Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2036/22.1T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
EXISTÊNCIA DO DIREITO
LESÃO GRAVE
DIREITO À ÁGUA
Nº do Documento: RP202401222036/22.1T8OAZ.P1
Data do Acordão: 01/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para que se mostrem preenchidos os pressupostos do procedimento cautelar comum, previsto no art.º362ºCPC,- provável existência do direito e fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito -, basta, em relação ao primeiro, um juízo de verosimilhança ou probabilidade e no que respeita ao segundo, um juízo de certeza, de verdade, de realidade.
II - A existência de obra de condução de água de uma mina para um depósito e daqui para a casa de habitação, como constituindo uma realidade física admitida por todas as testemunhas é suficiente para sustentar a provável existência do direito de propriedade à água da mina.
III - A oposição manifestada por quem ocupa o prédio onde se situa a mina, impedindo o acesso à mina e limitando o caudal da água com a colocação de novos tubos, constitui fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade à água.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procedimento Cautelar-Comum-RMF-2036/22.1T8OAZ.P1-I
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SUMÁRIO[1](art.º 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)


I. Relatório
No presente procedimento cautelar comum, em que figuram como:
- REQUERENTES: AA e mulher BB, residentes na Rua ..., ..., ..., Oliveira de Azemeis; e
- REQUERIDOS: A..., LDA, sita na Rua ... ..., concelho de Oliveira de Azeméis; e
CC, residente na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis, ... ..., com domicílio profissional na empresa A..., LDA, sita na Rua ... ..., concelho de Oliveira de Azeméis
pedem os requerentes, a condenação dos requeridos:
a) a restituir a mina e água, que é da posse e propriedade dos AA e que inclui a nascente de água existente no local e servidão de aqueduto da água, devendo retirar todo e qualquer cano colocado pelos mesmos na mina ou na sua boca;
b) a serem obrigados a retirarem da boca da mina e de sua proximidade, no mínimo de 10 metros em seu redor, toda e qualquer árvore plantada;
c) permitir aos AA e qualquer outra pessoa ao seu mando, para que possam aceder, quando assim o julgarem necessário, à mina de água e sua boca, para que possam limpar a mesma, ou entrada de canos por onde a água é conduzida ou de qualquer outra forma de aqueduto ou condução das águas;
d) pagar aos requeridos, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 500,00€ (quinhentos euros) por cada dia que incumpra a obrigação de entrega e desrespeite o direito de posse dos AA sobre a mina e água pertencente aos AA, até à restituição do estado em que a mina, e a utilização da água, nomeadamente através do cano existente que se encontrava ao momento do perturbação da posse, nomeadamente, retirando todas as plantações existentes no local da mina, supra peticionado, bem como não praticando qualquer ato que limite ou impeça os AA de usarem a mina e água;
d) a inversão do contencioso (369.º, n.º 1 do CPC), e caso a mesma seja aceite, sejam os RR condenados a:
e) reconhecer os AA como únicos e legítimos possuidores e proprietários da mina de água e água que resulta da mina, que se encontra no terreno dos RR;
f) respeitarem o direito dos AA. poderem aceder à mina, quando assim o entenderem para limpeza e vigia da respetiva mina e água, e usar a água da referida mina sita no terreno dos RR;
g) proibidos de realizarem quaisquer obras ou por alguma forma ou meio, limitar, impedir ou dificultar o uso de posse e propriedade dos AA sobre a mina e água que da mesma brota;
h) pagar a quantia de 500€ a título de sanção compulsória, por cada vez que não respeitem, por qualquer forma o direito dos AA;
i) pagarem a título de indemnização a quantia de 1000€ mensais, e proporcionalmente no caso de se não se verificar o mês completo, pela privação do uso da água da mina por parte dos AA, contados desde 18 de maio de 2021 até ao dia em que removam todas as obras por si realizadas e entregue a mina e água que da mesma brota livre de pessoas e bens;
j) pagarem a título de compensação por danos morais causados aos AA a quantia de 2000€ por cada Autor, perfazendo a quantia de 4000€ pela perturbação na posse e propriedade da mina e água que da mesma brota.”.
Para tanto, alegaram os requerentes que utilizaram a água de uma mina, que pertence aos mesmos, não obstante situar-se num prédio da titularidade da 1ª ré e que se encontrava devidamente canalizada para abastecer o prédio dos requerentes. Sucede, porém, que os requeridos têm vindo a exercer um conjunto de atos que obstam à adequada circulação de água desde a mina, impedindo o abastecimento da casa dos requerentes.
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Citados os requeridos vieram apresentar oposição, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção arguíram a ilegitimidade processual ativa da requerida pessoa coletiva, por não existir qualquer mina no prédio e em relação ao segundo requerido consideram carecer de legitimidade por não estar acompanhado do cônjuge.
Mais alegaram que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...52 e inscrito na matriz sob o art.º...33º pertence em propriedade à sociedade A..., Lda,, mas no extremo norte do identificado prédio ou em qualquer seu outro ponto não existe, nem nunca existiu, qualquer mina e bem assim, não confronta o prédio da primeira requerida com o prédio dos requerentes. Impugnaram os factos alegados pelos requerentes.
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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:
“Em face dos fundamentos expostos, este Tribunal julga improcedente, por não provada, a presente providência cautelar, absolvendo os requeridos dos pedidos nela formulados.
Valor: o indicado na petição inicial.
Custas pelos Requerentes (cfr. artigos 527º e 539º, n.º 1 do Código de Processo Civil)”.
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Os requerentes vieram interpor recurso da sentença.
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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:
I. Os AA. vêm requerer o decretamento de providências cautelares que assegurem aos mesmos o acesso e uso pleno de água que nasce numa mina a eles pertencentes num terreno de terceiros, sendo essa água a única que os mesmos detêm para o seu consumo doméstico da sua casa de habitação, dos animais e plantas, e que os RR se encontram a limitar o acesso e consumo da água que advém dessa mina.
II. Por sua vez, o tribunal, com exceção da propriedade dos AA. deu como não provados todos os factos do Requerimento da providência, nomeadamente, que,
a) No prédio descrito sob o nº...52 e inscrito na matriz sob o art....33 existe uma mina de água.
b) Os requerentes são legítimos e exclusivos possuidores e proprietários de uma mina de água e da água que brota da mesma, sendo que a referida água é destinada ao consumo doméstico dos requerentes, uma vez que inexiste rede pública de abastecimento de água, e para regadio de hortas e terrenos dos requerentes, localizando-se a referida mina e sua boca, na propriedade da 1.º requerido, e que o 2.º requerido é sócio (conjuntamente com a esposa) e único gerente, encontrando-se os requeridos a impedir o acesso dos requerentes à referida mina, bem como a impedir os mesmos de aceder à água da mina.
c) Essa água encontra-se canalizada desde a sua nascente para um depósito de água sito numa presa, propriedade dos requerentes, e que abastece a casa destes, nomeadamente, beber, cozinhar, tomar banho, limpar a casa, regadio da horta e outros prédios agrícolas.
d) A boca da mina sempre se encontrou aberta, sem vedação, limpa de arbustos, árvores e demais vegetação, sendo gerida pelo requerente, de forma a não impedir o acesso e boa qualidade da água.
e) A canalização da água da mina foi feita através de cano de plástico, que conduzia a água entre a mina e o depósito existente no local, tendo sido colocado pelo requerente há mais de 10 anos, atravessando o prédio descrito sob o nº ...52.
f) E antes desse cano de plástico já existia um cano de barro, colocado há mais de 80 anos pelo avô do requerente.
g) A mina e água que dela brota, sempre foram, do requerente e dos seus ascendentes, encontrando-se diretamente posse do requerente, há cerca de 40 anos, e antes de si, através dos seus pais, avôs, bisavós, ou seja, a tempos que se perdem na memória.
h) O requerente e os seus antecessores, usavam a título exclusivo a mina e sua água, para o seu consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
i) Limpando a mina e a boca da mina.
j) Conduzindo a água da mina, para as suas propriedades.
k) Nunca permitindo que outros usassem da água da mina, a não ser com a autorização dos mesmos.
l) Sempre com a plena e absoluta convicção que a mina e sua água é sua propriedade.
m) Sendo a posse da mina e água da mina, pacífica, pública e de boa-fé, nunca tendo tido oposição de ninguém.
n) A 1ª requerida é legítima possuidora dos prédios rústicos onde se localizam a mina e a boca da mina, com exclusão do direito sobre a mina a água que brota da mesma
o) Logo que o prédio n.º ...52 foi adquirido pela 1.ª requerida em 2019, de imediato, o 2.º requerido conversou com o requerente para que o mesmo fizesse um furo ou um poço numa das suas propriedades, uma vez que lhe iria tirar a água da mina.
p) Sendo que sucessivamente, e de forma gradual e mais azeda, o 2.º requerido dizia ao requerente que lhe ia tirar a água da mina, passando, a partir de certa altura que o requerente não se recorda, a dizer-lhe que o mesmo estava proibido de ir à mina.
q) Tendo repetido por diversas vezes as referidas expressões, entre 2019 e 2022.
r) Tendo inclusive numa das ultimas vezes vociferado em alta voz e aos berros ao requerente “você não vai lá mais à mina..”.
s) O requerente tem ido à mina, limpando a mesma e a entrada do cano.
t) No dia 18 de maio de 2022, em hora não concretamente apurada, os requerentes, ou alguém ao seu mando, limitaram o acesso dos requerentes à água da mina, através da colocação de um cano, desde a boca da mina, até ao rego foreiro.
u) Sendo que os requerentes desconhecem se o mesmo cortou o cano ou não, ou se simplesmente o retirou, ou se o fechou, impedindo que, em todo o caso, que a água seguisse da mina para o depósito existente no local e pertença dos requerentes.
v) Sendo certo que os requeridos desviaram a água da mina.
w) Os requeridos sabem que a água da mina é dos requerentes e que não podia cortar o abastecimento da água, através do corte do cano, bem como, sabem que os requerentes não têm qualquer outra alternativa de abastecimento de água, encontrando-se atualmente sem água para o seu consumo, bem como para consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
x) Acresce ainda, que após aquela data de 18 de maio de 2022, os requeridos plantaram várias árvores de fruto à volta da mina.
y) O que, quando crescerem, irá sujar a água da mina.
z) E as raízes das mesmas, naturalmente, irão infiltrar-se na mina, reduzindo o caudal de água, bem como potenciando o desabamento da mina.
aa) Acrescendo que, na própria entrada da mina, colocou uma planta de videira.
bb) Quando nunca existiu no local da boca da mina e à sua volta, no passado, qualquer árvore de fruto.
cc) No dia 10 de junho de 2022, os requeridos colocaram um cano amarelo sobre a presa dos requerentes, sendo que da mesma não brota água.
dd) Desconhecendo os requerentes com que intenção e finalidade.
ee) Sendo certo, que iniciaram a execução de um conjunto de atos de posse sobre a mina de água e água que brota da mesma.
ff) Impedindo os requerentes nomeadamente os requerentes de acederem à mina para limparem a mesma e a sua boca, cano e uso da água.
III. Discordam em absoluto os AA da conclusão do tribunal “a quo” no que referente à matéria de facto dada como não provada, encontrando-se em estado de choque, com tão inusitada conclusão, sendo que, previamente, o tribunal “a quo” nem sequer considerou produzir todos os meios de prova requeridos, nomeadamente a inspeção ao local por parte do M. Juiz do tribunal “a quo” para a plena perceção doa factos alegados sob os números 4 a 16 e 21 a 40 do Requerimento Inicial da Providência.
IV. A título de exemplo, consegue concluir, contra todas as partes, AA e RR, e testemunhas, e até mandatários, que não existe uma mina de água.
V. Não teve em ordem de conta a confissão realizada pelos RR, que expressamente proíbem os AA de se deslocaram à mina e captar a água da mina, bem como de terem confessado a prática de atos que impedem o normal uso da mina e da água que brota da mesma pelos AA, reconhecendo os RR da existência da mina e água e uso que os AA fazem da mesma.
VI. Confessaram de forma direta, que colocaram um tubo na mina, a escoar a água, sem autorização, consentimento e conhecimento dos AA e contra a vontade dos mesmos.
VII. Sendo que os RR, assim o confessaram, na pessoa do CC, em depoimento de parte de 28/11/2022 cujo depoimento se encontra gravado e registado no sistema h@bilus media studio com a referência CITIUS 20221128145936_4165898_2870305, sendo que todas as referências de tempo de gravação que se seguem são relativamente ao depoimento de parte dos RR (adiante minuto – m e segundo – s) - m2s20 a m2s25; m2s45 a m3s00; m3s45; m6s35 a m6s45; m7s20 a m7s31; m8s30 a m10s00; m10s00; m10s00 a m11s30; m11s40 a m12s20; m13s30; 14s30 a 15s20.
VIII. Bem como os depoimentos das testemunhas dos Requerentes, foram completamente ignorados, nomeadamente do que resulta inequivocamente dos depoimentos de DD de 11/11/2022 gravado no h@bilus media studio com a referência 20221111101102_4165898_2870305 (sendo que todas as referências de tempo de gravação que se seguem são relativamente a esta testemunha), o qual confirmou a existência da mina, local, água, finalidade, condução da água, corte da água, prejuízos que os AA têm em não ter água, intenção dos RR em não permitir o AA aceder à mina e água e demais factos que justificam o decretamento da providência - com especial importância e nitidez do depoimento aos m2s40 a m3s5; m5s47 a m6s30; m6s30 a m6s50; m6s50 a m7s15; m7s15 a m7s45; m7s45 a 8m30; m8s40 a m8s45; m9s20 ao m9s55; m10s00 ao m10s37; m11s25 a m12s00; m13s20 a m13s55; m14s00 a m14s55; m15s40 a m15s00; m16s30 m17s00, cuja passagem foi escrutinada nas alegações.
IX. Relativamente à testemunha EE a qual prestou depoimento em 11/11/2022 gravado no h@bilus media studio com a referência 20221111104246_4165898_2870305, sendo que todas as referências de tempo de gravação que se seguem são relativamente a esta testemunha, a mesma referiu conhecer perfeitamente o local, a mina, sua existência, água que brota dela, que a mesma de forma ininterrupta a mais de 50 anos que é usada pelos AA e seus antecessores, de forma pública, pacifica, com a convicção que é dos mesmos, e que não detêm qualquer outra água, pública ou privada, que possa canalizar e usar para consumo doméstico, dos animais e regadio e que tem vindo a assistir com grande tristeza o desespero dos AA e família na privação de água, derivada diretamente da atuação dos RR, como se poderá extrair, de forma notória do seu depoimento, nomeadamente ao m6s00 a m6s20; m7s30 a m7s50; m9s30 a m10s00; m10s15 a m12s20; m13s20 a m15s15; 14s20 a m15s50; m15s25 a m15s45; m15s50 a m16s05; m18s20 a 19ms15; m20s50 a m21s00; m21s10 a m22s25.
X. Quanto à testemunha FF, confirmou na integra o depoimento das anteriores testemunhas, nomeadamente DD e EE, a qual prestou depoimento em 11/11/2022 gravado no h@bilus media studio com a referência 20221111112913_4165898_2870305 (sendo que todas as referências de tempo de gravação que se seguem são relativamente a esta testemunha), tendo testemunhado a existência da mina, sua localização, a água que dela brota e o destino que os AA lhe davam, nomeadamente para consumo doméstico, para os animais e regadio, bem como a água lhes pertence há mais de cinquenta anos, de forma ininterrupta e pública, e que ao longo dos anos a têm vindo a usar exclusivamente e a exercer atos de posse, limpando-a, canalizando a água para a habitação, bem como dos prejuízos que os AA se encontram a deter com a privação de água - m3s50 a m4s45; m4s45 a m5s50; m8s10 a m8s50; m9s35 a m10s45; m11s00 a m11s40; m13s00 a m13s30; m15s00 a m15s30; m15s45 a m1630s; m18s00 a m20s20).
XI. Relativamente às testemunhas dos RR, nenhuma das testemunhas alega ter conhecimento da realidade do local e do sucedido, mas confirmam a existência da mina, a cuba no tanque/presa e a canalização da mina para a cuba.
XII. Inclusive a testemunha GG, testemunha dos RR, a qual prestou depoimento em 28/11/2022 gravado no h@bilus media studio com a referência 20221128141804_4165898_2870305 (sendo que todas as referências de tempo de gravação que se seguem são relativamente a esta testemunha), revelou (m2s20 a m2s40) que fez uns trabalhos para os AA, em 2016/2017 e que nomeadamente no local abriu uma vala e tinha um cano, e que esse cano ligava a mina ao tanque e que esse cano era muito antigo e que acabou por retirou esse cano antigo e substitui-lo a pedido do A. AA (m11s30 a m12s45),(m20s20 a m21s30) tendo ainda referido que fez a limpeza da mina a pedido dos AA (m23s10).
XIII. Ora os factos dados como não provados tem que necessariamente serem reanalisados e objeto de um juízo de valor minimamente razoável e considerados como provados, como deverá decorrer do supra depoimento de parte, depoimentos das testemunhas e especialmente documentos juntos, nomeadamente
XIV. - documento 1 que descreve a localização da mina, cuja boca se localiza num cômoro, e cujo prédio pertence à Ré A..., bem como a existência do depósito de água e casa dos AA.
XV. - documento 2 e 3, que faz prova da existência da propriedade dos AA, facto dado como provado;
XVI. - documento 4 – que é uma planta oficial da rede pública de fornecimento de água, na qual se verifica que não existe resposta municipal ou pública de abastecimento de água canalizada;
XVII. - documento 5 – demonstrativo que a R. A... é legítima possuidora e proprietária do prédio onde está a mina, sendo que os prédios não se encontram com georreferenciação registada;
XVIII. - documento 7, demonstrativa que a pessoa da Ré sociedade A... e pessoa individual R CC, são a mesma pessoa e confundem-se perante terceiros, sendo indistinto o que um faz de diferente do outro.
XIX. - documento 8, de cujo relatório se verifica a existência de mina, cuba, canalizações da mina para a cuba, e desta, para casa dos AA.
XX. Bem como, por último, a consideração de certos factos como provados, terá que decorrer da lógica, das regras da experiência comum, ou devendo-se considerar os mesmos como notórios - sabendo-se de antemão da existência de árvores folhosas, sabe-se que irá produzir no futuro, folhagem, que irá cair e sujar o que à volta se encontra, e se se encontrar junto da boca da mina, a mina e água, bem como é certo que as raízes de árvores, com o seu crescimento, é um fator bastante provável para causar o desabamento de uma mina de água que se encontre a poucos metros de profundidade, já para não mencionar que prejudicará o rendimento desta, atento que consumirá água, o que se afigura inclusive abuso de direito.
XXI. Por último acresce que a providência é dirigida às pessoas, aos aqui RR, pelo que em última linha não é pressuposto que os mesmos sejam os legítimos possuidores ou proprietários dos terrenos onde se encontra a mina, bastando somente que se encontrem, ou pretendam esbulhar a posse dos aqui AA., sendo que no caso em concreto apresentam-se como proprietários e detentores dos prédios em questão – onde se encontram a mina – tanto o teto da mina, como a boca da mina e saída da mina.
XXII. Lamentavelmente, não foi realizada inspeção ao local como requerida no Requerimento inicial, o que lamentavelmente inquinou decerto modo as considerações alcançadas, sendo que forçosamente, a matéria dada como não provada terá que necessariamente ser dada como provada, para que se possa aplicar o direito e justiça devidamente.
XXIII. Sumariamente, terá que resultar, face à alteração da matéria de facto, que se devem considera como preenchidos todos os pressupostos para serem decretadas as providências requeridas, nomeadamente
XXIV. A) A aparência de existência de um direito (para o decretamento das providências basta que summaria cognitio se conclua pela séria probabilidade do direito invocado (fumus bonis iuris), não sendo necessário provar a sua efetiva existência - É evidente que existe uma
mina de água e que quem explorava essa mina era e são os AA e os seus antecessores, sendo os AA os legítimos possuidores e proprietários da água, direito esse, que se não por qualquer outra figura, adquiriram por usucapião – artigos 1389.º e 1390.º 1 do CC, sendo que ao contrário do invés alegado na Sentença, resulta óbvio a existência de obras - resulta das fotos juntas – construção em alvenaria da mina, e colocação de cano, perfeitamente visível dentro da mina, e na ligação da cuba, sendo que os próprios RR confessaram que a água fazia refluxo no cano e que se encontrava dentro a mina.
XXV. b) Existência de um fundado receio de que outrem cause uma lesão nesse direito durante a natural demora na resolução definitiva do litígio (periculum in mora) - Ora, se os próprios RR confessam em Tribunal que não reconhecem o direito dos AA à água da mina e negam o acesso dos AA à mina, pois dúvidas não subsistem que á mais que fundado receio, existe uma verdadeira lesão.
XXVI. c) A gravidade dessa lesão - O que poderá ser mais grave que não deter água em casa para consumo doméstico? Para regadio das plantas e alimentação dos animais? A limitação e proibição no acesso à água, não é grave, consubstancia foros de crime, pelo que não é grave é gravíssimo e ofensivo dos mais básicos direitos dos AA.
XXVII. d) A natureza dificilmente reparável dessa mesma lesão – Certamente é consabido, que por falta de água, e especialmente no período em que enfrentamos uma seca extrema (maio de 2022), a referida lesão será dificilmente reparável.
XXVIII. e) A concreta adequação da providência cautelar para assegurar a efetividade do direito em causa. - As providências requeridas, e que resultam do Requerimento inicial e que a final se renovam são plenamente adequadas para assegurar os direitos dos AA.
XXIX. f) A não abrangência, por qualquer processo cautelar nominado, da providência que se visa obter - Para proteção dos direitos dos AA, não subsiste qualquer providência cautelar adequada, sem prejuízo, a existir da sua convolação.
XXX. g) Que o prejuízo resultante para o requerido da providência cautelar em causa não exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar - Ora, do decretamento das providências, não resulta quaisquer prejuízos para os RR, a não ser o incómodo próprio da ação judicial.
XXXI. Pelo que encontrando-se preenchidos todos os pressupostos do decretamento da providência, e o Tribunal “a quo” ao não o decretar, viola, não somente os mais elementares princípios de justiça, como da lei, nomeadamente artigos 362.º, 368.º, n.º 1, 607.º, n.º 4 e 5 do CPC e
1389.º, 1390.º, n.º 1, 1316.º, 1317.º, al. c), 1311.º, n.º 1, 1305.º, 70.º, n.º 1, todos do Código Civil.
Termina por pedir a revogação da sentença proferindo decisão que decrete:
- os RR. condenados a restituir a mina e água, que é da posse e propriedade dos AA e que inclui a nascente de água existente no local e servidão de aqueduto da água, devendo retirar todo e qualquer cano colocado pelos mesmos na mina ou na sua boca;
- os RR serem obrigados a retirarem da boca da mina e de sua proximidade, no mínimo de 10 metros em seu redor, toda e qualquer árvore plantada;
- permitir aos AA e qualquer outra pessoa ao seu mando, para que possam aceder, quando assim o julgarem necessário, à mina de água e sua boca, para que possam limpar a mesma, ou entrada de canos por onde a água é conduzida ou de qualquer outra forma de aqueduto ou condução das águas;
- pagar, o R, a título de sanção compulsória a quantia de 500,00€ (quinhentos euros) por cada dia que incumpra a obrigação de entrega e desrespeite o direito de posse dos AA sobre a mina e água pertencente aos AA, até à restituição do estado em que a mina, e a utilização da água, nomeadamente através do cano existente que se encontrava ao momento do perturbação da posse, nomeadamente, retirando todas as plantações existentes no local da mina, supra peticionado, bem como não praticando qualquer ato que limite ou impeça os AA de usarem a mina e água.
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Os requeridos vieram apresentar resposta ao recurso, na qual formularam as seguintes conclusões:
I - O recurso apresentado pelos recorrentes faz uma apreciação da decisão de que recorre e da prova produzida de forma a ajustá-las à sua narrativa;
II - O que leva a que muitas vezes refira conclusões que não constam, pelo menos da forma como as descreve, na decisão recorrida;
III - Veja-se a título de exemplo que alega que a decisão recorrida “referiu de forma genérica que as testemunhas oferecidas pelos autores eram familiares e não lhes conferiu credibilidade”;
IV – No entanto, o que a decisão recorrida menciona é que as testemunhas apresentadas pelos Autores não produziram um testemunho que contribuísse para afastar a dúvida estabelecida pelas testemunhas dos réus;
V - Olvidando que era a si, autores, que competia produzir a prova sobre os factos e direitos alegados;
VI - Não fazendo a sentença recorrida qualquer depreciação daqueles testemunhos por terem a qualidade de familiares dos Autores/Recorrentes.
VII - Na verdade a decisão ora recorrida considerou, e bem, que os autores não foram capazes de produzir prova, sequer da séria probabilidade de existência do direito que se arrogavam,
VIII - Condição primeira para que pudessem ser apreciados todos os outros requisitos de que a lei faz depender o provimento dum procedimento cautelar.
IX - Aliás, nenhuma outra conclusão poderia ser retirada da prova produzida em audiência de julgamento,
X - Dado que as testemunhas apresentadas pelos requeridos/recorridos depuseram duma forma clara e isenta e
XI - Confirmaram que quando foram ao local, para executar os trabalhos encomendados, no terreno onde se situa a mina,
XII - O local apresentava um aspeto abandonado,
XIII - A testemunha HH quando questionado acerca do estado em que encontrou o terreno, quando lá chegou para o limpar, foi perentório em responder que “estava todo ao abandono” (gravação do depoimento da referida testemunha ao minuto 4.29),
XIV - Tal como referiu, quando questionado sobre o tanque onde os recorrentes alegam armazenar a água que consomem, que “o tanque está todo partido, não está operacional” (gravação do depoimento da referida testemunha ao minuto 6.26),
XV - Acrescentando “está todo partido e não é de agora” (gravação do depoimento da referida testemunha ao minuto 6.37).
XVI – Também a testemunha GG, que confirmou ter ido ao local em 2016 ou 2017 colocar os tubos a pedido do requerente/recorrente, utilizou, para descrever o estado em que encontrou o local, expressões como “Apesar de estarem há muito tempo ao abandono” (gravação do depoimento da referida testemunha ao minuto 10.33),
XVII – “A erva era muito mais densa” (gravação do depoimento da referida testemunha ao minuto 10.54),
XVIII - E quando questionado se achava que o terreno e a mina tinham aspeto de terem sido limpos, respondeu sem hesitar “não” (gravação do depoimento da referida testemunha ao minuto 11.18).
XIX – Por terem as testemunhas dos requeridos/recorridos deposto todas no mesmo sentido,
XX - Não poderia assim o tribunal “a quo” decidir de forma diferente da que efetivamente decidiu,
XXI - Não podendo dar crédito ao depoimento das testemunhas dos AA,
XXII - Testemunho esse que nem à luz do bom senso é credível,
XXIII - Já que as testemunhas dos AA/recorrentes parecem sempre muito preocupadas em afirmar que apesar do terreno ter sido vendido,
XXIV - Foi-o sem a mina da água,
XXV - Ora, não é de todo credível que se esse fosse o caso, tal não tenha sido acautelado no documento do venda,
XXVI - O que efetivamente não aconteceu.
XXVII - Não poderá acreditar-se que alguém venda um terreno, onde existe uma minha de água, de sua propriedade, assinando a competente escritura,
XXVIII - E tendo a intenção de reservar para si a “mina de água” não salvaguarde tal situação no referido documento,
XXIX - E que tal tenha sido apenas “falado de boca” como refere a testemunha EE (gravação do depoimento da referida testemunha ao minuto 6.48),
XXX - Testemunha essa que refere ainda que “Por aquilo que eu ouço dizer o Senhor AA continuou a dar a água” (gravação do depoimento da referida testemunha ao minuto 7.21).
XXXI - Além da questionabilidade dos depoimentos por ouvir dizer, sempre se poderia acrescentar que ninguém pode dar aquilo que não é seu,
XXXII – E que a acreditar no depoimento desta testemunha temos de concluir duas situações completamente contraditórias,
XXXIII - Por um lado o seu pai vendeu ao Sr. II apenas o terreno reservando para si a mina de água,
XXXIV - Mas por outro o Sr. II dava água ao seu pai…
XXXV – Face a estas contradições o tribunal a quo nunca poderia, e bem, valorizar este depoimento e
XXXVI – E os das restantes testemunhas dos recorrentes que depuseram todas de forma semelhante.
XXXVII - Na verdade, os Autores não lograram fazer a prova que lhes competia, nomeadamente da existência da forte probabilidade de terem o direito que se arrogam.
XXXVIII - Ora assim, e como bem decidiu a sentença do tribunal a quo, ao não lograrem fazer prova do primeiro dos requisitos cuja verificação é necessária para que possa ser decretada uma providência cautelar,
XXXIX - Não poderia o tribunal a quo aferir da verificação de todos os outros, porquanto, nos termos do disposto na lei, para que se possa decretar a providência cautelar é necessário que se verifiquem cumulativamente todos os pressupostos.
XL - Quanto ao demais, apenas a nota de que os recorrentes alegam proferindo afirmações e pseudo-verdades e concluindo sobre matéria que é, no mínimo, controvertida, não foi dada como provada, é oriunda de mera alegação e cujo ónus de prova a eles cabia,
XLI - E não lograram fazer pelo que o tribunal a quo não poderia ter decidido de forma diversa.
XLII - Desde logo, por se revelar rigorosa, ponderada, expressão plena e ajustada à prova produzida e jurídica e processualmente irrepreensível, remete-se para o conteúdo da sentença recorrida, nomeadamente para as respetivas conclusões, dando-se por integralmente reproduzido o seu conteúdo para os devidos e legais efeitos, acompanhando a mesma, sem reservas;
Termina por pedir que se julgue improcedente o recurso, mantendo se a decisão proferida no Tribunal de 1ª Instância.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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No Tribunal da Relação proferiu-se acórdão em 26 de junho de 2023 que determinou a baixa dos autos à 1ªinstância para completar a fundamentação dos factos julgados não provados.
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Devolvidos os autos ao Tribunal de 1ª instância foi proferido despacho que completou a fundamentação (inserido a páginas 32 do processo eletrónico, ref. Citius 128727046).
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- omissão da diligência de inspeção ao local;
- reapreciação da decisão de facto;
- mérito da causa.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
1) Por escritura pública de partilha por óbito de JJ, outorgada a 27.08.2009 no Cartório Notarial da Exm.ª Sr.ª Notária KK, foi, para além do mais, adjudicado ao aqui requerente um prédio urbano composto de casa de habitação de dois pisos, curral e quintal, sito na Rua ..., descrito sob o número mil trezentos e vinte e sete, registado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos outorgantes nessa escritura e representados pela inscrição Ap. Dois de dois mil e oito/zero quatro, inscrito na matriz sob o art. ...89º.
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- Factos não provados -
a) No prédio descrito sob o nº...52 e inscrito na matriz sob o art....33 existe uma mina de água.
b) Os requerentes são legítimos e exclusivos possuidores e proprietários de uma mina de água e da água que brota da mesma, sendo que a referida água é destinada ao consumo doméstico dos requerentes, uma vez que inexiste rede pública de abastecimento de água, e para regadio de hortas e terrenos dos requerentes, localizando-se a referida mina e sua boca, na propriedade da 1.º requerido, e que o 2.º requerido é sócio (conjuntamente com a esposa) e único gerente, encontrando-se os requeridos a impedir o acesso dos requerentes à referida mina, bem como a impedir os mesmos de aceder à água da mina.
c) Essa água encontra-se canalizada desde a sua nascente para um depósito de água sito numa presa, propriedade dos requerentes, e que abastece a casa destes, nomeadamente, beber, cozinhar, tomar banho, limpar a casa, regadio da horta e outros prédios agrícolas.
d) A boca da mina sempre se encontrou aberta, sem vedação, limpa de arbustos, árvores e demais vegetação, sendo gerida pelo requerente, de forma a não impedir o acesso e boa qualidade da água.
e) A canalização da água da mina foi feita através de cano de plástico, que conduzia a água entre a mina e o depósito existente no local, tendo sido colocado pelo requerente há mais de 10 anos, atravessando o prédio descrito sob o nº ...52.
f) E antes desse cano de plástico já existia um cano de barro, colocado há mais de 80 anos pelo avô do requerente.
g) A mina e água que dela brota, sempre foram, do requerente e dos seus ascendentes, encontrando-se diretamente posse do requerente, há cerca de 40 anos, e antes de si, através dos seus pais, avôs, bisavós, ou seja, a tempos que se perdem na memória.
h) O requerente e os seus antecessores, usavam a título exclusivo a mina e sua água, para o seu consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
i) Limpando a mina e a boca da mina.
j) Conduzindo a água da mina, para as suas propriedades.
k) Nunca permitindo que outros usassem da água da mina, a não ser com a autorização dos mesmos.
l) Sempre com a plena e absoluta convicção que a mina e sua água é sua propriedade.
m) Sendo a posse da mina e água da mina, pacífica, pública e de boa-fé, nunca tendo tido oposição de ninguém.
n) A 1ª requerida é legítima possuidora dos prédios rústicos onde se localizam a mina e a boca da mina, com exclusão do direito sobre a mina a água que brota da mesma.
o) Logo que o prédio n.º ...52 foi adquirido pela 1.ª requerida em 2019, de imediato, o 2.º requerido conversou com o requerente para que o mesmo fizesse um furo ou um poço numa das suas propriedades, uma vez que lhe iria tirar a água da mina.
p) Sendo que sucessivamente, e de forma gradual e mais azeda, o 2.º requerido dizia ao requerente que lhe ia tirar a água da mina, passando, a partir de certa altura que o requerente não se recorda, a dizer-lhe que o mesmo estava proibido de ir à mina.
q) Tendo repetido por diversas vezes as referidas expressões, entre 2019 e 2022.
r) Tendo inclusive numa das últimas vezes vociferado em alta voz e aos berros ao requerente “você não vai lá mais à mina..”.
s) O requerente tem ido à mina, limpando a mesma e a entrada do cano.
t) No dia 18 de maio de 2022, em hora não concretamente apurada, os requerentes, ou alguém ao seu mando, limitaram o acesso dos requerentes à água da mina, através da colocação de um cano, desde a boca da mina, até ao rego foreiro.
u) Sendo que os requerentes desconhecem se o mesmo cortou o cano ou não, ou se simplesmente o retirou, ou se o fechou, impedindo que, em todo o caso, que a água seguisse da mina para o depósito existente no local e pertença dos requerentes.
v) Sendo certo que os requeridos desviaram a água da mina.
w) Os requeridos sabem que a água da mina é dos requerentes e que não podia cortar o abastecimento da água, através do corte do cano, bem como, sabem que os requerentes não têm qualquer outra alternativa de abastecimento de água, encontrando-se atualmente sem água para o seu consumo, bem como para consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
x) Acresce ainda, que após aquela data de 18 de maio de 2022, os requeridos plantaram várias árvores de fruto à volta da mina.
y) O que, quando crescerem, irá sujar a água da mina.
z) E as raízes das mesmas, naturalmente, irão infiltrar-se na mina, reduzindo o caudal de água, bem como potenciando o desabamento da mina.
aa) Acrescendo que, na própria entrada da mina, colocou uma planta de videira.
bb) Quando nunca existiu no local da boca da mina e à sua volta, no passado, qualquer árvore de fruto.
cc) No dia 10 de junho de 2022, os requeridos colocaram um cano amarelo sobre a presa dos requerentes, sendo que da mesma não brota água.
dd) Desconhecendo os requerentes com que intenção e finalidade.
ee) Sendo certo, que iniciaram a execução de um conjunto de atos de posse sobre a mina de água e água que brota da mesma.
ff) Impedindo os requerentes nomeadamente os requerentes de acederem à mina para limparem a mesma e a sua boca, cano e uso da água.
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3. O direito
- Da omissão de inspeção ao local -
No ponto III das conclusões de recurso os apelantes insurgem-se contra o facto do juiz do tribunal “a quo” não ter produzido todos os meios de prova por estes requeridos, porque não realizou a inspeção ao local.
Analisados os autos, contata-se que foi deferida e realizada a inspeção ao local, lavrando-se em ata o auto de inspeção.
Perante o impedimento do juiz que iniciou o julgamento, proferiu-se despacho que deu sem efeito a prova produzida. Procedeu-se de novo à produção de prova, sem que se tenha realizado nova inspeção judicial e sem que o juiz se tenha pronunciado sobre a sua dispensa.
Nestas circunstâncias a omissão do ato constitui uma irregularidade que se mostra sanada porque não foi suscitada até ao encerramento da sessão de prova.
Nos termos do art.º 390 do Código Civil “A prova por inspeção tem por fim a perceção direta dos factos pelo Tribunal”.
Dispõe o art.º 490º do CPC que: “O tribunal, sempre que o julgue conveniente, pode, por sua iniciativa ou a requerimento das partes, e com ressalva da intimidade da vida privada e familiar e da dignidade humana, inspecionar coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos, quando a entender necessária”.
A prova por inspeção apresenta, assim, dois traços caraterísticos intrínsecos: trata-se de uma prova direta, porque coloca o julgador em contato imediato com o facto a averiguar e uma prova real, porque o instrumento probatório é uma coisa ou pessoa. Atribui-se, ainda, outra caraterística de caráter extrínseco, porque a inspeção pode envolver a deslocação do juiz ao local onde se encontra a coisa ou pessoa a examinar[2].

A lei faz depender a realização de inspeção de um juízo de oportunidade formulado pelo juiz, quando prevê a sua realização “sempre que o julgue conveniente”. Significa, isso, que é no confronto com os demais meios de prova que o juiz vai tomar uma posição sobre o efetivo interesse e relevância deste meio de prova para o julgamento dos factos controvertidos, podendo pois a diligência ser dispensada quando não se mostra útil ou necessária, caso em que “a nossa lei releva positivamente a redundância da prova”[3].
Como observa ABRANTES GERALDES: “ […] a partir de um determinado grau de corroboração, a incorporação de novas provas no mesmo sentido implica um benefício muito pequeno, justificando-se a exclusão da nova prova inspeção judicial. Em suma, a partir do momento em que a inspeção judicial deixou de ser tendencialmente infungível e passou a ser totalmente fungível, pode o juiz dispensá-la”[4].
Também LEBRE DE FREITAS salientando este aspeto refere:” [a]s partes podem requerer a inspeção judicial, mas o juiz pode indeferir o requerimento por, independentemente da atinência aos factos da causa e à seriedade do requerimento, não entender verificada a sua conveniência para a formação da convicção a formar, requisito este de caráter positivo, e já não negativo, do direito à prova por inspeção judicial”[5].
No caso concreto, como se referiu, o juiz não se pronunciou sobre a realização da inspeção ao local, ordenando ou dispensando a mesma, o que configura uma irregularidade.
Com efeito, atento o disposto nos art.195.º e seg. CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.

Porém, como referia o Professor ALBERTO DOS REIS, há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos[6].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC e por sua vez, as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art. 195º CPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art.º 199º CPC.
A omissão de pronúncia sobre o pedido de realização de inspeção ao local, não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art.º 186º a 194º e 196º a 198º do CPC.
Representa, pois, a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art.195.º CPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.199.º CPC.
A realização da diligência de inspeção ao local passa por um juízo de conveniência a efetuar até ao encerramento da audiência de julgamento, pelo que, encontrando-se presente o mandatário da parte na sessão de produção de prova, cumpria suscitar até ao encerramento do ato a respetiva irregularidade e não o tendo feito, considera-se sanado o vício.
O recurso de apelação não constitui o meio processual próprio para conhecer das infrações às regras do processo quando a parte interessada não arguiu a nulidade perante o tribunal onde aquela alegadamente ocorreu, conforme resulta do regime previsto nos art. 196.º a 199.º CPC.
Improcedem, nesta parte das conclusões de recurso sob o ponto III.
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- Reapreciação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a XXII, os apelantes vieram requerer a reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova, em relação aos factos julgados não provados, sob as alíneas a) a ff).
Passando à apreciação da verificação dos pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
O art. 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“ 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3. […]”
O presente regime veio concretizar a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova[7].
Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso -, motivar o seu recurso com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação - e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e os apelantes vieram impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar – documentos, depoimento de parte e prova testemunhal - e decisão que sugere.
Nos termos do art. 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.
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Nos termos do art. 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, de acordo especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[8].
Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[9].
Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º396º CC e art.º607º/5, 1ª parte CPC.
Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “ […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[10].
Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC).
Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.
É através dos fundamentos constantes do despacho em que se respondeu à matéria da base instrutória que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[11].
Por outro lado, porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[12].
Atenta a posição expressa na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos, deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido[13].
Acresce ao exposto, o facto de estarmos na presença de um procedimento cautelar - procedimento cautelar comum - sujeito à prova sumária dos factos e segundo um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança[14].
Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pelos apelantes, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, justifica-se alterar, em parte a decisão de facto.
Os apelantes impugnam a decisão dos seguintes factos:
a) No prédio descrito sob o nº...52 e inscrito na matriz sob o art....33 existe uma mina de água.
b) Os requerentes são legítimos e exclusivos possuidores e proprietários de uma mina de água e da água que brota da mesma, sendo que a referida água é destinada ao consumo doméstico dos requerentes, uma vez que inexiste rede pública de abastecimento de água, e para regadio de hortas e terrenos dos requerentes, localizando-se a referida mina e sua boca, na propriedade da 1.º requerido, e que o 2.º requerido é sócio (conjuntamente com a esposa) e único gerente, encontrando-se os requeridos a impedir o acesso dos requerentes à referida mina, bem como a impedir os mesmos de aceder à água da mina.
c) Essa água encontra-se canalizada desde a sua nascente para um depósito de água sito numa presa, propriedade dos requerentes, e que abastece a casa destes, nomeadamente, beber, cozinhar, tomar banho, limpar a casa, regadio da horta e outros prédios agrícolas.
d) A boca da mina sempre se encontrou aberta, sem vedação, limpa de arbustos, árvores e demais vegetação, sendo gerida pelo requerente, de forma a não impedir o acesso e boa qualidade da água.
e) A canalização da água da mina foi feita através de cano de plástico, que conduzia a água entre a mina e o depósito existente no local, tendo sido colocado pelo requerente há mais de 10 anos, atravessando o prédio descrito sob o nº ...52.
f) E antes desse cano de plástico já existia um cano de barro, colocado há mais de 80 anos pelo avô do requerente.
g) A mina e água que dela brota, sempre foram, do requerente e dos seus ascendentes, encontrando-se diretamente posse do requerente, há cerca de 40 anos, e antes de si, através dos seus pais, avôs, bisavós, ou seja, a tempos que se perdem na memória.
h) O requerente e os seus antecessores, usavam a título exclusivo a mina e sua água, para o seu consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
i) Limpando a mina e a boca da mina.
j) Conduzindo a água da mina, para as suas propriedades.
k) Nunca permitindo que outros usassem da água da mina, a não ser com a autorização dos mesmos.
l) Sempre com a plena e absoluta convicção que a mina e sua água é sua propriedade.
m) Sendo a posse da mina e água da mina, pacífica, pública e de boa-fé, nunca tendo tido oposição de ninguém.
n) A 1ª requerida é legítima possuidora dos prédios rústicos onde se localizam a mina e a boca da mina, com exclusão do direito sobre a mina a água que brota da mesma.
o) Logo que o prédio n.º ...52 foi adquirido pela 1.ª requerida em 2019, de imediato, o 2.º requerido conversou com o requerente para que o mesmo fizesse um furo ou um poço numa das suas propriedades, uma vez que lhe iria tirar a água da mina.
p) Sendo que sucessivamente, e de forma gradual e mais azeda, o 2.º requerido dizia ao requerente que lhe ia tirar a água da mina, passando, a partir de certa altura que o requerente não se recorda, a dizer-lhe que o mesmo estava proibido de ir à mina.
q) Tendo repetido por diversas vezes as referidas expressões, entre 2019 e 2022.
r) Tendo inclusive numa das últimas vezes vociferado em alta voz e aos berros ao requerente “você não vai lá mais à mina.”.
s) O requerente tem ido à mina, limpando a mesma e a entrada do cano.
t) No dia 18 de maio de 2022, em hora não concretamente apurada, os requerentes, ou alguém ao seu mando, limitaram o acesso dos requerentes à água da mina, através da colocação de um cano, desde a boca da mina, até ao rego foreiro.
u) Sendo que os requerentes desconhecem se o mesmo cortou o cano ou não, ou se simplesmente o retirou, ou se o fechou, impedindo que, em todo o caso, que a água seguisse da mina para o depósito existente no local e pertença dos requerentes.
v) Sendo certo que os requeridos desviaram a água da mina.
w) Os requeridos sabem que a água da mina é dos requerentes e que não podia cortar o abastecimento da água, através do corte do cano, bem como, sabem que os requerentes não têm qualquer outra alternativa de abastecimento de água, encontrando-se atualmente sem água para o seu consumo, bem como para consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
x) Acresce ainda, que após aquela data de 18 de maio de 2022, os requeridos plantaram várias árvores de fruto à volta da mina.
y) O que, quando crescerem, irá sujar a água da mina.
z) E as raízes das mesmas, naturalmente, irão infiltrar-se na mina, reduzindo o caudal de água, bem como potenciando o desabamento da mina.
aa) Acrescendo que, na própria entrada da mina, colocou uma planta de videira.
bb) Quando nunca existiu no local da boca da mina e à sua volta, no passado, qualquer árvore de fruto.
cc) No dia 10 de junho de 2022, os requeridos colocaram um cano amarelo sobre a presa dos requerentes, sendo que da mesma não brota água.
dd) Desconhecendo os requerentes com que intenção e finalidade. ee) Sendo certo, que iniciaram a execução de um conjunto de atos de posse sobre a mina de água e água que brota da mesma.
ff) Impedindo os requerentes nomeadamente os requerentes de acederem à mina para limparem a mesma e a sua boca, cano e uso da água.
Na fundamentação da decisão ponderou-se:
“No que concerne aos factos dados como não provados, os mesmos resultaram da ausência de prova razoável, suscetível de assegurar indícios suficientes sobre os argumentos expendidos pelos requerentes, a quem incumbia o ónus de prova.
Efetivamente, a prova documental não atestou a titularidade de águas invocada pelos requerentes, desiderato também não alcançado pela prova testemunhal.
Com efeito, as testemunhas DD, EE, FF, familiares próximos dos requerentes, não contribuíram para afastar a dúvida estabelecida pelas testemunhas arroladas pelos requeridos no seguinte conspecto, a mina, os canos e o tanque não tinham aspeto de terem sido utilizados nos últimos anos, muito menos para a utilização apontada pelos requerentes – de consumo para casa e para regar -, elemento este fundamental para justificar o direito invocado pelos requerentes. Na verdade, todas as testemunhas arroladas pelos requeridos declararam em uníssono que não era percetível uma utilização corrente e constante, dado que os canos eram muito antigos e estavam sujos, o mesmo sucedendo com o tanque. Mais frisaram que tanto a mina como o tanque estavam praticamente tapados com vegetação (silvas).
A par disso, o relato apresentado por aquelas primeiras testemunhas não se afigurou cabal para dissipar a incerteza gerada a propósito da seguinte circunstância: os prédios onde se localizam mina, canos e tanque já em tempos pertenceram a familiares dos requerentes que depois venderam a terceiros; ora, sendo a captação da água e o seu pleno domínio essencial, dado que aqueles prédios e a habitação onde vivem os requerentes e onde viveram os seus antepassados não possuem ligação à rede pública de abastecimento de água ou a um poço particular, não se compreende como foram transmitidos os prédios a terceiros sem que a titularidade sobre a água e sua captação ficasse sempre assegurada aos prédios que depois chegaram à posse dos requerentes.
O assinalado circunstancialismo contribuiu para a subsistência de dúvida, pelo que importava decidir em desfavor da parte a quem competia o respetivo ónus de prova, in casu, os requerentes.
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A fundamentação foi completada no despacho proferido em 22 de outubro de 2023, nos seguintes termos:
“Tal como antes mencionado, da prova documental carreada para estes autos não resultou informação cabal quanto à titularidade de água e a localização de nascente de água.
Os factos dados como não provados em a) a m) assim resultaram porquanto, da prova testemunhal, mormente, da prova testemunhal arrolada pelos requerentes, não derivou um relato certo e seguro quanto a esse circunstancialismo, ao invés, mostrou-se pouco crível.
Com efeito, a testemunha DD, filho dos requerentes, prestou um depôs com parcimónia, mencionando que a nascente de água existe e é anterior ao seu nascimento, respondendo inicialmente que essa água era utilizada na sua casa para banhos, cozinhar e regadio, acrescentando, posteriormente, que recolhiam água de fonte pública, não conseguindo, assim, transmitir a frequência e finalidade para que usavam a água da suposta nascente em cotejo, quando também utilizavam água de fonte pública.
Paralelamente, a testemunha EE, irmã do requerente, retorquiu quanto à existência de uma mina de água que serve a casa do seu irmão e terreno, transmitindo que o seu pai vendeu o prédio a II, incluindo a mina, mas a água continuava a vir e a servir a casa dos seus pais, atual casa do seu irmão. Ora, dos documentos juntos não deriva qualquer menção a esta servidão de águas ou utilização de mina de água para certos fins, devidamente espelhada em ato de transmissão de propriedade. E assim seria suposto dada a importância atribuída àquela mina de água, enquanto fornecedora de água a habitação também para fins domésticos. Era pois expectável que, atendendo à finalidade atribuída à mina de água, que o seu aproveitamento e utilização ficassem devidamente exarados no documento de transmissão. O que não sucedeu. Mais importa frisar que esta testemunha começou por descrever a estrutura que existia antigamente naquela mina e o que a sua água servia na casa que atualmente é dos requerentes. Todavia, posteriormente, respondeu que “para tomar banho e lavar a roupa vão (os requerentes) retirar água de outro rego que vem de outra mina e vão (os requerentes) também buscar água à fonte.”, mais mencionando “que a água para regar vinha da mina aqui em discussão e de outra mina que tem água pública, mas que é usada por vários”. Relato este que foi acompanhado pela testemunha FF.
Queremos com isto salientar que da prova testemunhal arrolada pelos requerentes não resultaram depoimentos tidos por nós como críveis, sem descurar que competia aos requeridos demonstrar a factualidade a ) a f), n) a dd) e ff).
Efetivamente, não foi produzida prova quanto à localização exata de mina de água e as suas características e, sobretudo, a titularidade por parte dos requerentes quanto a essa mina e a sua água. A par disso, ficou evidente dos depoimentos das testemunhas indicadas pelos requerentes, que estes utilizam água proveniente de furos públicos, dando uma utilização doméstica frequente e para regadio. De igual modo, tais depoimentos não se mostraram razoáveis quanto à suposta implementação pelo requerente de cano de plástico, há mais de 10 anos e que esta seja conduzida para a casa dos requerentes para fins domésticos e regadio.
O exposto de n) a dd) e ff), que alude, sobremaneira, à intenção dos requeridos de impedirem o acesso dos requerentes à água, não foi relatado com minúcia pelas testemunhas FF, EE e DD, antes foram infirmadas pelas testemunhas arroladas pelos requeridos. E ainda que estas testemunhas tenham abordado a existência de canos no prédio do requerido e do tanque com depósito de água, não responderam de forma assertiva em como foi o requerente a colocar os canos para conduzir a água até ao tanque. Com efeito, limitaram a dizer que isso já existia há muitos anos, sem descrever, contudo, o revestimento desses canos atualmente e a regularidade com que o requerente vai limpar a mina, os canos e o tanque. Ou seja, ainda que se reconheça a existência de tubos de canalização de água no prédio do requerido, não se consegue admitir como provado – por falta de prova – que esses tubos foram colocados pelo requerente ou por este têm vindo a ser mantidos; que o requerente fez canalizar a água até um tanque com um depósito, também por si limpos e conservados e que o fez para retirar dessa água uma utilização frequente para os fins domésticos na sua casa e para rega.
Deste modo, subsistindo a dúvida quanto à realidade daqueles factos, decidiu o Tribunal contra a parte a quem assistia o ónus de prova, os requerentes.
Sem embargo, sublinhamos que a testemunha HH, arrolada pelos requeridos, descreveu quando foi contratado para substituir a tubagem no prédio do requerido observou a existência de um tubo com aspeto muito antigo e parecia estar entupido, sem limpeza recente; que o tanque estava muito degradado e cheio de silvas o mesmo sucedendo com o terreno em frente à casa dos requerentes. O mesmo foi referido por LL.
Ao mencionarem que o local aparentava falta de limpeza de silvas e degradação (no tanque e nos tubos), perde razoabilidade a tese dos requerentes em como foram impedidos pelos requeridos a partir de Junho de 2022, de limparem a boca da mina e canos.
Em idêntica senda, pelo requerido foi dito em declarações de parte, para além do mais, que quando adquiriu o prédio, foi-lhe dito pelos transmitentes que a água fazia parte do prédio a adquirir.
Pelo exposto, a prova testemunhal produzida pelos requerentes não ofereceu arrimo probatório suficiente para que fosse possível inferir que a água existente em prédio do requerido não pertence a este mas sim aos requerentes. Efetivamente, as testemunhas não explicaram com assertividade como é que tendo sido transmitido este prédio por antepassados dos requerentes, não tenha ficado exarado e evidente que a água do prédio, proveniente de uma mina, era para utilização exclusiva dos requerentes e que estes eram responsáveis por assegurar a sua canalização e limpeza. Ora, as testemunhas arroladas pelos requerida responderam de forma unânime que tanto a mina, como os seus canos, como o tanque, não tinham aspeto de utilização e limpeza frequentes, pelo contrário, parecendo ser muito antigos; por estarem deteriorados, a terra estava alagada, o tanque danificado e coberto por silvas. Este aspeto de pouca utilização e limpeza é, aliás, compatível, com o relato de DD e EE quanto à utilização de água proveniência pública para os fins domésticos e rega, o que denotaram ser prática diária e habitual, tendo, por isso, outra alternativa ao abastecimento de água quer para consumo, quer para regadio. Como seja, para além de não conseguirem atestar a emergência da titularidade dos requerentes quanto a água do prédio do requerido, também não conseguiram expor uma versão suscetível de demonstrar uma efetiva utilização dessa água.
Por estes motivos, tal matéria foi dada como não provada”.
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Os apelantes sugerem a alteração da decisão no sentido de se julgar “provada”, toda a matéria que se julgou não provada, sustentando a alteração nas declarações prestadas em depoimento de parte pelo requerido CC, depoimento das testemunhas DD, EE, FF, GG e documentos 1 a 8, juntos com a petição.
Cumpre ter presente uma súmula dos depoimentos.
Em depoimento de parte, o requerido CC, identificou-se como sócio-gerente da requerida sociedade. Referiu conhecer o requerente e ainda, que sabe que tem uma moradia no local, sendo a mulher do requerente funcionária da fábrica, primeira requerida. Disse, ainda, que por efeito da instauração da presente ação ficou a saber que o requerente é o proprietário de terrenos naquele mesmo local. Disse desconhecer se o requerente tem água pública em casa.
A respeito da localização da mina, disse que a mina está localizada em prédio que lhe pertence em propriedade, não sendo propriedade da fábrica (primeira requerida). No referido terreno também existia um tanque. Afirmou com muita convicção que o prédio lhe pertence em propriedade “é meu, particularmente”. Disse que quando pretendeu comprar o prédio não sabia da existência da mina e desconhecia se o requerente fazia uso da água da mina. Venderam-lhe o prédio informando-o que existia uma mina e um tanque. Depois pediu à sua advogada para proceder a pesquisas junto do registo predial no sentido de apurar se alguém tinha direito à água e não descobriu nada. Esclareceu que dentro do tanque havia uma cuba em inox.
Referiu que existe uma fonte pública junto à fábrica.
Disse, ainda, que após aquisição do prédio procedeu à plantação de árvores na zona da mina. O passadiço passa ao lado da mina.
Sobre a captação de água, referiu que o tubo do requerente está enterrado a 6 metros e declarou “não autorizo a entrada no terreno, nem que vá limpar a mina” e ainda, “ o tubo enterrado a seis metros não carece de limpeza”.
Esclareceu que disse ao requerente que “não tinha autorização para entrar no terreno e ir à mina e disse que ia falar com a sua advogada”.
Sobre as obras que executou, referiu que “uma grande parte do terreno estava alagado. A cuba está sempre cheia e faz retorno e alaga o terreno”. Disse que fizeram um dreno ligado ao tanque. “O terreno era lama”. Referiu que não falou com o requerente antes de iniciar a execução das obras. Colocaram um tubo de dreno e não retiraram o tubo que ali estava instalado. Colocaram um tubo para dentro do tanque. Disse, ainda, que o tanque estava destruído e pertence ao terreno que o depoente comprou.
Esclareceu que comprou o terreno em fevereiro de 2020. Os anteriores proprietários mostraram a mina e o tanque. O terreno tinha ervas e silvas. O tanque estava sujo e cheio de terra e destruído. A mina não se via. Dentro do tanque havia uma cuba em inox. Comprou o terreno aos herdeiros do senhor II. Os vendedores não lhe comunicaram que havia serventia de água.
Mais referiu que o requerente sabia que o depoente ia comprar o prédio. O conflito surgiu quando o depoente começou a plantar árvores e videiras. Referiu que antes de comprar viu a cuba de inox, mas não viu os tubos, porque estão enterrados. A casa do requerente fica a 200 metros daquele local e no seu convencimento a cuba pertencia ao II. Depois veio a saber que os terrenos pertenceram em tempos ao pai do requerente. Esclareceu que “acima da mina existe outro terreno que pertence em propriedade à primeira requerida e foi vendido por II”.
Sobre a função do dreno, disse que foi colocado na entrada da mina e faz entrar a água e correr a mesma pelo tubo. Disse que nunca viu ninguém a limpar a mina, sendo certo que há 24 anos que frequenta aquele local, por estar ali instalada a fábrica. Referiu que o tubo enterrado a seis metros e que vem da mina está ligado à cuba de inox. Nunca retirou água da cuba.
Disse, por fim, que quer executar obras de proteção na mina, reconstruir o tanque e o requerente pode usar a água, mas não quer que entrem no terreno.
A testemunha DD, filho dos requerentes (nascido em ../../2002) disse que vive na casa dos seus pais, onde sempre viveu desde que nasceu.
Sobre a forma como se processa o abastecimento de água para a casa, a testemunha disse que a casa “serve-se da água da mina em questão”. A mina situa-se “lá no fundo do campo, a 300 metros da casa”. A mina, em si, disse, “está num terreno que pertence ao senhor CC, que comprou o campo; a B..., Lda pertence ao senhor CC”.
Exibido o documento nº1 junto com a petição, a testemunha indicou a sua casa de habitação, como sendo aquela que corresponde ao losango; a mina de água no círculo azul.
A testemunha referiu que a água da mina é transportada através de um cano até uma cuba de água, com motor e dali segue para a casa dos requerentes (seus pais). A casa dos pais não é servida por água pública. A água da mina é utilizada para regar, higiene, cozinhar, beber. Para regar liga-se as mangueiras e depois rega. Rega as plantas, árvores de fruto, batatas e horta. Referiu, ainda, que o pai tem ali quatro campos seguidos e usa a água para a rega destes campos.
A respeito das caraterísticas da mina, a testemunha disse não saber como está, porque fizeram alterações no local. A mina consistia num buraco no cômoro e colocaram uns canos. Não tinha arbustos, estava limpo. Da mina seguia um tubo para a cuba. Disse que “já está assim há muitos anos; tem 20 anos e sempre se lembra de assim ser”. Referiu nunca ter visto ninguém a usar a água da mina para além do pai.
Mais disse que o senhor CC adquiriu o terreno e começou a mexer e depois a meio de maio (2022) ficaram sem água. Agora não sabe como está. Há um passadiço por cima da mina e quem está a construir é o senhor CC. Esclareceu que em maio realizaram obras e viu umas ligações, mangueiras e tubos novos na mina e a partir dessa data deixaram de ter água.
Referiu, ainda, que numa ocasião chegava do trabalho, de manhã e o senhor CC dirigiu-se-lhe e disse que não queria ver ninguém lá, porque verificou que existiam umas pegadas.
Passados três meses, em finais de agosto, começaram a ter água. Sem autorização do senhor CC, o pai foi lá com um amigo e passaram a ter água.
Disse, ainda, que o senhor CC “meteu várias árvores ao longo do campo e desconhece se colocou árvores junto à mina, porque não foi ver”.
Esclareceu que sempre viveu na casa onde reside, a qual por morte dos avós passou a pertencer ao pai. A mina situa-se num ponto mais baixo em relação à casa do pai.
Mais disse que os requeridos compraram os terrenos aos familiares do “MM” e que o terreno onde se encontra a mina nunca pertenceu aos avós.
Em relação à localização da “cuba” disse que está metida num tanque. Existe uma presa, um reservatório de água. A cuba foi instalada pelo pai, mas não soube dizer em que data. A cuba é de alumínio e puxa a água com um motor elétrico, desconhecendo onde se encontra ligado. O pai colocou a cuba, mas a presa tem muitos anos. O dono do campo faz a limpeza.
A testemunha EE (nascida a ../../1960), irmã do requerente e cunhada da requerente, referiu que viveu na casa que hoje pertence ao irmão (por partilhas por óbito dos pais) durante 22 anos, porque ali viveu desde que nasceu até casar.
Sobre a forma como se processava o abastecimento de água para a casa, a testemunha referiu que a água para consumo da casa vinha da mina. Já assim era no tempo do bisavô, do avô e dos pais. O pai vendeu ao II o terreno onde se situa a mina e continuou a usar a água da mina. A água ficava distante da casa. O II não usava a água. Só os pais usavam a água. Este acordo foi celebrado de forma oral – “foi falado de boca” – e por isso, o II continuou a dar a água para os pais.
Mais referiu que a água vinha encanada para o depósito e do depósito para o tanque. O depósito tinha um motor e uma vez cheio, fechava e a água seguia para casa. Inicialmente, a água caía no tanque que tinha uma bica para regar os campos e outra bica para transportar a água para casa, por cântaros de plástico.
Mais referiu que a sua irmã casou e ficou a residir na casa dos pais. Nessa altura a irmã meteu o motor e o depósito para puxar a água para casa, o que aconteceu há 40 anos. Atualmente mantém-se o mesmo sistema.
Disse, ainda, que limpavam os canos e nunca houve interrupção no uso da água. O depósito está ali há 40 anos e já era assim há mais de 100 anos. O cano vem da mina, por baixo da terra até ao tanque. Existe assim desde sempre e desde o tempo dos avós. Havia um cano de barro, mas depois foi substituído por um cano de plástico. Nas partilhas, por óbito dos pais, o irmão ficou com a casa, campos, a água e o tanque. A água era utilizada para consumo da casa, lavar a roupa e para regar os campos. Quando havia falta de água no rego que corre a sul, os agricultores dos campos na parte debaixo pediam a água do tanque para regar os seus terrenos. Outras pessoas usavam o tanque para lavar.
A respeito da forma como se processa atualmente o abastecimento de água para a casa, a testemunha disse que a partir de maio de 2022, o dono da fábrica tirou o cano da mina e o irmão deixou de ter água em casa. Para confecionar alimentos e beber, o irmão usa a água da fonte. A água utilizada na casa de banho vem de outra mina. Tomam banho “à gato”, porque não têm água nas torneiras. A água da outra mina e que vem da parte de cima é pública e apenas tem direito duas vezes de 15 em 15 dias. Usavam esta água para regar a horta e não para a casa.
A respeito da forma como se processava a limpeza da mina, disse que limpavam uma ou duas vezes por ano. O irmão fazia o mesmo. Junto à mina não havia árvores. Mais referiu, que atualmente da casa do irmão vê que plantaram árvores e construíram um passadiço por cima da mina. Referiu, ainda, que “toda a gente sabia que a água era nossa. Pediam para ir lá lavar roupa. Nunca ninguém proibiu de limpar a mina. A mina está encostada a um cômoro, abaixo do nível do terreno e faz uma poça. O dono do terreno não consegue regar com a água da mina.
Referiu, por fim, que o irmão não tem água nas torneiras. Tem que transportar a água com baldes de uma outra mina.
Esclareceu, que há mais de 50 anos que o terreno onde está a mina deixou de pertencer aos pais. O tanque e a presa estão construídos entre o terreno que era dos pais e o terreno que pertencia ao senhor II. Quando o tanque estava cheio abria (“tapulho”) e a água saía e circulava através do rego para regar os campos.
Da outra mina, que fica lá mais acima, apenas têm direito à água para regar, duas vezes de quinze em quinze dias. O dono da Visa (primeira requerida) encanou a água que vem da mina; esta água passa rente à casa do irmão, cai no terreno do irmão e é usada para regar. Para consumo da casa usavam a água da mina.
O irmão disse que o atual proprietário do terreno “entolhou o tanque”, mas a testemunha não foi verificar. A mina que abastece a casa fica a um nível inferior à casa. O depósito está colocado no terreno do irmão e agora não tem água. O depósito tem um motor elétrico ligado à casa do irmão, que puxa a água para a casa.
Sobre a captação da água, esclareceu que da mina para o tanque colocaram canos e esta ligação é anterior à venda do terreno ao II. Ligaram a bica do tanque que fica do lado de fora ao depósito.
Referiu, por fim, que os problemas começaram em maio (2022). O terreno onde existe a mina foi adquirido pelo dono da Visa em 2021. Depois, questionada sobre se foi o legal representante da primeira requerida ou a requerida que compraram o terreno, disse não saber o nome da pessoa que comprou.
A testemunha FF, irmã do requerente e cunhada da requerente, referiu conhecer a casa, porque ali nasceu e viveu até casar o que aconteceu em 1981.
Disse que a casa não tinha água pública. O abastecimento de água processava-se através da água da mina. O campo onde existia a mina foi vendido pelo pai ao senhor II, mas continuaram a usar a água. O senhor II não se abastecia dessa água. A água era conduzida da mina através de um cano que atravessava o terreno, debaixo da terra e caía no tanque. O cano existiu lá desde sempre. A água era usada para a casa. O tanque era só nosso. A água era transportada em cântaros do tanque para a casa, mas depois colocaram canos, pouco depois de 1981, mas há mais de 20 anos.
Mais referiu que nunca ninguém se opôs à utilização da água. As pessoas pediam para lavar a roupa no tanque. Sempre usaram a água para uso doméstico, regar e dar de beber aos animais. A boca da mina era limpa; não havia árvores.
Mais referiu que “alguém andou a mexer e tiraram a água, por ordem do dono da empresa”. Atualmente construíram um passadiço e plantaram árvores junto à mina. O irmão não tem água em casa e comentou que tem de transportar água em garrafões para cozinhar. Disse, ainda, que o senhor da “Visa” impediu o irmão de se aproximar da mina, porque a mina não lhe pertencia. Foi o senhor CC quem comprou o terreno onde existe a mina. O irmão deixou de ter água a partir de junho de 2022.
Referiu que existe outra mina, a “Mina de Cima” e a água passa junto à casa do irmão, mas a mina em causa sempre foi considerada “nossa” para consumo da casa. A limpeza da mina era feita com enxada e depois da venda ao II eram os requerentes, quem limpava a mina e o tanque. Disse que viu o irmão a limpar e chegou a auxiliar a limpar a boca da mina. Mais referiu que o terreno onde se encontrava mina, nos últimos tempos, ficou sem cultivar, mas cortavam a erva, mas nunca cresceram silvas.
Referiu, por fim, que o tanque pertencia ao terreno dos pais e nunca ouviu falar que pertencia ao senhor II. O irmão instalou um depósito em inox, para recolher a água e disse desconhecer se pediu autorização ao senhor II. Nunca ninguém se insurgiu contra a instalação do depósito.
A testemunha HH, procedeu a limpezas e trabalhos de agricultura, ligados ao ramo agrícola e jardinagem, no terreno onde se situa a mina, por ordem do requerido CC.
Referiu que se deslocou ao terreno pela primeira vez em 2022. No local onde se situa a mina de água (“pinta azul”, como referiu, na fotografia exibida e que corresponde ao doc. nº1 da petição) o terreno estava todo alagado; a água subia e inundava. Limpou a mina e foi abordado pelo autor que referiu que a mina lhe pertencia e que tem direito à água.
Mais referiu que pediu documentos, mas o autor não quis conversar.
Referiu que todo o terreno do senhor CC tinha de ser limpo; havia umas árvores de fruto, mas estava tudo ao abandono. O terreno estava alagado em volta da mina e procedeu à limpeza da mina e em todos os cursos de água e colocou um tubo de dreno neste “canto” que ia para o tanque. O tanque construído em tijolo e cimento estava partido. O tanque situa-se em mais de 90% nos terrenos do senhor CC, faz extrema no terreno do senhor CC. Dentro do tanque está instalada uma cuba de inox que pertence ao requerente.
No Verão, em 17 de agosto de 2022, o requerente veio protestar, mas a cuba tinha água, porque a testemunha levantou a tampa e verificou que tinha água.
Em relação à obra que executou junto da mina, disse, que a mina tem um cano e colocaram um dreno, para enxugar a zona alagada, para drenar a água. Disse não ter conhecimento da dimensão do tubo enterrado dentro da mina. Apesar do cano de drenagem, o cano instalado na mina continua a levar água para a cuba de inox. Não retirou nada, o cano que está na mina, nem recebeu ordens para retirar. A cuba sempre teve e tem água.
Mais referiu que o terreno debaixo é do senhor CC e o terreno que fica na parte superior pertence à “A..., Lda”.
O tubo de dreno está suportado na superfície, na extremidade, para limpar as águas à superfície. Não retiraram os canos, nem a água.
Referiu que quando iniciou a limpeza do terreno a erva era mais alta do que a testemunha. Na boca da mina não plantaram árvores; apenas colocaram plantas a refrescar. Não há videiras plantadas. Existe uma prisão com uma pedra que tem a função de marco e por isso não retiraram.
A cuba de inox tem uma boia e “quando enche, a boia desliga o abastecimento, funcionando como o sistema de autoclismo”.
Por fim, disse que o senhor CC lhe disse que a mina lhe pertence e que o requerente não tem autorização para entrar no terreno, o que foi dito pelo senhor CC em diferentes ocasiões. O passadiço está construído a 10 metros da mina. Da mina ao tanque são 35 metros.
A testemunha GG executou em 2016-2017 trabalhos no prédio onde se encontra a mina, por ordem do requerente.
Os trabalhos que executou consistiram na abertura de uma vala e substituição do cano ou tubo que ali existia e que ligava a mina ao tanque. Mediante exibição do documento nº1 junto com a petição, indicou a localização da mina. Mais referiu que estava tudo cheio de silva e ervas e entrou com a máquina num terreno pela parte de cima da estrada e traseira da fábrica, onde existia um patamar e depois a mina. Pela parte debaixo não conseguia aceder, porque há muros. Disse que colocou desde a mina até ao muro um tubo de PVC, porque o anterior era de cerâmica e parecia estar entupido e em mau estado e que teria mais de vinte anos. Retirou a caleira de lousa. A mina estava carregada de água e os terrenos alagados e a máquina virou e caiu na vala. A água não saía e estava tudo cheio de silvas. Com a execução da obra, a água ficou a correr diretamente para o tanque. O tanque estava completamente degradado, tapado com silvas e procedeu a uma limpeza geral até conseguir ver o tanque. Referiu que todo o espaço estava carregado de silvas e efetuou o trabalho com uma máquina giratória.
Disse, ainda, que concluído o trabalho não voltou ao local.
A testemunha LL disse que trabalha por conta de outrem na limpeza de terrenos e em 2022 a solicitação do réu CC procedeu à limpeza de um campo em ..., Oliveira de Azemeis.
Disse que procedeu à limpeza, porque estava tudo tapado e cheio de silvas e não se via nada. Depois verificaram que o terreno tinha muita água, estava alagado na parte debaixo. Nessa ocasião surgiu o requerente que se insurgiu e disse que não queria que andassem no campo.
A respeito das obras executadas, referiu que abriram uma vala para colocar um tubo dentro da mina para a água correr. O tanque não tinha nada. O tubo que colocaram ficou a escorrer para o campo ao lado do tanque, a cota inferior ao tanque. Numa segunda intervenção colocaram o tubo para o tanque e a água passou a correr para o tanque. Plantaram videiras na parte de cima do terreno.
Mais referiu que a casa do requerente se encontra num plano superior à mina e o tanque num plano inferior.
Exibido o documento nº 8 junto com a petição, disse que existia uma cuba de inox que estava instalada dentro do tanque, desconhecendo se tinha água.
Por fim, referiu que quando estavam a trabalhar o requerente reclamava junto do seu patrão, mas não ouviu o que dizia.
Os documentos indicados pelos apelantes:
- nº 1- vista aérea extraída do Google maps, com anotações e legendas para indicar a casa dos requerentes, mina, tanque, depósito e tubo de ligação da mina ao tanque/depósito;
- doc. nº 2 e nº 3 – escritura de partilha e caderneta predial do prédio dos requerentes;
- doc. nº4 – vista aérea, com anotações da rede de água e saneamento do local, consultável através do Portal Geográfico do Município de Oliveira de Azeméis;
- doc. nº 5 – certidão da Conservatória do Registo Predial que contém a descrição do prédio nº ...52, com registo de aquisição a favor de A..., Lda.
- doc. nº 6 – caderneta predial do prédio inscrito na matriz sob o art. rústico ...33;
- doc. nº 7 – certidão de matrícula da requerida A..., Lda;
- doc. nº 8 – conjunto de cinco fotografias que documentam o local onde se situa a mina, tubos e depósito.
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Passando à análise crítica da prova.
A este respeito cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos art. 607º a 612º CPC (art. 663º/2 CPC).
O art. 607º/4 CPC dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o art. 646º/4 CPC, previa, ainda, que têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes.
Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito.
Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão.
Compete ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (art.º 607º/3) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (art.º 607º/4).
Às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “ os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência“[15].
O Professor ANTUNES VARELA considerava que deve ser dado o mesmo tratamento “ às respostas do coletivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito“[16].
Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos.
O enunciado dos factos julgados não provados contém matéria conclusiva e de direito, que por esse motivo não deve ser objeto de reapreciação, eliminando-se como tal da seleção dos factos provados ou não provados e que são:
b) Os requerentes são legítimos e exclusivos possuidores e proprietários de uma mina de água e da água que brota da mesma,[…]encontrando-se os requeridos a impedir o acesso dos requerentes à referida mina, bem como a impedir os mesmos de aceder à água da mina.
dd) Desconhecendo os requerentes com que intenção e finalidade. ee) Sendo certo, que iniciaram a execução de um conjunto de atos de posse sobre a mina de água e água que brota da mesma.
- sabem que a água da mina é dos requerentes e que não podia cortar o abastecimento da água, bem como, sabem que os requerentes não têm qualquer outra alternativa de abastecimento de água.
As indicadas afirmações comportam em si juízos de direito e valorativos, que constituem o objeto da questão controvertida. Apenas através dos concretos factos alegados se poderá apreciar da provável existência do direito que os requerentes invocam.
Eliminam-se, pois, da seleção dos factos.
-
Considerando os concretos factos objeto de impugnação, julgou-se não provado:
a) No prédio descrito sob o nº...52 e inscrito na matriz sob o art....33 existe uma mina de água.
Na petição os requerentes alegaram:
- art.º 6º: A mina e entrada da mina de água situam-se na extrema norte do prédio descrito na conservatória de registo predial sob o n.º ...52 e inscrito na matriz sob o artigo rústico sob o artigo ...33, conforme doc. 5 e 6 e cujo conteúdo se consideram aqui como integralmente reproduzidos por mera economia processual.
Conforme resulta dos documentos juntos aos autos sob o nº 5 e 6, o prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...52 e descrito nas Finanças sob o nº ...52 está registado a favor da primeira requerida “A..., Lda”. Da certidão da Conservatória do Registo Predial junta aos autos não resulta que o prédio é composto por mina de água.
Nenhuma testemunha conseguiu estabelecer a correspondência entre a descrição deste prédio e o terreno ou prédio onde se situa a mina.
Por outro lado, resulta por unanimidade do depoimento das testemunhas (com exceção da testemunha GG, a quem não foi colocada a questão), que o prédio onde existe a mina/nascente de água, em causa nos autos, pertence em propriedade ao segundo requerido, CC. Apenas a testemunha FF foi confrontada com a questão de saber se o prédio pertencia ao sócio gerente da fábrica ou à fábrica, sendo certo que a testemunha manteve sempre a resposta no sentido de indicar o sócio-gerente da fábrica como dono do prédio, não conseguindo indicar o seu nome próprio. O depoente afirmou ser seu, o prédio em causa, ainda, que não conste dos autos documentos que o comprovem, mas esclareceu que o prédio registado sob o nº ...52 se situa num patamar superior. O prédio em causa adquiriu-o aos herdeiros de II, o que aliás também foi confirmado pelo depoimento das testemunhas EE e FF, porque indicaram II como a pessoa a quem o pai vendeu o prédio.
Acresce que também, por unanimidade, todas as testemunhas referiram que o prédio onde se situa a mina e o prédio dos requerentes confrontam entre si, situando-se o prédio com mina a sul e poente do prédio dos requerentes.
Também todas as testemunhas e o próprio depoente indicaram o mesmo local onde se situa a mina, o local por onde passam os tubos até atingir o tanque e onde está construído um tanque. A mina situa-se no extremo norte do prédio e o tanque sensivelmente na ponta oposta. Os tubos ou canos para condução da água, desde a mina até ao tanque, atravessam o terreno.
Não resulta da prova produzida que existe correspondência física entre a descrição do prédio descrito na conservatória sob o nº ...52 e o prédio onde se encontra a mina em causa nos autos, o que justifica por isso, uma resposta restritiva no sentido de julgar provado apenas que existe a mina no extremo norte num prédio que se situa a sul/poente do prédio dos autores.
Desta forma, considera-se provado, sob o ponto 2, que:
- A mina e entrada da mina de água situam-se na extrema norte de um prédio que se situa a sul/poente do prédio dos requerentes, referenciado no ponto 1 dos factos provados.
Sob a alínea b), julgou-se não provado:
- sendo que a referida água é destinada ao consumo doméstico dos requerentes, uma vez que inexiste rede pública de abastecimento de água, e para regadio de hortas e terrenos dos requerentes, localizando-se a referida mina e sua boca, na propriedade do 1.º requerido, e que o 2.º requerido é sócio (conjuntamente com a esposa) e único gerente.
Por total ausência de prova deve manter-se como não provado a afirmação “localizando-se a referida mina e sua boca, na propriedade da 1.ª requerida”.
A respeito da forma como se processava a utilização da água pelos requerentes mostrou-se determinante o depoimento das testemunhas DD, EE e FF, filho e irmãs do requerente, que pela ligação pessoal ao requerente e ao local, casa onde reside a testemunha DD e onde residiram as irmãs do requerente e que frequentam, revelaram saber que a água da mina é utilizada de forma indiscriminada pelos requerentes para consumo da casa, rega, lavagem de roupa.
As mesmas testemunhas referiram que a casa não dispõe de abastecimento público de água, por não estar instalado no local. Revelaram ter conhecimento que o requerente também consome água de uma outra mina, apenas para rega, porque só tem direito a água duas vezes por semana e de quinze em quinze dias. Referiram, ainda, a existência de uma fonte que permite a recolha de água para consumo, mas é a água desta mina que utilizam no consumo doméstico e para higiene pessoal.
Nenhuma outra prova foi produzida que permita infirmar o conhecimento que as testemunhas revelaram destes factos e que permitisse retirar credibilidade aos seus depoimentos, o que conduz a julgar provada tal matéria.
A qualidade de sócio e gerente da primeira requerida resulta comprovada com a certidão de matrícula da sociedade e por isso, deve julgar-se provado.
Justifica-se alterar a decisão no sentido de julgar provado:
3. A referida água é destinada ao consumo doméstico dos requerentes, uma vez que inexiste rede pública de abastecimento de água, e para regadio de hortas e terrenos dos requerentes.
4. O 2.º requerido é sócio (conjuntamente com a esposa) e único gerente.
Por total ausência de prova deve manter-se como não provado a afirmação “localizando-se a referida mina e sua boca, na propriedade da 1.ª requerida”.
Na alínea c), d), e), f) considerou-se não provado:
c) Essa água encontra-se canalizada desde a sua nascente para um depósito de água sito numa presa, propriedade dos requerentes, e que abastece a casa destes, nomeadamente, beber, cozinhar, tomar banho, limpar a casa, regadio da horta e outros prédios agrícolas.
d) A boca da mina sempre se encontrou aberta, sem vedação, limpa de arbustos, árvores e demais vegetação, sendo gerida pelo requerente, de forma a não impedir o acesso e boa qualidade da água.
e) A canalização da água da mina foi feita através de cano de plástico, que conduzia a água entre a mina e o depósito existente no local, tendo sido colocado pelo requerente há mais de 10 anos, atravessando o prédio descrito sob o nº ...52.
f) E antes desse cano de plástico já existia um cano de barro, colocado há mais de 80 anos pelo avô do requerente.
Como resulta do já exposto, existe unanimidade no depoimento das testemunhas a respeito da localização da mina, tanque e ligação com tubos entre a mina e tanque.
De igual forma, as testemunhas DD, EE, FF, HH e LL se referiram à existência de um depósito em inox instalado no tanque que recolhe as águas através de tubos que estão ligados à mina. Aliás, o próprio depoente revelou ter conhecimento de tal depósito, porque já existia instalado no prédio na data em que o adquiriu.
As testemunhas DD, EE, FF referiram que foi o requerente quem instalou o depósito em inox, com motor. Mas também, a testemunha EE falou na instalação anterior de um outro depósito, com as mesmas funções: canalizar a água da mina para a casa dos pais e agora dos requerentes. Este depósito tem ligação à casa através de tubos e é o motor que faz circular a água para a casa, como referiram as testemunhas. Referiu a testemunha EE que o anterior proprietário do terreno – II – não se opôs à instalação do depósito.
Acresce que o funcionamento deste equipamento e a existência dos tubos da mina até ao depósito foi confirmado pelo depoimento das testemunhas HH e LL, que em 2022 procederam à limpeza do prédio, por ordem do segundo requerido. Aliás, o depoente disse mais, referiu que os tubos que ligam a mina ao depósito estão enterrados a seis metros de profundidade.
O depoimento da testemunha GG mostrou-se relevante para apurar quando e como se procedeu à substituição dos tubos – caleiras de barro por tubos em plástico. Também a testemunha EE fez alusão à existência de “caleiras de barro”, sublinhando a existência de canos enterrados para a condução da água da mina até ao tanque, desde o tempo dos avós.
Resulta do depoimento da testemunha GG que a obra foi executada entre 2016-2017, a solicitação do requerente. A testemunha explicou a obra que executou e referiu que a substituição seria necessária porque os canos estavam entupidos. Não deu notícia de qualquer oposição por parte do dono do terreno quando realizou a obra. Apenas fez alusão à situação de abandono em que se encontrava o terreno que tinha ervas, silvas e estava alagado na zona da mina e tinha silvas na parte do poço.
A respeito da limpeza da boca da mina e da mina, mostrou-se relevante o depoimento das testemunhas DD, EE, FF que referiram que sempre foi o requerente quem procedeu à limpeza da boca da mina, tal como tinha acontecido no tempo dos pais destas, utilizando para o efeito uma enxada. A limpeza do terreno era da responsabilidade do dono do prédio, que uma vez por ano limpava as ervas. As mesmas testemunhas salientaram a inexistência de plantações na zona da boca da mina, nem no terreno onde esta se situava.
As testemunhas HH e LL, por referência à data em que limparam o terreno - ano de 2022 -confirmam estes depoimentos, quando referem que o terreno estava abandonado e existiam silvas, mostrando-se o terreno em volta da mina alagado. Alias, resulta do depoimento destas testemunhas que foi o segundo requerido que procedeu à plantação de árvores e videiras no terreno. Do depoimento destas testemunhas pode ainda retirar-se que a existência de silvas no terreno não impedia a circulação da água da mina para o depósito, porque referiram que o depósito tinha água e nunca tocaram nos tubos que conduzia a água da mina para o depósito. O facto de o tanque estar coberto de silvas, como referiram, também não impedia a circulação da água, porque esta caía diretamente no depósito e dali era conduzida para a casa de habitação, como confirmaram, através de tubos enterrados.
Refira-se que todas as testemunhas, de forma unânime, referiram que a mina e a boca da mina se situavam num cômoro, com os tubos/canos enterrados no seu interior, sem qualquer outra estrutura ou construção. Construção existe, agora, com a colocação do que referiram como sendo um “passadiço” (testemunhas DD, EE, FF).
Desta forma, justifica-se julgar provada a matéria que consta das alíneas c) a f), exceto quando à afirmação: “atravessando o prédio descrito sob o nº ...52” pelos motivos que se deixaram expostos a respeito da reapreciação da alínea a).
Consideram-se, assim, provados:
5. Essa água encontra-se canalizada desde a sua nascente para um depósito de água sito numa presa/tanque, depósito esse propriedade dos requerentes, e que abastece a casa destes, nomeadamente, beber, cozinhar, tomar banho, limpar a casa, regadio da horta e outros prédios agrícolas.
6. A boca da mina sempre se encontrou aberta, sem vedação, limpa de arbustos, árvores e demais vegetação, sendo gerida pelo requerente, de forma a não impedir o acesso e boa qualidade da água.
7. A canalização da água da mina foi feita através de cano de plástico, que conduzia a água entre a mina e o depósito existente no local, tendo sido colocado pelo requerente há cerca de 6 anos, atravessando o prédio referenciado em 2.
8. E antes desse cano de plástico já existia um cano de barro, colocado há mais de 80 anos pelo avô do requerente.
Nas alíneas g) a m) julgaram-se não provados os seguintes factos:
g) A mina e água que dela brota, sempre foram, do requerente e dos seus ascendentes, encontrando-se diretamente posse do requerente, há cerca de 40 anos, e antes de si, através dos seus pais, avôs, bisavós, ou seja, a tempos que se perdem na memória.
h) O requerente e os seus antecessores, usavam a título exclusivo a mina e sua água, para o seu consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
i) Limpando a mina e a boca da mina.
j) Conduzindo a água da mina, para as suas propriedades.
k) Nunca permitindo que outros usassem da água da mina, a não ser com a autorização dos mesmos.
l) Sempre com a plena e absoluta convicção que a mina e sua água é sua propriedade.
m) Sendo a posse da mina e água da mina, pacífica, pública e de boa-fé, nunca tendo tido oposição de ninguém.
Na reapreciação da decisão mostram-se relevantes os depoimentos das testemunhas DD, EE, FF devido ao conhecimento direto e circunstanciado dos factos, desde pelo menos os anos sessenta. Todos residiram na casa e revelaram ter conhecimento do modo e forma como desde sempre por si e através dos seus antecessores usaram para os próprios a água da mina e autorizaram terceiros, invocando sempre a qualidade de proprietários.
Nenhuma prova foi produzida no sentido de demonstrar que tenha ocorrido oposição. Com efeito, o depoimento das testemunhas indicadas pelos requeridos apenas permite confirmar esse uso continuado e atual, pelo modo como descreveram as obras que encontraram em 2022 quando realizaram a limpeza do prédio. A existência do direito à água por parte dos requerentes não foi matéria ignorada pelo segundo requerido, pois só dessa forma se explica que, como referiu, tenha diligenciado junto da Conservatória do Registo Predial no sentido de obter um documento que confirmasse esse direito, ignorando porém que a posse pode constituir título legítimo.
Por outro lado, o estado e abandono em que se encontrava o prédio, em 2016 e 2022, como resulta do depoimento das testemunhas GG e HH, apenas é imputável ao proprietário do prédio e não constituiu fator impeditivo para os requerentes usufruírem da água da mina, a qual seguia em tubos enterrados desde a boca da mina até ao depósito, local a partir do qual era conduzida por novos tubos ou canos para a casa de habitação dos requerentes, como o referiram de forma unânime as testemunhas e o próprio depoente.
Justifica-se, assim, julgar provada a matéria das alíneas g) a m), nos seguintes termos:
9) A mina e água que dela brota, sempre foram, do requerente e dos seus ascendentes, encontrando-se diretamente posse do requerente, há cerca de 40 anos, e antes de si, através dos seus pais, avôs, bisavós, ou seja, a tempos que se perdem na memória.
10) O requerente e os seus antecessores, usavam a título exclusivo a mina e sua água, para o seu consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
11) Limpando a mina e a boca da mina.
12) Conduzindo a água da mina, para as suas propriedades.
13) Nunca permitindo que outros usassem da água da mina, a não ser com a autorização dos mesmos.
14) Sempre com a plena e absoluta convicção que a mina e sua água é sua propriedade.
15) Sendo a posse da mina e água da mina, pacífica, pública e de boa-fé, nunca tendo tido oposição de ninguém.
Em relação à alínea n), julgou-se não provado:
n) A 1ª requerida é legítima possuidora dos prédios rústicos onde se localizam a mina e a boca da mina, com exclusão do direito sobre a mina a água que brota da mesma.
Justifica-se manter a decisão, devido à total ausência de prova sobre a matéria, como se deixou exposto em relação à alínea a) e também, porque nenhuma testemunha fez qualquer referência ao uso da água pela primeira requerida, na pessoa dos sócios gerentes.
Passando, à reapreciação das alíneas o) a ff) (com exclusão dos factos conclusivos) que contempla os seguintes factos não provados:
o) Logo que o prédio n.º ...52 foi adquirido pela 1.ª requerida em 2019, de imediato, o 2.º requerido conversou com o requerente para que o mesmo fizesse um furo ou um poço numa das suas propriedades, uma vez que lhe iria tirar a água da mina.
p) Sendo que sucessivamente, e de forma gradual e mais azeda, o 2.º requerido dizia ao requerente que lhe ia tirar a água da mina, passando, a partir de certa altura que o requerente não se recorda, a dizer-lhe que o mesmo estava proibido de ir à mina.
q) Tendo repetido por diversas vezes as referidas expressões, entre 2019 e 2022.
r) Tendo inclusive numa das últimas vezes vociferado em alta voz e aos berros ao requerente “você não vai lá mais à mina.”.
s) O requerente tem ido à mina, limpando a mesma e a entrada do cano.
t) No dia 18 de maio de 2022, em hora não concretamente apurada, os requerentes, ou alguém ao seu mando, limitaram o acesso dos requerentes à água da mina, através da colocação de um cano, desde a boca da mina, até ao rego foreiro.
u) Sendo que os requerentes desconhecem se o mesmo cortou o cano ou não, ou se simplesmente o retirou, ou se o fechou, impedindo que, em todo o caso, que a água seguisse da mina para o depósito existente no local e pertença dos requerentes.
v) Sendo certo que os requeridos desviaram a água da mina.
w) Os requeridos sabem que a água da mina é dos requerentes e que não podia cortar o abastecimento da água, através do corte do cano, bem como, sabem que os requerentes não têm qualquer outra alternativa de abastecimento de água, encontrando-se atualmente sem água para o seu consumo, bem como para consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
x) Acresce ainda, que após aquela data de 18 de maio de 2022, os requeridos plantaram várias árvores de fruto à volta da mina.
y) O que, quando crescerem, irá sujar a água da mina.
z) E as raízes das mesmas, naturalmente, irão infiltrar-se na mina, reduzindo o caudal de água, bem como potenciando o desabamento da mina.
aa) Acrescendo que, na própria entrada da mina, colocou uma planta de videira.
bb) Quando nunca existiu no local da boca da mina e à sua volta, no passado, qualquer árvore de fruto.
cc) No dia 10 de junho de 2022, os requeridos colocaram um cano amarelo sobre a presa dos requerentes, sendo que da mesma não brota água.
ff) Impedindo os requerentes nomeadamente os requerentes de acederem à mina para limparem a mesma e a sua boca, cano e uso da água.
Os apelantes atribuem ao depoimento do requerido o valor de confissão e nessa medida, consideram que faz prova plena da matéria de facto impugnada sob as alíneas p), r), t), x), aa), a ff) dos factos não provados.
O depoimento de parte é a declaração solene prestada sob compromisso de honra por qualquer das partes sobre os factos da causa – art. 452º CPC.
O depoimento de parte não se confunde com a confissão e como refere o Professor ANTUNES VARELA constitui uma das vias processuais através das quais se pode obter a confissão[17].
O Professor LEBRE DE FREITAS refere, aliás, que o depoimento de parte constitui um meio de provocar a confissão[18].
O depoimento de parte pode levar o juiz à convicção da realidade de um facto desfavorável ao depoente, mas sem que a declaração por ele prestada tenha revestido a forma de uma declaração confessória.
A confissão, conforme resulta da definição contida no art.º 352º CC, consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Como refere o Professor LEBRE DE FREITAS, a confissão consiste no reconhecimento “dum facto constitutivo dum seu dever ou sujeição, extintivo ou impeditivo dum seu direito ou modificativo duma situação jurídica em sentido contrário ao seu interesse, ou, ao invés, a negação da realidade dum facto favorável ao declarante, isto é, dum facto constitutivo dum seu direito, extintivo ou impeditivo dum seu dever ou sujeição ou modificativo duma situação jurídica no sentido do seu interesse“[19].
O valor probatório atribuído à confissão, assenta na “regra de experiência segundo a qual ninguém mente contrariamente ao seu interesse“[20].
A declaração de ciência constitui presunção da realidade do facto (desfavorável ao confitente) ou, ao invés, da inocorrência do facto (favorável ao confitente) que dela é objeto[21].
A força probatória da confissão judicial (única que para o caso nos interessa) depende da forma que ela revista.
Determina o art. 358º/1 CC que a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.
Não sendo reduzida a escrito, a confissão feita no depoimento de parte ficará sujeita à regra da livre apreciação da prova pelo tribunal, conforme determina o art. 358º/4 CC.
O Professor LEBRE DE FREITAS refere a este respeito que: “[a confissão] [q]uando é feita sem os requisitos exigidos para que tenha eficácia probatória plena, a declaração de reconhecimento de factos desfavoráveis pode constituir meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador (art. 361º CC).
É assim, em princípio, quando falte algum dos pressupostos do art. 353º CC. É-o também quando a confissão não seja escrita ou reduzida a escrito e quando falte o requisito da direção à parte contrária (art. 358º/3/4CC). É-o ainda quando a confissão conste duma declaração complexa, nos termos do art. 360º CC, e a parte contrária não se queira dela prevalecer como meio de prova plena.
[…]
A confissão com valor de prova livre constitui um ato distinto do da confissão com valor de prova plena, que tem requisitos de forma e pressupostos, necessários à sua validade, mais amplos do que os daquela. A sua eficácia probatória exige que o juiz a confronte com todos os outros elementos de prova produzidos sobre o facto confessado para que tire a sua conclusão sobre se este se verificou ou não”[22].
Por fim, cumpre considerar das consequências da falta de redução a escrito da confissão judicial ou mais propriamente, que resulte do depoimento de parte.
O Professor ANTUNES VARELA entende que nestas circunstâncias a confissão ficará sujeita à regra da livre apreciação da prova pelo tribunal[23].
O Professor LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE consideram, por sua vez, que a falta de redução a escrito do depoimento de parte, nos casos em que a lei o exige, constitui nulidade do ato, a arguir pela parte contrária até ao termo do depoimento, nos termos do art. 195º a 199º CPC[24].
No caso concreto, as declarações prestadas em sede de depoimento de parte não foram reduzidas a escrito, nem os apelantes suscitaram a nulidade do ato, com tal fundamento, sendo certo que a existir tal irregularidade a mesma encontra-se sanada (art. 199º CPC).
O depoimento não tem o valor de confissão, carecendo, por isso, de força probatória plena. As declarações prestadas enquanto contrárias ao interesse do depoente ficam sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, devendo por isso, ser confrontadas com a restante prova produzida.
Na matéria impugnada está em causa apreciar se os requeridos praticaram atos ou adotaram procedimentos que impedem os requerentes de usar e fruir da água da mina, “o receio justificado de lesão do direito”.
Resulta do depoimento das testemunhas DD, EE, FF que a partir de maio de 2022 iniciaram-se obras no terreno onde existe a mina e o segundo requerido dirigindo-se ao requerente não o autorizou a entrar no terreno. A partir de junho de 2022 deixou de ter água na casa de habitação, mas que foi reposta em agosto de 2022, por ação do requerente que juntamente com um amigo ligou os canos ao depósito, como resulta do depoimento da testemunha DD e foi confirmado pelo depoimento da testemunha HH, que referiu que em meados de agosto de 2022 o depósito estava cheio de água.
As testemunhas EE e FF tomaram conhecimento da oposição do segundo requerido através do requerente, mas constataram ao visitar o requerente que este não tinha água nas torneiras.
A testemunha DD, como referiu, foi interpelado diretamente pelo requerido, referindo-lhe que não autorizava a entrada no prédio.
Estes depoimentos foram confirmados pelo depoimento da testemunha HH, que em maio de 2022 ao executar os trabalhos de limpeza no prédio recebeu ordens do segundo requerido no sentido de não autorizar a entrada do requerente no terreno onde se situa a mina.
Acresce que o depoente assumiu nas declarações prestadas que não autoriza o requerente a entrar no seu terreno e entende, até, que nem carece de o fazer, porque o tubo que conduz a água para o depósito está enterrado na boca da mina em profundidade, pelo que não corre o risco de existir qualquer obstrução para a condução da água.
Não foi produzida prova sobre o que ocorreu anteriormente a esta data (maio de 2022), devendo manter-se como não provada a matéria das alíneas o) e p), nem, ainda, quanto à matéria da alínea r).
Desta forma, resulta provado apenas, em relação à alínea q), que o requerido dirigindo-se ao requerente diretamente ou através de interposta pessoa, proibiu-o de entrar no terreno e dirigir-se à mina.
Do depoimento da testemunha HH e da testemunha LL resulta que efetuaram obras na mina - colocação de tubo de drenagem -, o que desviou as águas reduzindo o seu caudal. É certo que não resulta dos seus depoimentos que cortaram os tubos que abastecia o depósito, mas o certo é que a partir do momento que executaram a referida obra de drenagem cessou o abastecimento na casa do requerente que apenas foi reposto por ação do requerente, sem conhecimento do requerido, como referiu a testemunha DD.
Resulta, ainda, do depoimento das testemunhas EE e FF que o segundo requerido promoveu a plantação de árvores e videiras no prédio, o que foi confirmado pela testemunha HH, que procedeu à respetiva plantação e ainda, pelo próprio depoente.
Sobre a plantação de árvores de fruto no terreno e consequências no aproveitamento da água da mina ou caudal da água, não foi produzida prova, pois as testemunhas limitaram-se a constatar as transformações que se verificaram no prédio, com novas plantações.
Neste contexto, parte da matéria de facto impugnada, deve manter-se como não provada, porque nenhuma prova foi produzida sobre a mesma, considerando-se apenas como provado a oposição manifestada pelo segundo requerido, a plantação de árvores e a colocação de tubos, com corte de abastecimento de água entre maio e agosto de 2022.
Conclui-se por julgar provada a seguinte matéria:
16. Entre meados de maio e em junho de 2022 o segundo requerido, por si e através de outra pessoa e por sua ordem, dirigindo-se ao requerente disse-lhe que estava proibido de ir à mina.
17.O requerente tem ido à mina, limpando a mesma e a entrada do cano.
18. Em maio de 2022 por ordem do segundo requerido limitaram o acesso dos requerentes à água da mina, através da colocação de um cano, desde a boca da mina, até ao tanque.
19. Impedindo que a água seguisse da mina para o depósito existente no local e pertença dos requerentes.
20. Entre maio e meados de agosto de 2022 os requerentes ficaram sem água da mina, para o consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
21. A partir de maio de 2022, o segundo requerido procedeu à plantação de várias árvores de fruto à volta da mina.
22. Nunca existiu no local da boca da mina e à sua volta, no passado, qualquer árvore de fruto.
Em conclusão, procedem, em parte as conclusões de recurso sob os pontos I a XXII operando-se a alteração da decisão de facto nos termos que se deixaram consignados.
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- Dos pressupostos para decretar a providência -
Na apreciação das restantes questões cumpre ter presente os seguintes factos provados e não provados, com as alterações introduzidas por efeito da reapreciação da decisão de facto:
- Factos provados -
1) Por escritura pública de partilha por óbito de JJ, outorgada a 27.08.2009 no Cartório Notarial da Exm.ª Sr.ª Notária KK, foi, para além do mais, adjudicado ao aqui requerente um prédio urbano composto de casa de habitação de dois pisos, curral e quintal, sito na Rua ..., descrito sob o número mil trezentos e vinte e sete, registado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos outorgantes nessa escritura e representados pela inscrição Ap. Dois de dois mil e oito/zero quatro, inscrito na matriz sob o art. ...89º.
2. A mina e entrada da mina de água situam-se na extrema norte de um prédio que se situa a sul/poente do prédio dos requerentes, referenciado no ponto 1 dos factos provados.
3. A referida água é destinada ao consumo doméstico dos requerentes, uma vez que inexiste rede pública de abastecimento de água, e para regadio de hortas e terrenos dos requerentes.
4. O 2.º requerido é sócio (conjuntamente com a esposa) e único gerente da sociedade primeira requerida.
5. Essa água [ponto 2 dos factos provados] encontra-se canalizada desde a sua nascente para um depósito de água sito numa presa/tanque, depósito esse propriedade dos requerentes, e que abastece a casa destes para beber, cozinhar, tomar banho, limpar a casa, regadio da horta e outros prédios agrícolas.
6. A boca da mina sempre se encontrou aberta, sem vedação, limpa de arbustos, árvores e demais vegetação, sendo gerida pelo requerente, de forma a não impedir o acesso e boa qualidade da água.
7. A canalização da água da mina foi feita através de cano de plástico, atravessando o prédio referenciado em 2, que conduzia a água entre a mina e o depósito existente no local, o qual foi colocado pelo requerente há cerca de 6 anos.
8. E antes desse cano de plástico já existia um cano de barro, colocado há mais de 80 anos pelo avô do requerente.
9. A mina e água que dela brota, sempre foram, do requerente e dos seus ascendentes, encontrando-se diretamente posse do requerente, há cerca de 40 anos, e antes de si, através dos seus pais, avôs, bisavós, ou seja, a tempos que se perdem na memória.
10. O requerente e os seus antecessores, usavam a título exclusivo a mina e sua água, para o seu consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
11. Limpando a mina e a boca da mina.
12. Conduzindo a água da mina, para as suas propriedades.
13. Nunca permitindo que outros usassem da água da mina, a não ser com a autorização dos mesmos.
14. Sempre com a plena e absoluta convicção que a mina e sua água é sua propriedade.
15. Sendo o uso da mina e água da mina, pacífica, pública e de boa-fé, nunca tendo tido oposição de ninguém.
16. Entre meados de maio e em junho de 2022 o segundo requerido, por si e através de outra pessoa e por sua ordem, dirigindo-se ao requerente disse-lhe que estava proibido de ir à mina.
17.O requerente tem ido à mina, limpando a mesma e a entrada do cano.
18. Em maio de 2022, por ordem do segundo requerido, limitaram o acesso dos requerentes à água da mina, através da colocação de um cano, desde a boca da mina, até ao tanque.
19. Impedindo que a água seguisse da mina para o depósito existente no local e pertença dos requerentes.
20. Entre maio e meados de agosto de 2022 os requerentes ficaram sem água da mina, para o consumo doméstico e regadio dos seus terrenos.
21. A partir de maio de 2022, o segundo requerido procedeu à plantação de várias árvores de fruto à volta da mina.
22. Nunca existiu no local da boca da mina e à sua volta, no passado, qualquer árvore de fruto.
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- Factos não provados -
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a) localizando-se a referida mina e sua boca, na propriedade da 1ª requerida.
b) atravessando o prédio descrito sob o nº ...52.
c) a 1ª requerida é legítima possuidora dos prédios rústicos onde se localizam a mina e a boca da mina, com exclusão do direito sobre a mina a água que brota da mesma.
d) logo que o prédio n.º ...52 foi adquirido pela 1.ª requerida em 2019, de imediato, o 2.º requerido conversou com o requerente para que o mesmo fizesse um furo ou um poço numa das suas propriedades, uma vez que lhe iria tirar a água da mina.
e) sendo que sucessivamente, e de forma gradual e mais azeda, o 2.º requerido dizia ao requerente que lhe ia tirar a água da mina, passando, a partir de certa altura que o requerente não se recorda, a dizer-lhe que o mesmo estava proibido de ir à mina.
f) tendo repetido por diversas vezes as referidas expressões, entre 2019 e 2022.
g) tendo inclusive numa das ultimas vezes vociferado em alta voz e aos berros ao requerente “você não vai lá mais à mina..”.
h) os requeridos cortaram o abastecimento de água através do corte do cano.
i) a plantação das árvores de fruto quando crescerem, irá sujar a água da mina.
j) e as raízes das mesmas, naturalmente, irão infiltrar-se na mina, reduzindo o caudal de água, bem como potenciando o desabamento da mina.
l) acrescendo que, na própria entrada da mina, colocou uma planta de videira.
m) no dia 10 de junho de 2022, os requeridos colocaram um cano amarelo sobre a presa dos requerentes, sendo que da mesma não brota água.
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Nas conclusões de recurso, sob os pontos XXIII a XXXI, insurgem-se os apelantes contra a decisão de direito no pressuposto da alteração da decisão de facto.
Ocorrendo essa alteração em relação a factos essenciais, cumpre verificar se estão reunidos os pressupostos para decretar a providência requerida ao abrigo do art. 362º CPC, por ser com tal fundamento que foi instaurado o procedimento cautelar.
Dispõe o art. 362º CPC:
“[s]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
Os pressupostos para decretar a providência são fundamentalmente dois:
- que o requerente seja titular de um direito;
- que esse direito esteja ameaçado de lesão grave e de difícil reparação.
Para que se mostrem preenchidos os pressupostos, quanto ao primeiro basta um juízo de verosimilhança ou probabilidade e no que respeita ao segundo, um juízo de certeza, de verdade, de realidade[25].
Os apelantes vieram instaurar a presente providência para tutela do direito à água da nascente ou mina em prédio propriedade de terceiros.
Nos termos do art.º1390º/1 CC considera-se justo título de aquisição da água das fontes e nascentes, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões.
Decorre do disposto no art.º1390ºCC que a constituição do direito de propriedade ou a constituição de um direito de servidão, de águas de fontes ou nascentes, por usucapião, apenas é atendível quando for acompanhada da construção de obras visíveis e permanentes, no prédio onde existe a fonte ou nascente, que revelem a captação ou a posse da água nesse prédio.
A aquisição da propriedade da água confere ao seu titular um direito pleno e, em princípio ilimitado sobre a coisa que envolve a possibilidade de efetuar o tipo de aproveitamento da água previsto no título constitutivo e na sua estrita medida das necessidades do prédio dominante.
Constitui-se um direito de propriedade sempre que o adquirente pode fruir ou dispor livremente da água nascida em prédio alheio e desintegrada da propriedade superficiária, aliená-la ou captá-la subterraneamente, usá-la neste ou naquele prédio, para este ou aquele fim.
Por outro lado, sempre que se constitui a favor de terceiro, o direito às águas particulares, em regra constitui-se o direito de as derivar e conduzir e nisso se consubstancia o direito de servidão de presa e de aqueduto.
Sobre estas questões, entre outros, pode ler-se PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA Código Civil Anotado[26] e Ac. Rel. de Coimbra de 11.07.89, CJ XIV, IV, 55, Ac. Rel. do Porto de 06.03.91 CJ XVI, II, 280, Ac. Rel. Porto de 13.11.97 CJ XXII, V, 181, Ac. Rel. Coimbra 21.01.97 CJ XXII, I, 30 e Ac. Rel. Porto 07.06.99 CJ XXIV, III, 202.
Partindo de um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança, os factos provados permitem concluir que os requerentes/apelantes adquiriram o direito de propriedade, por usucapião, da água da mina que existe no prédio descrito no ponto 2 dos factos provados.
Com efeito, provou-se que os requerentes, por si e seus antecessores, desde tempos remotos e há mais de 20 anos têm realizado obras no prédio para proceder à captação das águas que brotam da nascente referenciada no ponto 2 dos factos provados e na sequência de tais obras construíram canais ou regos através dos quais procedem à condução das águas até chegarem ao tanque e depósito que pertence aos requerentes para depois, fazendo uso da água de forma plena e exclusiva, usarem na rega dos prédios que lhes pertencem e para consumo na habitação.
Considera-se, assim, que está indiciariamente demonstrado o direito de propriedade dos requerentes à água da mina existente no prédio referenciado no ponto 2 dos factos provados, por usucapião – art. 1390º/2, 1251º, 1287º, 1296º CC.
Mas os factos revelam ainda um outro direito dos requerentes, o direito de servidão de aqueduto e presa.
O direito de servidão constitui um direito real com o conteúdo de possibilitar o gozo de certas utilidades de um prédio em benefício de outro prédio. As utilidades cujo gozo o direito de servidão propícia devem ser utilidades suscetíveis de serem gozadas por intermédio de outro prédio – o prédio dominante (art. 1543º CC).
Desta forma, o titular da servidão não tem o poder de colher utilidades, vantagens ou benefícios, individualmente considerados, mas na qualidade de sujeito de outro prédio e na medida do objetivamente postulados para o proveito do prédio.
São características do direito de servidão:
- a inseparabilidade – corolário do princípio de que as utilidades do prédio serviente devem ser gozadas através do prédio dominante, devendo os prédios pertencer a donos diferentes;
- indivisibilidade – manifestação da expressão da aderência da servidão ao prédio;
- atipicidade do conteúdo – no sentido de poderem ser objeto quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais;
- ligação objetiva da servidão – as servidões têm sempre que incidir sobre um prédio em benefício de outro.
As servidões podem constituir-se por contrato, testamento, usucapião ou destinação de pai de família – art. 1547º CC.
Prevê, ainda, o aludido preceito a constituição da servidão por sentença judicial – art. 1547º/2 CC.
Apenas as servidões aparentes são suscetíveis de aquisição por usucapião – art. 1548º CC.
Para que seja aparente, a servidão, não basta que se revele por obras ou sinais exteriores; é necessário que além de visíveis os sinais reveladores da servidão sejam permanentes. A permanência da obra ou sinal torna seguro que não se trata de um ato praticado a título precário, mas de um encargo preciso, de carácter estável ou duradouro, como é próprio da servidão.
A servidão de aqueduto tem por conteúdo a passagem de água por meio de cano ou rego condutor, desde o prédio onde ela se encontra até ao prédio que dela se aproveita.
Sobre o que se possa entender por sinais visíveis e permanentes, para efeitos de constituição da servidão por usucapião, cita-se o Ac. Rel. Porto de 10 de abril de 2008, (proc. 0831598, acessível em www.dgsi.pt ):
“Assim é que, aludindo a aquedutos ou canos subterrâneos condutores da água, refletia Cunha Gonçalves no domínio do anterior código civil e da “Lei das Águas” que “… o cano subterrâneo não deixa de ser uma obra reveladora da servidão. Não é forçoso que esta obra esteja à superfície do solo para que a servidão seja aparente, pois não aparentes são somente as servidões que não apresentam indício algum exterior, como sucede com as servidões negativas. Mesmo quando o cano é subterrâneo, a água corre continuamente, sem ação repetida do homem; e sempre ficam à superfície do solo e visíveis os extremos do mesmo cano, isto é, a entrada e saída da água …” – in “Tratado do Direito Civil”, Vol. III, pág. 395.
No mesmo sentido ia a reflexão de Guilherme Moreira, ao escrever que “desde que o aqueduto, embora seja subterrâneo, se manifesta por meio de quaisquer obras ou sinais exteriores em relação ao prédio em que a servidão se acha constituída, quer no ponto em que há a presa ou derivação da água, quer durante o curso desta, quer no termos desse curso, a servidão não poderá deixar de considerar-se aparente. É óbvio que, existindo essas obras, pode haver conhecimento da servidão e tanto basta para que a posse desta se deva considerar como sendo pública …” – in “As Águas no Direito Civil Português”, Livro II, 2.ª ed., págs. 212 a 213.
Também P. de Lima nas suas “Lições” escreveu que “… desde que o aqueduto, embora subterrâneo, se revela por obras ou sinais exteriores quer no prédio em que a servidão se achar constituída, quer no ponto em que há presa ou derivação de água, quer durante o curso, quer no seu termo, a servidão não pode deixar de considerar-se aparente …” – in “Lições de Direito Civil – Direitos Reais”, coligidas por David Augusto Fernandes, pág. 373.
Já no domínio do novo código civil parece seguir idêntica posição Tavarela Lobo, ao considerar que a servidão não poderá deixar de ser aparente na situação em que “o aqueduto, mesmo subterrâneo, se revela por sinais visíveis e permanentes, quer no prédio em que a servidão se achar constituída, quer no ponto em que há presa ou derivação de água, quer durante o curso, quer no seu termo” – in “Manual do Direito de Águas”, Vol. II, 2.ª ed., pág. 376, nota 2. “
Seguindo de perto o acórdão que citamos e tal como ali se defende, não vemos motivos para deixar de seguir a doutrina exposta e, na base dos respetivos ensinamentos, importa avaliar se, na situação apurada, apesar do mencionado tubo se encontrar totalmente enterrado no prédio referenciado em 2, ainda assim resultam elementos demonstrativos da existência de sinais exteriores visíveis e permanentes duma servidão aparente.
Somos levados a responder de forma afirmativa, pois como resulta dos factos provados, no prédio onde nasce a água adquirida pelos requerentes, os seus antecessores procederam à captação da água, com a colocação de canos para, a partir desse local a conduzirem através dos mencionados canos, por prédios de terceiros até alcançar o prédio dos requerentes onde caía num tanque e agora cai num depósito de inox, permitindo a sua utilização para gastos domésticos e rega.
Atendendo à matéria de facto apurada, temos como certo a existência de sinais visíveis e permanentes, quer no prédio onde é captada a água, quer no prédio dos requerentes, sendo o bastante para, ao lado da demais factualidade dada como apurada, se configurar uma servidão aparente e como tal suscetível de constituir-se por usucapião.
A servidão legal de aqueduto, com o direito acessório de passagem para garantir a boa condução das águas, pode ser constituída de forma voluntária, por usucapião, como ocorre no caso presente, atenta a matéria de facto provada e tem tutela legal no regime previsto nos art. 1556º e 1557º CC.

Conclui-se, assim, que a servidão de aqueduto revela-se por sinais visíveis e permanentes, que lhe conferem a natureza de servidão aparente.
É certo que não se provou que o prédio onde existe a mina pertence à primeira requerida, como vem alegado pelos requerentes, mas tal circunstância não impede a tutela provisória do direito dos requerentes, quando se veio a apurar que é o segundo requerido em nome pessoal vem a opor-se ao exercício do direito por parte dos requerentes, agindo como possuidor do prédio onde se situa a mina, impedindo o acesso à mina e a entrada no prédio.
Com efeito, provou-se que entre meados de maio e em junho de 2022 o segundo requerido, por si e através de outra pessoa e por sua ordem, dirigindo-se ao requerente disse-lhe que estava proibido de ir à mina. Apesar disso, o requerente tem ido à mina, limpando a mesma e a entrada do cano.
Em maio de 2022 por ordem do segundo requerido, limitaram o acesso dos requerentes à água da mina, através da colocação de um cano, desde a boca da mina, até ao tanque. Impedindo que a água seguisse da mina para o depósito existente no local e pertença dos requerentes. Entre maio e meados de agosto de 2022 os requerentes ficaram sem água da mina, para o consumo doméstico e regadio dos seus terrenos. A partir de maio de 2022, o segundo requerido procedeu à plantação de várias árvores de fruto à volta da mina. Nunca existiu no local da boca da mina e à sua volta, no passado, qualquer árvore de fruto (pontos 16 a 22 dos factos provados).
Tais factos são reveladores do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito, o que representa a manifestação do “periculum in mora”, requisito comum a todas as providências.
Como refere TEIXEIRA DE SOUSA “[a] necessidade de composição provisória decorre do prejuízo que a demora na decisão da causa e na composição definitiva provocaria na parte cuja situação jurídica merece ser acautelada ou tutelada”[27].
O receio tanto pode manifestar-se antes da propositura da ação como na sua pendência e a medida requerida será a mais adequada para acautelar o efeito útil que através do processo principal se pretende ver reconhecido ou satisfeito.
Apenas a lesão grave e dificilmente reparável constitui fundamento para ser decretada a providência. Como observa ABRANTES GERALDES: “a gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado”.
Considera a doutrina que na tutela do procedimento cautelar integram-se as lesões ainda não consumadas, continuadas e repetidas. Constitui, apenas, um requisito necessário que a situação de perigo contra a qual se pretende defender o lesado seja atual.
Desta forma, no conceito de lesão grave ou dificilmente reparável integram-se:
- atos preparatórios que permitam prever a ocorrência de um evento objetivamente idóneo a prejudicar o direito;
- o evento danoso é anunciado por uma série de elementos de facto; ou
- o evento danoso já verificado continua a produzir efeitos que se prolongam no tempo, agravando o estado de insatisfação[28].
Nesta última situação, defendia ALBERTO DOS REIS:”[a] lesão já efetivada não pode justificar uma providência que tenha como objetivo o dano de que o titular do direito foi vítima; mas pode servir de fundamento a uma providência destinada a evitar outros danos previsíveis e iminentes.[…] a violação cometida pode ser o índice e o prelúdio de outras violações semelhantes, pode ser causa de justo receio de lesões futuras, porque pode ser o início duma série de atentados da mesma natureza”[29].
Também ABRANTES GERALDES defende que “[…]as lesões já ocorridas não são inócuas; servem para dar maior seriedade à pretensão ou fortalecer a convicção quanto à necessidade de concessão de uma providência destinada a evitar a repetição ou a persistência da situação, admitindo-se o deferimento de uma providência cautelar se e enquanto subsistir uma situação de perigo de ocorrência de novos danos ou de agravamento dos danos entretanto ocorridos”[30].
LEBRE DE FREITAS observa por sua vez que:”[n]ão há, por definição, receio de lesão quando está já consumada;[…] mas, sendo possível a reconstituição natural da situação anterior ao ato ilícito, de modo que evite a continuação do dano, ainda que apenas mediante a produção de efeitos indiretos, a providência cautelar é admissível, com carácter antecipatório da decisão de mérito pretendida, ao invés do que, a coberto da ideia de consumação, por vezes tem sido decidido”[31].
Na jurisprudência anotam-se posições distintas, defendendo-se que a consumação da lesão não justifica a providência, como disso dão conta, entre outros, os Ac. Rel. Porto 19 Outubro de 1982, CJ 1982, IV, pag. 246, Ac. Rel. Lisboa 08 de Junho de 1993, CJ 1993, III, pag. 123 ou defendendo que a lesão consumada não obsta ao decretamento da providência como forma de obstar à reiteração da lesão ou agravamento dos danos, entre outros, Ac. Rel. Porto 04 de Fevereiro de 2003, Proc. 0121170, Ac. Rel. Coimbra 22 de Novembro de 2005, Proc. 3025/05, Ac. Rel. Porto 22.09.2009, Proc. 982/09.7TBPNF.P1, Ac. Rel. Porto 08 de Julho de 2015, Proc. 912/14.4T8PRT.P1, Ac. Rel. Lisboa 11.07.2013, Proc. 23941/12.8T2SNT.L1-2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Defendemos que a consumação da lesão sendo atual mas geradora de danos iminentes e previsíveis merece ainda a tutela da providência cautelar comum, dado o fim que se visa acautelar: obstar a que por ação ou omissão se cause lesão grave ou dificilmente reparável ao direito e que tal ameaça apenas possa ser sustada com o decretamento da providência.
Constitui matéria cujo ónus de alegação e prova recai sobre o requerente da providência, nos termos do art. 365º/1 e 368º/1 CPC.
No caso presente constata-se que o segundo requerido levou a efeito um conjunto de atos que culminaram com a privação da água da mina por parte dos requerentes. O requerido não autorizava o acesso à mina e deu ordens nesse sentido, sendo certo que a limpeza da mina exige o respetivo acesso. Provou-se que os requerentes ficaram privados de água, na sequência de obras executadas pelo requerido na boca da mina, com colocação de novos tubos. Essa situação ocorreu entre maio e agosto de 2022, sendo certo que não se provou que foi por ação do requerido que os requerentes voltaram a usar a água da mina, nem ainda, que o segundo requerido retirou os tubos que colocou desde a mina até ao tanque.
A consumação da lesão sendo atual mas geradora de danos iminentes e previsíveis merece ainda a tutela da providência cautelar comum, dado o fim que se visa acautelar: obstar a que por ação ou omissão se cause lesão grave ou dificilmente reparável ao direito e que tal ameaça apenas possa ser sustada com o decretamento da providência.
Com efeito, a manter-se a situação de facto a todo o tempo podem os requerentes ficar privados de água e o decretamento da providência constitui a forma de acautelar o exercício do direito devido ao normal retardar da decisão definitiva na ação que venha a ser instaurada para resolução definitiva do litígio.
Conclui-se estar também demonstrado o justo receio de lesão do direito.
Neste contexto justifica-se restituir a mina e água, que é da posse e propriedade dos requerentes e que inclui a nascente de água existente no local e servidão de aqueduto da água, devendo o segundo requerido retirar todo e qualquer cano colocado na mina ou na sua boca; permitir aos requerentes e qualquer outra pessoa ao seu mando, que possam aceder, quando assim o julgarem necessário, à mina de água e sua boca, para que possam limpar a mesma, ou entrada de canos por onde a água circula.
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Os requerentes vieram requerer que os requeridos sejam obrigados a retirarem da boca da mina e de sua proximidade, no mínimo de 10 metros em seu redor, toda e qualquer árvore plantada.
Não se justifica tal procedimento por não revestir natureza cautelar, quando além do mais não se provou que a plantação de árvores obsta ou prive os requerentes ao uso da água da mina.
Os requerentes pretendem ainda, que os requeridos sejam condenados a pagar aos requeridos, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 500,00€ (quinhentos euros) por cada dia que incumpra a obrigação de entrega e desrespeite o direito de posse dos requerentes sobre a mina e água pertencente aos requerentes, até à restituição do estado em que a mina, e a utilização da água, nomeadamente através do cano existente que se encontrava ao momento do perturbação da posse, nomeadamente, retirando todas as plantações existentes no local da mina, supra peticionado, bem como não praticando qualquer ato que limite ou impeça os AA de usarem a mina e água.
No contexto dos factos apurados não se justifica fixar uma sanção pecuniária compulsória, quando está em causa apenas a defesa cautelar do direito e por outro lado, o incumprimento das obrigações impostas através da medida cautelar tem também a sua forma de tutela própria prevista no art. 375º CPC – crime de desobediência qualificada.
Por fim, os requerentes requerem a inversão do contencioso (369.º, n.º 1 do CPC).
Com efeito, prevê o art. 369º/1 CPC que o juiz “na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do direito”.
No caso não se determina a inversão do contencioso, atenta a prova indiciária dos factos a respeito da existência do direito, que assenta apenas na probabilidade séria da existência do direito.
Como referem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE: “[é] necessário, […] que o tribunal adquira a convicção segura da existência do direito acautelado, o que significa que não basta a probabilidade séria da existência do direito”[32].
A prova produzida para o decretamento da inversão do contencioso “tem de situar-se num patamar de exigência idêntico ao que é necessário para as decisões da matéria de facto nas ações de processo comum”[33].
Na concreta situação a prova produzida carece dessa necessária segurança, porque em parte o reconhecimento do direito assenta nos elementos objetivos que existem nos diferentes imóveis e que indiciam os atos de posse suscetíveis de configurar o direito à água.
A resolução definitiva do litígio requer uma prova mais sustentada, quanto ao elemento subjetivo da posse e em relação à exclusividade do direito e quanto ao trato sucessivo, em relação ao prédio em que se situa a mina, até porque se mostra necessário determinar o concreto prédio onde se situa a mina, a titularidade do mesmo e a relação com o segundo requerido, atendendo aos atos de oposição manifestada pelo segundo requerido.
Desta forma, não se determina a inversão do contencioso.
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Perante o exposto, procedem em parte as conclusões de recurso, sob os pontos XXIII a XXXI.
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Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas:
- na 1ª instância, pelo segundo requerido;
- na apelação, pelos requerentes e pelo segundo requerido, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/5 e 4/5, respetivamente.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e nessa conformidade, revogar a decisão, decretar a providência e absolver a primeira requerida do pedido, condenar o segundo requerido a restituir a mina e água aos requerentes e que inclui a nascente de água existente no local descrito no ponto 2 (dois) dos factos provados e servidão de aqueduto da água, devendo retirar todo e qualquer cano colocado na mina ou na sua boca; permitir aos requerentes e qualquer outra pessoa ao seu mando, que possam aceder, quando assim o julgarem necessário, à mina de água e sua boca, para que possam limpar a mesma, ou entrada de canos por onde a água circula.
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Custas:
- na 1ª instância, pelo segundo requerido;
- na apelação, pelos requerentes e pelo segundo requerido, na proporção do decaimento, que se fixa em 1/5 e 4/5, respetivamente.
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Porto, 22 de janeiro de 2024
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art. 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
_____________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] Cfr. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra Editora Limitada, Coimbra, 1985, pág. 602.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 549.
[4] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 549.
[5] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, julho 2017, pág. 347.
[6] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, pág. 357.
[7] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, Julho, 2013, pág. 126.
[8] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 334-335.
[9] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, Janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada pág. 272.
[10] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 569.
[11] Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005 - www.dgsi.pt.
[12] Ac. Rel. Porto de 19 de setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt..
[13] ANTÓNIO DOS SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, março 2022, pag. 341 e Ac. STJ 20.09.2007 CJSTJ, XV, III, 58, Ac STJ 28.02.2008 CJSTJXVI, I, 126, Ac. STJ 03.11.2009 – Proc. 3931/03.2TVPRT.S1; Ac. STJ 01.07.2010 – Proc. 4740/04.7 TBVFX-A.L1.S1 (ambos em www.dgsi.pt) - jurisprudência que se mantém atual.
[14] Cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 40.
[15] JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 606.
[16] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 648.
[17] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit. pág. 539.
[18] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 282.
[19] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro de 2013, pág.255.
[20] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 255-256 e ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., pág. 553.
[21] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 256.
[22] JOSÉ LEBRE DE FREITAS A Ação Declarativa Comum – Á Luz do Código de Processo Civil de 2013, ob. cit., pág. 274-276.
[23] ANTUNES VARELA, J.M.BEZERRA, SAMPAIO NORA, Manual de Processo Civil, ob. cit., pág.574.
[24] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 302.
[25] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 682-683; JOSÉ LEBRE DE FREITAS E A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, pág. 6.
[26] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição revista e atualizada (reimpressão), com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, grupo Wolters Kluwer, Coimbra, fevereiro de 2011, pág. 304-310.
[27] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lex, Lisboa 1997, pág. 232.
[28] Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. III, ( 4ª edição revista e atualizada ), Almedina, 2010, pag. 105
[29] ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. I , ob. cit., pág. 684.
[30] Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, ob. cit., pág. 105.
[31] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO, RUI PINTO Código de Processo Civil – Anotado, Vol. II, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág.7.
[32] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., pág. 46.
[33] Cfr. Ac. Rel. Porto 10 de março de 2015, Proc. 560/14, acessível em www.dgsi.pt .