Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
843/13.5TYVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: PARTE VENCIDA
CUSTAS DE PARTE
RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO
Nº do Documento: RP20220615843/13.5TYVNG.P2
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A parte vencida na causa só é responsável pelo pagamento de encargos e de custas de parte uma vez verificados os pertinentes pressupostos, a que se referem os artigos 529.º, n.ºs 3 e 4, 532.º, n.ºs 1 a 4, e 533.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil.
II - As custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento, razão pela qual, havendo responsabilidade da parte vencida pelos encargos, estes são imputados na conta de custas da parte ou partes que foram nelas condenadas, na proporção da condenação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2022:843.13.5TYVNG.P2
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
AA, instaurou acção judicial contra BB e CC, enquanto gerentes de facto e de direito da sociedade E..., formulando os seguintes pedidos: “1) serem os réus condenados solidariamente por violação dos deveres contratuais e legais da gerência da sociedade E..., a devolver à autora a quantia de €65.000,00 acrescida de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, que corresponde ao valores que a autora confiou aos réus nos seguintes termos: €42.200,00 que foram entregues à sócia e gerente, agora ré, para alegada compra de maquinaria; €12.800,00 que corresponde ao preço pago pela quota à sociedade P...; €10.000,00 que corresponde a suprimentos solicitados pela gerência que não foram utilizados a benefício da sociedade; e ainda, 2) serem os réus solidariamente condenados a pagar à autora a quantia de €25.000,00 a título de danos não patrimoniais».
Foi proferida sentença na qual se julgou a acção totalmente improcedente quanto ao réu CC que foi absolvido de todos os pedidos e parcialmente procedente quanto à ré BB, sendo esta ré condenada a pagar à autora da quantia total de 500 € (quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados.
Quanto a custas sentenciou-se «custas pela Autora e pela R. BB, na proporção do respectivo decaimento».
A autora interpôs recurso de apelação da sentença e esta Relação proferiu Acórdão no qual julgou parcialmente procedente o recurso e decidiu alterar a decisão recorrida quanto ao valor da indemnização a atribuir à autora pelos danos não patrimoniais, fixando essa indemnização em €2.000,00 e condenando ambos os réus, solidariamente, no pagamento da mesma à autora.
Quanto a custas, o Acórdão sentenciou: «Custas por recorrente e recorridos na proporção do decaimento que se fixa em 97,5% e 2,5% respectivamente».
A autora apresentou depois nota discriminativa e justificativa de custas de parte, na qual atribuía aos réus a responsabilidade pelos seguintes valores: «1) Reembolso do valor das taxas de justiça na proporção de 2,5%, conforme determinado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (artigo 26.º, n.º 3, a) RCP) - €32,50; 2) Reembolso do valor dos encargos (artigo 26.º, n.º 3, b) RCP) - €3.618,42; 3) Reembolso do valor relativo a honorários do Advogado (artigo 26.º, n.º 3, c) RCP) - €1.300,50; Total a pagar pelos Réus €4.951,42 (quatro mil, novecentos e cinquenta e um euros e quarenta e dois cêntimos)».
Os réus apresentaram reclamação da nota discriminativa apresentada pela autora, reclamando a aplicação do critério fixado no Acórdão desta Relação (97,5% - 2,5%) igualmente às parcelas da nota respeitantes ao valor dos encargos (2) e ao valor dos honorários (3).
Sobre a reclamação foi proferida a seguinte decisão:
«[…] Dispõe o artº 26º, n.º 3 do RCP que: “A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: a) os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; b) os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; c) 50% do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior; d) os valores pagos a título de honorários de agente de execução”.
Daqui resulta, que: - a al. a) prevê, inequivocamente, a condenação da parte vencida na proporção do decaimento na parte respeitante ao reembolso das taxas de justiça. - quanto aos encargos previstos na al. b), a mesma prevê o pagamento na totalidade, sendo que, quanto aos honorários e despesas do mandatário judicial ou de agente de execução só são consideradas as quantias até ao limite previsto na al. c).
Quanto a esta última, o Ac. da Relação de Guimarães, de 27 de Abril de 2017, decidiu que: “As custas de parte integram o conceito de custas. No cálculo de custas de parte deverá ter-se em consideração a percentagem fixada na decisão ou acordo quanto a custas. Essa percentagem aplica-se quer ao reembolso das taxas de justiça pagas quer quanto à compensação pelos honorários”.
Mais acrescentou tal douto Acórdão que, “(…) a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta na ideia de que um processo não deve causar prejuízos à parte que tem razão, sendo as custas pagas pela parte vencida e na medida em que o for, ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito da demanda. Em geral, não deve impor-se um sacrifício patrimonial à parte em benefício da qual a actividade do tribunal se realizou, uma vez que é do interesse do Estado que a utilização do processo não cause prejuízo ao litigante que tem razão. Assim, e como regra, a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no princípio da vantagem ou do proveito processual - neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional; DR nº 130/2015 Série II de 2015-07-02.”.
Segundo Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, 2ª edição, 2009 pg. 331 e 3ª edição pg. 397 na parte respeitante à compensação de honorários, “(…) a condenação em causa destina-se a compensar a parte vencedora na proporção em que o for, pelas despesas com honorários do mandatário judicial, ou do agente de execução, ou de ambos conforme o caso. Impõe-se, por conseguinte, verificar exactamente o que é que, a título de taxas de justiça, tenha sido suportado ao longo do processo pelas partes litigantes, somando-se tais dispêndios e devendo então, a parte vencida, pagar à parte vencedora na proporção em que o for metade do resultado desse somatório de custos por esta suportados”.
Atento o exposto e concordando com tal entendimento, bem como com a posição do Mº Pº, no que respeita à reclamação da nota justificativa apresentada pelos RR., entendemos deferir parcialmente a reclamação apresentada, devendo relativamente às taxas de justiça aplicar-se o critério da proporcionalidade e na parte respeitante ao reembolso dos honorários com advogado seguir-se a orientação do citado Acórdão.»
Os réus vieram de seguida apresentar o seguinte requerimento:
«[…] se digne, nos termos do art 614 nº 1 do CPC, esclarecer e precisar se, em função desse douto despacho e efectuada a compensação de créditos referida no requerimento 36805562 de 15/10/2020 dos RR – onde se concluiu por um crédito dos RR sobre a Autora de 528,39 euros – o diferimento parcial dessa reclamação conduz ao valor de 478,66 euros que aliás, os RR acabaram por aceitar e que consta do seu requerimento de 36896327 de 23/10/2020
Em síntese, em função desse douto despacho e uma vez que na reclamação e 15/10 os RR afirmaram-se credores da A de 528,39 euros (após a compensação) e o tribunal deferiu apenas parcialmente essa reclamação, requer-se a Vª Exª se digne esclarecer que esse deferimento parcial conduz à fixação do valor de 478,66 euros.»
Sobre esse requerimento o tribunal proferiu o seguinte despacho:
«Compulsados os requerimentos em epigrafe, há a esclarecer o seguinte.
No caso concreto, o que resulta dos autos, em especial do douto Acórdão proferido pelo TRPorto neste processo, é que não há apenas uma parte vencedora e outra vencida, mas sim existem duas partes vencedoras e duas partes vencidas, as quais foram condenadas nas custas na proporção do decaimento, fixadas em 97,5% para a recorrente e 2,5% para os recorridos.
Perante isto, importa clarificar que, não obstante o disposto no artº 26º, n.º 3, al. b) do RCP prever o pagamento da totalidade dos encargos à parte vencedora, o certo é que, o douto Acórdão proferido pelo TRPorto neste processo, definiu, em ultima instancia, os termos em que o pagamento deve ser feito, pelo que, as notas discriminativas devem obedecer ao definido no referido Acórdão […]».
Do assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1 - Foi a Recorrente notificada do despacho proferido nos termos do qual foi determinado que, “(…) no caso concreto, o que resulta dos autos, em especial do douto Acórdão proferido pelo TRPorto neste processo, é que, não há apenas uma parte vencedora e outra vencida, mas sim, existem duas partes vencedoras e duas partes vencidas, as quais foram condenadas nas custas na proporção do decaimento, fixadas em 97,5% para a recorrente e 2,5% para os recorridos. Perante isto, importa clarificar que, não obstante o disposto no artº 26º, n.º 3, al. b) do RCP prever o pagamento da totalidade dos encargos à parte vencedora, o certo é que, o douto Acórdão proferido pelo TRPorto neste processo, definiu, em ultima instancia, os termos em que o pagamento deve ser feito, pelo que, as notas discriminativas devem obedecer ao definido no referido Acórdão (…)”.
2 - Entende a Recorrente que tal despacho pode, eventualmente, contrariar decisão proferida quanto à reclamação apresentada pelos Recorridos.
3 - Pelo que, vê-se a Recorrente compelida a apresentar o presente recurso na medida em que o despacho proferido viola o disposto no artigo 620.º do CPC e artigo 26.º, n.º 3 do RCP.
4 - Notificada do acórdão proferido nos presentes autos, a Recorrente apresentou a sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte, aplicando o critério da proporcionalidade do decaimento, apenas na rubrica respeitante ao reembolso das taxas de justiça (cf. artigo 26.º, n.º 3, a) do RCP).
5 - Não se conformando com tal nota, vieram os Recorridos apresentar reclamação alegando, em suma, que o critério da proporcionalidade deveria ser aplicável a todas as rubricas constantes na nota.
6 - A Recorrente esclareceu que, contrariamente ao alegado, o critério da proporcionalidade do decaimento não teria aplicabilidade quanto ao reembolso dos encargos.
7 - E ainda, esclareceu a Recorrente que, eventualmente, poderia admitir-se a aplicação de tal critério quanto ao reembolso dos honorários do Advogado, nos exactos termos que vêm sendo defendido pela nossa jurisprudência.
8 - Veio o Tribunal a quo a julgar parcialmente procedente a reclamação apresentada pelos Recorridos determinando que “(…) na parte respeitante ao reembolso dos honorários com advogado seguir-se a orientação do citado acórdão (…)”, entendimento esse que preconiza que “(…) essa percentagem aplica-se quer ao reembolso das taxas de justiça pagas quer quanto á compensação pelos honorários (…)”.
9 - Contudo, esclareceu ainda que “(…) quanto aos encargos previstos na al. b), a mesma prevê o pagamento na totalidade (…)”.
10 - Pelo que, tratou a Recorrente de proceder à junção aos autos da nota discriminativa corrigida em conformidade com a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
12 - Não obstante a evidência destes factos, vieram os Réus insistir num alegado aclaramento da decisão.
13 - Sendo que, a propósito veio a Digna Magistrada do Ministério Pública pronunciar-se esclarecendo e insistindo que “(…) tal como se decidiu no despacho de 8 de Setembro, no que respeita à reclamação da nota justificativa apresentada pelos RR., decidiu-se deferir parcialmente a reclamação apresentada, devendo relativamente às taxas de justiça aplicar-se o critério da proporcionalidade e na parte respeitante ao reembolso dos honorários com advogado seguir-se a orientação do citado acórdão, ou seja, essa percentagem aplica-se quer ao reembolso das taxas de justiça pagas quer quanto à compensação pelos honorários… (…)”.
14 -Desta forma, não se alcança o fundamento do despacho proferido pelo Tribunal a quo, aqui em crise.
15 - Na verdade, o que foi objecto de reclamação foi a aplicabilidade da proporção fixada pelo Tribunal da Relação do Porto às rubricas constantes da nota discriminativa apresentada pela Recorrente, ou seja, não foi objecto de reclamação a percentagem do decaimento propriamente dita.
16 - Sendo que os Recorridos defenderam a aplicabilidade da proporção a todas as rubricas - constantes das alíneas a) a c) do artigo 26.º, n.º 3 do RCP.
17 - Tendo o Tribunal a quo decidido - e bem - que a proporção não se aplicava ao reembolso dos encargos.
18 - Pelo que, o despacho posteriormente proferido, aqui em crise, constitui manifesta violação do caso julgado, pois que, a decisão proferida quanto à reclamação não foi objecto de recurso pelos Recorridos.
19 - Nos termos do artigo 628.º do CPC, o despacho transitou em julgado, ou seja, a decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.
20 - Quanto ao critério da eficácia deste caso julgado, haverá que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1 do CPC) e o caso julgado material, cujos efeitos transcendem o próprio processo, tudo conforme dispõe o artigo 619.º do CPC.
21 - Caso se verifiquem casos julgados contraditórios, é a própria lei que esclarece que devemos recorrer ao critério da anterioridade, ou seja, prevalece a decisão - sobre o mesmo objecto - que tenha transitado em primeiro lugar (artigo 625.º n.º 1 do CPC),
22 - Tal critério opera ainda quando estejam em causa decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (vide n.º 2 do normativo), o que se verifica in casu.
23 - Pois que, o Tribunal a quo, debruçando-se sobre a mesma questão e tendo por fundamento os mesmos factos, proferiu decisões eventualmente contraditórias.
24 -Desta forma, o despacho de que ora se recorre, consubstancia uma violação do caso julgado formal a que se reporta o art.º 620.º, n.º 1 do CPC. (neste sentido vide Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. Pp. 307 e João Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, A.A.F.D.L, 1980, III vol. pág. 276)
25 - Pois que, o que está em causa é uma decisão proferida no processo relativa a uma questão que já tinha sido decida de forma definitiva (neste sentido vide Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 578 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo: 1053/15.2T8GMR-C. G1, disponível em www.dgsi.pt)
26 - Conclui-se, pois, que o despacho proferido pelo Tribunal a quo viola o caso julgado formal, previsto no artigo 620.º do CPC e ainda o disposto no artigo 26.º do RCP, o que deverá ser reconhecido por este Venerando Tribunal.
Nestes termos e nos demais de direito que V/Exas. mui doutamente suprirão, deverá o despacho proferido pelo Tribunal a quo ser revogado, mantendo-se os termos previamente decididos pelo Tribunal a quo quanto à reclamação apresentada.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida se a decisão recorrida viola o caso julgado formado pela decisão sobre a reclamação na nota discriminativa e justificativa das custas e, na afirmativa, se deve cumprir-se o que consta desta decisão.

III. Os factos:
Os factos que importam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede.

IV. O mérito do recurso:
O artigo 527.º do Código de Processo Civil estabelece a regra geral em matéria de custas, estabelecendo nos seus n.ºs 1 e 2 que a decisão que julgue as acções ou os recursos condena a parte que lhes der causa, entendendo-se que lhes dá causa «a parte vencida na proporção em que o for».
Resulta do disposto nos artigos 529.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 3.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, que as custas em sentido amplo abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
O conceito de custas é, na expressão de Salvador da Costa manifestada nos diversos textos publicados no blog do IPPC, polissémico; em sentido amplo ele abrange a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, em sentido estrito abrange somente os encargos e as custas de parte.
Nos termos do artigo 529.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, os encargos são as despesas resultantes da condução do processo, correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz. É o caso, por exemplo, da remuneração devida aos peritos pela realização da perícia realizada nos autos para prova de factos relevantes para a decisão da causa. O regime dos encargos consta essencialmente dos artigos 16.º a 24.º do Regulamento das Custas Processuais.
Nos termos do n.º 4 do artigo 529.º do Código de Processo Civil, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos dos artigos 25.º e 26.º do Regulamento das Custas Processuais e 30.º a 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril. Elas incluem, por exemplo, o dispendido a titulo de encargos, taxa de justiça e honorários pelo patrocínio de advogado.
As custas de parte compreendem, por exemplo, as quantias que a parte vencedora, na respectiva proporção, despendeu no processo, por exemplo, a título de encargos, de taxa de justiça e de patrocínio a advogados (n.º 3 do artigo 26.º do Regulamento).
Nos termos do n.º 2 do artigo 529.º, do Código de Processo Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente – petição inicial, contestação, requerimento de recurso e contra-alegação, requerimento executivo e instrumento de oposição, conforme os casos – em função do valor da causa para efeitos processuais, conforme previsto e regulado nos artigos 5.º a 7.º, 11.º, 13.º a 15.º do Regulamento das Custas Processuais e nas tabelas I e II anexas.
A responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça resulta automaticamente do respectivo impulso processual, por via da apresentação em juízo das peças processuais acima referidas. Já a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta, em regra, no critério do vencimento e do decaimento a que se refere o artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, conexionado com o que se prescreve no n.º 6 do artigo 607.º e no n.º 2 do artigo 663.º, todos do Código de Processo Civil.
Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Regulamento das Custas Processuais, os encargos são pagos pela parte requerente ou interessada, imediatamente ou no prazo de 10 dias a contar da notificação do despacho que ordene a diligência, determine a expedição ou cumprimento de carta rogatória ou marque a data da audiência de julgamento. A falta de pagamento dos encargos implica a não realização da diligência requerida (artigo 23.º, n.º 1) mas a parte que não efectuou o pagamento pontual dos encargos pode, se ainda for oportuno, realizá-lo nos cinco dias posteriores ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma sanção e a parte contrária também pode, se nisso tiver interesse, pagar o encargo que a outra não realizou, nos cinco dias posteriores ao termo do prazo (artigo 23.º, n.ºs 2 e 3).
A parte vencida na causa só é responsável pelo pagamento de encargos e de custas de parte uma vez verificados os pertinentes pressupostos, a que se referem os artigos 529.º, n.ºs 3 e 4, 532.º, n.ºs 1 a 4, e 533.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil.
Por exemplo, nos termos do n.º 4 do artigo 532.º, são exclusivamente suportados pela parte requerente, independentemente do vencimento ou da condenação em custas, os encargos com a realização de diligências manifestamente desnecessárias e de carácter dilatório. Nos termos do n.º 1 do artigo 534.º, a responsabilidade do vencido no tocante às custas não abrange os actos e incidentes supérfluos, nem as diligências e actos que houverem de repetir-se por culpa de algum funcionário judicial, nem as despesas a que der causa o adiamento de acto judicial por falta não justificada de pessoa que devia comparecer. E nos termos do n.º 4 do artigo 533.º, o autor que, podendo recorrer a estruturas de resolução alternativa de litígios, opte pelo recurso ao processo judicial, suporta as suas custas de parte independentemente do resultado da acção, salvo quando a parte contrária tenha inviabilizado a utilização desse meio de resolução alternativa do litígio.
Havendo responsabilidade, aplica-se o critério de imputação dos encargos na conta de custas estabelecido no n.º 2 do artigo 24.º que prescreve que «no final, os encargos são imputados na conta de custas da parte ou partes que foram nelas condenadas, na proporção da condenação». Esta norma concretiza o critério constante do n.º 1 do artigo 533.º do Código de Processo Civil que estabelece que as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.
Assentes estas ideias básicas estamos em condições de apreciar as questões suscitadas no recurso.
A recorrente defende que a decisão recorrida viola o caso julgado formal criado pela anterior decisão da reclamação da nota justificativa e discriminativa.
Tem razão.
Na decisão da reclamação foi decidido «deferir parcialmente a reclamação» no sentido de a proporção fixada no Acórdão da Relação do Porto se aplicar somente às taxas de justiça e ao reembolso dos honorários com advogado, ou seja, não ser aplicável aos encargos. No despacho recorrido proferido sobre o pedido de esclarecimento dos réus, determinou-se que afinal aquele critério era igualmente aplicável aos encargos. Este despacho decide diferentemente e contraria a decisão sobre a reclamação da nota, pelo que viola o caso julgado formal constituído por esta decisão.
Nos termos do artigo 625.º do Código de Processo Civil, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, aplicando-se a mesma regra «à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual». No caso, portanto, se nenhuma outra razão existir, haveria que cumprir a decisão sobre a reclamação.
Todavia, existem outras razões que obrigam a colocar as coisas de maneira diferente.
Em primeiro lugar há que distinguir as custas da acção e as custas do recurso. As custas da acção foram fixadas na sentença proferida pela 1.ª instância. As custas do recurso foram fixadas no Acórdão da Relação que decidiu o recurso. Este Acórdão não modificou as custas da acção e, em rigor, não tinha de o fazer, desde logo porque na acção as custas foram fixadas de acordo com o decaimento de cada uma das partes e isso não resultou modificado pelo Acórdão.
Em segundo lugar, há que ver que as taxas de justiça, os encargos e o reembolso dos honorários relativos à acção não se confundem com as taxas de justiça, os encargos e o reembolso dos honorários relativos ao recurso. O valor dos encargos que foi objecto da nota discriminativa e justificativa é relativo à prova pericial realizada em 1.ª instância no decurso da fase de instrução e julgamento da acção. Esse valor está, pois, sujeito ao decidido quanto às custas da acção, não ao que foi decidido quanto às custas do recurso.
Em terceiro lugar, há que respeitar e cumprir o decidido na sentença e no Acórdão da Relação, respectivamente quanto às custas da acção e às custas do recurso. Essas é que são as decisões que transitaram em julgado em primeiro lugar e que têm de ser cumpridas pelas partes e pelo tribunal relativamente à repartição das custas.
Vale isto por dizer que no que concerne às custas a decisão sobre o incidente da reclamação, por sua vez, viola o caso julgado produzido quer pela sentença quer pelo Acórdão (do que se deu conta o tribunal recorrido ao tentar arrepiar o caminho encetado na decisão sobre a reclamação) e, consequentemente, que também ela tem de ser preterida pelo decidido nessas peças, uma vez que a violação do caso julgado é uma excepção de conhecimento oficioso (cf. artigos 577.º, alínea i), e 578.º do Código de Processo Civil) e, por isso, pode ser conhecida por esta Relação no âmbito do presente recurso.
Temos então que a nota discriminativa e justificativa das custas de parte deve separar o que é relativo à acção e o que é relativo ao recurso.
» No tocante à acção, a responsabilidade pelas custas de parte distribui-se segundo o critério fixado na sentença da 1.ª instância: o do decaimento (na sentença) de cada uma das partes. Esse critério compreende a taxa de justiça, o reembolso dos honorários com a acção e ainda o encargo com o pagamento da peritagem realizada porque a isso obrigam os artigos 24.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, e 533.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sendo certo que a sentença não fixou outro critério ou medida para a distribuição do encargo.
» No tocante ao recurso, a responsabilidade pelas custas de parte distribui-se segundo o critério fixado no Acórdão da Relação: custas na proporção de 97,5% e 2,5%. Esse critério compreende a taxa de justiça e o reembolso dos honorários relativos ao recurso. Mas não compreende quaisquer encargos, porque não os houve na fase do recurso.
Conforme referido, estas conclusões decorrem do trânsito em julgado das decisões que fixaram as custas e sendo a violação do caso julgado uma excepção de conhecimento oficioso esta Relação pode conhecer dela e impor o cumprimento do ali decidido.
Procede assim em parte e nessa medida (ou seja, quanto ao fundamento na violação do caso julgado) o recurso.
Diga-se, para não haver dúvidas e para tentar parar a guerra de requerimentos com que as partes teimam em transformar o processo numa saga, que esse vencimento parcial não equivale a vencimento tributário porque do ponto de vista económico a recorrente queria que fossem os réus a suportar a totalidade do encargo e o que vai decidido é que ao encargo se aplica a proporção fixada na sentença que ela excluíra na nota discriminativa e justificativa, o que consubstancia um decaimento total do ponto de vista económico.

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, por efeito do caso julgado formado pelas decisões que fixaram as custas e a medida da responsabilidade pelas mesmas, decidem que a nota discriminativa e justificativa das custas de parte deverá ter o conteúdo e a distribuição acima assinalada de modo específico para as custas da acção e para as custas do recurso.
As custas do recurso serão suportadas inteiramente pela recorrente, a qual vai condenada a pagar aos recorridos, a título de custas de parte, o valor da taxa de justiça que suportaram com a resposta ao recurso.
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Porto, 15 de Junho de 2022.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 691)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]