquer pessoa, seja ela político ou não, de factos desonrosos conscientemente falsos integra um crime de difamação. Não é crível que o arguido, como afirma, se considerasse legitimado para imputar ao assistente C… factos desonrosos conscientemente falsos apenas porque este se dedica à vida política, não estando legitimado para o fazer, quento aos mesmos factos, em relação à sociedade de advogados de que este era diretor.
Assim, deverá ser considerado provado o facto que na sentença recorrida é considerado não provado e consta do ponto 4 do elenco respetivo: que o arguido, no que se refere ao assistente C…, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O arguido deverá, pois, ser condenado pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1; 183.º, n.º 2 (por o crime ser cometido através da comunicação social); e 184.º (com referência à alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º, por o crime ser praticado contra advogado por causa do exercício das suas funções) do Código Penal.
Tal crime é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa não inferior a cento e oitenta dias.
Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido pela prática deste crime, à luz do que dispõem os artigos 70.º e 71.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, há que considerar o grau (médio) de gravidade dos factos imputados, o grau de difusão (também médio) das declarações em causa, a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais e ter bom comportamento cívico, a tensão que o atingia devido à paralisação de uma obra socialmente meritória em que muito se empenhara e o apelo que fez ao assistente C… para responder às acusação que lhe dirigia.
Entende-se, assim, adequado fixar a pena a aplicar ao arguido pela prática deste crime em duzentos e cinquenta dias de multa.
Na fixação da taxa diária da multa, há que considerar a situação económica e financeira do arguido, à luz do que dispõe o artigo 47,º, n.º 2, do Código Penal, sendo fixado o montante já estabelecido na douta sentença recorrida quanto ao crime por que nesta foi ele condenado.
Há que proceder, à luz do disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a cúmulo jurídico entre a pena em que o arguido é agora condenado e a pena em que ele foi condenado na douta sentença recorrida, à luz do disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. Há que considerar, a este respeito, o facto de um e outro desses crimes constituírem uma unidade de ação circunscrita no tempo.
Entende-se, assim, adequado fixar a pena correspondente a tal cúmulo em trezentos e cinquenta dias de multa.
A conduta do arguido, relativa ao indicado crime de difamação agravada fá-lo incorrer em responsabilidade civil (artigos 129.º do Código Penal, 70.º, 483.º, n.º 1, 484.º. e 496.º, n.ºs 1 e 3, do Código Civil).
Na fixação do montante da indemnização devida pelo arguido ao assistente C…, há que considerar o grau (médio) de gravidade dos factos imputados, o grau de difusão (também médio) das declarações em causa e a situação económica e financeira do arguido. Há que considerar que, sendo as declarações do arguido focadas na pessoa do assistente C…, os danos causados à honra deste são significativamente maiores do que os danos causados à credibilidade, prestígio e confiança da assistente D….
Entende-se, assim, adequado fixar o montante dessa indemnização em dez mil euros (10.000€).

O arguido e recorrente deverá ser condenado em custas (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
O assistente e demandante C… e o arguido e demandado deverão suportar as custas relativas ao pedido de indemnização civil por aquele formulado na proporção do respetivo vencimento (artigos 4,º do Código de Processo Penal e 527,º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
3. Decisão:
Tudo visto e ponderado, com base nos argumentos que ficaram expostos, acordam os juízes, em audiência, na 1ª Secção Criminal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B…, mantendo-se a douta sentença recorrida quanto a este aspeto; e em conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente C…, revogando nesta parte a douta sentença recorrida e condenando o arguido, pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 2, e 184.º do Código Penal, na pena de duzentos e cinquenta (250) dias de multa, à taxa diária de vinte euros (20€), o que perfaz a multa global de cinco mil euros (5.000€).
Operando o cúmulo entre esta pena e a pena em que o arguido foi também condenado na douta sentença recorrida, condenam o arguido em trezentos e cinquenta (350) dias de multa, à taxa diária de vinte euros (20€), o que perfaz a multa global de sete mil euros (7.000€)
Condenam o arguido e demandado a pagar ao assistente e demandante C…, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de dez mil euros (10.000€), acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação desse pedido até integral pagamento.
Condenam o arguido e recorrente em três (3) U.C.s de taxa de justiça.
Condenam o assistente e demandante C… e o arguido e demandado nas custas relativas ao pedido de indemnização civil por aquele formulado na proporção do respetivo vencimento, proporção que se fixa em quatro quintos (4/5) para o primeiro e um quinto (1/5) para o segundo.
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Porto, 27/3/2019
Pedro Vaz Pato (relator por vencimento)
Paula Guerreiro (vencida conforme declaração anexa)
Francisco Marcolino
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Voto de vencido no processo nº 5777/15.6T9MTS.P1
Voto vencida quanto à decisão de condenar o arguido B… pela prática de um crime de difamação agravado, p. p. pelos artigos 180 n.º 1, 183 n.º 2, e 184, todos do Código Penal, relativamente à pessoa do assistente C… pela seguinte ordem de razões:
- Parece-me razoável e não contraditório com as regras da experiência comum do acontecer, que apesar de saber que não estava a ser intelectualmente honesto, - atento que a discussão versa sobre um tema de interesse público como é a construção de uma ala pediátrica de um hospital público em que se empenhara profundamente -, o arguido estivesse interiormente convencido de que a questão podia e devia ser debatida publicamente, e que as expressões proferidas não fossem de gravidade que constituísse ilícito, ou seja, que lhe era permitido fazer tais afirmações, embora injustas, para poder discutir a questão com o assistente, o qual convida a vir explicar-se ao programa televisivo onde a primitiva entrevista foi gravada.
O interesse público de tal debate que o arguido reputou de superior terá motivado o seu comportamento, com o fim de debater a questão, o que sempre seria de maior importância num estado democrático, que a reputação do visado, face à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como se decidiu no Acórdão do TEDH de 23/07/2013, relativo ao caso Sampaio Paiva e Melo contra Portugal.
Por outro lado o arguido, - apesar não sendo jurista capaz de analisar em pormenor o documento elaborado para proteção dos direitos do Hospital G…, elaborado pela sociedade de advogados de que o assistente era, naquela época diretor -, como cidadão instruído e informado, com uma carreira académica de êxito, como ficou demonstrado, teria certamente conhecimento da jurisprudência do TEDH quanto à liberdade de expressão, amplamente divulgada nos meios de comunicação social, pelo que a falta de consciência da ilicitude da sua conduta nesta situação, está explicada, e conduz à conclusão que tal erro não seria sequer censurável, nos termos do art. 17 nº2 do CP.
Por força dos artigos 8º e 16º da Constituição da República Portuguesa a Convenção Europeia dos Direitos do Homem situa-se na hierarquia das normas, num plano superior ao das leis ordinárias internas.
Ora, a citada Convenção europeia não tutela em termos gerais o direito à honra, a ele se referindo apenas em termos de exceções à liberdade de expressão, no nº2 do art. 10 daquela Convenção, que tem vindo a ser interpretado de forma muito restritiva pelo TEDH, o que já tem originado várias condenações do Estado Português citadas pela sentença recorrida.
Neste sentido veja-se o Acórdão do STJ de 30/06/2011, relatado pelo Sr. Conselheiro João Bernardo.
O que deve levar o intérprete, no caso concreto, a partir da tutela da liberdade de expressão e após, averiguar se estamos perante alguma exceção que possa integrar-se no citado art. 10 nº2.
Na jurisprudência do TEDH a liberdade de expressão constitui um dos pilares fundamentais do Estado democrático e uma das condições primordiais do seu progresso e, bem assim, do desenvolvimento de cada pessoa.
E ela é válida não só para informações ou ideias que venham a ser acolhidas favoravelmente, mas também para aquelas que chocam ou de alguma forma inquietam.
As exceções a esta liberdade devem ser interpretadas de modo restrito.
O TEDH tem vindo a entender de forma reiterada que os políticos e outras figuras públicas, pela sua exposição e discutibilidade das ideias que professam, bem pelo controle a que têm de ser sujeitos num estado democrático, seja pelo cidadão comum, seja pela comunicação social, têm de ser mais tolerantes a críticas do que os particulares, ainda que estas sejam de alguma forma intensas e até injustas.
No caso concreto, entendemos que o que o arguido, em ultima análise, visava o debate com a ofendido, relativo a um tema de interesse público.
Com esse objetivo desvirtuou a verdade dos factos e expressou-se de uma forma que se pode considerar ofensiva da honra e reputação do assistente que é um jurista reputado e reconhecido como honesto como ficou demonstrado nos factos provados.
A finalidade da crítica extrai-se das expressões proferidas, alegando o próprio assistente, que posteriormente o arguido se lamentava de tal convite para o debate nunca ter sido aceite num blog online, onde também se insurgia quanto à pendência dos presentes autos.
Reafirma-se que, a nosso ver, a finalidade visada pelo arguido, era essencialmente, - como se depreende dos factos -, a discussão e o debate da questão, de forma pública e transparente, no programa televisivo onde as expressões em causa foram difundidas.
Assim sendo, consideramos que o interesse público em causa levava a se devesse dar preponderância à tutela da liberdade de expressão em relação ao interesse do ofendido à sua reputação, a qual sempre poderia ser reposta na referida discussão e explicação, que lhe seria facultada também de forma publicitada, caso o convite do arguido para debater a questão tivesse sido aceite.

Paula Guerreiro