Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17135/08.4TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: PROVA PROIBIDA
DEPOIMENTO DOS AGENTES POLICIAIS
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP2015093017135/08.4TDPRT.P1
Data do Acordão: 09/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não constitui prova proibida o depoimento de agentes policiais que referiram terem escutado, presencialmente, um cidadão que cometeu um crime, a referir numa conversa pública mantida com terceiros, num local público, que ainda tinha consigo o produto do crime.
II - Em face do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal não se pode limitar a valorar apenas o que constitui confissão e negação nas declarações de arguido, devendo também considerar as explicações dadas, o tom de voz, as alterações de ritmo e as pausas, de modo a apreender, para a decisão, aquilo que de impressivo e útil para a descoberta da verdade resultou desse meio concreto de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 17135/08.4TDPRT.P1
Data do acórdão: 30 de Setembro de 2015

Relator: Jorge M. Langweg

Origem: Comarca do Porto
Instância Central | Antiga 1ª Vara Criminal do Porto


Acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos acima identificados, em que figuram como recorrentes:

a) o Ministério Público;
b) o arguido B…;

I – RELATÓRIO

1. Por douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 1 de Julho de 2015, foi reconhecida a existência de um vício insanável de contradição na decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto e, em consequência, foi determinado o reenvio do processo, a este Tribunal, para novo julgamento, relativo à totalidade do objeto do processo.

2. Composto o novo coletivo de juízes para a apreciação do mérito dos recursos, os autos foram aos vistos e à sessão de conferência.
*
3. Por acórdão datado de 7 de Outubro de 2011, proferido pelo tribunal coletivo da 1ª Vara Criminal do Porto, a acusação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência:
a) Os arguidos C…, B… e D… foram absolvidos da acusação pela prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado;
b) O arguido B… foi condenado na pena de duzentos dias de multa À taxa diária de cinquenta euros, pela autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo disposto no artigo 86º da Lei nº 5/2006 e, bem assim, na condenação no pagamento das custas.

4. Inconformado com a absolvição dos arguidos da acusação pela prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, o Ministério Público interpôs recurso do acórdão, suscitando o vício de erro notório na apreciação da prova e impugnando a decisão da matéria de facto nos termos conclusivos seguidamente reproduzidos:

«As razões do presente recurso prendem-se com erro notório na apreciação da prova, com os factos dados por provados e não provados e, consequentemente, com a decisão de absolver os arguidos do crime de furto, tal como lhes é imputado na acusação.
Analisados à luz das regras da experiência e conjugados entre si, os factos apurados em audiência de julgamento e os documentos juntos ao processo (autos de busca, relatórios de perícias, relatos de vigilâncias, relatórios e elementos relativos a chamadas telefónicas, etc.) deveriam ter conduzido o douto Colectivo a decisão diametralmente oposta à proferida.
É certo que não há confissões, não há imagens, não há testemunhos directos, não há objectos a gritarem por uma condenação. Nem seria de esperar que houvesse. De resto, se assim fosse, bem fácil seria, e não é, ser juiz, nenhuma perspicácia, inteligência e sentido de razoabilidade se imporiam.
“Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos. Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos á inferência feita maior ou menor eficácia probatória”.
Há-de ser pela conjugação das provas recolhidas, caldeadas entre si e apelando às regras da razoabilidade e da experiência, que o tribunal tem de formar a sua convicção.
O tribunal não valorizou o depoimento das testemunhas/agentes da PSP E… e F… na parte em que estes afirmaram que, quando recolhiam informações preliminares sobre os autores do crime, ouviram, numa conversa de café, o C… afirmar para uns circunstantes que «ainda tinha ouro com ele» e a nomear o B1… (B…) por, em seu entender, não valerem como prova (cf. fls. 51/2 do douto acórdão).
O depoimento dos agentes de autoridade, nesta parte, não se debruça sobre declarações prestadas pelos suspeitos/arguidos aos investigadores, antes sobre uma conversa que eles mantiveram com outras pessoas num lugar público e que os agentes presenciaram/ouviram. Não estamos perante declarações prestadas perante OPC, as chamadas declarações informais. Não são declarações prestadas a polícias, são declarações ouvidas por polícias. Num café.
Assim, o douto tribunal deveria ter dado como provado que os agentes E… e F…, antes de os arguidos serem constituídos como tal e numa fase inicial das investigações, ouviram o C…, num café, afirmar perante terceiros que ainda tinha ouro consigo e a falar no B1… (arguido B…, conhecido por B1…, conforme consta da sua identificação no acórdão).
O tribunal, para melhor esclarecer os factos, decidiu ouvir o técnico (perito) que realizou a perícia, mas acabou por desconsiderar os esclarecimentos prestados pelo Dr. G….
Dessas declarações passamos a transcrever as partes que nos parecem mais significativas:
Ao minuto 16:29, da sessão do dia 16/08/2011:
- Juíza: Qualquer barra igual a esta que está aqui identificada com o nº 2 produziria o mesmo tipo de vestígio?
- Perito: Individualizadores, não. Podemos ter vários objectos que saem semelhantes, fabricados no mesmo local, mas todos vêm com acabamentos ou características individualizadas que permitem distingui-los entre eles.
- Juíza: Sr. Dr. não se importa de falar mais devagarinho que é para eu perceber!
- Perito: Vários objectos e ferramentas quando são produzidas e saem novos teoricamente de fábrica já apresentarão diferenças individualizadoras… entretanto com o uso podem adquirir características que permitem diferencia-las e individualizá-las, logo a probabilidade de haver uma outra ferramenta que consiga ter um estriado ou consiga produzir um estriado semelhante a este é... mesmo, muito pequena.
Mais adiante (minuto 28,26)
- Juíza: A pergunta é esta: se podia ser possível outros instrumentos que não estes, darem o mesmo resultado de provável que deu aqui?
- Perito: Não. Precisamente pelo que disse anteriormente, há várias ferramentas que são iguais… no entanto apresentam características individualizadoras, vistas através do estriado e do microscópio que são diferentes de ferramenta para ferramenta.
Finalmente, agora ao minuto 32.13
- Juiz: Da sua experiência, qual é a probabilidade de se pegar aí numa ferramenta em qualquer lado, mesmo admitindo a perfeição ou imperfeição do vestígio, etc., qual é a probabilidade de depois vir a dar uma provável identificação?
- Perito: Baixa ou nula. Haver outro alicate com características semelhantes.
Assim, o tribunal deveria ter dado como provado que, pela escassez dos vestígios é provável que tivessem sido produzidos por aquelas duas ferramentas, e ainda, que outras ferramentas/instrumentos não poderiam produzir os vestígios que foram encontrados na fechadura e canhão do cofre arrombado.
Assentemos, como fez o tribunal, e de resto resulta claro do depoimento da testemunha E… e dos diversos documentos das operadoras de telemóveis juntos aos autos, que os aparelhos e cartões que foram encontrados na posse ou nas casas dos arguidos e por eles foram usados nos termos documentados nos autos a partir das informações prestadas pelas operadoras de telefones móveis.
Porém, de forma totalmente incompreensível, o tribunal entendeu, contra todas as regras da experiência, desvalorizar os contactos mantidos entre os arguidos e fez tábua rasa (no acórdão, que não no julgamento) das comunicações constantes do Anexo A.
Mais grave ainda. O tribunal não deu importância às localizações celulares (BTS) e não deu qualquer justificação para essa atitude.
No dia 13 de Abril (o alarme das instalações tinha sido cortado na madrugada desse dia) o arguido C… entre as 7.57.36h e as 23.20.59h fez ou recebeu 9 chamadas telefónicas acionando a BTS da …, ou seja, a BTS que fica a escassos metros das instalações assaltadas. Dois desses contactos são com os arguidos D… e B…. Não há qualquer justificação objectiva, nem o arguido a deu, para naquele dia estar ou passar naquele local e a horas tão diferentes (a BTS da área da sua residência não é aquela, será a do …).
Mas, facto igualmente relevante, os arguidos sempre tão pródigos nos contactos entre si e com terceiros, a horas e dias diversificados, não fazem nem recebem qualquer chamada ou SMS na noite de 13 para 14 de Abril. Nenhum deles.
A partir das 06.54.23h desse dia 14 (chamada realizada pelo arguido C… partir do n° ………), ou seja, como que por milagre, os arguidos retomam os contactos telefónicos entre si mas agora acionando a BTS de …, isto é, a BTS mais próxima da garagem usada pelo arguido C… e onde foram encontradas as ferramentas (barra e alicate) que deixaram no cofre arrombado os já referidos vestígios.
Esta sucessão de factos que envolvem os três arguidos e o H…, julgamos estar absolutamente de acordo com a regras da experiência se concluirmos que os quatro estiveram nas imediações da “I…, SA” até cerca das 23 horas do dia 13, por ali deambulando com o objectivo de se certificarem de que o corte do sistema de segurança nessa noite não tinha espoletado qualquer reacção; depois dessa hora, todos com os telemóveis desligados, reintroduzem-se nas instalações, furtaram o ouro e após deslocaram-se todos para um local, insuspeito e recatado, como era a garagem arrendada ao C… e ai, provavelmente, repartem o produto do roubo e deixam as ferramentas que usaram.
Os arguidos, que não tinham ao tempo da verificação dos factos, emprego ou actividade laboral constante, com a excepção do arguido D…, vender de berma de estrada de automóveis em 2ª mão, todos exibem um património e quantias em dinheiro verdadeiramente inusuais.
Nenhum deles deu justificações válidas para terem consigo tais quantias em dinheiro “vivo”, não convencem na justificação para o património que naquela altura possuíam.
De resto, atente-se na extraordinária coincidência que ressalta de os arguidos C… e B… terem adquirido no mesmo dia - 21/06/2008 – automóveis de gama alta no valor de mais de 40.000 e 80.000 €, respectivamente.
Deixando de lado as quantidades inusitadas de objectos em ouro que foram apreendidos aos arguidos, estes três arguidos em data Posterior à ocorrência do furto passaram a exibir um património e quantias em dinheiro cuja justificação não se alcança.
O douto tribunal, totalmente ao arrepio das regras de experiência e da normalidade das coisas e da vida, não relacionou, ponderou e sujeitou às regras da lógica, como se impunha, a verificação simultânea destes quatro indícios envolvendo os três arguidos:
a) Existência de contactos pessoais e telefónicos entre estes arguidos e o H… (julgado e condenado em outro processo pelos mesmos factos) nos dias anteriores e seguintes ao furto;
b) Os contactos telefónicos estabelecidos entre os quatro e pelos quatro acionando, sem justificação válida, as BTS da … e de …, locais onde ocorreu o furto e onde existia uma garagem utilizada pelo arguido C…, e onde foram encontradas ferramentas que foram utilizadas no arrombamento do cofre;
c) As já referidas ferramentas, mais concretamente uma barra de ferro e um alicate, encontrados na mencionada garagem e que, segundo o perito responsável pelo exame pericial, produziram vestígios no cofre que só por elas poderiam ter sido feitos;
d) O património e dinheiro “vivo” pertencente aos arguidos cuja proveniência não é, segundo critérios de normalidade, justificável com a particularidade de logo após os factos os arguidos terem adquirido bens e reforçado de forma quase obscena as suas contas e bens próprios.
24. Assim foram incorrectamente julgados estes factos:
i) Não se provou que os arguidos C…, B… e D… tivessem elaborado um plano de, em conjunto, se apoderarem de objetos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da ”I…, S.A.” sita na ….
ii) Não se provou que os arguidos tivessem colaborado, fosse por que forma fosse, com H… já julgado e condenado como um dos autores desse furto.
25. Antes deveria o tribunal ter dado como provados os seguintes factos:
- Os arguidos C…, B… e D…, conjuntamente com H…, já julgado e condenado pela prática destes factos, elaboraram um plano de, em conjunto, se apoderarem de objectos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da “I…, S.A.” sita na …, assim:
- Entre os dias 13 e 14 de Abril de 2008, a hora concretamente não apurada, do interior de uma das filiais da “I…, S.A.“, sita na …, n° .., na cidade do Porto os arguidos furtaram inúmeros objectos em ouro que constituíam o penhor dos empréstimos que essa instituição concedia aos seus clientes.
- Para o efeito cortaram as linhas telefónicas e a destruição/corte de alguns dos componentes do sistema de segurança contra intrusão instalado no edifício daquela filial, em particular da sirene de alarme colocada no seu exterior.
- Numa segunda fase, e já no dia 14 de Abril de 2008, pelas 2:29 horas, usando os andaimes montados numa obra em curso num imóvel próximo daquele estabelecimento, acederam ao telhado do referido prédio e, de seguida, a uma varanda, cuja porta foi forçada, destruindo o respectivo mecanismo de fecho.
- Através da porta da mencionada varanda do estabelecimento de penhores, conseguiram então aceder ao seu interior.
- Aí chegados, aqueles arguidos e o referido H… utilizando as ferramentas apreendidas e examinadas nos autos forçaram e destruíram a fechadura de um dos quatro cofres-fortes existentes no estabelecimento.
- De seguida, do interior do citado cofre e também das montras de exposição existentes na ourivesaria do estabelecimento, mas sobretudo do cofre, retiraram vários artigos/artefactos de ourivesaria, em ouro, com o peso total aproximado de 301.303.3 gramas e com o valor global de cerca de € 10.774.110 (dez milhões setecentos e setenta e quatro cento e dez euros), tendo sido retirados do cofre vários artigos/artefactos em ouro com peso de 276.093,9 gr e no valor de € 10.565.372,00, os quais na sua esmagadora maioria haviam sido entregues no estabelecimento pelos clientes deste, como cauções dos empréstimos concedidos aos mesmos pelos responsáveis do estabelecimento e nos termos dos contratos de mútuo celebrados e, da ourivesaria, vários artigos/artefactos em ouro com o peso de 25.209,4 gramas e no valor de € 208.738,35 (duzentos e oito mil setecentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
- Pelo menos parte significativa dos citados artigos/artefactos, encontram-se discriminadas na relação constante de fls. 47 a 257, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
- Ainda do interior daquele cofre os arguidos retiraram a quantia monetária de cerca de € 4.852,00 (quatro mil oitocentos e cinquenta e dois euros), correspondente ao apuro do caixa do estabelecimento.
Quanto a estes factos, correu termos o inquérito n° 388/08.5 PPPRT, de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, o qual foi posteriormente remetido 3ª Vara Criminal do Porto, vindo nesse processo a ser julgado e condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão, o arguido – H…, conforme se retira da certidão do Acórdão constante de fls. 2899 a 2926.
- Os arguidos apropriaram-se daqueles bens, que fizeram coisa sua, bem sabendo que lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos.
- Sabiam ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.-
- As quantias em dinheiro e os automóveis que lhes foram apreendidos são produto deste furto.
Se pedimos eficácia às polícias devemos esperar que os tribunais, sem deixar de ter presente que é à acusação que incumbe a prova do cometimento dos factos, se têm de adaptar também eles à sofisticação da alta criminalidade e não esperar a facilidade da prova directa, ou como disse Cesare Beccaria conformar-se apenas com a prova «perfeita»
Cada um dos factos dados por provados, e os que deveriam ter sido dado como tal, de que agora se recorre, olhados de per si, não terá força suficiente para gerar a convicção de que foram os arguidos os co-autores do furto investigado nos autos, mas se os olharmos na sua totalidade, se os pusermos a interagir entre si à luz das regras da experiência e da lógica, então sim, dar-nos-ão a convicção segura de que estes três arguidos, para além de qualquer dúvida razoável, foram os co-autores do furto ocorrido nas instalações da assistente naquele fim-de-semana de 13/14 de Abril de 2008.
Na decorrência lógica desta factualidade, teria o tribunal a quo de condenar os arguidos pela prática de um crime de furto qualificado previsto e punido pelos arts. 202º/1, p), no 3, als. b), d) e e), 203º/1 e 204°/2, als a), e e), todos do cód. penal.
Foi violada a norma do artº 127º do Código de Processo Penal.
Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o douto suprimento de Vªs Exªs, deverá o presente recurso merecer provimento, com todas as consequências legais, condenando-se os arguidos pelo prática, como co-autores materiais, do aludido crime de furto previsto e punido pelos arts. 202º/1, p), n° 3, als. b), d) e e), 203º/1 e 204°/2, als a), e e), todos do cód. penal, com o que se fará Justiça».

5. O arguido B… também interpôs recurso do acórdão, suscitando diversos erros em matéria de direito, concluindo a motivação nos seguintes termos:
«A pena concreta a que foi condenado o Recorrente; 200 dias de multa à taxa de 50 € diários, num total de 10.000 €, parece-nos excessiva, exagerada e desadequada, pois o tribunal Recorrido não teve em conta os factores e termos de atenuação especial da pena prevista nos artigos 72º e 73º, nº 1 al. c) do cód. penal.
O arguido é primário.
O arguido desde o início dos autos e também na sua contestação confessou tal crime, assumindo igual factualidade na audiência de julgamento, sendo o seu comportamento irrepreensível desde a apreensão da dita arma até á dita audiência.
O arguido, desde muito novo, sempre teve a seu cargo um agregado familiar pelo qual é responsável quer socialmente quer economicamente, visto ser o único provedor económico desse mesmo agregado.
O arguido é pessoa responsável e honrada, pois sempre promoveu o melhor para o seu agregado encontrando-se o próprio e os seus familiares bem integrados socialmente.
A condenação do Recorrente no pagamento de uma multa de 10.000€ pela posse de uma arma que nunca utilizou e não está associada a qualquer tipo de crime, independentemente da sua boa situação económica, será, na nossa modesta opinião, manifestamente desajustada, e exagerada.
A lei a aplicar pelo Tribunal Recorrido, tendo em conta a data da apreensão da arma em causa ao Recorrente em 22 /07/2008 – ainda não tinha entrado em vigor a Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, que introduziu alterações na Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro - deveria ter sido, pois, tão só a lei 5/2006 de 23 de Fevereiro sem as alterações da lei 17/2009 de 6 de Maio.
Assim, e para que não se faça menos correcta interpretação dos artigos 72º e 73º do código penal, bem como uma aplicação indevida dum diploma legal, a lei nº 17/2009 de 6 de maio, que ainda não se encontrava em vigor à data dos factos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente a sentença do tribunal à quo ser alterada, atenuando-se a pena de multa aplicada ao recorrente, para um valor tido por V. Exas., Venerandos desembargadores, como justo.
Assim farão V. Vxas. serena e objectiva Justiça».
6. Os recursos foram liminarmente admitidos no tribunal a quo, subindo nos próprios autos, com os efeitos legais.

7. À motivação de recurso do Ministério Público responderam os arguidos C… e B…, concluindo, de forma fundamentada, pela sua improcedência.

8. Nesta instância, o Ministério Público teve vista dos autos, tendo emitido parecer, igualmente fundamentado, no sentido de que deve ser julgado não provido o recurso do arguido B… e provido o recurso do Ministério Público.

9. Não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos, ainda do mesmo texto legal].

Questões a decidir
Do thema decidendum dos recursos:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.

Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas, que sintetizam as conclusões do recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum:

a) Vício do acórdão, por motivo de erro notório na apreciação da prova (art. 410º, 2, c), do mesmo Código);
b) Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
c) Erros em matéria de direito:
i. Os factos praticados pelo arguido B… devem ser integrados na Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro, sem as alterações da lei 17/2009 de 6 de Maio, tendo em conta a data da sua prática.
ii. A não atenuação especial da pena aplicada ao arguido B…;
Para decidir as matérias acima descritas, importará, primeiramente, recordar as partes essenciais da fundamentação de facto, bem como a fundamentação jurídica da responsabilidade penal do arguido B…, plasmadas na decisão recorrida.

II – OS FACTOS PROCESSUAIS RELEVANTES

Conforme já enunciado, torna-se essencial - para a devida apreciação do mérito do recurso - recordar o teor das partes relevantes, para o recurso, da fundamentação da decisão recorrida, acima referidas:

«Matéria de facto provada:
Entre os dias 13 e 14 de Abril de 2008, a hora concretamente não apurada, do interior de uma das filiais da “I…, S. A.”, sita na …, nº .., na cidade do Porto foram furtados inúmeros objectos em ouro que constituíam o penhor dos empréstimos que essa instituição concedia aos seus clientes.
Para o efeito foram cortadas as linhas telefónicas e a destruição/corte de alguns dos componentes do sistema de segurança contra intrusão instalado no edifício daquela filial, em particular da sirene de alarme colocada no seu exterior.
Numa segunda fase, e já no dia 14 de Abril de 2008, pelas 2:29 horas, usando os andaimes montados numa obra em curso num imóvel próximo daquele estabelecimento, foi acedido o telhado do referido prédio e, de seguida, uma varanda, cuja porta foi forçada, destruindo o respectivo mecanismo de fecho.
Através da porta da mencionada varanda do estabelecimento de penhores, conseguiram então aceder ao seu interior.
Aí chegados, utilizando algumas ferramentas foi forçada e destruída a fechadura de um dos quatro cofres-fortes existentes no estabelecimento.
De seguida, do interior do citado cofre e também das montras de exposição existentes na ourivesaria do estabelecimento, mas sobretudo do cofre, foram retirados vários artigos/artefactos de ourivesaria, em ouro, com o peso total aproximado de 301.303.3 gramas e com o valor global de cerca de € 10.774.110 (dez milhões setecentos e setenta e quatro cento e dez euros), tendo sido retirados do cofre vários artigos/artefactos em ouro com peso de 276.093,9 gr e no valor de € 10.565.372,00, os quais na sua esmagadora maioria haviam sido entregues no estabelecimento pelos clientes deste, como cauções dos empréstimos concedidos aos mesmos pelos responsáveis do estabelecimento e nos termos dos contratos de mútuo celebrados e, da ourivesaria, vários artigos/artefactos em ouro com o peso de 25.209,4 gramas e no valor de € 208.738,35 (duzentos e oito mil setecentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
Pelo menos parte significativa dos citados artigos/artefactos, encontram-se discriminadas na relação constante de fls. 47 a 257, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Ainda do interior daquele cofre foi retirada a quantia monetária de cerca de € 4.852,00 (quatro mil oitocentos e cinquenta e dois euros), correspondente ao apuro do caixa do estabelecimento.
Quanto a estes factos, correu termos nestes Serviços o inquérito nº 388/08.5 PPPRT, de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, o qual foi posteriormente remetido 3ª Vara Criminal do Porto, vindo nesse processo a ser julgado e condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão, o arguido H…, conforme se retira da certidão do Acórdão constante de fls. 2899 a 2926.
Os arguidos destes autos conheciam e encontraram-se por diversas vezes e em diversos locais com aquele H….
No dia 22 de Julho de 2008, no decurso da investigação empreendida nestes autos, foram realizadas pela Polícia de Segurança Pública do Porto (PSP) diversas buscas:
Na residência do arguido C…, foram então encontrados e apreendidas pelos Agentes da PSP diversos objetos entre eles artigos/artefactos em ouro, bem como quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando € 22.025,00.
No lugar de garagem sito na … “J…”, em …, ao qual se encontra atribuída a letra “D”, foram encontrados e apreendidas ferramentas.
Este local foi algumas vezes usado pelo arguido C… e por outros indivíduos cujas identidades não se lograram apurar.
Alguma dessas ferramentas bem como as fechaduras do estabelecimento assaltado, estroncadas/destruídas aquando do assalto, foram remetidas ao Laboratório de Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária, para realização de exame pericial, a fim de se apurar da eventualidade de terem sido tais ferramentas as utilizadas para o entroncamento das fechaduras.
No relatório de exame pericial, concluiu-se que:
- “Os vestígios de acção de ferramenta observados no espelho do canhão de fechadura enviado foram provavelmente produzidos pelo alicate enviado, por nós referenciado como alicate 2 (...)”; e,
- “Os vestígios de acção de ferramenta observados na tranca da fechadura enviada foram provavelmente produzidos pela barra de ferro enviada, por nós referenciada como barra 2 (...)”.
Ainda na mesma data, foi apreendido ao arguido C… o automóvel da marca Nissan, modelo …, com a matrícula ..-FX-.., bem como o documento (Factura) respeitante à compra desta viatura pelo arguido, em 20/06/2008, pelo preço de € 41.770,00, à data já integralmente pago.
Foi ainda apreendido ao arguido C… o documento (contrato promessa de compra e venda) respeitante à aquisição pelo arguido de uma habitação pelo valor de € 300.000,00 (trezentos mil euros), dos quais € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) teriam de ser pagos até ao termo do ano de 2008.
Para aquisição desta habitação este arguido tinha já visto aprovado em 19 de Novembro de 2007, pela K…, um empréstimo no valor de 250.000,00 €.
Foram também apreendidos ao arguido C… diversos documentos, designadamente documentos bancários respeitantes a depósitos de dinheiro, efectuados pelo arguido após a data do furto, nas contas do Banco “K…” da qual este arguido é co-titular com a sua esposa L….
Na residência do arguido B…, acima referenciada, foram então encontrados e apreendidos pelos Agentes da PSP os diversos objectos entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro.
Foram também apreendidas na residência deste arguido quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando € 13.160,00€.
Foram ainda apreendidos na residência do arguido B…, 1 (uma) pistola de alarme, da marca FRATELLI TANFOGLIO, modelo GT 28, calibre 8 mm, entretanto modificada/adaptada para arma de fogo, de calibre 6,35 mm, 15 (quinze) munições de calibre 6,35 mm, 1 (um) carregador para seis munições e 1 (um) coldre.
Também foram apreendidos ao arguido B… diversos documentos, designadamente documentos bancários respeitantes a depósitos de dinheiro e cheques, efectuados pelo arguido nas contas do Banco “M…” da qual este arguido é co-titular com a sua companheira N….
Ainda na mesma data, foi apreendido ao arguido B… o automóvel da marca Audi, modelo …, com a matrícula ..-GA-.., bem como o documento (declaração/requerimento de compra e venda) respeitante à compra desta viatura pelo arguido, em 20/06/2008, pelo preço de € 84.900, à data já integralmente pago, a pronto, pelo mesmo.
Na residência do arguido D…, acima referenciada, foram encontrados e apreendidos pelos Agentes da PSP diversos objectos, entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro, designadamente uma barra em metal pobre, com o peso de 113,5 gramas, com as inscrições “Ouro” e “…”.
Foram ainda apreendidas na residência deste arguido quantias monetárias, em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, totalizando € 42.905,00, bem como várias ferramentas e alguns talões de depósitos e levantamentos bancários (Bancos K… e O…) - cfr. Anexo A.
Na mesma data, foi apreendido ao arguido D… o automóvel da marca BMW, modelo …, com a matrícula ..-FO-.., com o valor comercial de cerca de € 40.000,00, pertencente ao arguido e por ele adquirido, embora se encontre registado em nome do sogro do mesmo, P…, bem como o documento único do veículo, certificado de seguro (efetuado pelo arguido), e o documento comprovativo do pagamento do Imposto Único de Circulação, respeitante a 2008.
Também foi apreendido ao arguido D… o motociclo da marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-..-IN, que se encontrava aparcado na residência dos seus pais e outros familiares, sita no …, Bloco ., Entrada …, .º Esqº, no Porto.
Ainda na mesma ocasião, os Agentes da PSP revistaram este automóvel BMW …, tendo encontrado e apreendido no seu interior uma barra em metal pobre, com o peso de 858,20 gramas, com as inscrições “…” e “…”, embrulhado numa folha do jornal “..”, respeitante à edição de 09/05/2008.
Ainda na mesma data, o arguido D… foi conduzido à esquadra policial, onde foi sujeito a revista, tendo então sido encontrados em sua posse e apreendidos 1 (um) brinco em metal amarelo e 1 (uma) pulseira em metal amarelo e branco.
Após concluída a busca à residência do arguido D…, a esposa deste, Q…, saiu da residência e deslocou-se à uma Caixa ATM, onde levantou a quantia de € 3.809,00 em numerário, vindo tal quantia a ser apreendida pela PSP.
Ainda na mesma data, a Polícia de Segurança Pública do Porto efectuou buscas, devidamente autorizadas, às residências de familiares do arguido D….
Na residência do já referido sogro do arguido D…, P…, sita na Rua …, nº …, .º Dtº, em …, foram então encontrados e apreendidos objectos entre os quais diversos artigos/artefactos em ouro, bem como 1 (um) contrato de compra e venda de uma viatura de marca BMW, modelo …, de cor preta metalizada, efetuada em nome da esposa Q…, 1 (um) contrato promessa de compra e venda de um prédio rústico, situado no …, …, Matosinhos, efetuada em nome do arguido e da Q…, no valor de 150.000,00, e 7 (sete) volumes, com fita adesiva de cor branca e com letras azuis, com inscrições “S…”, Rua …, nº …, tendo cinco volumes, assinalado a quantia de € 10.000.00, 1 (um) a quantia de € 50.000.00 e 1 (um) de € 6.000.00, perfazendo um total de € 106.000.00 (cento e seis mil euros).
Nesta ocasião, os Agentes da PSP revistaram os sogros do arguido D…, o já citado P…, e a T… tendo encontrado na posse destes e apreendido as jóias.
Na residência dos pais e outros familiares do arguido D…, sita no …, Bloco ., Entrada …, .º Esqº, no Porto, foram encontrados e apreendidos artigos/artefactos em ouro.
Aquando das buscas, foram igualmente apreendidos aos arguidos telemóveis e cartões SIM a eles associados.
Na sequência das descritas buscas foi determinada a apreensão dos saldos das várias contas bancárias dos arguidos e seus familiares.
O arguido B… detinha a mencionada pistola (inicialmente de alarme, mas posteriormente adaptada pelo arguido, ou pelo menos com o conhecimento deste, para arma de fogo) e munições, apesar de bem saber que é proibida a detenção e o uso de armas de fogo (e de munições) com as características daquelas, sem que as mesmas se encontrem devidamente registadas ou manifestadas, e sem a necessária licença de uso e porte de arma ou de licença para a sua detenção no domicílio.
Mais se provou que:
Quanto ao arguido C… o seu processo de desenvolvimento decorreu no contexto do seu agregado de origem junto dos progenitores e dos quatro irmãos, sendo o segundo da fratria. A subsistência do agregado era assegurada pelos salários auferidos pelos pais, ele operário fabril e ela funcionária pública. A dinâmica familiar foi pautada pela disfuncionalidade devido ao facto do progenitor ter comportamentos agressivos dirigidos à esposa e filhos, que se foram mantendo ao longo da vida e até ter contraído doença e ficar diminuído na sua mobilidade.
Esta situação originou que todos os descendentes abandonassem a casa paterna muito jovens, passando longos períodos de tempo em casa dos avós maternos e de pessoas amigas que os acolhiam.
C… após conclusão do 1º ciclo do ensino básico começou a trabalhar numa oficina de automóveis com aprendiz de pintor.
Depois, apesar de laboralmente activo exercendo tarefas diversificadas. Após o cumprimento do serviço militar obrigatório contraiu matrimónio. Contudo, a relação a terminar, em virtude de ter sido condenado e cumprido pena de prisão por crimes contra o património, situação que a esposa não aceitava.
Posteriormente, após cumprimento da pena de prisão, houve reconciliação tendo contraído novamente matrimónio. Da relação existem dois filhos, com 30 e 18 anos, um dos quais se autonomizou recentemente.
À data dos factos, o arguido residia com o seu agregado, esposa e filhos, habitação da sogra. A dinâmica intra-familiar era e é funcionária, estruturada e solidária, com relações afectivas, descritas pela esposa, recompensadoras e satisfatórias.
A nível económico a situação era equilibrada decorrente da atividade laboral do arguido, pintor do ramo automóvel por conta própria e da esposa, funcionária de uma companhia de seguros.
No estabelecimento prisional C… tem apresentado relacionamento interpessoal adequado e comportamentos de acordo com os normativos vigentes.
Não tem desenvolvido atividade laboral/ocupacional relevante e ainda não beneficiou de medidas de flexibilização da pena.
Tem recebido visitas regulares dos elementos do seu agregado familiar, esposa e filhos, os quais estão recetivos a proporcionar-lhe as necessárias condições ao seu processo de reinserção.
No meio social de inserção, C… e família beneficiam de uma imagem social ajustada, sendo distinguido pela forma cordial e respeitadora com que estabelece relações interpessoais.
C… deu entrada no Estabelecimento Prisional do Porto em 27/10/2010 para cumprimento de pena única de 4 anos de prisão em que foi condenado pelos crimes de furto na forma tentada e consumada. Em 25-01-2011 foi transferido para o Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, onde se encontra actualmente.
A nível familiar continua a dispor do apoio da esposa e filhos, os quais continuam disponíveis para lhe prestarem as condições necessárias ao seu processo de reinserção.
O arguido tem antecedentes criminais e encontra-se actualmente em cumprimento de pena pelo cometimento de um crime de furto.
Quanto ao arguido B…:
B… é oriundo de um agregado familiar constituído pelos progenitores e três descendentes, sendo o mais novo dos irmãos.
Quando tinha quatro anos de idade ocorreu o falecimento da progenitora, altura em que o seu processo educativo passou a ser assumido pelo avô materno, elemento que se constituiu como uma figura significativa na vida dos netos.
Posteriormente o progenitor de B… manteve uma relação afetiva, da qual nasceram dois descendentes, não se tendo desvinculado afetivamente dos filhos do anterior relacionamento.
A nível escolar o arguido frequentou o sistema de ensino entre os 6 e 10 anos de idade, tendo concluído a 4ª classe. Seguidamente, passou a exercer atividades profissionais na área da construção civil.
Quando tinha catorze/quinze anos de idade o avô materno faleceu, tendo este e os irmãos passado a viver sozinhos e a gerir o quotidiano como pretendiam.
Ao nível profissional o arguido desempenhou a atividade profissional de “mestre de obras” e por conta própria em Portugal e Espanha. Assim, entre os anos 2000 e 2007, trabalhou com uma equipa em Espanha.
A partir de 2007 encontra-se em Portugal, onde se tem dedicado à recuperação do interior de habitações.
Ao nível afetivo B… aos 18/19 anos, iniciou uma relação com U… da qual nasceram dois filhos: V… e W…, atualmente com 20 e 16 anos de idade. Durante a infância dos descendentes (quando o filho, V… tinha 4 anos de idade e a filha W… alguns meses de idade) o casal separou-se devido ao comportamento aditivo mantido pela companheira do arguido e consequente manutenção de um modo de vida associado à problemática da toxicodependência. Desde essa altura, B… assumiu a condução do processo educativo dos descendentes, os quais permanecem a seu cargo.
Posteriormente, B… tinha 34 anos de idade iniciou nova relação afectiva com a atual companheira, N…, tendo nascido uma filha, X…, atualmente com 3 anos de idade.
O arguido refere que desde os 24 anos de idade ocupa parte do seu tempo a jogar póquer com amigos. Joga em estabelecimentos comerciais para o efeito e refere que há aproximadamente 10 anos, passou a ser jogador profissional.
No período a que se reportam os factos subjacentes ao presente processo, B… residia com o seu agregado familiar, constituído pelo próprio, companheira, N… (38 anos de idade, 6º ano de escolaridade), e os filhos V… (20 anos, estudante) W… (16 anos de idade, estudante) e X… (3 anos de idade). O filho mais velho do arguido só integra o agregado familiar ao fim de semana, permanecendo, durante a semana em casa da antiga ama, com quem estabeleceu uma ligação afetiva. O agregado habita, há aproximadamente 5 anos, um apartamento, tipologia T2 (adquirido através de empréstimo bancário), localizado numa zona considerada antiga da cidade do Porto. Ao nível económico a situação é descrita como tendo sido estável. É indicado como principal fonte de receitas mensais a remuneração auferida pelo arguido no desempenho da atividade profissional como sub-empreiteiro no valor de 1000 € por mês. Este valor cobria as despesas fixas do agregado no valor de 400 € (inclui prestação de empréstimo habitação, electricidade e água). Contudo, também é indicado a existências de quantias que são variáveis enquanto jogador de póquer.
A organização do quotidiano do arguido tem sido realizada, essencialmente, em função do exercício da sua atividade profissional na área da construção civil, do jogo de póquer e do agregado familiar, garantindo aos descendentes um suporte, aos diferentes níveis, em função das suas necessidades.
O arguido mantem um relacionamento afetuoso com os descendentes, sendo a união com o cônjuge descrita pelo casal como estável e gratificante.
Na ocupação do tempo de lazer, o arguido refere privilegiar o convívio com a família e amigos. O casal costuma sair com um grupo de amigos, mantendo o arguido outro grupo de amigos com os quais partilha tempos de ociosidade.
Este arguido é primário.
No que respeita ao arguido D… provou-se que:
Este arguido é o único filho oriundo de um casal com origem em Cabo-Verde, tendo nascido em S. Tomé e Príncipe, para onde se tinha deslocado o agregado familiar de origem por motivos profissionais do progenitor, polícia militar no exército no período anterior à descolonização.
Quando tinha dois anos de idade, o arguido veio para Portugal, tendo os pais se separado pouco tempo após a chegada a este país. Após a ruptura conjugal dos progenitores, que entretanto reorganizaram autonomamente a respetiva vida familiar, depois de uma curta estadia junto da mãe, integrou o agregado familiar do pai que se constituiu como a figura referencial educativa.
Frequentou o sistema de ensino até ao 5º ano de escolaridade que concluiu aos 14 anos de idade, apresentando um percurso escolar onde revelou problemas de adaptação à dinâmica escolar e desinteresse, que motivaram anos de insucesso de aprendizagem e abandono escolar precoce.
Iniciou exercício de atividade laboral logo após o afastamento do sistema de ensino como operário da construção civil até aos 18 anos de idade e depois em atividades diversas em empresas de trabalho temporário.
Aos 25 anos de idade, depois de ter desenvolvido durante cerca de um ano atividade por conta própria como empreiteiro na construção civil, trabalhou como prestador de serviços de segurança em estabelecimentos de diversão nocturna, tendo, posteriormente, estabelecido sociedade de propriedade sobre alguns deles.
A partir de 2002, estabeleceu uma sociedade de compra e venda de viaturas automóveis “Y…”, sedeada em Matosinhos que continua a explorar.
Viveu anteriormente em união de facto com companheira de quem teve dois filhos, atualmente com 17 e 14 anos.
Contraiu matrimónio aos 36 anos de idade, resultando dessa união conjugal, que mantém atualmente, o nascimento de outros dois filhos.
D… integra o agregado familiar com a mulher, os dois filhos menores de ambos e um filho de 14 anos de idade fruto do relacionamento anterior do arguido. O ambiente relacional intrafamiliar é definido como coeso e solidário.
Residem numa moradia própria, tipologia T4, com boas condições de conforto e habitabilidade, inserida em zona residencial suburbana do concelho de Matosinhos.
Segundo os respectivos elementos, a situação económica do agregado familiar é referida como confortável. Os proventos económicos resultam da exploração da sociedade de comércio automóvel atrás referida e de uma outra de que é co-proprietário, sedeada em Cabo-Verde que se dedica à importação e exportação.
A mulher do arguido é proprietária e gerente de um estabelecimento de estética e SPA.
Os rendimentos mensais auferidos pelos dois elementos do casal são variáveis conforme a evolução dos negócios mas usualmente superiores a 4000 € e excedentes relativamente aos encargos fixos de que avulta a mensalidade do colégio particular frequentado pela filha no montante aproximado de 700 €.
Nos tempos livres, costuma ocupar o tempo no convívio com a família viajando também frequentemente para Cabo Verde, país onde mantém familiares e negócios.
Este arguido tem antecedentes criminais tendo já sido julgado e condenado, por crime de burla e de desobediência.
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Da contestação apresentada pelo arguido C…, com interesse para a discussão da causa, provou-se que:
O ouro apreendido ao arguido, na casa da sogra onde vive, era pertença do seu agregado familiar, constituído por este, pela sua esposa, pelos filhos e pela sogra.
O agregado vive num imóvel que a sogra do arguido está a usufruir mediante um pagamento mensal que efetua para a Z…
Alguns daqueles objetos em ouro foram adquiridos pelo arguido e seus familiares, há mais de 10 anos.
O filho mais velho do casal é fisioterapeuta e aufere cerca de mil euros mensais.
A esposa do arguido trabalha na companhia de seguros “AB…”.
Durante os anos de 2006 e 2007 o casal declarou, para efeitos de pagamento de IRS, respetivamente as quantias de 56.000,00 € e 41.950,93 €.
Antes dos factos em apreço nestes autos o casal detinha na conta bancária à ordem nº …………. da K…, agência …, cerca de 45.000,00 €, tendo efetuado, nesse mesmo ano, o pagamento de 50.000,00 € (10.000,00€+40.000,00€) a título de sinal e princípio de pagamento relativo ao contrato promessa de compra e venda de um imóvel.
Para aquisição desse imóvel o arguido e sua mulher tinham já tido parecer favorável da K… para a concessão de um empréstimo no valor de 250.000,00 €.
O arguido e sua mulher não lograram comparecer no dia 07/10/2009 para outorgar a escritura pública.
A viatura automóvel adquirida pelo arguido foi paga em três prestações, tendo o arguido entregue ainda, em troca, uma outra viatura do casal, um Renault … matrícula ..-..-TH, com quatro anos, avaliada em 6.250,00€, valor este que veio a ser abatido no preço final do Nissan … que adquiriu.
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Da contestação apresentada pelo arguido B… e com interesse para a discussão da causa provou-se:
As peças em ouro encontradas em casa deste arguido são pertença dos três filhos e da sua companheira.
O arguido obtinha através do jogo nos casinos quer de Espinho, quer da Póvoa do Varzim, nas máquinas de póquer, frequentes jackpots, sendo as quantias mais elevadas pagas através de cheques, mas sendo pagos em dinheiro prémios de montantes mais reduzidos.
Já em Agosto de 2002 o arguido procedia a depósitos, só no mês de Agosto no valor de quase 60.000,00 €.
Na conta de depósitos à ordem nº ………… do AC…, agência …, Porto, no ano de 2008 de Janeiro a Julho o arguido efetuou vários depósitos em dinheiro no quantitativo global de 72.500,00 €. Só no mês de Janeiro o arguido efetuou depósitos no valor de 26.100,00 €.
Grande parte desse montante provem dos prémios de jogo que o arguido obtinha sobretudo no casino de Espinho.
Parte do preço da viatura automóvel adquirida pelo arguido foi pago com um cheque de 20.000,00 € da companheira do arguido e com um cheque do mesmo valor do arguido. O restante em numerário.
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Dos factos alegados nos Pedidos de Indemnização Civil:
A demandante “AC… – Companhia de seguros S.A.” no exercício da sua atividade seguradora celebrou com a “I…”, contrato de seguro titulado pela apólice nº ………., através da qual assumiu a obrigação de indemnizar, onde se incluía os objetos existentes no estabelecimento sito na …, nº .., Porto.
Grande parte dos objetos furtados daí furtados está coberto pelo referido seguro.
Por força de tal contrato o demandante procedeu já ao pagamento da indemnização devida, tendo entregue à sua segurada a quantia de 10.108.957,72 €, pagamento este efetuado em várias tranches a saber; em 23/07/2008 a quantia de 1.200.000 €, 25/08/2008 a quantia de 1.200.000,00 €, em 4/09/2008 a quantia de 1.200.000,00 €, em 23/09/2008 a quantia de 1.200.000,00 €, em 8/10/2008 a quantia de 1.200.000,00 €, em 30/10/2008 a quantia de 1.200.000,00 €, e em 13/01/2009 a quantia de 1.708.057,72 €.
Como no processo que correu termos na 3ª Vara foram apreendidos 50 quilos e ordenada a sua entrega à demandante e à I…, entre ambos foi celebrado um acordo, no qual consignaram, para além do mais, que sobre os bens de ouro recuperados, fica determinada que a sua avaliação terá por base o produto da sua venda após fundição e purificação e que o valor obtido reverterá para ambas, Companhia Seguros e I… na proporção de, respetivamente, 74,7% e 25,3%, devendo portanto ser abatido ao valor da indemnização paga o que vier a ser recebido pela seguradora.
A lesada/requerente, para além do supra referido contrato, celebrou ainda com “I…, S.A.” contrato de seguro titulado pela apólice ………., designado por “Multi-Riscos …”, através do qual assumiu a obrigação de indemnizar a sua segurada pela ocorrência de Furto/Roubo, como foi o caso dos autos, com local de risco no estabelecimento da sua segurada sito na … n° .. e .. no Porto.
Também por força de tal contrato, a requerente/lesada procedeu já ao pagamento de indemnização no valor de 41.783,70€ (quarenta e um mil setecentos e oitenta e três euros e setenta cêntimos).
A I… aqui assistente e demandante existe há mais de um século, tendo sempre respeitado as suas obrigações e sido, sempre, também, respeitada por clientes e concorrentes, tendo por isso uma boa imagem.
Contudo, a confiança e prestígio que caracterizam a Assistente, foram postos, duramente, à prova, após o furto ocorrido, entre os dias 13 e 14 de Abril de 2008, na sua filial sita à …, .., Porto, ficando descredibilizada,
Vivendo dias de absoluto desespero, pois eram inúmeros os clientes que, sabendo do ocorrido, telefonavam para as filiais da Assistente, escreviam cartas acusatórias, reclamando e culpando a casa de penhores. Sucedeu que clientes, presencialmente, exigiam explicações e os seus objectos de volta.
A Assistente teve de suportar os custos para reparação das linhas telefónicas e do sistema de alarme daquela filial, destruídos no assalto, bem como reparar a portada e janela danificada para conseguir a intrusão no estabelecimento.
Teve ainda de comprar novo cofre, mais seguro, face à destruição e inutilização de um dos cofres forte que detinha, no valor global de € 26.533,76 (vinte e seis mil quinhentos e trinta e três euros e setenta e seis cêntimos)
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Factos não provados
Não se provou que os arguidos C…, B… e D… tivessem elaborado um plano de, em conjunto, se apoderarem de objetos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da “I…, S.A.” sita na ….
Não se provou que os arguidos tivessem colaborado, fosse por que forma fosse, com H… já julgado e condenado como um dos autores desse furto.
Não se provaram outros factos para além dos dados como provados, nem quaisquer outros com interesse para a boa decisão da causa.
Não se provaram outros factos que alegados estejam em contradição com os dados como provados.
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Motivação:
Os factos apurados resultaram da análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência, feita segundo os critérios contidos no artigo 127º do C.P.P.
Assim e concretamente o teor dos documentos constantes de fls. 472 a 476 (imagens fotográficas do local assaltado e dos prédios contíguos), 860 a 862 (auto de busca e apreensão em casa do arguido B…), 865 e 866, 867 (auto de apreensão ao arguido B…), 878 e 879, 882 e 883, 887 a 892 (auto de busca e apreensão a casa do arguido C…), 895 e 896 (auto de busca e apreensão ao carro propriedade do arguido C…), 905 a 907 (auto de busca e apreensão na garagem da “J…”), 914 a 918 (auto de busca e apreensão ao arguido C…), 926 e 927 (auto de busca e apreensão na viatura automóvel do arguido C…) 930, 931 (auto de apreensão pessoal do arguido C…) 933 (auto de apreensão de dinheiro à mulher do arguido C…), 936 a 939 (auto de busca e apreensão em casa do sogro do arguido C…), 940 (auto de apreensão cautelar à sogra do arguido C…), 941 (auto de apreensão ao sogro do arguido C…), 949 (auto de busca ao local do trabalho do sogro do arguido C…), 952 e 953 (auto de busca ao estabelecimento de cabeleireiro da sogra do arguido C…), 959 a 962 (auto de busca e apreensão a casa dos pais do arguido C…), 982 a 984 (auto de busca e apreensão a AD…).
Relatório de exame pericial, constante de fls. 2785 a 2799, às ferramentas encontradas no interior da garagem da “J…” fls. 1811 a 1814 faturas respeitantes à compra da viatura automóvel efetuada pelo arguido C… emitidas em 30/04/2008, 20/05/2008 e 20/06/2008; cfr. fls. 1946 a 1951, contrato promessa de compra e venda celebrado pelo arguido C…; documentos de fls. 2297 a 2308, respeitantes a estratos bancários de uma conta da K… onde se evidenciam depósitos efetuados em numerário de diversas quantias em dinheiro de montantes variáveis entre os 2.086,56 € e os 12.517,63 mas que em 16/04/2008 tinha um saldo no montante de 42.038,56€; documentos de fls. 1041 a 1042 v°, auto de apreensão de objetos efetuados ao arguido B….
Auto de Exame Pericial de fls. 869 e v° da arma apreendida ao arguido B….
Documentos de fls. 2385 a 2403- estratos de uma conta bancária do M… em nome de N…, companheira do arguido B… e da qual este é co-titular.
Os veículos apreendidos aos arguidos encontram-se examinados pela PSP nos autos de exames periciais de fls. 2581 a 2618.
Os artigos/artefactos em ouro apreendidos aos arguidos encontram-se examinados pela Contrastaria do Porto nos Autos de exames periciais de fls. 2816 a 2835.
Fls.2816 e 2817: relatório de exame pericial efetuado aos objetos em ouro apreendidos ao arguido B…;
Fls. 2819 a 2822 – relatório de exame pericial efetuado aos objetos em ouro apreendidos aos arguido C…;
Fls. 2828 a 2832 - relatório de exame pericial efetuado aos objetos em ouro apreendidos a P…;
Fls.2834 e 2835 - relatório de exame pericial efetuado aos objetos em ouro apreendidos a AE…;
Ainda o teor do que consta de fls. 3013 e 3014 onde faz a relação dos telemóveis apreendidos a alguns dos arguidos e seus familiares.
Os CRCs dos arguidos juntos a fls. 4124 (B…), 4424 a 4423 (C…) e 4424 a 4432 bem como relatórios sociais elaborados para julgamento para se como provados os factos pessoais e o percurso de vida dos arguidos.
Os demais documentos do processo que em audiência foram devidamente analisados, concretamente as listagens das comunicações telefónicas efetuadas e recebidas por números de telemóveis atribuídos aos diversos arguidos.
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Depois as declarações dos arguidos.
O arguido C… começou por negar a prática dos factos que lhe são imputados, referindo conhecer o H…, há cerca de 15 anos por este ser seu cliente, tendo ideia que estava ligado aos negócios da noite.
O arguido quis explicar a origem do dinheiro que lhe foi apreendido em sua casa aquando da realização das buscas domiciliárias aduzindo que parte dele provinha da herança recebida por morte do seu sogro (cerca de 15 mil euros) e outra (cerca de 5 mil euros) era dinheiro que ele e sua mulher tinham preparado para levarem para férias (pagamento de casa arrendada e demais despesas). Disse que sempre trabalhou como pintor de automóveis e chapeiro, fazendo-o em várias garagens e que, a da “J…”, era mais uma que utilizou, usando-a para aparcar alguns dos carros que reparava.
Quanto à casa que pretendia comprar disse que o pedido de empréstimo para a sua aquisição tinha sido feita antes de 2008.
Foi questionado sobre os diversos movimentos bancários plasmados nos estratos bancários (cujas cópias constam dos autos) explicando-os sempre por referência aos montantes que auferia na sua atividade profissional ligada aos carros e à montagem e desmontagem de estruturas, explicando também a origem do montante pago em Abril de 2008 com a aquisição da sua viatura.
Questionado sobre se conhecia os outros arguidos disse que sim, referindo conhecer o arguido B… do café e o D… de vender carros e de lhos entregar para reparar e pintar. Disse que, por vezes, saíam juntos à noite.
O arguido, a instâncias da defesa, referiu que, antes da aquisição da última viatura tinha uma outra, um Renault …, que lhe havia já custado cerca de 25 mil euros (cinco mil contos disse). Esclareceu que em 2007 lhe tinha sido concedido um empréstimo de 300 mil euros para aquisição de uma casa.
Ainda a instâncias da defesa referiu que desde 2007 não frequentava a garagem da J… e que não tinha, nessa garagem, ferramentas suas.
Nessa altura (em inícios de 2007) tinha na conta cerca de 40 mil euros e já tinha pago cerca de 50 mil euros de entrada para aquisição da casa que queria adquirir.
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Também o arguido B… quis prestar declarações negando a prática do furto.
Disse conhecer o arguido C… e o H… (este há cerca de 20 anos). Referiu trabalhar na construção civil, sendo projetor de gessos e murteiros, auferindo cerca de 9 mil euros por mês quando desenvolvia essa atividade em Espanha. O arguido adiantou que ganha muito dinheiro jogando no casino em máquinas de póquer. Disse ainda que já no decurso do julgamento foi jogar ao casino e ganhou 280 mil euros. Foi referindo os montantes que ganhou no jogo (por referência às cópias dos cheques juntos aos autos com a contestação que apresentou) mas enfatizando que, para além dessas quantias, recebia outras em numerário cujo quantitativo global, por vezes, excedia o que lhe era pago em cheque.
O arguido admitiu ter na sua posse uma arma de alarme transformada não tendo licença de uso e porte que disse ter comprado sem contudo nunca a ter usado.
A instâncias da defesa o arguido veio dizer que já em 2002 tinha em seu nome depósitos bancários no montante de 60 mil euros.
Admitiu ser sua a arma e munições que lhe foram apreendida no processo.
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O arguido D… também prestou declarações negando a prática dos factos, referindo conhecer todos os outros arguidos bem como o H… este por lhe ter vendido uma viatura automóvel, tendo tal negócio sido intermediado pelo arguido C….
Explicou que se dedica à compra e venda de veículos, que foi proprietário de três casas de diversão noturnas e que fazia cobranças difíceis. O arguido C… foi sócio de um seu cunhado arguido numa garagem em …
O arguido foi dando explicação para o dinheiro que lhe foi encontrado na sua posse e em casa dos seus sogros, sempre o justificando pelos proventos auferidos pelo próprio (que exercia sem para o efeito estar coletado) e também disse ter acabado de receber (no final do ano de 2007) uma herança por morte de sua avó, no valor de cerca de 40 mil euros.
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Depois passou a ouvir-se a prova testemunhal.
AF… – proprietário da “I…”. Esta testemunha não conhece os arguidos, nem presenciou o assalto.
Começou por referir que o montante dos objetos furtados estavam avaliados em cerca de 10 milhões de euros, mas também disse que não receberam ainda nenhum montante de indemnização por parte da companhia segurador. De seguida explicou como encontrou o estabelecimento no dia a seguir ao assalto.
Perguntado sobre se sabia explicar o que tinha sucedido aos alarmes para eles não terem sido acionados não obstante terem sido cortados os fios não soube explicar.
Pelo que observou pensa que a entrada para o estabelecimento foi feita pelas traseiras, por uns andaimes que estavam colocados num dos prédios contíguos.
Já recuperou cinquenta quilos de ouro.
Referiu ainda que para além dos prejuízos patrimoniais causados pelo furto teve também prejuízos morais, por causa do bom nome da empresa, uma vez que depois do sucedido os clientes ficaram amedrontados e o número de penhores feitos naquela instituição baixou. Disse ainda que depois do sucedido teve de alterar os mecanismos de segurança.
Referiu ainda que uma outra delegação da mesma empresa (em …) foi objeto de outros dois assaltos, à mão armada.
A instância do advogado da companhia seguradora a testemunha acabou por dizer que tinha recebido cerca de 8 milhões de euros. Foi confrontado com os recibos constantes dos autos, juntos para prova dos montantes indemnizatórios já pagos pela companhia seguradora.
Pela defesa do arguido C… e B… foi perguntado por que razão a testemunha refere que o assalto foi cometido durante duas noites (sábado e domingo) não o sabendo explicar, mas disse que o sistema de segurança estava programado para “disparar” quando houvesse intrusão, não conseguindo precisar porque não soou o alarme.
AG… – à data e ainda hoje funcionário da I…. Não conhece os arguidos nem presenciou o assalto.
Questionado sobre a forma como terá ocorrido o assalto, relatou-a por forma coincidente com o depoimento feito pela anterior testemunha (os assaltantes entraram pelas traseiras, por uma janela ao nível do 2º andar e depois no interior, desceram ao 1º andar onde se encontrava o cofre que arrombaram). Este funcionário era a pessoa que, para além dos elementos da direção, tinha acesso ao cofre assaltado (que estava na posse do segredo para o abrir). Disse que do seu interior foram furtados cerca de 300 quilos de ouro e outras peças em ouro que estavam na ourivesaria, situado no rés-do-chão e algum dinheiro.
Não sabe porque razão o alarme do estabelecimento não disparou qualquer sinal. O primeiro andar era o local onde se situa a casa de penhores. Nesse espaço estão visíveis objetos em prata, que não foram retiradas.
Confirmou que, depois do sucedido, houve muitas reações negativas por parte dos clientes que tinham as suas peças em ouro naquele local.
Depois deste assalto a “I…” foi vítima de outros dois assaltos.
*
AH…, sobrinha do proprietário da I…, que faz parte da direção.
Esta testemunha não conhece nenhum dos arguidos nem presenciou o assalto.
Deu dos factos a sua “versão”, quer quanto à forma de introdução no interior do estabelecimento quer quanto ao que dele foi retirado.
Reiterou que, no espaço de um ano, tiveram três assaltos, dois deles noutras filiais. Quantos aos prejuízos sofridos afirmou ter sido de cerca de 13 milhões, referindo ainda que tiveram prejuízos decorrentes da perda de clientes. Recuperaram cerca de 50 quilos de ouro. Esclareceu que foram furtados mais de 7 mil penhores de cerca de 4 mil clientes. Disse já terem recebido cerca de 10 milhões de euros da companhia seguradora.
Disse ainda que todos arguidos deste processo eram clientes da casa (C… e B… «em setembro de 2007» da filial nº . da Rua …) e o arguido D… «em novembro de 2007» era cliente da filial de …, tendo no dia 22 de Abril de 2008 feito um penhor na Filial de …, que resgatou no dia 2 de Julho desse ano.
No ouro que tinha sido retirado e que foi posteriormente recuperado encontrava-se uma pulseira com o nome Q… (dono da mulher do arguido D…).
Esta testemunha voltou a julgamento com dados mais concretos esclarecendo que o arguido C… era cliente desde 1999 da filial nº ., sita na Rua …, sendo o último registo de outubro de 2007. Também foi à filial de Leça de Palmeira no ano de 2005
O arguido B… era cliente, desde 1999, da filial nº ., da Rua …. O último movimento que efetuou foi em novembro de 2007
O arguido D… era cliente da filial nº . de … desde 2000, tendo-se deslocado pela última vez em 2008.
Questionados os arguidos sobre o motivo de terem de recorrer à casa de penhores depois de terem referido auferirem elevados montantes em dinheiro explicaram-se com o facto de terem de acorrer a eventuais necessidades dos diversos negócios em que se envolviam (compra e venda de veículos automóveis, trabalhos na construção civil e outros)

BF…, substituto do diretor de jogos do casino de Espinho (testemunha ouvida ao abrigo do disposto no artigo 340º do C.P.P.).
Disse conhecer de nome o arguido B…, porque por diversas vezes o viu no casino a receber quantias tituladas por cheque, sendo-lhe reportado pelos funcionários da sala que este jogador tinha obtido ainda recentemente o prémio máximo do jogo de máquinas no valor de cerca de 280 mil euros. Esta testemunha depôs revelando que a situação – como jogador – deste arguido não se revela muito anormal, não obstante ser notório que joga muitas horas e que consegue muitos prémios.
AI…, funcionário da I…. Não conhece os arguidos nem presenciou o assalto.
Relatou o modo como percepcionou o seu local de trabalho depois do assalto referindo que tudo indicava que tivessem entrado pelas traseiras pela janela do 2º andar e que na sala onde entraram estava um cofre onde os assaltantes não mexeram, mas que estava vazio.
Engenheiro AJ…, administrador suplente da I…. Não conhece os arguidos nem viu o assalto mas concluiu, pelo que observou no local, que tinham entrado pelas traseiras. Tinha havido o corte das linhas de telefone e a sirene estava mergulhado num balde para não tocar.
Explicou por que razão não houve a indicação no sistema de segurança de que a linha tinha sido cortada, reportando-a ao facto de ser uma linha REDIS e não analógica. Não sabiam que, com aquele tipo de linha telefónica, o corte que dela fosse feito não se detectaria.
De seguida falou dos prejuízos sofridos referindo que foram retirados 7817 penhores, tendo sido atingidos 3316 clientes, com um valor de empréstimos 2.627.000,11 €. O valor das coisas furtadas rondava os 10 milhões de euros. Para efeito de indemnização aos seus clientes é efetuado o pagamento de mais 50% da avaliação que havia sido feita às peças, tendo por isso sido paga, aos clientes, o montante global de 15 848 000,58 €.
Da ourivesaria foram furtadas 2.230 peças, com o peso de cerca de 25 quilos com o valor de cerca 208.738,00 €.
Ainda referiu que depois do assalto passaram a ter de pagar muito mais de seguro.
O técnico de alarmes deslocou-se às instalações da I… com a testemunha e concluíram que houve muitos registos de intrusão durante aquele fim de semana. O sistema de alarme é central mas está separado por zonas. Foi confrontado com o documento constante de fls. 44 (registo do horário das várias intrusões nas diversas salas) (durante os dias 13 e 14).
AK…, esta testemunha é funcionário da empresa responsável pelo sistema de segurança instalado no edifício e que fazia a sua manutenção.
Não conhece os arguidos nem presenciou o assalto.
Disse que a sirene foi destruída antes de entrarem no prédio. O sistema instalado não permite saber quando é cortada a linha telefónica. Cortaram quase todas as linhas telefónicas daquela zona. Refere que tinham fios arrancados da sirene mas que esta ainda se encontrava na parede.
Pelo que ficou registado na central a intrusão no edifício terá sido efetuada na madrugada de sábado para domingo e depois ficaram registadas as intrusões na madrugada do dia seguinte (domingo para segunda).
AL…, empregada doméstica. Esta testemunha é casada com um irmão do H…. Dos factos nada sabia.
Engenheiro AM…: trabalha para a companhia seguradora AC…, tendo efetuado a peritagem sobre a perda reclamada pela I…
Não conhece os arguidos nem presenciou o assalto.
Fez a análise da central de alarmes e concluiu que houve um primeiro momento em que foi destruída a sirene exterior do alarme e posteriormente houve várias intrusões no interior do estabelecimento. Os assaltantes terão entrado pelo exterior fazendo uso de umas pranchas colocadas numa obra que estava a decorrer num prédio contíguo.
Ainda confirmou o valor dos bens furtados e do montante pago pela companhia seguradora.
Engenheiro AN…, engenheiro de telecomunicações trabalha para a AO….
Não conhece os arguidos nem presenciou o assalto.
Falou sobre o modo de acionamento das diversas BTS e, em função disso, a área provável de onde as chamadas são efetuadas.
E… – agente da PSP, conhece todos os arguidos e foi o agente investigador deste processo.
Começou por lhe ser perguntado como chegaram (no âmbito da investigação) aos arguidos e este respondeu que foi pelo “modus operandi” (porque o arguido C… teria praticado um outro crime em Santarém da mesma forma) e aparentava sinais exteriores de riqueza (tinha acabado de adquirir uma carrinha). Passaram então a seguir este arguido e constatam que se encontrava com o H… com um irmão deste. Disse que a dado momento ouviram uma conversa (num café na Rua …) na qual o C… referia que ainda tinha ouro com ele, e que estava implicado um “B1…” que, segundo explicou, a investigação concluiu ser o B….
Depois, concluiu-se das suas declarações, que a investigação se centrou nestes arguidos apenas depois de terem recebido uma denúncia anónima na qual eram indicados os nomes destes arguidos (e do H…) como os autores do furto.
Foi-lhe perguntado quando é que tinha visto os vários arguidos juntos e disse que começou a efetuar vigilâncias aos arguidos cerca de um mês depois da data do assalto (tendo referido que os avistou em num café em … e num outro café junto à casa do sogro do arguido D…, em …).
Depois referiu que depois das buscas efetuadas às casas de todos os arguidos e com base nos telemóveis e nos cartões que então foram apreendidos foi pedida a informação sobre as chamadas efetuadas com esses números de telemóveis ou com esses aparelhos tendo depois trabalhado as informações fornecidas.
Mais referiu esta testemunha que nunca viram os arguidos a deslocar-se à garagem da “ J…” apesar dos seguimentos que lhes efetuaram.
Complementando o seu depoimento numa outra sessão de julgamento o arguido veio explicar os contactos evidenciados nos documentos de fls. 3013 e 3014, referindo que os números dos telemóveis aí referidos foram apreendidos em casa do arguido C… aquando das buscas e que registaram os contactos telefónicos estabelecidos entre eles.
AP… - chefe da PSP, efetuou uma busca à garagem da “J…”. A testemunha começou por ser confrontado com o teor do auto de fls. 905 e ss, bem como as fotografias que o acompanham, confirmando o que dele consta.
Nada sabia do processo e do que estava a ser investigado. Disse que o arguido C… não estava lá.
AQ…, agente principal da PSP. Esta testemunha acompanhou a anterior na busca à garagem da “J…”. Não conhece os arguidos e nada sabe do processo. Não acrescentou nada de importante ao depoimento prestado pela anterior testemunha.
Dr. G…, perito subscritor do relatório de exame pericial aos instrumentos que foram apreendidos na garagem da “J…”, que o tribunal, oficiosamente, determinou fosse ouvido para prestar esclarecimentos sobre o exame pericial realizado.
Falou do material recebido para exame e explicou o modo como procederam para alcançarem a conclusão.
A conclusão retirada foi que duas das ferramentas (das apreendidas na citada garagem) remetidas para exame eram compatíveis com os vestígios deixados no material retirado do cofre arrombado daí a conclusão de que era provável que tivessem sido usadas no arrombamento do cofre.
No entanto concluiu que o vestígio recolhido (no cofre) era “ um vestígio imperfeito” não de muita qualidade e daí a conclusão retirada e não outra mais concludente. Mais acrescentou que, se em vez deste lhe tivesse sido apresentado um vestígio perfeito, então a conclusão poderia ser ter sido ou de concordância absoluta ou de exclusão.
F… – agente principal de PSP que também efetuou a investigação neste processo. Conhece os arguidos.
Esta testemunha começou por dizer que se deslocaram ao local aquando do furto, tendo concluído que o assalto tinha sido levado a cabo por pessoas com grande grau de profissionalismo e sofisticação porque não tinham deixado nenhuns vestígios e que teriam passado muito tempo no local atuando com muita calma.
Depois referiu que direcionaram a investigação para estes arguidos porque tiveram uma pessoa que lhes deu a informação da identidade das pessoas que teriam praticado o furto, identificando o H1…, o C…, o B1… e um outro que era conhecido pelo D1… e que era de raça negra.
A partir desse momento disse que começaram a ter 100% de certeza de que teriam sido eles porque a pessoa que lhes deu a informação tinha a certeza de que eram eles.
Esta testemunha fez o seguimento destes indivíduos até uma “boîte” no Porto, tendo constatado que eles estavam juntos com um outro, irmão do H1… (H…). Tiraram a matrícula do carro conduzido pelo C…, viram o nome da pessoa em que estava registado e apresentaram a fotografia deste arguido à “fonte” que lhes confirmou que este era o tal “D1…” que ela lhes tinha referido.
Disse que tanto quanto lhe foi dado ver o arguido C… não tinha atividade profissional. Fizeram 5 ou 6 seguimentos a este arguido e foi a partir daqui que concluiu que não tinha atividade. Depois concretizou dizendo que pessoalmente apenas tinha feito um seguimento aos arguidos na noite do dia 4 de Julho no AS….
A instâncias da defesa, à testemunha foi pedida a indicação da identificação da “fonte”, tendo-se escusado a revelar o nome e revelando até relutância em dizer era homem ou mulher, acabando por admitir tratar-se de um homem.
A defesa inquiriu a testemunha a fim de que explicasse por que forma, ao longo da investigação, chegaram ao conhecimento da identidade dos arguidos a partir da indicação da referida “fonte”, dizendo que os seguiu e que os viu juntamente com o H… e que foi a partir dali que a citada “Fonte” os identificou e que o C… e o D… se mostraram suspeitos por evidenciavam sinais exteriores de riqueza.
A este propósito foi-lhe perguntado se tinha conhecimento do modo de vida, do dinheiro dos e/ou declaração de rendimentos destes arguidos antes dos factos respondendo não saber nem ter feito qualquer diligência nesse sentido.
Foi confrontado com o documento 2 junto com a contestação para ver o saldo da conta bancária do arguido B… antes da data dos factos, também com os documentos 7/8 da contestação que mostrava os dois cheques entregues para pagamento do carro que comprou.
Concretamente perguntado se, caso não tivessem tido a informação da “fonte” sobre a identidade dos presumíveis autores do furto se teriam chegado aos arguidos (a partir da investigação que fizeram) disse que talvez chegasse porque tinham indícios para a conclusão a que se chegaram, concretamente o facto de todos os arguidos terem comprado, depois dos factos, um carro. Mas mais adiante a este propósito disse que o H… também tinha comprado um carro, no caso um BMW que antes era pertença do D….
A instância da defesa do arguido D… explicou que este entrou na dita “boîte” sozinho e que depois se foi sentar junto do H…. Depois dessa noite não voltaram a ver o D… com os outros arguidos.
Ainda disse que a “fonte” soube indicar o nome de todos os arguidos as suas moradas e que foi por sua indicação que chegaram à localização da garagem da “J…”.
Referiu que no dia da operação das buscas estiveram envolvidos cerca de 100 efetivos, tendo encontrado, ao H…, parte do ouro furtado da I…. Perguntado se a “fonte” também tinha dito que, na posse dos outros arguidos estava algo relacionado com o furto respondeu que sim.
AT…: funcionário da Companhia de Seguros AU…. Esta testemunha falou dos montantes pagos à I… por causa do furto de que esta foi vítima por forma a confirmar os montantes constantes do Pedido de Indemnização Civil.
À defesa dos arguidos C… foram ouvidas as seguintes testemunhas:
L…; cônjuge do arguido C…. É funcionária de uma companhia de seguros “ AB…”.
Esta testemunha falou da proveniência do ouro que foi apreendido na residência de ambos, tendo sido exibida à testemunha as fotografias que constam do processo nas quais se vê a própria, o seu marido e outros familiares, com peças de ouro colocadas nas suas pessoas, peças essas que foram apreendidas no processo.
Disse ainda que antes dos factos tinham feito um contrato promessa para compra de uma habitação concedendo-lhes um empréstimo de 250 mil euros (outorgado em Novembro de 2007), tendo pago como sinal e princípio de pagamento, 10 mil e 40 mil euros. Em virtude da apreensão e do cancelamento das contas bancárias vieram a perderam a compra da casa. Relatou os carros que tinham e o modo como tinham adquirido a última viatura, dizendo terem entregue, à troca, outra viatura, de que eram proprietários. Ainda explicou a proveniência e o destino do dinheiro que tinham em casa. Foi-lhe perguntado se tinham conversado sobre o que teriam feito no fim de semana de 13/14 de Abril tendo a testemunha dito que sim e passado a “refazer” o percurso da família nesse fim de semana. A casa do casal fica perto do …. O filho mais velho trabalha nos AV…. Disse ainda que o último carro foi pago em três tranches.
AW…, esta testemunha foi administrador do condomínio do prédio onde se situa a “J…” tendo deixado o cargo há cerca de dois anos.
Disse que o arguido C… usou a garagem durante uns meses (para fazer uns biscates) mas que depois do final do ano de 2007 não mais o viu lá. Disse ainda que a garagem era utilizada por várias pessoas.
AX…, esta testemunha conhece o arguido C…, foram ambos proprietários de uma oficina durante os anos de 2002 a 2006.
Esta testemunha referiu que depois de terem deixado de ter a oficina em conjunto o arguido passou a trabalhar sozinho para outras oficinas. Em 2008 voltou a trabalhar com a testemunha numa outra garagem. Também sabe que o arguido tinha uma garagem para guardar carros.
AY…, esta testemunha disse conhecer o arguido C… por ter sido seu cliente numa oficina no ….
Esta testemunha disse que o arguido C… lhe emprestou, em fins de 2003, 15 mil euros para acorrer a uma dificuldade que teve com a aquisição de uma casa. Segundo disse, esse empréstimo foi-o pagando, aos poucos, tendo terminado no ano de 2007.
AZ…, filho do arguido.
Confirmou que algum do ouro que foi apreendido no processo era sua propriedade. Em 2008 já trabalhava nos AV…, nos …. Disse ainda que era o pai que costumava conduzi-lo ao serviço. Falou do que habitualmente faziam aos fins de semana e que, naquele onde ocorreu o assalto, o comportamento familiar foi semelhante.
À defesa do arguido D… foram ouvidas as testemunhas seguintes:
Q… – cônjuge do arguido D….
A esta testemunha começou por ser perguntado sobre o que sucedeu no dia das buscas e explicou por que motivo se deslocou ao banco para levantar dinheiro (3.800 euros). Falou do ouro que lhes foi apreendido no processo (quer em casa deles quer de casa dos pais) referindo que uns eram objetos de lhes tinham sido doados por familiares, outros eram pertença dos filhos. Explicou que o dinheiro que foi encontrado em casa – quer do casal quer dos seus pais - era para o negócio dos carros que o marido efetuava porque ele na altura não “declarava” a atividade profissional e tudo era tratado com dinheiro. Disse que o marido recebeu uma herança por morte da avó de cerca de 40 mil euros. O marido foi proprietário de casas de diversão noturna. Os telemóveis encontrados em casa eram deles e outros eram para a atividade profissional (nos papéis apostos nos carros que tinha para vender, perto da … o número de vários telemóveis).
T…, sogra do arguido. Falou da busca efetuada à sua casa, no local de trabalho da testemunha (salão de cabeleireiro) e no local de trabalho do marido (agência de viagens), tendo-lhes sido apreendido o ouro que tinha em casa e mesmo o que trazia colocado na sua pessoa. Disse que o cofre que foi encontrado na casa dela era do genro e da filha desconhecendo o valor em dinheiro que lá estava guardado e que o tinha há cerca de 7 anos.
BB…, esta testemunha conhece o arguido do negócio dos carros e tem, também, carros para venda na ….
Começou por dizer que este tipo de negócio é feito com dinheiro (numerário). Não conhece nada da vida pessoal do arguido. Confirmou que os carros que estão para venda na rua têm vários números de telemóvel para contacto.
BC…, esta testemunha é amiga do arguido D… há cerca de 8/10 anos. Foi segurança nos bares de que era proprietário o arguido (BD… e o BE…). Também sabe que este arguido se dedicava à importação de carros. A testemunha disse que ele ganhava muito dinheiro (cerca de 20 mil euros por mês) e referiu ainda que este trabalho na noite durou até cerca de 3 anos atrás.
*
Análise crítica da prova produzida:
Importa agora fazer o cotejo de todos estes depoimentos conjugá-los com a demais prova produzida e examinada em audiência, explicitando, assim, de modo claro, a razão pela qual se deram como provados e, sobretudo, porque resultaram não provados os factos acima elencados.
Os arguidos C…, B… e D… vinham acusados de terem sido co-autores, juntamente com o arguido H…, do furto perpetrado nos dias 13/14 de Abril de 2008 nas instalações da “I…, SA” sita na …, nesta cidade do Porto.
Ao arguido B… vinha ainda imputado o cometimento de um crime de detenção de arma proibida. Aquando da realização de buscas à residência deste arguido foram encontradas uma arma de fogo transformada e munições. O arguido confessou o crime, aceitou a sua culpa. Por isso se deu como provada essa matéria, não sendo necessário, a este propósito, aduzir nada mais.
A fundamentação da convicção do tribunal incide mais no caso vertente na fundamentação sobre a matéria constante dos factos não provados (relativa à não prova da co-autoria do crime de furto qualificado) já que grande parte do que se encontrava vertido na acusação resultou provado, pois era sobretudo o elenco de diligências realizadas durante a investigação (buscas, apreensões, exames...).
Assim quanto ao crime de furto nas instalações da I…, ninguém presenciou o assalto, aos arguidos não foram apreendidos quaisquer objetos diretamente relacionados com a sua prática, razão pela qual, a julgamento foram trazidos uma série de indícios que conjuntamente analisados e concatenados, na perspetiva da acusação, desembocavam na conclusão de que teriam sido os três arguidos presentes em julgamento os autores de tal crime (juntamente com um outro já julgado e condenado).
Nesta fase rainha do processo em que se visa a comprovação judicial dos factos constantes da acusação, nunca é demais chamar à colação os princípios constitucionais e processuais penais daqueles emergentes plasmados no artigo 32º da CRC que nos dizem que todos as pessoas se presumem inocentes, que é a acusação que incumbe a prova da culpa do(s) arguido(s).
Ou seja é à luz destes princípios que se tem de olhar e analisar tudo o que em audiência nos é apresentado.
Estes princípios são sempre os esteios em que se estriba a função do julgador e que tem por mister dizer se é ou não verdadeiro (e não normal, verosímil ou provável) o que lhe foi apresentado constando da acusação.
Verdadeiro quando provado. Verdadeiro apenas e só quando as provas trazidas são concludentes, apontando todas de modo concordante para o sentido da culpabilidade do(s) arguido(s) .
Vejamos a propósito do valor da prova indiciária e sobre o modo como ela deve ser apreciada e valorada o que tem sido dito o Supremo Tribunal de Justiça:
- Começando pela decisão proferida pelo STJ de 23/02/2011, relatado pelo Exmº Senhor Juiz Conselheiro Santos Cabral, votado por unanimidade e pesquisado em hpp://www.dgsi.pt/jstj.nsf:
- “- Momento fundamental em processo penal é o julgamento com o objectivo de produzir uma decisão que comprove, ou não, os factos constantes do libelo acusatório e, assim, concretizar, ou não, a respectiva responsabilidade criminal. Nessa concretização o julgador aprecia livremente a prova produzida com sujeição às respectivas regras processuais de produção aos juízos de normalidade comuns a qualquer cidadão bem como às regras de experiência que integram o património cultural comum e decide sobre a demonstração daqueles factos, extraindo, em seguida, as conclusões inerentes à aplicação do direito.
(…)
Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária, pelo que o funcionamento e creditação desta estão dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
(…)
A necessidade de controlo dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade as formalidades legais e as garantias constitucionais
As regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.
(…)
Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. E imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com géneses em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova.
A forma como se explana aquela prova fundando a convicção do julgador tem de estar bem patente o que se torna ainda mais evidente no caso da prova indiciária pois que aqui, e para alem do funcionamento de factores ligados a um segmento de subjectividade que estão inerente aos principio da imediação e oralidade, está, também, presente um factor objectivo, de rigor lógico que se consubstancia na existência daquela relação de normalidade, de causa para efeito, entre o indicio e a presunção que dele se extrai.
Como a tal, a enunciação da prova indiciária como fundamento da convicção do juiz tem de se expressar no catalogar dos factos base ou indícios que se considere provados e que vão servir de fundamento á dedução ou inferência e, ainda, que na sentença se explicite o raciocínio através do qual e partindo de tais indícios se concluiu pela verificação do facto punível e da participação do arguido no mesmo. Esta explicitação ainda que sintética é essencial para avaliar da racionalidade da inferência.
Na prova judiciária devem estar presentes condições relativas aos factos indiciadores; à combinação ou síntese dos indícios; à judiciária combinação das inferências indiciárias; e à conclusão das mesmas.
Assim:
1) Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa, o que não obsta a que a prova possa ser composta, utilizando-se, para o efeito, provas directas imperfeitas ou seja insuficientes para produzir cada uma em separado prova plena.
2) Os factos indiciadores devem ser objecto de análise crítica dirigida à sua verificação, precisão e avaliação o que permitirá a sua interpretação como graves, médios ou ligeiros.
3) Os indícios devem também ser independentes e, consequentemente, não devem considerar-se como diferentes os que constituam momentos, ou partes sucessivas, de um mesmo facto.
4) Quando não se fundamentem em leis naturais que não admitem excepção os indícios devem ser vários.
5) Os indícios devem ser concordantes, ou seja, devem conjugar-se entre si, de maneira a produzir um todo coerente e natural, no qual cada facto indiciário tome a sua respectiva colocação quanto ao tempo, ao lugar e demais circunstancias.
6) As inferências devem ser convergentes ou seja não podem conduzir a conclusões diversas.
7) Por igual forma deve estar afastada a existência de contra indícios pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária. (…)
Ainda do mesmo Ilustre Juiz Conselheiro Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-04-2011, proferido no processo 936/08.OJAPRT.S1S e pesquisado no mesmo sítio, também votado por unanimidade:
- “A avaliação dos indícios pelo juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que se alinham num sentido oposto ao dos indícios culpabilizantes, pois que a sua comparação é que torna possível a decisão sobre a existência, e gravidade, das provas.
Os factos que visam o enfraquecimento da responsabilidade do arguido, sustentada na prova indiciária, são de duas ordens - uns impedem absolutamente, ou pelo menos dificilmente permitem que se atribua ao acusado o crime (estes factos recebem muitas vezes o nome de indícios da inocência ou contra presunções); os outros debilitam os indícios probatórios, e consubstanciam a possibilidade de afirmação, a favor do acusado, de uma explicação inteiramente favorável sobre os factos que pareciam correlativos do delito, e davam importância a uma convicção de responsabilidade criminal. Denominam-se de contra indícios e emergem em função da necessidade de contrapor aos indícios culpabilizantes outros factos indício que aniquilem a sua força à face das regras de experiência.
Tal como perante os indícios, também para o funcionamento dos contra indícios é imperioso o recurso às regras da experiência e a afirmação de um processo lógico e linear que, sem qualquer dúvida, permita estabelecer uma relação de causa e efeito perante o facto contra indiciante infirmando a conclusão que se tinha extraído do facto indício. Dito por outras palavras, o funcionamento do contra indício, ou do indício de teor negativo, tem como pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um determinado facto, a afirmação de que está debilitada a conclusão que se extraiu dos indícios de teor positivo.
Como vimos afirmando em anteriores decisões, a máxima da experiência é uma regra que exprime aquilo que sucede na maior parte dos casos, mais precisamente é uma regra extraída de casos semelhantes. A experiência permite formular um juízo de relação entre factos, ou seja, é uma inferência que permite a afirmação que uma determinada categoria de casos é normalmente acompanhada de uma outra categoria de factos. Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza mas, como uma possibilidade mais ou menos ampla.
A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos. Consequentemente, origina um juízo de probabilidade e não de certeza.
(…)
Noutras circunstâncias estaremos sempre perante uma probabilidade, ou seja, como afirma Lopez Moreno, La Prueba de Indícios, pág. 1 5, a teoria dos indícios reduz-se à teoria das probabilidades e a Prova indiciária resulta do concurso de vários factos que demonstram a existência de um terceiro que é precisamente aquele que se pretende averiguar. A concorrência de vários indícios numa mesma direcção, partindo de pontos diferentes, aumenta as probabilidades de cada um deles com uma nova probabilidade que resulta da união de todas as outras constituindo uma verdadeira resultante.
(…)
Em relação à prova indiciária, o funcionamento e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável nomeadamente em sede de sentença. Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste às objecções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno, é preciso o indício quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado.
Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão do facto indiciante.
(…) o desenrolar da prova indiciária pressupõe três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
Assim, em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida, tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efectiva-se com a colocação respectiva de cada facto ou circunstância acessória, e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, e dá lugar à reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exactidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios.
Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena, os autores exigem, uniformemente, a concordância de todos os indícios, pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstâncias de um único facto, de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo, o lugar e acção por forma, a que cada indício esteja obrigado a combinar-se com os outros ou seja a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza e carácter ou segundo relações de causa a efeito.
Em última análise está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de índicos poder apontar noutro sentido que não o atingido.
O terceiro momento radica no exame da relação entre facto indiciante e facto probando ou seja o funcionamento da presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção — em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do princípio da normalidade.
Por último acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/10/2010, proferido no processo 936/08.JAPRT, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Dr. Henriques Gaspar e pesquisado no sítio acima referido:
- “(…) - A verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. (…) Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação — interpretação para retirar conclusões — dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova — as presunções naturais.
A observação e verificação do homem médio constituem o modelo referencial.
(…)
Para avaliar da não arbitrariedade (ou impressionismo) e da racionalidade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
(…)
Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar».
(…)
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre a base e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada
(…)”
Ora vejamos então a prova que foi trazida a julgamento.
Quanto à prova testemunhal desprezando, para este efeito, as testemunhas ouvidas à defesa dos vários arguidos, as demais, ou eram pessoas relacionadas com o local assaltado (funcionários e elementos da direção) de onde foi furtada uma quantidade assinalável de ouro e de dinheiro, não sabiam quem tinha cometido o crime, vieram apenas relatar o modo como ele teria sido praticado a partir da observação do local que fizeram e confirmar o valor dos prejuízos causados, outras, funcionários da Companhia de Seguros com a qual a I… havia celebrado contrato de seguro, vieram confirmar quer o valor dos prejuízos, quer o montante das indemnizações já pagas.
Resta-nos o depoimento das testemunhas E… e F…, os agentes da divisão de investigação criminal da PSP do Porto que tiveram a incumbência de investigar este assalto.
Estas testemunhas carrearam para o processo uma série de prova indiciária que, na sua prespetiva, confluía para a conclusão de que teriam sido estes arguidos que praticaram este furto (juntamente com o H…).
Analisemos então os indícios trazidos ao processo e o que a este propósito disseram estas testemunhas:
1- Os arguidos conhecem e relacionam-se com um arguido que está julgado e condenado pela co-autoria deste crime – crime que seguramente não foi praticado por uma única pessoa, conclusão que facilmente se alcança quer pelo modo de execução do furto quer pelo quantidade dos objetos furtados.
2- Da análise policial efetuada ao local assaltado concluiu-se que o furto terá sido perpetrado por pessoas altamente especializadas, que o prepararam de modo profissional e metódico, que o executaram sem deixar qualquer rasto e, estes arguidos, enquadram-se nesse “perfil”;
3- Estes arguidos evidenciam “sinais exteriores de riqueza” compatíveis com a participação num furto de grande e valiosa quantidade de peças em ouro, pois tinham na sua posse elevadas quantias em dinheiro e muitas peças em ouro e tinham comprado pouco tempo após o assalto carros novos.
4- Houve contactos telefónicos de telemóveis cujos cartões estavam registados em nome dos arguidos ou de seus familiares ou a partir de aparelhos encontrados na posse dos arguidos no período temporal anterior e posterior àquele em que provadamente o furto ocorreu – tendo cessado durante o período em que se deu a introdução no estabelecimento e alguns desses contactos foram feitos acionando a BTS da … – local que se situa perto do local onde fica o estabelecimento furtado. Existem também registos de contactos acionando a célula de …, local próximo de onde se localiza uma garagem usada por um dos arguidos (garagem da J…);
5- Fez-se a apreensão, nessa garagem da “J…” de duas ferramentas que sujeitas a exame pericial, juntamente com partes do cofre arrombado, se concluiu como “provável” que tenham sido usadas para esse efeito.
Analisando agora a “força” destes indícios para o fim pretendido de imputar aos arguidos a co-autoria do furto o que se concluiu depois do julgamento?
1-1- Que os arguidos realmente conhecem o H…, alguns deles de há muitos anos, que se encontram com eles em bares e cafés e que com ele estabeleceram negócios (o D… vendeu-lhe uma viatura) isto é admitido pelos arguidos e ficou provado.
Um mês após os factos terem ocorrido os arguidos são vistos juntamente com o H…, pela testemunha agente F…, por uma vez, numa “boîte” ou bar na … do Porto.
Por outra vez, a testemunha agente E…, disse ter ouvido, num café em …, o arguido C… a falar de ouro (que ainda tinha ouro com ele) nomeando, nessa conversa, uma outra pessoa “B1…i”.
Nada mais. Os arguidos negam que tenham colaborado com o H… na realização do assalto e o facto provado de que todos se conhecem não impõe a conclusão pretendida na acusação.
Importa realçar que os seguimentos a estes arguidos são feitos depois dos agentes terem tido a indicação, por parte de uma pessoa que não foi identificada no processo e que passam a designar por “fonte”, dos nomes daqueles que teriam participado no furto.
Uma das pessoas nomeadas (o H…) é efetivamente encontrada na posse de cerca de 50 quilos em ouro furtado na I….
Aos demais, a estes aqui arguidos, nada foi encontrado.
Mas importa a este propósito salientar que tanto a parte do depoimento da testemunha E… sobre o que disse ter ouvido ao arguido C… no café em …, como aquela em que refere as indicações da “fonte” que não quis nomear não valem como prova.
O mesmo vale, nessa parte, quanto ao depoimento prestado pelo agente F….
“O depoimento dos agentes policiais está sujeito a um regime diferente de quaisquer outras testemunhas, em virtude da proibição legal dos artigos 356º nº 7 e 357º nº 2 do C.P.P.. Esta proibição veda o aproveitamento na audiência do depoimento do agente policial sobre declarações que ouviu dos suspeitos, arguidos, testemunhas, assistentes, ofendidos, partes civis, lesados ou quaisquer declarantes, quer elas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, quer o agente policial venha a ser ou não instrutor do processo. A única exceção a esta regra tolerada pela proibição legal dos artigos 356º nº 7 e 357º nº 2 é a do depoimento do agente policial quando depõe sobre as declarações que ouviu fazer durante a prática da atividade criminosa. Esta, e só esta, é uma prova direta do facto criminoso inteiramente lícita”.
Dito de outro modo, mesmo que o agente tivesse tido – que não teve - a confissão dos factos por parte de um destes arguidos, ainda assim tal confissão não poderia ser usada como prova e para se imputar ao arguido o crime confessado importava carrear para o processo prova do seu cometimento.
Ademais:
2.1 - Quanto ao facto de resultar evidenciado que o assalto terá sido cometido por pessoas muito experientes, alicerça-se esta conclusão em diversas circunstâncias: o modo de atuação e elevada sofisticação de procedimentos empregues para cometer o furto, com ponderada e cuidada preparação da introdução no estabelecimento sem serem deixados vestígios, o que veio a permitir que os assaltantes se movimentassem de forma a conseguirem apoderar-se de grande quantidade de peças em ouro, levado a cabo (na fase inicial, a investigação apontava nessa direção) por quem eventualmente conhecia o interior das instalações, demonstrando-o quer a “escolha” do cofre arrombado, aquele onde se encontrava a maior parte do ouro dos penhores, quer pelos cofres que não foram mexidos (desde logo o que se encontrava mesmo defronte da janela do andar por onde os assaltantes terão entrado mas que apenas tinha no seu interior papeis e que não veio a ser mexido) ainda e também pela forma como as portas teriam sido arrombadas…
Mas se a investigação persegue os arguidos como autores deste furto, fazendo fé na indicação da “fonte” e dando credibilidade, para além do mais, porque, como disseram as testemunhas agentes investigadores, todos os arguidos se enquadram no “perfil” delineado e agem criminalmente segundo o mesmo “modus operandi” o que se provou quanto a este aspeto em relação a estes arguidos?
O arguido B… é primário, o arguido D… tem condenações por outros crimes (desobediência e burla) e o arguido C… é o único que tem condenações por furto.
Do processo consta o auto de detenção relativo aos factos ocorridos em Santarém (fls. 486 e 487), onde o arguido C… foi detido ainda no interior das instalações do armazém que decidiu assaltar, no qual se encontrava realmente um cofre, armazém do qual tinham sido cortados os fios de telefone, destruída a sirene do alarme e os sensores de presença (estes não foram destruídos de dentro das instalações da I…, só assim sendo possível determinar-se a data em que a introdução no estabelecimento ocorreu).
Ou seja, o que se revela na atuação deste arguido no furto cometido em Santarém não é de tal forma distintiva de todas aquelas que são levadas a cabo em locais que se decidem assaltar e que estejam protegidos por um qualquer sistema de alarme, nem nesse furto ficou uma marca tão evidente donde se possa retirar, sem mais, que o assalto em … só poderia ter sido feito pela mesma pessoa (ou pelas mesmas pessoas) que cometeram o assalto em Santarém. E tanto assim é que uma das pessoas encontradas juntamente com o arguido em Santarém não é suspeito nem foi investigado neste processo…
3-1– Disse a testemunha agente que no decurso da investigação passaram a ter 100% de certeza que eram estes arguidos porque eles passaram a evidenciar sinais exteriores de riqueza.
Importa dizer que, quanto a este aspeto, o tribunal fez um esforço “quase hercúleo” para perceber de onde vinha o dinheiro que os arguidos diziam ganhar nas suas respetivas atividades profissionais. Isto porque os arguidos apresentaram, todos, contestação escrita “explicando” de onde lhes vinha as quantias em dinheiro que lhes foram encontradas. Porque algumas das explicações dadas não se evidenciaram verosímeis (concretamente as aduzidas pelo arguido B… que falou dos surpreendentes prémios de jogos que auferia sobretudo no Casino de Espinho), oficiosamente o Tribunal chamou a depor o diretor da sala de jogos daquele casino, porque nunca se tinha visto alguém, a jogar no casino e a ganhar diversos “jackpots”, havendo assim suspeita de que o arguido pudesse, por hipótese, através dos prémios do casino que referia ganhar, “lavar” dinheiro obtido de forma ilegal.
Surpreendentemente para nós, esta testemunha veio confirmar a informação trazida ao processo pelo arguido, quer das quantias por este anteriormente ganhas e das quais já tinha junto cópia de cheques passados pelo Casino em seu nome, quer ainda de um grande prémio obtido já no decurso da audiência de julgamento (cerca de 280 mil euros). Esta testemunha falou do pagamento destas quantias e destes prémios com grande normalidade.
Depois deste depoimento, prestado de modo credível, o que inicialmente ao tribunal surgia como uma circunstância anormal invocada por este arguido, teve de concluir-se que, afinal, quer ele quer outras pessoas realmente obtêm, com alguma habitualidade, prémios elevados, sendo o arguido B… uma pessoa que joga muito mas que também ganha muito dinheiro.
Por outro lado, também se tentou perceber de onde vinha o dinheiro que foi apreendido aos arguidos C… e D… e também, quanto a estes, as explicações não foram absolutamente conclusivas.
Mas o que é verdade é que o arguido C…, antes da data em que ocorreu o furto, tinha já outorgado um contrato promessa de compra e venda de uma vivenda, já lhe havia sido concedido um empréstimo bancário para esse fim (documento de fls. 4263 junto com a contestação) já tinha entregue, como sinal e princípio de pagamento, uma elevada quantia em dinheiro (fls. 4262), tinha atividade profissional da qual havia apresentado declaração para efeitos de IRS, já tinha feito empréstimos pessoais de montantes significativos, já tinha comprado e pago viaturas automóveis.
Também o arguido D… vem juntar aos autos documentos para prova de que tinha recebido uma herança por morte de sua avó e falou do modo como obtinha dinheiro com a compra e venda de viaturas, vindo depois a testemunha BC… falar de uma outra atividade deste arguido, ligada à exploração de casas de diversão noturna, de alterne (ou de prostituição) das quais este arguido retirava elevados proventos.
Os arguidos passam a ser suspeitos porque revelam sinais exteriores de riqueza (no caso, como nos disse a testemunha agente F…, todos compraram viaturas automóveis novas!!!).
Mas antes nunca as tinham comprado? Isso foi visto e rastreado? Não, e importava (impunha-se dizemos nós) para que se pudesse entender o relevo dado a esse facto.
Mas atente-se neste pormenor algo irónico, o único arguido condenado por estes factos (o H…), tinha adquirido ao arguido D… um BMW que era sua propriedade, ou seja, tinha comprado um carro usado!!.
A investigação concluiu, e a acusação deduzida refere-o, que, após os factos, na conta do arguido C…, passaram a ser depositadas elevadas quantias em dinheiro mas desvaloriza (ignora) o facto de essa conta evidenciar (do que processo consta porque não se tem estratos anteriores) logo dois dias após os factos um saldo de mais de 40 mil euros, não obstante ter antes pago, como sinal e princípio de pagamento de um contrato promessa que tinha outorgado 50 mil euros!
Os arguidos são suspeitos porque aparentam sinais exteriores de riqueza mas não se indagou se antes dos factos que lhe são imputados já os exibiam e se, portanto, esses sinais provinham da causa que se apontava.
Os arguidos não tinham de explicar de onde lhes vinha os bens e o dinheiro que lhes foram apreendidos. Mas entenderam fazê-lo. Se todas as explicações dadas convenceram completamente o tribunal da origem desse dinheiro, diz-se já que não, até porque, resultou à saciedade que os arguidos se movimentam na noite e nos negócios que lhe estão associados, na “economia paralela”, no jogo, eventualmente algum desse dinheiro virá mesmo do cometimento de crimes (a exploração da prostituição – o lenocínio – parece ter sido (ou ser) um modo de o arguido D… obter substanciais proventos e esta é uma conduta criminosa)
Isto é uma coisa.
Outra, é prova de que as quantias em dinheiro apreendidas a estes arguidos provinham da venda do ouro furtado na casa de penhores!
Outra ainda, completamente diversa, que a posse desse dinheiro, prova que estes arguidos foram, juntamente com o arguido H… co-autores do imputado furto.
Rege o nosso processo penal uma série de princípios que defendem o(s) arguido(s), que defendem todos os cidadãos livres que vivem numa sociedade democrática, garantindo-lhes que estão a coberto de abusos do poder policial ou judicial, um dos quais e basilar, como se disse já, o de que todo o arguido se presume inocente até prova em contrário incumbindo esta prova à acusação.
Era assim a acusação que tinha de provar que todo o dinheiro, todos os bens encontrados na posse dos diversos arguidos, estes o possuíam por terem participado no furto às instalações da I…, o que efetivamente não logrou.
4-1- A partir das apreensões dos telemóveis e/ou dos cartões encontrados em casa dos arguidos aquando das buscas (ou de números de cartões registados em seu nome), foram pedidas, às diversas operadoras telefónicas, o registo das chamadas efetuadas dos diversos números de cartões ou a partir dos aparelhos apreendidos e dos respetivos IMEI, concluindo que todos os arguidos se comunicaram nesse fim de semana, que os arguidos efetuaram e receberam chamadas de números de telemóvel que acionaram a BTS … (local próximo da …). Esses registos foram devidamente escalpelizados.
Mas olhando o que consta do processo, concretamente do documento de fls. 3035 a 3038, onde se regista inúmeros contactos efetuados por um telemóvel do arguido C…, vemos que os contactos regulares (que no processo se evidenciam) se estabelecem desde, pelo menos, 02/04/2008 (data a partir da qual se tem no processo os registos dos contactos entre os diversos números atribuídos aos arguidos) e que se prolongam até 17/04/2008 (data até quando se encontram revelados no processo esses contactos), ou seja, explicitando, mesmo a aceitar-se que seriam os arguidos a ligar destes números, concluiu-se, pela evidência do que se encontra plasmado no processo, que os contactos estabelecidos nos dias em que ocorreu o assalto (e a sua provável preparação) não foram mais do que a decorrência de contactos normais que os arguidos vinham estabelecendo entre eles (e com o H… que todos afirmaram conhecer e com o qual admitiram relacionarem-se).
Muito tempo se passou na análise dos registos dos contactos telefónicos. Mas tem de se dizer, em abono de verdade, que esta análise, sem mais qualquer prova, não pode bastar, não basta em circunstância nenhuma, para o fim pretendido pela acusação, que era a de provar que estes três arguidos, juntamente com o H…, tinham sido as pessoas que se deslocaram às instalações da I…, sita na … e que, todos, em conjunto, dali retiram o ouro que dali foi furtado.
Com efeito, encontra-se junta a estes autos a decisão proferida no processo que correu termos na 3ª Vara Criminal do Porto onde foi julgado e condenado o arguido H… e lendo-a, vê-se que os contactos telefónicos que nesse processo foram realizados através de um número de telemóvel atribuído a este arguido no dia dos factos acionando a BTS …, foram também analisadas e concretamente aí se refere que esse não é um facto decisivo para a conclusão da participação daquele arguido no assalto. Apenas não a excluiu. Ou seja, não fora a demais prova produzida nesse processo nunca tais contactos seriam determinantes para a conclusão a que aí se chegou.
Por si só, a exegese destes contactos na prova de que ocorreram, nunca pode ser a prova do facto criminoso.
Com efeito, não é por si só, as interceções de conversas telefónicas (onde se evidencia o teor das conversas tidas) constituindo estas, como se sabe, um meio de obtenção de prova.
Por maioria de razão, não o pode ser a evidência de que, telemóveis registados em nome dos arguidos ou de seus familiares ou cartões de telemóveis a eles atribuídos, mantiveram, nas noites em que o assalto foi executado (e/ ou preparado) entre si contatos, quando, para mais, como acima referimos, esse é um comportamento que já antes da data dos factos se evidencia e que se mantem e prolonga para além da data do sucedido.
Como pode a acusação pretender a prova de que nesses contactos era a colaboração entre todos que se gizava e não que, contactados, cada um dos arguidos que agora se julgam, tivessem rejeitado essa participação? Como pretende a prova de que os contactos cessam durante a madrugada de sábado para domingo porque os arguidos estão todos juntos a cometer o crime e não porque sendo madrugada todos estavam dormindo. Estas conclusões são ou não tão possíveis como as que a acusação sustenta?
5-1- Este processo tem ainda uma outra prova (e esta pericial) que comprova que na garagem “J…” foram encontrados duas ferramentas (um alicate e um arranca pregos) que sujeitas a perícia juntamente com partes do cofre arrombado, se concluiu como provável que tenham sido usadas para esse efeito.
A este propósito o tribunal entendeu ouvir, para prestar esclarecimentos, o senhor perito que subscreveu o exame e as suas declarações foram esclarecedoras: disse-nos que os vestígios recolhidos do cofre que foi arrombado e que foram remetidos para exame juntamente com diversas ferramentas encontradas na garagem da J… não eram vestígios perfeitos que permitissem uma conclusão segura, daí a conclusão a que chegaram. Mas, a seguir, disse que se o vestígio fosse perfeito poderia ter sido outra a conclusão, quer no sentido da certeza quer no da exclusão.
Perante esta asserção e tendo em conta o grau não muito concludente de certeza que se obteve com o exame, também não nos permite concluir que, sem qualquer dúvida, aqueles instrumentos foram usados no arrombamento do cofre.
Mas ainda que assim não fosse era (ainda) indispensável uma outra prova que ligasse de modo concludente o(s) arguido(s) deste processo àqueles instrumentos.
O arguido C… disse que a dita garagem era usada por outras pessoas, a testemunha AW…, administrador do condomínio onde se situa a garagem buscada, veio dizer que o arguido desde fins de 2007 já não a frequentava. O agente investigador do processo disse que nos seguimentos que fez dos arguidos nunca os viu naquela garagem, quando foi determinada a busca àquele local o arguido C… (ou qualquer outro) não se encontrava lá.
Assim e não obstante o depoimento da testemunha AW… não ter sido de modo nenhum inteiramente credível, o facto é que não se fez prova de que era o arguido C… o proprietário daqueles instrumentos ou que foram por ele utilizados no assalto e, por maioria de razão, que elas tinham sido usadas também pelos demais arguidos.
Era possível, à luz do nosso ordenamento jurídico, ter sido trazida ao processo outro tipo de prova.
Quem deu as informações aos agentes policiais seria seguramente uma testemunha que importava ouvir e trazer ao processo, e que poderia tê-lo sido, sem ser conhecida processo a sua identidade, sem ser reconhecida, fazendo uso da Lei 93/99 de 14/0 (Lei da Proteção de testemunhas) e do seu regulamento constante do D/L 190/2003 de 22/08, alterado pelo D/L227/2009 de 14/09, lei na qual se encontra regulada a aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal quando a sua vida, integridade física ou psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado sejam postos em perigo por causa do seu contributo para a prova dos factos que constituem objecto do processo, como refere logo o nº 1 do artigo 1º e que tendo em conta a moldura penal do crime em apreço e as demais circunstâncias que rodearam o cometimento o seu cometimento poderia (e deveria) ter sido ponderada no caso vertente.
Não foi esse o caminho trilhado pela investigação.
Assim se erigiu um edifício acusatório em cima de pilares pouco consistentes.
Os vários indícios trazidos ao processo e sobre os quais, durante o julgamento, longa e minuciosamente nos debruçamos, foram aqueles que acima escalpelizamos.
Não se logrou a comprovação dessa prova no sentido que lhe era atribuído na acusação, pois os indícios analisados não eram precisos, admitindo outras interpretações igualmente consistentes, não eram graves pois não aportaram, conjuntamente analisados, um elevado grau de persuasão sobre a participação dos arguidos no cometimento do crime, nem eram concordantes, pois relativamente a alguns deles provou-se até que apontavam para algo diverso da conclusão pretendida.
Dito de outro modo e para finalizar a “fragilidade” de cada um, a falta de inequívoca convergência de todos eles, olhados no seu conjunto, não nos permitiram alcançar a certeza jurídica necessária para se concluir, para além da dúvida razoável, que os arguidos foram co-autores do crime de furto qualificado pelo qual todos vinham acusados”.
(…)
Enquadramento jurídico dos factos:
(…)
Agora vem ao arguido B… imputada a prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p., à data da prática dos factos pelas disposições conjugadas dos artigos 2° nº 1 aI. p). nº 3 alínea a), 3° nº 2 aI. I) e q) e 86° nº 1 alíneas c) e d), todos da Lei 5/2006, com as alterações introduzidas pela Lei 17/2009 de 06 de Maio.
Preceitua o referido artigo 86° que:
"1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
Alínea c) - Arma das classes B, Bl, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida aimensõo com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias (...);
Na redação introduzida pela Lei 17/2009 este crime passou a ser punido com pena de prisão de 1 a 5 anos e com pena de multa até 600 dias.
Ora da matéria assente resultou provado que o arguido, tinha na sua posse e eram sua proprietária uma pistola, inicialmente de alarme, depois adaptada para arma de fogo e diversas munições, sem que as mesmas estivem registadas ou manifestadas e sem possuir licença de uso e porte de arma ou licença para a sua detenção no seu domicílio.
Sabendo o arguido, como sabia, que A sua conduta era, como é, proibida e punida por lei, preenchidos se encontram os requisitos objetivos e subjetivos do aludido tipo legal.
Da escolha e medida da pena:
Provado, nos termos sobreditos o cometimento pelo arguido B… do crime de detenção de arma pelo qual vinha acusado importa agora determinar a pena concreta a aplicar-lhe, dentro da moldura penal abstrata acima referida, fazendo, para tanto apelo a critérios de justiça, na procura de uma adequada proporcionalidade entre a pena e a culpa por um lado e as exigências de prevenção, quer geral quer especial por outro, segundo os critérios contidos no artigo 71° do C.P.
Começando pela determinação do grau de culpa do arguido pois será por relação a ela que se determinará o máximo da pena temos de concluir ter o arguido atuado com culpa grave, com dolo direto.
A ilicitude dos factos a habitual neste tipo de crimes.
De relevo as exigências de prevenção geral, considerando o grande número de pessoas que cada vez se vem a saber possuírem armas de modo ilegal, facto propiciador de outros crimes violentos que infelizmente se vê atualmente grassar na nossa sociedade.
Menores as exigências de prevenção especial, considerando que o arguido é primário.
Confessou o crime, pese embora, esta confissão não assuma particular relevo em face da apreensão efetuada na sua casa.
Este crime é punido, em alternativa, com pena de prisão ou com multa. Nos termos que se encontram preceituados no artigo 70º do C.P. o tribunal deve preferir a aplicação da pena não privativa da liberdade, sempre que se concluir que com ela se alcançam as finalidades da punição.
Ora perante tudo o que acima se deixa dito, atendendo às circunstâncias em que o crime foi cometido e ainda ao facto de o arguido ser primário, permite-nos concluir que a pena de multa será adequada e suficiente para se alcançarem as finalidades da punição, razão pela qual se opta pela pena de multa para se censurar este crime.
Assim sendo entende-se adequada e justa fixar a pena concreta a aplicar a este arguido 200 dias a qual, considerada provada situação económica privilegiada do arguido, se fixa no quantitativo diário de 50,00 €, ou seja, na multa de 10.000,00 € (dez mil euros), pena que se reputa adequada e justa para que o arguido sinta a reprovação que a sua conduta merece e para o afastar da prática de futuros ilícitos.»

III – FUNDAMENTAÇÃO EM MATÉRIA DE DIREITO


1ª questão: Do vício do acórdão, por motivo de erro notório na apreciação da prova;

O Ministério Público interpôs recurso do acórdão, arguindo, formalmente um erro notório na apreciação da prova:

«O tribunal não valorizou o depoimento das testemunhas/agentes da PSP E… e F… na parte em que estes afirmaram que, quando recolhiam informações preliminares sobre os autores do crime, ouviram, numa conversa de café, o C… afirmar para uns circunstantes que «ainda tinha ouro com ele» e a nomear o B1… (B…) por, em seu entender, não valerem como prova (cf. fls. 51/2 do douto acórdão).
O depoimento dos agentes de autoridade, nesta parte, não se debruça sobre declarações prestadas pelos suspeitos/arguidos aos investigadores, antes sobre uma conversa que eles mantiveram com outras pessoas num lugar público e que os agentes presenciaram/ouviram. Não estamos perante declarações prestadas perante OPC, as chamadas declarações informais. Não são declarações prestadas a polícias, são declarações ouvidas por polícias. Num café.
Assim, o douto tribunal deveria ter dado como provado que os agentes E… e F…, antes de os arguidos serem constituídos como tal e numa fase inicial das investigações, ouviram o C…, num café, afirmar perante terceiros que ainda tinha ouro consigo e a falar no B1… (arguido B…, conhecido por B1…, conforme consta da sua identificação no acórdão).»


Do erro notório:

O erro notório formalmente alegado pelo recorrente integra um vício da decisão (artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal). O mesmo só ocorre quando a convicção do julgador (fora dos casos de prova vinculada) for inadmissível, contrária às regras elementares da lógica ou da experiência comum. Deve assim tratar-se de um erro manifesto, isto é, facilmente demonstrável, dada a sua evidência perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Não existe tal erro quando a convicção do julgador é plausível, ou possível, embora pudesse ter sido outra.

A este respeito, o último acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos presentes autos, refere, a folhas 5797, o seguinte:

«O "erro notório na apreciação da prova", sustentado pelo recorrente, não radica aqui em mera discordância da valoração da prova feita pelo Tribunal a quo, como na resposta referiram os recorridos, mas sim um erro manifesto (notório) de ter sido considerado inválida prova que era legal.
(…)
Ora, cumpre dizer que a apreciação da prova é um juízo valorativo, de raciocínio objectivo, de ponderação do que é revelado por cada prova produzida, e em conjugação com as demais, e eventual erro que daqui derive é um erro de julgamento na credibilidade de determinada prova, que não o vício constante da alínea c) do nº 2 do artigo 310º do Código de Processo Penal, erro notório na apreciação da prova.
Neste aspecto é pertinente a observação do recorrente B…, quando conclui – conclusão 14ª – que não constituem casos de erro notório na apreciação da prova, designadamente, os erros de direito, como sejam, a violação das regras que regulam o modo de formação da convicção do tribunal onde se incluem, naturalmente, as proibições de prova e a sua valoração.»


Apreciando.
O recorrente impugna a decisão da matéria de facto considerada não provada na primeira instância, arguindo um erro notório na apreciação da prova que consiste na falta de valoração de dois depoimentos de testemunhas agentes policiais.
Recordando a passagem da fundamentação da convicção do tribunal que o recorrente arguiu na motivação de recurso, enquanto fundamento de "erro notório na apreciação da prova":

«(…) Por outra vez, a testemunha agente E…, disse ter ouvido, num café em …, o arguido C… a falar de ouro (que ainda tinha ouro com ele) nomeando, nessa conversa, uma outra pessoa “B1…”.
Nada mais. Os arguidos negam que tenham colaborado com o H… na realização do assalto e o facto provado de que todos se conhecem não impõe a conclusão pretendida na acusação.
Importa realçar que os seguimentos a estes arguidos são feitos depois dos agentes terem tido a indicação, por parte de uma pessoa que não foi identificada no processo e que passam a designar por “fonte”, dos nomes daqueles que teriam participado no furto.
Uma das pessoas nomeadas (o H…) é efetivamente encontrada na posse de cerca de 50 quilos em ouro furtado na I….
Aos demais, a estes aqui arguidos, nada foi encontrado.
Mas importa a este propósito salientar que tanto a parte do depoimento da testemunha E… sobre o que disse ter ouvido ao arguido C… no café em …, como aquela em que refere as indicações da “fonte” que não quis nomear não valem como prova.
O mesmo vale, nessa parte, quanto ao depoimento prestado pelo agente F….
“O depoimento dos agentes policiais está sujeito a um regime diferente de quaisquer outras testemunhas, em virtude da proibição legal dos artigos 356º nº 7 e 357º nº 2 do C.P.P.. Esta proibição veda o aproveitamento na audiência do depoimento do agente policial sobre declarações que ouviu dos suspeitos, arguidos, testemunhas, assistentes, ofendidos, partes civis, lesados ou quaisquer declarantes, quer elas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, quer o agente policial venha a ser ou não instrutor do processo. A única exceção a esta regra tolerada pela proibição legal dos artigos 356º nº 7 e 357º nº 2 é a do depoimento do agente policial quando depõe sobre as declarações que ouviu fazer durante a prática da atividade criminosa. Esta, e só esta, é uma prova direta do facto criminoso inteiramente lícita”.
Dito de outro modo, mesmo que o agente tivesse tido – que não teve - a confissão dos factos por parte de um destes arguidos, ainda assim tal confissão não poderia ser usada como prova e para se imputar ao arguido o crime confessado importava carrear para o processo prova do seu cometimento.»


Como referido, também, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Novembro de 2008 (processo nº 3453/08, da 3ª Secção), o «erro notório na apreciação da prova constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.»

Recorda-se que constituem características comuns a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do artigo 410°, n° 2, do C.P.P. as seguintes:

- a de fundamentarem o reenvio do processo para outro julgamento quando insanáveis no tribunal de recurso (artigos 426° e 436° do C.P.P.); e

- a de resultarem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.

Trata-se de vícios de decisão e não de julgamento que, enquanto subsistirem, não permitem que a causa seja decidida.

Perante estas explicações que visam identificar a ratio legis subjacente ao texto da norma [artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal], percebe-se, imediatamente, que o acórdão recorrido não incorreu num erro notório na apreciação da prova, ao não ter valorado dois depoimentos por razões jurídicas que – embora criticáveis e sindicáveis, é certo - passam, certamente, despercebidos à observação e verificação do homem comum.

A decisão recorrida concretizou a fundamentação da decisão da matéria de facto em termos bem claros e objetivos, não se vislumbrando, exclusivamente do seu texto, qualquer atropelo às regras da lógica ou da experiência comum –. Nestes termos, conforme reproduzido neste acórdão, o tribunal a quo analisou criticamente a prova que permitiu considerar não provados os factos visados na motivação do recurso do Ministério Público, não resultando do seu texto qualquer vício de raciocínio.

Por conseguinte, não resta outra solução, senão considerar improcedente a arguição de erro notório na apreciação da prova.


2ª questão: Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;

Inconformado com a decisão da matéria de facto, o Ministério Público impugnou a matéria de facto considerada não provada, a saber:

Foram incorretamente julgados estes factos:
i) Não se provou que os arguidos C…, B… e D… tivessem elaborado um plano de, em conjunto, se apoderarem de objetos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da ”I…, S.A.” sita na ….

ii) Não se provou que os arguidos tivessem colaborado, fosse por que forma fosse, com H… já julgado e condenado como um dos autores desse furto.

No entender do recorrente, o tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos:

«- Os arguidos C…, B… e D…, conjuntamente com H…, já julgado e condenado pela prática destes factos, elaboraram um plano de, em conjunto, se apoderarem de objectos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da “I…, S.A.” sita na …, assim:
- Entre os dias 13 e 14 de Abril de 2008, a hora concretamente não apurada, do interior de uma das filiais da “I…, S.A.“, sita na …, n° .., na cidade do Porto os arguidos furtaram inúmeros objectos em ouro que constituíam o penhor dos empréstimos que essa instituição concedia aos seus clientes.
- Para o efeito cortaram as linhas telefónicas e a destruição/corte de alguns dos componentes do sistema de segurança contra intrusão instalado no edifício daquela filial, em particular da sirene de alarme colocada no seu exterior.
- Numa segunda fase, e já no dia 14 de Abril de 2008, pelas 2:29 horas, usando os andaimes montados numa obra em curso num imóvel próximo daquele estabelecimento, acederam ao telhado do referido prédio e, de seguida, a uma varanda, cuja porta foi forçada, destruindo o respectivo mecanismo de fecho.
- Através da porta da mencionada varanda do estabelecimento de penhores, conseguiram então aceder ao seu interior.
- Aí chegados, aqueles arguidos e o referido H… utilizando as ferramentas apreendidas e examinadas nos autos forçaram e destruíram a fechadura de um dos quatro cofres-fortes existentes no estabelecimento.
- De seguida, do interior do citado cofre e também das montras de exposição existentes na ourivesaria do estabelecimento, mas sobretudo do cofre, retiraram vários artigos/artefactos de ourivesaria, em ouro, com o peso total aproximado de 301.303.3 gramas e com o valor global de cerca de € 10.774.110 (dez milhões setecentos e setenta e quatro cento e dez euros), tendo sido retirados do cofre vários artigos/artefactos em ouro com peso de 276.093,9 gr e no valor de € 10.565.372,00, os quais na sua esmagadora maioria haviam sido entregues no estabelecimento pelos clientes deste, como cauções dos empréstimos concedidos aos mesmos pelos responsáveis do estabelecimento e nos termos dos contratos de mútuo celebrados e, da ourivesaria, vários artigos/artefactos em ouro com o peso de 25.209,4 gramas e no valor de € 208.738,35 (duzentos e oito mil setecentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
- Pelo menos parte significativa dos citados artigos/artefactos, encontram-se discriminadas na relação constante de fls. 47 a 257, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
- Ainda do interior daquele cofre os arguidos retiraram a quantia monetária de cerca de € 4.852,00 (quatro mil oitocentos e cinquenta e dois euros), correspondente ao apuro do caixa do estabelecimento.
- Os arguidos apropriaram-se daqueles bens, que fizeram coisa sua, bem sabendo que lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade dos respectivos donos.
- Sabiam ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei.-
- As quantias em dinheiro e os automóveis que lhes foram apreendidos são produto deste furto.

Quanto a estes factos, correu termos o inquérito n° 388/08.5 PPPRT, de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, o qual foi posteriormente remetido à 3ª Vara Criminal do Porto, vindo nesse processo a ser julgado e condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão, o arguido H…, conforme se retira da certidão do Acórdão constante de fls. 2899 a 2926.»

O recorrente motiva a sua impugnação da decisão da matéria de facto com base na argumentação conclusiva que, a seguir, se reproduz:

Analisados à luz das regras da experiência e conjugados entre si, os factos apurados em audiência de julgamento e os documentos juntos ao processo (autos de busca, relatórios de perícias, relatos de vigilâncias, relatórios e elementos relativos a chamadas telefónicas, etc.) deveriam ter conduzido o douto Colectivo a decisão diametralmente oposta à proferida.
É certo que não há confissões, não há imagens, não há testemunhos directos, não há objectos a gritarem por uma condenação. Nem seria de esperar que houvesse. De resto, se assim fosse, bem fácil seria, e não é, ser juiz, nenhuma perspicácia, inteligência e sentido de razoabilidade se imporiam.
“Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos. Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos á inferência feita maior ou menor eficácia probatória”.
Há-de ser pela conjugação das provas recolhidas, caldeadas entre si e apelando às regras da razoabilidade e da experiência, que o tribunal tem de formar a sua convicção.
O tribunal não valorizou o depoimento das testemunhas/agentes da PSP E… e F… na parte em que estes afirmaram que, quando recolhiam informações preliminares sobre os autores do crime, ouviram, numa conversa de café, o C… afirmar para uns circunstantes que «ainda tinha ouro com ele» e a nomear o B1… (B…) por, em seu entender, não valerem como prova (cf. fls. 51/2 do douto acórdão).
O depoimento dos agentes de autoridade, nesta parte, não se debruça sobre declarações prestadas pelos suspeitos/arguidos aos investigadores, antes sobre uma conversa que eles mantiveram com outras pessoas num lugar público e que os agentes presenciaram/ouviram. Não estamos perante declarações prestadas perante OPC, as chamadas declarações informais. Não são declarações prestadas a polícias, são declarações ouvidas por polícias.
Num café.
Assim, o douto tribunal deveria ter dado como provado que os agentes E… e F…, antes de os arguidos serem constituídos como tal e numa fase inicial das investigações, ouviram o C…, num café, afirmar perante terceiros que ainda tinha ouro consigo e a falar no B1… (arguido B…, conhecido por B1…, conforme consta da sua identificação no acórdão).
O tribunal, para melhor esclarecer os factos, decidiu ouvir o técnico (perito) que realizou a perícia, mas acabou por desconsiderar os esclarecimentos prestados pelo Dr. G….
Dessas declarações passamos a transcrever as partes que nos parecem mais significativas:
Ao minuto 16:29, da sessão do dia 16/08/2011:
- Juíza: Qualquer barra igual a esta que está aqui identificada com o nº 2 produziria o mesmo tipo de vestígio?
- Perito: Individualizadores, não. Podemos ter vários objectos que saem semelhantes, fabricados no mesmo local, mas todos vêm com acabamentos ou características individualizadas que permitem distingui-los entre eles.
- Juíza: Sr. Dr. não se importa de falar mais devagarinho que é para eu perceber!
- Perito: Vários objectos e ferramentas quando são produzidas e saem novos teoricamente de fábrica já apresentarão diferenças individualizadoras… entretanto com o uso podem adquirir características que permitem diferencia-las e individualizá-las, logo a probabilidade de haver uma outra ferramenta que consiga ter um estriado ou consiga produzir um estriado semelhante a este é... mesmo, muito pequena.
Mais adiante (minuto 28,26)
- Juíza: A pergunta é esta: se podia ser possível outros instrumentos que não estes, darem o mesmo resultado de provável que deu aqui?
- Perito: Não. Precisamente pelo que disse anteriormente, há várias ferramentas que são iguais… no entanto apresentam características individualizadoras, vistas através do estriado e do microscópio que são diferentes de ferramenta para ferramenta.
Finalmente, agora ao minuto 32.13
- Juiz: Da sua experiência, qual é a probabilidade de se pegar aí numa ferramenta em qualquer lado, mesmo admitindo a perfeição ou imperfeição do vestígio, etc., qual é a probabilidade de depois vir a dar uma provável identificação?
- Perito: Baixa ou nula. Haver outro alicate com características semelhantes.
Assim, o tribunal deveria ter dado como provado que, pela escassez dos vestígios é provável que tivessem sido produzidos por aquelas duas ferramentas, e ainda, que outras ferramentas/instrumentos não poderiam produzir os vestígios que foram encontrados na fechadura e canhão do cofre arrombado.
Assentemos, como fez o tribunal, e de resto resulta claro do depoimento da testemunha E… e dos diversos documentos das operadoras de telemóveis juntos aos autos, que os aparelhos e cartões que foram encontrados na posse ou nas casas dos arguidos e por eles foram usados nos termos documentados nos autos a partir das informações prestadas pelas operadoras de telefones móveis.
Porém, de forma totalmente incompreensível, o tribunal entendeu, contra todas as regras da experiência, desvalorizar os contactos mantidos entre os arguidos e fez tábua rasa (no acórdão, que não no julgamento) das comunicações constantes do Anexo A.
Mais grave ainda. O tribunal não deu importância às localizações celulares (BTS) e não deu qualquer justificação para essa atitude.
No dia 13 de Abril (o alarme das instalações tinha sido cortado na madrugada desse dia) o arguido C… entre as 7.57.36h e as 23.20.59h fez ou recebeu 9 chamadas telefónicas acionando a BTS …, ou seja, a BTS que fica a escassos metros das instalações assaltadas. Dois desses contactos são com os arguidos D… e B…. Não há qualquer justificação objectiva, nem o arguido a deu, para naquele dia estar ou passar naquele local e a horas tão diferentes (a BTS da área da sua residência não é aquela, será a do …).
Mas, facto igualmente relevante, os arguidos sempre tão pródigos nos contactos entre si e com terceiros, a horas e dias diversificados, não fazem nem recebem qualquer chamada ou SMS na noite de 13 para 14 de Abril. Nenhum deles.
A partir das 06.54.23h desse dia 14 (chamada realizada pelo arguido C… a partir do n° ………), ou seja, como que por milagre, os arguidos retomam os contactos telefónicos entre si mas agora acionando a BTS de …, isto é, a BTS mais próxima da garagem usada pelo arguido C… e onde foram encontradas as ferramentas (barra e alicate) que deixaram no cofre arrombado os já referidos vestígios.
Esta sucessão de factos que envolvem os três arguidos e o H…, julgamos estar absolutamente de acordo com a regras da experiência se concluirmos que os quatro estiveram nas imediações da “I…, SA” até cerca das 23 horas do dia 13, por ali deambulando com o objectivo de se certificarem de que o corte do sistema de segurança nessa noite não tinha espoletado qualquer reacção; depois dessa hora, todos com os telemóveis desligados, reintroduzem-se nas instalações, furtaram o ouro e após deslocaram-se todos para um local, insuspeito e recatado, como era a garagem arrendada ao C… e ai, provavelmente, repartem o produto do roubo e deixam as ferramentas que usaram.
Os arguidos, que não tinham ao tempo da verificação dos factos, emprego ou actividade laboral constante, com a excepção do arguido D…, vender de berma de estrada de automóveis em 2ª mão, todos exibem um património e quantias em dinheiro verdadeiramente inusuais.
Nenhum deles deu justificações válidas para terem consigo tais quantias em dinheiro “vivo”, não convencem na justificação para o património que naquela altura possuíam.
De resto, atente-se na extraordinária coincidência que ressalta de os arguidos C… e B… terem adquirido no mesmo dia - 21/06/2008 – automóveis de gama alta no valor de mais de 40.000 e 80.000 €, respectivamente.
Deixando de lado as quantidades inusitadas de objectos em ouro que foram apreendidos aos arguidos, estes três arguidos em data posterior à ocorrência do furto passaram a exibir um património e quantias em dinheiro cuja justificação não se alcança.
O douto tribunal, totalmente ao arrepio das regras de experiência e da normalidade das coisas e da vida, não relacionou, ponderou e sujeitou às regras da lógica, como se impunha, a verificação simultânea destes quatro indícios envolvendo os três arguidos:
a) Existência de contactos pessoais e telefónicos entre estes arguidos e o H… (julgado e condenado em outro processo pelos mesmos factos) nos dias anteriores e seguintes ao furto;
b) Os contactos telefónicos estabelecidos entre os quatro e pelos quatro acionando, sem justificação válida, as BTS da … e de …, locais onde ocorreu o furto e onde existia uma garagem utilizada pelo arguido C…, e onde foram encontradas ferramentas que foram utilizadas no arrombamento do cofre;
c) As já referidas ferramentas, mais concretamente uma barra de ferro e um alicate, encontrados na mencionada garagem e que, segundo o perito responsável pelo exame pericial, produziram vestígios no cofre que só por elas poderiam ter sido feitos;
d) O património e dinheiro “vivo” pertencente aos arguidos cuja proveniência não é, segundo critérios de normalidade, justificável com a particularidade de logo após os factos os arguidos terem adquirido bens e reforçado de forma quase obscena as suas contas e bens próprios.
Se pedimos eficácia às polícias devemos esperar que os tribunais, sem deixar de ter presente que é à acusação que incumbe a prova do cometimento dos factos, se têm de adaptar também eles à sofisticação da alta criminalidade e não esperar a facilidade da prova directa, ou como disse Cesare Beccaria conformar-se apenas com a prova «perfeita»
Cada um dos factos dados por provados, e os que deveriam ter sido dado como tal, de que agora se recorre, olhados de per si, não terá força suficiente para gerar a convicção de que foram os arguidos os co-autores do furto investigado nos autos, mas se os olharmos na sua totalidade, se os pusermos a interagir entre si à luz das regras da experiência e da lógica, então sim, dar-nos-ão a convicção segura de que estes três arguidos, para além de qualquer dúvida razoável, foram os co-autores do furto ocorrido nas instalações da assistente naquele fim-de-semana de 13/14 de Abril de 2008.»


Antes de se analisar o mérito dos argumentos do Ministério Público, importa ter bem presentes os critérios legais das decisões da matéria de facto, bem como aqueles que regulam a reapreciação, pelos tribunais superiores, dos fundamentos de facto das sentenças, impugnadas nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal.
*

A valoração da prova e o princípio da presunção de inocência:

A valoração da prova produzida em julgamento é realizada de acordo com a regra geral prevista no art. 127º do Código de Processo Penal, segundo a qual o tribunal forma livremente a sua convicção, estando apenas vinculado às regras da experiência comum e aos princípios estruturantes do processo penal - nomeadamente ao princípio da legalidade da prova e ao princípio in dubio pro reo, que estabelece a presunção de inocência -.

Esta regra concede ao julgador uma margem de liberdade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.

Essa liberdade não é, pois – de todo - absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência. A formação dessa convicção não se resume, pois, a uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, exigindo uma atividade intelectual de análise crítica da prova baseada nos critérios legais, beneficiando da imediação com a prova e tendo sempre presente que a dúvida inultrapassável fará operar o princípio in dubio pro reo.[3] Tal impossibilita que o julgador possa formar a sua convicção de um modo puramente subjetivo e emocional.
*
Para os cidadãos – e os Tribunais superiores – poderem controlar a formação dessa convicção, o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal exige que a sentença deverá conter uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal, podendo o rigor dessa fundamentação ser aferido, também, com recurso à documentação da prova. A sentença recorrida satisfez tais exigências, podendo, por conseguinte, ser sindicada a convicção do Tribunal a quo em relação às provas produzida em julgamento, como se pode concluir, facilmente, pelo seu teor, já atrás reproduzido.

A livre apreciação da prova – ou, melhor, do livre convencimento motivado - não pode ser, pois, confundida com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação subjetiva e arbitrária da prova: a lei exige um convencimento lógico e motivado, assente numa avaliação das provas com sentido de responsabilidade e bom senso.
Conforme resulta da fundamentação dessa convicção plasmada na decisão recorrida, reproduzida neste acórdão, o tribunal a quo expressou no acórdão aquilo que "absorveu" do teor da prova oral e da prova documentada produzida em julgamento e procedeu a uma análise crítica dessa "leitura".

Como corolário lógico das regras legais acima enunciadas, este Tribunal só poderá revogar a decisão da matéria de facto recorrida, quando a convicção do Tribunal a quo não tiver sido formada em consonância com as regras da lógica e da experiência comum na análise dos meios concretos de prova produzidos e analisados em julgamento, o que poderá ser aferido com base na análise da fundamentação da decisão e verificação da sua conformação, ou não, com a prova produzida em julgamento [4] [5].

Para contrariar essa fundamentação, o recorrente especifica:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (concretizando meios concretos de prova que tiveram um conteúdo que não foi tido em conta pelos julgadores e impugnando a desvalorização, sem fundamento, do teor de outros meios concretos de prova);

Por conseguinte, caso proceda essa impugnação, o Tribunal poderá modificar a decisão sobre a matéria de facto nos termos do disposto no artigo 431º, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal.

Para apreciar o mérito do recurso, nesta parte, Tribunal reaprecia a prova produzida, nas partes concretamente indicadas pelo recorrente e procederá à análise da demais prova que se mostrarem relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa (artigo 412º, nº 6, do Código de Processo Penal).

Apreciando.

Em primeiro lugar, impõe-se decidir se a opção do tribunal recorrido em considerar que algumas passagens dos depoimentos de duas testemunhas não valem como prova, respeita os critérios legais em matéria de proibições de prova:

Por outra vez, a testemunha agente E…, disse ter ouvido, num café em …, o arguido C… a falar de ouro (que ainda tinha ouro com ele) nomeando, nessa conversa, uma outra pessoa “B1…”.

Nada mais. Os arguidos negam que tenham colaborado com o H… na realização do assalto e o facto provado de que todos se conhecem não impõe a conclusão pretendida na acusação.
Importa realçar que os seguimentos a estes arguidos são feitos depois dos agentes terem tido a indicação, por parte de uma pessoa que não foi identificada no processo e que passam a designar por “fonte”, dos nomes daqueles que teriam participado no furto.
Uma das pessoas nomeadas (o H….) é efetivamente encontrada na posse de cerca de 50 quilos em ouro furtado na I….
Aos demais, a estes aqui arguidos, nada foi encontrado.
Mas importa a este propósito salientar que tanto a parte do depoimento da testemunha E… sobre o que disse ter ouvido ao arguido C… no café em …, como aquela em que refere as indicações da “fonte” que não quis nomear não valem como prova.
O mesmo vale, nessa parte, quanto ao depoimento prestado pelo agente F….
“O depoimento dos agentes policiais está sujeito a um regime diferente de quaisquer outras testemunhas, em virtude da proibição legal dos artigos 356º nº 7 e 357º nº 2 do C.P.P.. Esta proibição veda o aproveitamento na audiência do depoimento do agente policial sobre declarações que ouviu dos suspeitos, arguidos, testemunhas, assistentes, ofendidos, partes civis, lesados ou quaisquer declarantes, quer elas tenham sido feitas antes ou depois da abertura formal do inquérito, quer o agente policial venha a ser ou não instrutor do processo. A única exceção a esta regra tolerada pela proibição legal dos artigos 356º nº 7 e 357º nº 2 é a do depoimento do agente policial quando depõe sobre as declarações que ouviu fazer durante a prática da atividade criminosa. Esta, e só esta, é uma prova direta do facto criminoso inteiramente lícita”.


Os factos:

Duas testemunhas, agentes policiais (E… e F…), escutaram, presencialmente, o cidadão (que ainda não era arguido) C… a referir numa conversa pública mantida com terceiros num estabelecimento de café, que ainda tinha ouro com ele, fazendo ainda referência a um certo "B1…" – identificado nos autos como sendo o, entretanto arguido, B… -.

Não se trata de declarações prestadas por arguido, formal ou informalmente, perante entidade, em processo penal, mas um comportamento público de um cidadão não-arguido, à data, que foi presenciado por dois agentes policiais e o reportaram no seu depoimento em julgamento. Não se trata, sequer, de declarações que um órgão de policial criminal tivesse recebido, ou aquela realidade que a jurisprudência e a doutrina designam por conversas informais de arguidos com agentes policiais – cuja valoração não é permitida, sobretudo, a partir do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Janeiro de 1992 [6]: a “conversa informal”, nessa aceção, exige bilateralidade na comunicação, uma provocação para a “confissão por ouvir dizer” ou uma conversa sugerida ou obtida por coacção. A proibição de prova associada a tais conversas informais não abrange as declarações ouvidas por agentes policiais a um cidadão que (ainda) não é arguido, se não existir culpa sua no atrasar da formalização da constituição de arguido (como não existiu, no caso, conforme resulta da leitura das regras de obrigatoriedade de constituição de arguido, previstas nos artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal).

Por conseguinte, constitui um erro jurídico integrar essa produção de prova nas normas citadas na decisão recorrida (artigo 356º/C.P.P., com a epígrafe «Reprodução ou leitura permitida de autos e declarações», e artigo 357º/C.P.P. com a epígrafe «Reprodução ou leitura permitida de declarações do arguido»). Não se ignora a doutrina de Paulo Pinto de Albuquerque[7], que corresponde à tese plasmada na decisão recorrida, segundo a qual não é admissível como meio de prova um depoimento de ouvir dizer a um arguido, pelas limitações decorrentes do direito constitucional ao silêncio. Porém, esta tese não tem, salvo o devido respeito, aplicação ao caso em apreço, pois o cidadão que estava a conversar em público – conversa que foi reproduzida em julgamento pelas duas testemunhas citadas – ainda não era arguido, nem havia por parte dos órgãos de polícia criminal a obrigação, prévia, de tal constituição.

De resto, como referido pelo Conselheiro Santos Cabral[8], rejeitando aquela tese, "o direito ao silêncio do arguido circunscreve-se a uma dimensão positiva que lhe confere a faculdade de se manter em silêncio ao longo de todo o processo e, em especial, na audiência de julgamento (arts.61º, 1, al. d) e 343º, nº 1, in fine), sem que tal comportamento possa ser interpretado em seu desfavor, numa concretização do direito à não auto-incriminação e presunção de inocência de que aquele beneficia."

Também não é aplicável, ao caso, o regime processual dos depoimentos indiretos, como vem previsto no artigo 129º do Código de Processo Penal: o arguido é, pelo seu estatuto processual, confrontado com todos os meios concretos de prova produzidos em julgamento, podendo exercer o correspondente contraditório, sem que tenha o dever de colaboração com o tribunal para a descoberta da verdade[9].

Daqui se conclui que o tribunal a quo errou[10] no seu julgamento, ao desconsiderar completamente os depoimentos das testemunhas E… e F… (agentes da PSP) que testemunharam num café da cidade como o cidadão C… afirmou numa conversa pública com terceiros que “ainda tinha o ouro em casa” e a referir-se igualmente ao B1… (diminutivo pelo qual era conhecido B…) como estando implicado nos factos.

Tais depoimentos devem ser valorados, assim, de acordo com a livre apreciação do tribunal – a regra geral prevista no art. 127º do Código de Processo Penal -, cujo regime legal também já se explicitou anteriormente.

Perante esta conclusão, impõe-se conjugar os depoimentos em apreço com a demais prova produzida em julgamento, com relevância para a descoberta da verdade no tocante ao objeto do processo definido pela acusação.
*

Os arguidos – B…, C… e D… - são conhecidos entre si e declararam conhecer o H…, mas apenas admitiram que se encontravam e contactavam “esporadicamente”.
Porém, na noite do assalto à casa de penhores os mesmos contactaram várias vezes entre si.

E, conforme resulta dos documentos fornecidos pelas operadoras entre os dias 5 e 25 de Abril de 2008 (o alarme foi cortado na noite de 12 para 13 e o assalto foi concretizado na noite de 13 para 14 de Abril de 2008) o arguido C… contactou cada um dos arguidos B… e o D… 24 vezes e H… 18 vezes (vide folhas 3035 a 3038). Fazendo fé nas declarações dos arguidos, algo importante, fora da rotina habitual na vida dos arguidos, deve ter justificado tantos contactos por telemóvel – e que os arguidos não explicaram em julgamento. Decerto que se existisse uma explicação estranha ao objeto do processo, a teriam transmitido nas suas declarações, no interesse da sua defesa.

Mas os autos não identificam só o número de chamadas de telemóvel efetuadas entre os arguidos: encontram-se documentadas nos autos informações das operadoras, que identificaram a localização dos arguidos na noite de 14 de Abril de 2008 na zona das instalações da I… (a empresa assaltada), tendo sido acionada a BTS da … a poucos metros daquela. No dia 13 de Abril de 2008, só o telemóvel do arguido C… realizou 9 chamadas entre as 07H57 e as 23H20 desse dia, através da BTS[11] da … e alguns desses contactos foram realizados com os coarguidos D… e B….

Também em relação à sua localização, nenhum dos arguidos explicou a razão da sua presença na área da …, sendo certo que nem as residências, nem qualquer outra atividade conhecida aos arguidos justifica a sua presença no local durante um dia inteiro (o arguido C…) e durante a noite (os restantes arguidos).

Como referido na fundamentação da decisão recorrida, provou-se que o alarme das instalações assaltadas foi inutilizado na noite anterior ao assalto - noite em que não houve qualquer contacto entre os arguidos -. No período temporal abrangido pela atuação dos assaltantes, também não existiu qualquer contacto telefónico entre as 23h30m do dia 13 e as 6h54m do dia 14 de Abril, tendo todos desligado o respetivo telemóvel.

A conjugação de tais factos não deixa de ser significativa, relacionando tais comportamentos com a participação no assalto, naquele local e horário. Após o assalto, os arguidos voltam a ligar os respetivos telemóveis e recomeçam as ligações telefónicas, coincidentemente, pelas 6h54 (hora estranha, que não justificaram) e, de acordo com as informações das operadoras, encontravam-se, também coincidentemente, na zona de … (foi acionada a BTS de …), zona onde se localiza a garagem utilizada pelo arguido C…[12] e na qual foram encontradas as ferramentas que depois de examinadas pelo Laboratório de Polícia Científica deram como “provável” que tivessem sido utilizadas no arrombamento do cofre, face aos vestígios encontrados nas ferramentas e às estrias provocadas no cofre. Esta classificação no exame pericial tem a equivalência de cerca de 65 a 70% de probabilidades – o perito, ouvido em julgamento, afirmou que apenas não foram superiores, porque a qualidade das marcas deixadas no cofre não tinham maior qualidade -.

Conjugando tais meios concretos de prova conclui-se que os três arguidos deste processo e o H… foram localizados pelas operadoras até às 23H30 junto da I…, tendo nessa altura os telemóveis dos quatro sido desligados e, de seguida, apenas voltaram a ser ligados (os quatro), novamente juntos, com os telemóveis ligados na zona da garagem utilizada habitualmente pelo arguido C… (pelas 06H54), onde foram encontradas e apreendidas as ferramentas que foram identificados como tendo sido muito provavelmente utilizadas no assalto.

A duração do assalto e a intervenção deste número de assaltantes justifica-se pelo imenso peso do ouro (mais de trezentos quilos) retirado das instalações assaltadas e da necessidade do seu transporte.

Além do erro já apontado (ao retirar qualquer eficácia aos depoimentos dos agentes policiais, no âmbito e nos termos já explicitados), o tribunal a quo errou no seu julgamento da matéria de facto, essencialmente, porque procedeu a uma análise dos meios concretos de prova isoladamente, ou seja, entendeu que cada um dos meios concretos de prova produzidos em julgamento não tinha a eficácia probatória, per se, para demonstrar a participação dos arguidos no assalto em questão. Porém, a conjugação de todos demonstra, claramente, um quadro factual diferente daquele que foi apurado na primeira instância, sendo evidente, segundo as regras da experiência comum, que os arguidos concretizaram o assalto em referência nos autos: sublinha-se, não foi um único meio concreto de prova circunstancial que permitiu apurar a participação dos três arguidos no assalto, mas a conjugação de um conjunto de meios concretos de prova que, articulados entre si, permitem apurar, com a necessária segurança, o que verdadeiramente se passou.

Os arguidos foram confrontados, em julgamento, com os meios concretos de prova acima assinalados e com as "coincidências" detetadas. Questionados e instados a explicar esses dados objetivos, não só nenhum dos arguidos o fez em julgamento, como resulta manifesto, perante a audição das suas declarações, que os mesmos ficaram embaraçados e comprometidos, não tendo apresentado qualquer justificação.

Na análise das declarações de arguidos, o tribunal não pode limitar-se a valorar apenas o que constitui confissão ou negação expressa, mas valorar também o tom de voz, as alterações de ritmo, as pausas dadas nas respostas, além do teor destas, de modo a apreender, para a decisão, aquilo que de impressivo e útil para a descoberta da verdade resultou desse meio concreto de prova. Ora, foi exatamente nesse erro que o tribunal a quo caiu, negligenciando os benefícios da oralidade-imediação na produção da prova: basta escutar as declarações gravadas dos arguidos e confrontar o seu teor dinâmico com a ausência da sua integral valoração para a formação da convicção do tribunal plasmada na decisão recorrida.

O Ministério Público – e bem – sustenta o seu recurso nos aludidos meios concretos de prova para concluir que após o assalto os arguidos se dirigiram para a Garagem da J…, a fim de repartir o produto do furto e onde deixaram as ferramentas encontradas e apreendidas.

Não se pode deixar de valorar, ainda, os depoimentos dos agentes policiais que participaram nas vigilâncias e seguimentos feitos aos arguidos, que demonstraram a existência de encontros frequentes entre todos (contrariamente ao que estes admitiram nas suas declarações em julgamento) e as suas ligações/encontros frequentes com H… – condenado, em processo separado, pela prática do crime in iudicium -, tendo ainda transmitido ao tribunal, a partir das suas observações, que o arguido C… não desenvolve qualquer atividade profissional observável no seu dia-a-dia.

Por outro lado, veja-se que o arguido (H…) condenado noutro processo ainda tinha consigo cerca de cinquenta quilos do ouro furtado nas instalações em causa nos autos. Dividindo os cerca de trezentos quilos pelos quatro intervenientes (esse arguido e os três arguidos deste processo), fica-se com uma média de 75 quilos em ouro para cada um. Como o arguido H… teve tempo para se desfazer de 25 quilos, essa prova circunstancial soma-se às demais, para confirmar terem sido quatro os assaltantes envolvidos no furto e, tendo em conta o já descrito, os restantes três elementos serem, precisamente, os ora arguidos.

De notar, ainda, que todos os arguidos foram clientes da empresa assaltada – como decorre do depoimento da testemunha AH… -.

Pelo exposto, apesar de não existir prova direta da prática dos factos pelos arguidos – o que é perfeitamente normal, tendo em conta o caráter muito organizado do assalto - , a conjugação de todos os meios concretos de prova circunstanciais[13] e a reação dos arguidos ao seu confronto com aqueles, não permite outra conclusão, senão considerar provada a participação dos arguidos no assalto em questão nos presentes autos.

Assim o impõem as regras da lógica e a sensibilidade ditada pelas regras de experiência comum.

Esta solução não contraria o princípio da presunção de inocência, pois o conjunto da prova produzida em julgamento não deixou no espírito dos julgadores qualquer dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos. O tribunal coletivo apenas teve essa dúvida legítima pelos erros de julgamento já assinalados: considerou nula uma prova que era válida e “irrelevante” as localizações dos arguidos nos momentos cruciais dos factos que constituem o objeto deste processo, num contexto em que ela era, justamente, de fulcral importância.

As presunções judiciais constituem um meio de prova lícito (artigos 349º e 351º do Código Civil), admissíveis em processo penal por força do disposto no artigo 125º do Código de Processo Penal. Não sendo meio proibido, pode o julgador, à luz das regras de experiência comum e dentro do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal), retirar dos factos conhecidos e objetivos as ilações que se lhe apresentem como óbvias e dar tais factos como provados.
Tendo a valoração da prova sido realizada pelo tribunal a quo ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e tendo o mesmo explicitado como formou a sua convicção, esse juízo é sindicável pelo tribunal de recurso.

Por conseguinte, os erros de julgamento, já identificados nesta decisão, são passíveis de correção, julgando-se provido o recurso do Ministério Público, quanto à impugnação da decisão da matéria de facto pertinente à autoria do assalto.
De resto, apurou-se, com base na prova documental referida pelo tribunal a quo, ainda, o seguinte:

a) Quanto ao arguido C…:

> Tinha na conta da K…, em 22/07/2008, a quantia de 87.667,43 €;
> Em casa, em dinheiro, a quantia de 22.025,00 €, em notas do BCE;

> Em 22/06/2008 tinha adquirido um automóvel da marca Nissan no valor de 41. 770,00 € (deu em troca um veículo avaliado em 6.250 €);


b) Quanto ao arguido B…:

> Em 22/06/2008 adquiriu um automóvel da marca Audi no valor de 84.900,00 €.

> Em casa guardava a quantia de 13.160,00 €, em notas do BCE.


c) Quanto ao arguido D…:

> Em sua casa tinha a quantia de 42.775,00 € em notas do BCE;

> Na casa dos seus sogros, mas sua pertença, tinha a quantia de 106.000,00 em notas do BCE; e

> Um veículo automóvel da marca BMW, no valor de 40.000,00 €.


No mesmo dia – 21 de Junho de 2008 - os arguidos C… e B… adquiriram automóveis de gama, respetivamente, média-alta e alta no valor de mais de 40.000 € e 80.000 €.

Não foi apurada em julgamento qualquer atividade em relação ao arguido C…, que justificasse a possibilidade de aquisição do carro e a posse do dinheiro acima referidas.

Também a justificação da posse do dinheiro por parte do arguido D… – atribuindo-a à herança recebida de uma avó que morreu em Cabo Verde -, não convence: além de ser improvável, o arguido não provou tal origem do dinheiro, não tendo apresentado a prova documental respetiva – a qual teria sido de fácil obtenção -.

No entanto, tais ausências de prova, por si só, não permitem associar tais automóveis e dinheiro ao assalto em referência nos presentes autos, podendo os mesmos ter outra origem – eventualmente também ilícita -, que não foi concretamente apurada -.

A posse do dinheiro por B… é que foi justificada – e, de algum modo corroborada pelo depoimento da testemunha BF… (substituto do diretor de jogos do Casino de Espinho) e por cópias de cheques do Casino, com o ganho de prémios obtidos em jogos de Casino.

Porém, contrariamente às teses já explanadas nos autos a propósito da importância do valor dos bens encontrados na posse dos arguidos, importa desvalorizar esta, uma vez que o valor do ouro furtado (mais de dez milhões de euros), mesmo que tenha sido apenas convertido em dinheiro por uma fração do valor do mesmo – dada a sua origem ilícita e elevada quantidade -, o caráter organizado do assalto leva a concluir que os seus autores nunca iriam cometer o erro mais próprio de jovens delinquentes, não evidenciando um enorme e súbito enriquecimento. Pelo contrário, iriam esconder e dissimular os proventos do furto, para não serem relacionados com o crime, com a intenção, certamente, de branqueá-los, provavelmente, ao longo do tempo.
*
Assim, na sequência do exposto, suprime-se da factualidade considerada não provada o seguinte:

> “(…) que os arguidos C…, B… e D… tivessem elaborado um plano de, em conjunto, se apoderarem de objetos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da ”I…, S.A.” sita na …”.

> “(…) que os arguidos tivessem colaborado, fosse por que forma fosse, com H… já julgado e condenado como um dos autores desse furto”.


Com base na fundamentação acima exposta - conjugada com os demais meios concretos de prova plasmados no acórdão recorrido - e dando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, nesta parte, passa a considerar-se provado o seguinte:

> «Os arguidos C…, B… e D…, conjuntamente com H…, já julgado e condenado pela prática destes factos, elaboraram um plano de, em conjunto, se apoderarem de objetos com valor e quantias monetárias que se encontrassem na filial da “I…, S.A.” sita na …, assim:
> Entre os dias 13 e 14 de Abril de 2008, a hora concretamente não apurada, do interior de uma das filiais da “I…, S.A.“, sita na …, nº .., na cidade do Porto os arguidos furtaram inúmeros objectos em ouro que constituíam o penhor dos empréstimos que essa instituição concedia aos seus clientes.
> Para o efeito cortaram as linhas telefónicas e a destruição/corte de alguns dos componentes do sistema de segurança contra intrusão instalado no edifício daquela filial, em particular da sirene de alarme colocada no seu exterior.
> Numa segunda fase, já no dia 14 de Abril de 2008, pelas 2h29m, usando os andaimes montados numa obra em curso num imóvel próximo daquele estabelecimento, acederam ao telhado do referido prédio e, de seguida, a uma varanda, cuja porta foi forçada, destruindo o respectivo mecanismo de fecho.
> Através da porta da mencionada varanda do estabelecimento de penhores, conseguiram então aceder ao seu interior.
> Aí chegados, aqueles arguidos e o referido H… utilizando as ferramentas apreendidas e examinadas nos autos, forçaram e destruíram a fechadura de um dos quatro cofres-fortes existentes no estabelecimento.
> De seguida, do interior do citado cofre e também das montras de exposição existentes na ourivesaria do estabelecimento, mas sobretudo do cofre, retiraram vários artigos/artefactos de ourivesaria, em ouro, com o peso total aproximado de 301.303.3 gramas e com o valor global de cerca de € 10.774.110 (dez milhões setecentos e setenta e quatro cento e dez euros), tendo sido retirados do cofre vários artigos/artefactos em ouro com peso de 276.093,9 gr e no valor de € 10.565.372,00, os quais na sua esmagadora maioria haviam sido entregues no estabelecimento pelos clientes deste, como cauções dos empréstimos concedidos aos mesmos pelos responsáveis do estabelecimento e nos termos dos contratos de mútuo celebrados e, da ourivesaria, vários artigos/artefactos em ouro com o peso de 25.209,4 gramas e no valor de € 208.738,35 (duzentos e oito mil setecentos e trinta e oito euros e trinta e cinco cêntimos).
> Pelo menos parte significativa dos citados artigos/artefactos, encontram-se descriminadas na relação constante de fls. 47 a 257, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
> Ainda do interior daquele cofre os arguidos retiraram a quantia monetária de cerca de € 4.852,00 (quatro mil oitocentos e cinquenta e dois euros), correspondente ao "apuro da caixa" do estabelecimento.
> Quanto a estes factos, correu termos o inquérito n° 388/08.5 PPPRT, de onde foi extraída a certidão que deu origem aos presentes autos, a qual foi posteriormente remetido à 3ª Vara Criminal do Porto, vindo nesse processo a ser julgado e condenado na pena de 7 (sete) anos de prisão, o arguido – H…, conforme se retira da certidão do Acórdão constante de fls. 2899 a 2926.
> Os arguidos fizeram seus, aqueles bens, bem sabendo que lhes não pertenciam e que agiam contra a vontade dos respetivos donos.
> Sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.»


DO DIREITO

Os arguidos encontram-se acusados pela prática, em coautoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º n° 1 e 204º n° 2, al. a) e e) com referência ao artº 202 al. b), d) e e), todos do Código Penal.

O princípio da legalidade

O princípio da legalidade e da tipicidade na aplicação das reações criminais – penas e medidas de segurança – constitui uma das pedras angulares de todo o direito penal na generalidade dos países evoluídos, respeitando o art. 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e, a nível europeu, o art. 7º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O mesmo encontra-se inserido no nosso sistema constitucional e jurídico-penal, com clareza e assinalável uniformidade, desde, pelo menos, a Constituição de 1822 (vide, a este propósito, José de Sousa Brito, in "A lei penal na Constituição", que se encontra publicado na sua obra "Estudos sobre a Constituição", vol. II) e o Código Penal de 1886, encontrando-se atualmente previsto no art. 1º, 1, da versão atual, prevendo-se neste que "Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática.", sendo certo que "O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou (...)" o que emerge do art. 3º.

Dos pressupostos da punição:

Recorrendo aos tipos legais de crime, para descrever os factos puníveis e passíveis de pena, o legislador concretizou no art. 10º uma regra de imputação objetiva, ao prever o seguinte: Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo, como a missão adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei. [14]

Encontrando-se consagrado no nosso regime constitucional e penal o princípio nulla poena sine culpa, [15] fixando a premissa que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, surge como corolário desta regra a previsão normativa exarada no art. 13º, segundo o qual Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.

Esclarece, a este respeito, o art. 14º, 1, exprimindo a noção legal do dolo direto (forma de dolo imputada aos arguidos em sede de acusação) que "Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar".


Da autoria e da coautoria material:

Nos termos do disposto no art. 26º, "É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo (...) ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (...) desde que haja execução ou começo de execução."

Nesta norma, a lei prevê, nomeadamente, a autoria imediata e a coautoria material[16].

A respeito de comparticipação, Faria e Costa[17] defende que para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime, juntamente com outro ou outros. É evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio – podendo mesmo ser tácito – que tem igualmente que se traduzir numa contribuição objectiva conjunta para a realização típica. Do mesmo que, em princípio, cada co-autor é responsável como se fosse autor singular da respectiva realização típica."

Conforme resulta da jurisprudência superior portuguesa, nomeadamente do Acórdão do S.T.J., de 18 de Julho de 1984, publicado no B.M.J., 339º, a págs. 276, «Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta. Porém, para que se verifique o primeiro requisito, de natureza subjectiva, é necessário que se prove que os dois ou mais comparticipantes quiseram a execução do mesmo crime, que fosse conseguido ou atingido um determinado resultado, qualquer que seja o meio (e com a expressa anuência a certo ou certos meios) para tanto ser conseguido.»

Resta esclarecer que "Cada comparticipante é punido segundo a sua culpa, independentemente da punição ou do grau de culpa dos outros comparticipantes", ex vi do art. 29º do Código Penal.

Das formas do crime:
Importa distinguir os meros actos preparatórios, dos actos de execução praticados em sede de tentativa e do crime consumado.

A punibilidade dos primeiros encontra-se excluída pelo art. 21º. Conforme salienta Faria e Costa, in loc. cit., a págs. 159, «Enuncia este artigo o princípio de que a preparação de uma infracção penal e os actos em que se traduz não devem ser, como tais, em regra, puníveis. O que se compreende, uma vez que os actos preparatórios não são, como se viu, descritos no tipo e que só se justifica a sua punição quando estão em jogo bens jurídicos que sejam suportes à natureza ou à própria compreensão de um Estado de Direito e, por outro, na dimensão interna, quando houver já um plano do crime e uma intenção definida.»

Segundo emerge do disposto no art. 22º, 1, Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.

O nº 2 do mesmo artigo veio definir objetivamente os actos de execução, correspondendo à doutrina desenvolvida nas lições de Eduardo Correia[18]:

"São actos de execução:

a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo legal de crime;

b) Os que foram idóneos a produzir o resultado típico; ou

c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores."

Tendo-se provado que a apropriação dos bens foi concretizada, nos termos provados, conforme correspondia à intenção dos arguidos, o crime mostra-se consumado, tendo os arguidos agido em coautoria material.

Dos tipos legais de crime:

Do furto simples:

No ordenamento jurídico vigente, o tipo legal de furto aparece no Código Penal nos arts. 203º e 204º, inseridos no capítulo II referente aos "Crimes contra a Propriedade":
art. 203º, 1:

Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a propriedade, o que resulta da interpretação sistemática do nosso Código Penal (crimes contra a propriedade) e da doutrina mais tradicional[19].

Os elementos do tipo que emergem da construção dogmática da infracção, descritos no tipo legal de crime, são os seguintes:

a) ilegítima intenção de apropriação;

b) subtração de coisa móvel alheia;

Por exigir uma ilegítima intenção de apropriação, o legislador configurou o crime de furto como crime intencional (Absichtsdelikt).

Por seu turno, o objeto do furto "coisa móvel" deverá corresponder àquilo que o entendimento comum dos cidadãos configura enquanto tal e não o sentido emergente dos arts. 202º e 205º, 1, do Código Civil (noção de coisa móvel), sendo ainda certo que o carácter alheio advém da circunstância da coisa estar ligada, por uma relação de interesse ou domínio, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infração penal.

O crime de furto é essencialmente doloso.

Produzida a prova, constata-se, facilmente, que os arguidos se apropriaram de bens alheios, sem autorização e contra a vontade do dono, agindo deliberada, livre e conscientemente, no intuito de integrar esse bem no seu património e sabendo que essa conduta era proibida e punida por lei penal.

Por conseguinte, desde logo – sem verificar se ocorreram, in casu, quaisquer circunstâncias susceptíveis de integrar a conduta do arguido na forma qualificada do crime - os arguidos incorreram na prática, em coautoria material, sob a forma consumada e com dolo direto, de um crime de furto simples p. e p. pelo disposto no art. 203º, nº 1, do Código Penal.

Do furto qualificado:

Depois de determinado o tipo de crime básico ou matricial de furto (simples), importa recordar os elementos que determinam a sua qualificação e hiperqualificação:

O número dois do artigo 204º veio prever aquilo que José de Faria Costa considera a hiperqualificação do furto[20] . por prever uma pena mais grave:
«Artigo 204.º
Furto qualificado
1 - Quem furtar coisa móvel alheia:
(…)
é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.

2 - Quem furtar coisa móvel alheia:
a) De valor consideravelmente elevado;
b) (…);
c) (…);
d) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas;
e) (…)
f) (…)
g) (…);
é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

3 - Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado para efeito de determinação da pena aplicável o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na medida da pena.

4 - Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.»


O legislador veio prever, expressa e nomeadamente, a noção legal de "valor consideravelmente elevado", "arrombamento" e "escalamento", constituindo uma das grandes inovações da reforma penal de 1995 a adoção de um modelo de inspiração anglo-saxónica, denominado statutory law:
«art. 202º
Para efeitos do disposto nos artigos seguintes considera-se:
a) Valor elevado: (…);
b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto;
c) Valor diminuto: (…);
d) Arrombamento: o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente;
e) Escalamento: a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem;»


Perante o exposto, quanto ao crime de furto qualificado, analisada a matéria de facto provada, conclui-se que os arguidos incorreram na prática, em coautoria material, sob a forma consumada e com dolo direto, de um crime de furto qualificado (pelo valor consideravelmente elevado, arrombamento e escalamento), p. e p. pelo disposto nos arts. 202º, b), d) e e), 203º, 1 e 204º, 2, als. a) e d), todos do Código Penal.


Quanto à medida da pena:

Segundo os escritos de Figueiredo Dias[21], «a determinação definitiva da pena é alcançada pelo Juiz da causa através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira, o Juiz investiga e determina a moldura aplicável ao caso; na segunda, o Juiz investiga e determina, dentro daquela moldura legal a medida concreta da pena que vai aplicar; na terceira, o Juiz escolhe a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida».

O crime de furto qualificado cometido pelos três arguidos é punível com uma pena de 2 a 8 anos de prisão.

Segundo o disposto no art. 40º, 1, do Código Penal, «A aplicação de penas (...) visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.».

As exigências de prevenção geral no tocante aos crimes contra o património, maxime, os furtos, assumem expressão mediana no panorama nacional.

No âmbito do disposto no art. 71º, 1, do Código Penal, «A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, por força do disposto no nº 2 do mesmo artigo, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Recorda-se, a propósito, o entendimento expresso por Jescheck[22], cujo teor se pode traduzir da seguinte forma: «o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena». Movido por conceção semelhante, Maia Gonçalves, em anotação ao art. 72º do Código Penal anotado, da sua autoria, refere que «a culpa do agente não é susceptível de uma medida exacta e, por isso, ao julgador é dada uma certa elasticidade na respectiva apreciação, elasticidade em que pode e, portanto, deve levar em conta as exigências de prevenção de futuros crimes».

Como refere Figueiredo Dias[23], «Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligado ao mandamento incondicional do respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção».[24]

Quanto à função da pena em relação aos crimes contra o património, importa destacar o carácter ressocializador da pena e não esquecer o seu carácter punitivo.

Como já referido anteriormente, deverá atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, por força do disposto no nº 2 do mesmo artigo, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

São fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa).
A ilicitude e a culpa são, como se sabe, conceitos graduáveis.

Para a qualificação do crime de furto aproveita-se a circunstância qualificativa do escalamento, sendo os fatores "arrombamento" e "valor consideravelmente elevado" considerados para determinar a pena concreta (artigo 204º, nº 3, do Código Penal), de modo a não valorizar duas vezes o mesmo facto.

Isto significa no ilícito em apreço, designadamente, o seguinte:

a) A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pelo valor dos bens furtados – notoriamente superior ao valor consideravelmente elevado, ascendendo a mais de dez milhões de euros, o que integra um fator de agravação da pena dotado de muitíssima elevada eficácia;

b) o modo concreto de perturbação da paz jurídica – assalto de umas instalações dotadas de sistema de alarme e cofre, que foram inutilizados, causando prejuízo material – (fator agravante da pena dotado de média eficácia); e

c) o caráter organizado do assalto – denotando um elevado sangue frio e profissionalismo -, diminuindo a possibilidade de serem surpreendidos e detidos no decurso, ou após o crime (fator agravante da pena dotado de reduzida eficácia);

d) a recuperação de cerca de cinquenta quilos – cerca de um sexto do ouro furtado – ainda na posse do arguido que foi julgado em separado, diminui o desvalor do resultado – com eficácia muito reduzida na determinação da pena dos arguidos em causa nos presentes autos, por serem alheios a essa recuperação;
são fatores de ponderação atendíveis na determinação da pena concreta, que contribuem para determinar o grau de ilicitude do ato;

Por seu turno,

e) a intensidade dolosa manifestada na prática do crime (dolo direto) – fator agravante da pena dotado de muito reduzida eficácia - ;

f) a história pessoal dos arguidos, incluindo as suas atuais condições familiares e pessoais, sendo cidadãos integrados em agregados familiares estruturados e respeitados no respetivo meios social, integram um fator de atenuação da pena dotado de reduzida eficácia;

g) a ausência de antecedentes criminais do arguido B… constitui um fator de atenuação da pena respetiva, dotado de reduzida eficácia, tendo em conta a gravidade do ilícito cometido;

h) os antecedentes criminais dos arguidos C… e D…, por crime contra o património, integram um fator de agravação da pena dotado de reduzida eficácia;
devem ser considerados para graduar a culpa, numa perspetiva integrada do crime no contexto da vida dos arguidos.
Pelo exposto, valorando os fatores de ponderação acima descritos, considera-se ajustadas as penas concretas seguidamente fixadas:

a) para o arguido B…, que beneficia da ausência de antecedentes criminais: 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) para o arguido D…: 7 (sete) anos de prisão;

c) para o arguido C…: 7 (sete) anos de prisão.

Nestes termos, impõe-se julgar procedente o recurso do Ministério Público e, mediante a alteração da decisão da matéria de facto, condenar os arguidos nos termos atrás enunciados.

Não há lugar à alteração da decisão respeitante ao destino dos bens, por não se terem alterado os respetivos pressupostos.
*

Não tendo os demandantes apresentado recurso do acórdão da primeira instância – que era recorrível nessa matéria -, não há lugar à reapreciação da decisão quanto aos pedidos de indemnização civil.
*

Do recurso do arguido B…

O arguido B… interpôs recurso do acórdão, suscitando diversos erros em matéria de direito, a saber:

a) o Tribunal a quo não atenuou especialmente a pena;

b) a decisão recorrida errou na determinação da legislação aplicável – à data dos factos estava em vigor a Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, sem as alterações introduzidas pela Lei nº 17/2009,de 6 de Maio -.

Apreciando.

O arguido B… foi condenado na pena de duzentos dias de multa à taxa diária de cinquenta euros, pela autoria material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo disposto no artigo 86º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Apesar da fundamentação da decisão recorrida ter aludido à Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, o crime cometido pelo arguido foi enquadrado e decidido à luz da lei vigente à data da sua prática - 22 de Julho de 2008 -, não sendo a lei mais recente concretamente mais favorável ao arguido (artigo 2º, nº 4 do Código Penal).

Improcede, por conseguinte, a arguição de erro na determinação da lei aplicável.
O arguido detinha, nessa data, 1 (uma) pistola de alarme, da marca FRATELLI TANFOGLIO, modelo GT 28, calibre 8 mm, entretanto modificada/adaptada para arma de fogo, de calibre 6,35 mm, 15 (quinze) munições de calibre 6,35 mm, 1 (um) carregador para seis munições e 1 (um) coldre.

Para motivar a sua pretensão recursória em relação à medida da pena, o recorrente entende que deveria ter beneficiado de uma atenuação especial da pena, por ser primário, ter confessado o crime de detenção da arma proibida, ter um comportamento irrepreensível e encontrar-se, desde sempre, social e familiarmente bem integrado, sendo o suporte financeiro da sua família.

Porém, nenhuma dessas circunstâncias integra uma atenuante especial à luz do disposto no artigo 72º do Código Penal, uma vez que não diminuem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena.
Tais fatores apenas integram atenuantes de caráter geral, dotados, em conjunto, de reduzida/média eficácia à luz do disposto no artigo 71º, 1 e 2, corpo, al. d), do Código Penal.

O grau de ilicitude é mediano, constituindo:

a) agravantes de caráter geral, dotados de média/elevada eficácia, o facto do arguido deter, além da arma transformada, quinze munições e um carregador para seis munições, além do coldre; e

b) como atenuante de caráter geral, a circunstância da arma apenas ter sido encontrada na posse do arguido, não havendo prova da mesma ter sido, concretamente, utilizada.

Mostra-se correta a opção pela pena de multa – aliás, essa escolha nem sequer foi impugnada pelo Ministério Público -, à luz do disposto no artigo 70º do Código Penal, uma vez que a mesma se afigura suficiente para assegurar as finalidades da punição em relação a este crime.

Assim sendo – e tendo em consideração que a pena é fixada entre 10 e 600 dias de multa, considera-se ajustada a pena de 200 (duzentos) dias de multa fixada pelo tribunal a quo.

O valor da taxa diária de multa também se encontra adequadamente fixado, uma vez que a mesma é fixada numa quantia diária entre cinco e quinhentos euros, sendo cinquenta euros um montante proporcional À situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais forçosamente emergentes do dia-a-dia do seu agregado familiar (artigo 47º, 2, do Código Penal).

Pelo exposto, improcede o recurso do arguido B….

Das custas processuais:

Sendo o recurso interposto pelo arguido B… julgado integralmente não provido, o recorrente deverá ser condenado no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, al. a) do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça, de acordo com o grau de complexidade mediano/reduzido do recurso em 4 UC (quatro unidades de conta).

Tendo os arguidos C… e B… respondido à motivação do recurso do Ministério Público, que é julgado provido, os mesmos também suportarão o pagamento das custas correspondentes (artigo 513º, 1, do Código de Processo Penal), fixando-se a respetiva taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta, para cada um, tendo em conta o grau de complexidade elevada/média do recurso.
IV – DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar provido o recurso interposto pelo Ministério Público quanto à absolvição dos arguidos e não provido o recurso do arguido B… e, em consequência:

a) Alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos supra expostos, condena-se os arguidos pela prática, em coautoria material, sob a forma consumada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo disposto nos arts. 202º, b), d) e e), 203º, 1 e 204º, 2, als. a) e d), todos do Código Penal, nas penas seguidamente concretizadas:

- o arguido B…: 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- o arguido D…: 7 (sete) anos de prisão;

- para o arguido C… 7 (sete) anos de prisão.

b) No mais, confirma-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente B…, pelo decaimento no seu recurso, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

Custas a cargo dos recorridos C… e B…, fixando-se a taxa de justiça individual, a cargo de cada um, em 5 (cinco) unidades de conta.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 30 de Setembro de 2015.
Jorge Langweg
Fátima Furtado
__________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme por todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1, este pesquisável, nomeadamente, através do aplicativo de pesquisa de jurisprudência disponibilizado, pelo ora relator, em http://www.langweg.blogspot.pt.
[3] Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24 de Março de 2003, publicado no Diário da República, II-Série, nº 129, de 2 de Junho de 2004 e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, pág. 205.
[4] Segundo Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, 2ª edição, págs.126-127, «Os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja, quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.374º, nº2, do Código de Processo Penal».
[5] Chama-se a atenção para a ligação estreita existente entre a oralidade-imediação, a documentação da prova, a motivação das sentenças judiciais e a recorribilidade das decisões da matéria de facto e o modo como estes princípios estruturantes do sistema processual – tanto penal como civil – se articulam entre si. Neste aspeto recorda-se a conclusão feliz plasmada no sumário do Acórdão da Relação do Porto, de 22 de Junho de 2001, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso no processo nº 0111381: «Mesmo quando houver documentação da prova, a sua livre apreciação, devidamente fundamentada segundo as regras da experiência, no sentido de uma das soluções plausíveis torna a decisão inatacável. Doutro modo seriam defraudados os fins visados com a oralidade e a imediação da prova.»
[6] Aresto publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1992, t. I, págs. 20 a 24.
Com interesse especial, sobre esta matéria, leia-se o acórdão de 15 de Fevereiro de 2007 (processo nº 06P4593), que se encontra publicado na base de dados de jurisprudência disponibilizada pela D.G.S.I. com o sumário seguidamente reproduzido:
I - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito”.
[7] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, U.C.E., 4ª edição, 2011, pág. 361.
[8] Em obra coletiva, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra, Almedina, 2014, pág. 489.
[9] Neste sentido, igualmente, o Conselheiro Santos Cabral, op. cit. a págs. 490.
[10] Um erro de direito que influiu na formação da convicção do tribunal para a decisão da matéria de facto.
[11] Uma BTS (Base Transceiver Station, ou seja estação transceptora base) implementa conexões com os telemóveis através da interface aérea. É formada, essencialmente, por equipamento de radiofrequência e antenas. A maior parte do território nacional está coberto por uma rede de BTS, cada um com a sua área geográfica de alcance.
[12] Estas localizações encontram-se devidamente documentadas nos mapas constantes do anexo A – fls. 3024 a 3033 - e no diagrama enviado pela AO… a fls. 4634 a 4638.
[13] Sobre esta matéria, veja-se, com interesse, também, o acórdão de 11 de Julho de 2007, do Supremo Tribunal de Justiça, citado no artigo "Prova indiciária e as novas formas de criminalidade", datado de 25 de Novembro de 2011, da autoria do Conselheiro Santos Cabral e disponível no sítio da rede digital global do Supremo Tribunal de Justiça:
I - A prova nem sempre é directa, de percepção imediata, muitas vezes é baseada em indícios.
II - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.
III — A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
IV — O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.
Com interesse, ainda, o acórdão do Tribunal Supremo de Espanha n.º 557/2006, de 22 de Maio de 2006, citado no artigo acima referido:
1 — A prova por indícios, indirecta, mediata, circunstancial, por inferências, por presunção ou por conjecturas tem valor como prova de acusação em processo penal e, por isso, há-de considerar-se apta para infirmar a presunção de inocência do art. 24.º, n.º 2, da Constituição.
2 — Pressupostos para a correcta aplicação deste tipo de prova: a) A existência de “factos básicos” plenamente provados que, em regra, hão-de ser plurais, concomitantes e inter-relacionados (art. 386.º, n.º 1, do Cod. Proc. Civil); (i) É necessário que os “factos básicos” sejam plurais e que todos eles, apreciados globalmente (e não um a um ou separadamente) nos conduzam ao “facto consequência”, por serem concomitantes e por estarem relacionados entre si na perspectiva da acreditação de um dado factual que de outro modo não ficaria provado. b) O estabelecimento, entre esses “factos básicos” e o facto que se pretende provar (“facto consequência”) de uma ligação precisa e directa segundo as regras do critério e experiência humanos. (i) Essa ligação directa existe quando, confirmados os factos básicos, possa afirmar-se que se produziu o facto consequência porque as coisas usualmente ocorrem assim e assim o pode entender quem proceda a um exame detido da questão.
3 — O órgão judicial que utilize esse tipo de prova deve expressar na sua decisão os fundamentos da prova dos “factos básicos” e da sua conexão com o “facto consequência”, assim como analisar as explicações que o arguido tenha oferecido, para admiti-las como credíveis ou refutá-las.
[14] Vide, com interesse, o estudo publicado a respeito dos "Pressupostos da Punição", da autoria de Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Criminal, C.E.J., Lisboa, a págs. 53 e seguintes.
[15] Figueiredo Dias, Novos Rumos da Política Criminal e do Direito Penal, a págs. 29 e 30.
[16] Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e Comentado, 10ª edição, a págs. 171.
[17] Jornadas de Direito Criminal, C.E.J., Lisboa, a págs. 170.
[18] Lições de Direito Criminal e referida na sua obra "Unidade e Pluralidade de Infracções", a págs. 112, em nota de rodapé.
[19] Albin Eser, Strafgesetzbuch, Kommentar, 24ª edição, 1991, relativamente ao § 242 1.
[20] Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, edição de Dezembro de 1999, a págs. 55.
[21] As Consequências Jurídicas de Crimes, Coimbra, a págs. 198.
[22] Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194
[23] Ibidem, a págs. 215.
[24] Considera-se errada a conceção segundo a qual é dado previamente ao Juiz, antes da consideração da culpa e da prevenção, um «ponto» médio (ou outro) da moldura penal, donde aquela deve partir (conceção que recebeu algum acolhimento da jurisprudência nacional - v.g., entre outros, o Ac. S.T.J., 85.11.13, in B.M.J., 351º,-211 -. Acompanhando-se a posição doutrinária de Anabela Miranda Rodrigues, «in» A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, a págs. 142, “o Juiz deve determinar o quantum exacto da pena em função da culpa e da prevenção e dos elementos para ela relevantes”.
Vide, a este propósito, com particular interesse, o Ac. do STJ, datado de 24 de Fevereiro de 1988, BMJ, 374º, pág.229, para além dos seguintes autores: Mezger, Tratado de Derecho Penal, trad. espanhola, t. II, a págs. 429 e Adelino Robalo Cordeiro, “Escolha e medida da pena”, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, C.E.J., a págs. 237 e segs. e “Moldura penal abstracta, pena concreta, escolha da pena”, «in» Textos, I, 1990-91, C.E.J., a págs. 161 e seguintes.