Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21606/22.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
DEVER DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: RP2024032121606/22.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As alterações introduzidas no regime da propriedade horizontal pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, designadamente ao nível da responsabilidade civil dos administradores, integram normas de natureza substantiva, pelo que só são aplicáveis a partir da sua entrada em vigor (10 de abril de 2022).
II - Perante infiltrações ocorridas numa fração autónoma, provenientes do terraço da fração imediatamente superior (terraço de uso exclusivo dessa fração), a invocação pelo Condomínio de que se tratou de falta de limpeza do terraço, integra um facto impeditivo da responsabilidade que lhe estava a ser assacada, pelo que compete ao Condomínio a prova de que os danos ocorridos na fração foram causados por essa falta de limpeza do terraço: nº 2 do art.º 342º do CC. Não se provando essa falta de limpeza, a responsabilidade é imputada ao Condomínio.
III - O universo dos condóminos é o titular das relações jurídicas relativas às partes comuns do prédio (direitos e obrigações).
IV - No quadro normativo legal geral relativo a danos resultantes da omissão de realização das obras necessárias para a conservação de partes comuns de edifício em regime de propriedade horizontal, o responsável é o Condomínio/universo dos condóminos.
V - Por norma, cifrando-se a relação Condomínio-Administrador num mandato, o dever de indemnizar a cargo do Administrador só opera no domínio das relações internas Condomínio-Administrador.
VI - Porém, perante uma causa de pedir complexa, pretendendo-se a responsabilidade do Condomínio por falta de conservação das partes comuns (art.º 1424º nº 1 do CC) e a responsabilidade pessoal do Administrador por violação dos deveres que lhe comete o art.º 1436º do CC ou os deveres gerais de diligência e da boa fé, ambos podem ser acionados.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 21606/22.1T8PRT.P1





ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I – Resenha do processado

1. AA e BB instauraram a presente ação contra Condomínio ... e A..., L.da (Administradora do Condomínio), pedindo:
1- Declarar-se reconhecido o direito dos AUTORES a serem ressarcidos, pelos REÚS, por todos os prejuízos sofridos, nos termos supra expostos, ao abrigo do regime da responsabilidade civil, previsto nos artigos 481º e seguintes do Código Civil (e demais legislação supra invocada);
2- Consequentemente, condenar-se os RÉUS como solidariamente responsáveis pelo pagamento das seguintes indemnizações:
a) Ao 1º AUTOR, a quantia de € 19.375,85 (dezanove mil, trezentos e setenta e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de danos patrimoniais e € 500,00 (quinhentos euros) a título de danos morais;
b) Ao 2º AUTOR, a quantia de € 3.731,06 (três mil, setecentos e trinta e um euros e seis cêntimos) a título de danos patrimoniais e de € 500,00 (quinhentos euros) a título de danos morais.
3- Condenar-se ainda os RÉUS, solidariamente, no pagamento aos AUTORES, de indemnização de valor correspondente aos danos patrimoniais resultantes da interposição da presente ação judicial, nomeadamente honorários devidos à sua mandatária, cujo cálculo se relega para execução de sentença;
4- Às quantias supra deverão acrescer juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento e custas.
Em resumo, estribaram o seu pedido na seguinte factualidade: os Autores são o anterior e atual proprietários da fração pertencente ao Condomínio Réu, cujo destino é habitação própria; em 2018 começaram a ocorrer graves infiltrações e inundações em toda a fração, afetando a cozinha, o quarto principal, casa de banho, sala e hall de entrada, o que a tornou absolutamente inabitável; contactado o Réu logo em 2018 e comunicados os problemas de infiltração, este fez quatro visitas ao imóvel, tendo-lhe afirmado que as infiltrações teriam origem nas partes comuns do edifício, nomeadamente na cobertura, e, como tal, seriam responsabilidade do 1º Réu e, eventualmente, dos demais condomínios- correspondentes às várias entradas do prédio; mais de sete meses, nenhuma obra de reparação havia sido programada ou iniciada; o 2º AUTOR voltou a interpelar os Réus; a questão foi debatida na assembleia de condóminos de 2019. Em 2020, foi o 1º Autor interpelado pelos Réus para pagamento da quantia global de € 2.793,52, correspondente a quotas. Em 2021, foram realizadas as necessárias obras, retificando-se as infiltrações e todos os danos causados na fração. Em 2021 foram regularmente retomados os pagamentos devidos aos 1º Réu.
As quantias peticionadas correspondem aos danos que os Autores tiveram por força das inundações.
Citados para o efeito, os Réus contestaram. Nesse articulado, excecionaram com a ilegitimidade passiva dos Réus e a prescrição, e impugnaram parcialmente o alegado pelos Autores.
Em resposta, os Autores sustentaram a improcedência das exceções.
Foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedente a exceção da ilegitimidade, relegada para sentença o conhecimento da prescrição. Efetuou-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que decidiu condenar os Réus a pagarem:
- ao A. AA a quantia de 7 750 (sete mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da presente data e até integral pagamento; e
- ao A. BB a quantia de 1 500 € (mil e quinhentos euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da presente data e até integral pagamento;
Mais absolvo os Réus do restante peticionado.


2. Para assim decidir, a sentença considerou a seguinte factualidade:
FACTOS PROVADOS
1 - O 1º A. AA foi titular, entre 1995 e 28-9-2020, do direito de propriedade da fracção autónoma designada pelas letras “AC” do prédio urbano sito na Rua ..., ..., Porto, descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o artigo ...71 da freguesia ... e inscrito na matriz urbana sob o nº ...99.
2 - Por escritura pública celebrada a 28 de Setembro de 2020, o 1º A. transmitiu a propriedade da referida fracção a favor do aqui 2º A. BB, seu filho, conforme resulta da Ap. ...21 de 2020/09/28 do respectivo registo.
3 - O 2º A. mantém, desde então e até à presente data, a titularidade do direito de propriedade da fracção.
4 - O supra referido prédio encontra-se constituído em regime de propriedade horizontal.
5 - O 1º R. é o condomínio do prédio onde se integra a fracção “AC”.
6 - A 2ª R. é administradora do 1º R. “Condomínio”, eleita para os anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, em assembleias de condóminos realizadas em 26.02.2018, 24.01.2019, 29.01.2020, 06.09.2022.
7 - Desde 25 de Abril de 2015 até ao momento em adquiriu o imóvel, era já o 2º A. quem representava o 1º A. em todas as assembleias de Condóminos e em todos os assuntos e diligências relacionados com a fracção “AC”.
8 - A referida fracção “AC” destina-se à habitação, tem tipologia “T1+1”, com 62 m², situa-se no 3º andar e tem entrada pela Travessa ..., ... Porto.
9 - A fracção “AC” não era utilizada, pelo menos desde 2002, como habitação própria de nenhum dos autores.
10 - Em de Fevereiro de 2018, ocorreram infiltrações e inundações na fracção “AC”, afectando a cozinha, o quarto principal, a casa de banho, a sala e o “hall” de entrada.
11 - Tais infiltrações tiveram origem no terraço de cobertura afecto à fracção situada no piso imediatamente superior à fracção “AC”.
12 - Por força dessas infiltrações, as paredes da fracção “AC” passaram a apresentar a sua superfície molhada, com locais de escorrimento.
13 - Em dias de chuva, podia ver-se a água a escorrer a fio nas paredes da sala e no “hall” de entrada, caindo água a partir do tecto das referidas divisões do apartamento.
14 - Tal água danificou a pintura das paredes e do tecto, a qual exibia zonas com empolamento, descascamento, fissuras e, em geral, manchas de escurecimento devido ao surgimento de humidade, mofo e bolor.
15 - O soalho do quarto, da sala e do “hall”, que era em “parquet”, começou a escurecer e a ficar apodrecido, desprendendo-se do chão e levantando.
16 - Após a ocorrência das infiltrações, o 2ª A., em representação do 1ª A., contactou telefonicamente, em Fevereiro de 2018, o Senhor CC, funcionário da 2ª R. e, àquela data, gestor do condomínio, comunicando-lhe os problemas de infiltração e inundação que ocorriam na fracção “AC” e os prejuízos que tal facto estava a causar.
17 - Não obstante, os RR. não efectuaram quaisquer obras.
18 – Nessa sequência, o 2ª A. enviou aos RR., a 26 de Novembro de 2018, a carta registada com “AR” junta à petição como doc. nº 9, através da qual os interpelou para a realização de obras de reparação da fracção “AC”.
19 - A 24 de Janeiro de 2019, na assembleia de condóminos em que o 2º A. esteve presente, este reiterou os problemas ocorridos na fracção “F” e solicitou a respectiva reparação, mais declarando que “(…) a partir do momento em que a casa esteja pronta a habitar, assume compromisso de proceder ao pagamento das quotas do condomínio”.
20 - Nesta reunião esteve presente o Sr. CC em representação da 2ª R..
21 - Não obstante, os RR. não efectuaram quaisquer obras.
22 – Após, entre Janeiro e Março de 2021, foram realizadas obras pelo R. “Condomínio” na fracção “AC”, tendo sido reparados os danos aí existentes causados pelas infiltrações.
23 – O A. não procedeu ao pagamento das contribuições do condomínio e do Fundo de Reserva relativos ao período de tempo situado entre Março de 2018 e Abril de 2021.
24 – Entre Março de 2018 e Março de 2021, existiram várias pessoas interessadas no arrendamento da fracção “AC”, tendo o A. respondido que a mesma não estava em condições de ser arrendada, atentos os danos que a mesma apresentava decorrentes das infiltrações.
25 – Entre Março de 2018 e Abril de 2021, os AA. pagaram, a titulo despesas de electricidade e água para a fracção “AC”, a quantia global de 813,08 €.
26 –As contribuições de condomínio devidas pela fracção “AC” entre Março de 2018 e Março de 2021 ascendem a 1 943,83 €.
27 – O 1º R., representado pelo 2º R., instaurou, em 26-10-2022, contra os 1º e 2º AA., duas acções executivas, a correr termos no Juízo de execução do Porto, sob os nºs. 18456/22.9 T8PRT e 18455/22.0 T8PRT, visando o pagamento das quantias, respectivamente, de 1 820,15 € e 4 185,17 €, relativas a contribuições de condomínio, fundo de reserva e penalidades.
28 – Os AA. despenderam várias horas na resolução da situação em análise nos autos, quer na fase extrajudicial, quer na fase judicial, daí lhes advindo “stress” e ansiedade.
29 - O R. Condomínio não realizou qualquer intervenção no terraço da fracção situada no piso imediatamente acima à “AC”.
30 – Na reparação da fracção “AC”, o R. “Condomínio” despendeu 773,80 €.
FACTOS NÃO PROVADOS:
1 - Após 2002, os AA. destinaram a fracção “AC” para arrendamento a terceiros.
2 – A água proveniente das referidas infiltrações inutilizou alguns quadros existentes na fracção “AC”.
3 - As mesas, cadeiras e bengaleiro aí existentes ficaram encharcados, tendo sido colocados a secar e vindo, ulteriormente, a ser recuperados.
4 - As portas da entrada e da casa de banho tiveram de ser reparadas, pois dilataram com o excesso de água.
5 – Em Março de 2018, CC sugeriu ao 2º A. que este suspendesse de imediato os pagamentos das contribuições devidas ao condomínio pelo titular da fracção “AC”, até à conclusão das obras de reparação dos danos provocados pela infiltração.
6 – AA. e RR. acordaram que aqueles suspenderiam o pagamento das contribuições para o condomínio desde a data da ocorrência das infiltrações até à data da conclusão das obras de reparação da fracção, como forma de compensar o prejuízo de não poderem utilizar a sua fracção.
7 – Os RR. disseram aos AA. que estes não teriam de pagar as contribuições de condomínio relativa ao período situado entre a data da ocorrência das infiltrações e a data da conclusão das obras de reparação da fracção, como forma de compensar o prejuízo de não poderem utilizar a sua fracção.
8 – Entre Março de 2018 e Março de 2021, o 2º A. chegou a acertar, após visita, com uma das pessoas interessadas no arrendamento da fracção “AC”, uma renda mensal de €550, às quais acresceria luz, água e quotizações do condomínio, incluindo-se, nestas últimas, eventuais despesas extraordinárias devidas por reparações.
9 – Entre Março de 2018 e Março de 2021, o A. conseguiria arrendar a fracção por valor situado entre os 750 € e os 900€.
10 – As infiltrações na fracção “AC” ocorreram por falta de limpeza do terraço situado na fracção situada no piso imediatamente superior.
11 – A reparação da fracção dos AA. não foi realizada mais cedo por o Condomínio não ter verbas para o efeito.
12 - A Administração do Condomínio referiu ao A. que, se este procedesse ao pagamento dos montantes em divida ao condomínio a título de contribuições, afectaria tais quantias à reparação da fracção.

3. Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Réus, formulando as seguintes conclusões:
1. Os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância no dia 26 de Outubro de 2023, não concordando com a decisão do tribunal quanto aos pontos 10, 11 e 12 da matéria de facto não provada.
2. O tribunal a quo deu como não provado que as infiltrações na fracção “AC” ocorreram por falta limpeza no terraço situado na fracção situado no piso imediatamente superior.
3. Os Recorrentes entendem que o tribunal a quo não valorou correctamente o depoimento da testemunha CC, na medida em que o mesmo referiu de forma clara que o estado em que o terraço se encontrava indiciava que o mesmo havia sido limpo para a ocasião da visita que o mesmo ali promoveu.
4. Existem diversos motivos/indícios que permitem afirmar que a limpeza do terraço ocorreu imediatamente antes da deslocação da testemunha CC àquele local.
5. O primeiro indício de que assim foi contende com o facto de a fracção localizada por cima da fracção “AC”, à qual o dito terraço pertence, se encontrar desabitada – o que resulta cristalino do depoimento da testemunha CC, que referiu esse facto em instâncias de ambas as mandatárias, ditando as mais elementares regras da experiência de que uma fracção desabitada não é limpa com a mesma frequência que uma fracção habitada, pelo que com muita mais facilidade e probabilidade ocorrem questões de entupimentos mormente ao nível dos terraços.
6. Adicionalmente, há ainda a considerar que entre o telefonema da testemunha CC à proprietária da fracção onde se situa o dito terraço e a visita àquele local decorreu um dia, o que claramente permitia que entre esses dois momentos o terraço fosse limpo.
7. Um terceiro indício prende-se com o facto de existir uma diferença de cor entre as paredes do terraço e o chão do terraço, o que foi referido pela testemunha.
8. O quarto indício prende-se com a limpeza quase imaculada (que a testemunha refere com “demasiado limpo”) que o terraço apresentava, ditando as regras da experiência que nenhum local ao ar livre se encontra perfeitamente limpo em permanência, muito menos um terraço de uma fracção desabitada.
9. Pelo que, encontrando-se aquele terraço limpo dessa forma no dia da visita promovida pela testemunha CC, importa concluir que essa limpeza terá de ter ocorrido em momento imediatamente anterior à referida visita.
10. Há ainda a considerar que foi provado que não foram feitas quaisquer obras ou intervenções nesse terraço (facto provado nº 29), e ainda que não existiram posteriormente outras infiltrações na fracção “AC” (o que resulta da pág. 8 da douta sentença).
11. Entendem os Recorrentes que todos estes indícios e factos provados somados apontam inequivocamente para que, pese embora as infiltrações tenham ocorrido no terraço (facto provado nº 11), as mesmas terão ocorrido por falta de limpeza do mesmo.
12. Tudo isto resulta igualmente das declarações de parte prestadas por DD, que corroborou o testemunho prestado por CC.
13. Pelo que, com base nos depoimentos supra referidos, no facto provado nº 29 e na ausência de infiltrações posteriores na fracção “AC”, o tribunal deveria ter dado como provado o seguinte facto: 10 – As infiltrações na fracção “AC” ocorreram por falta de limpeza do terraço situado na fracção situada no piso imediatamente superior.
14. O tribunal a quo deu como não provado que a reparação da fracção “AC” não foi realizada mais cedo por o Condomínio não ter verbas para o efeito; do mesmo modo, deu como não provado que a administração de condomínio referiu/propôs ao Autor BB que, se este procedesse ao pagamento dos montantes em dívida ao condomínio a título de contribuições, afectaria tais quantias à reparação da fracção.
15. As testemunhas CC e EE foram contundentes ao afirmar o motivo pelo qual as obras não foram realizadas mais cedo prendeu-se com a ausência de verbas para o efeito.
16. Tendo sido igualmente objectivas ao mencionar de forma cristalina e credível que foi proposto ao Autor BB que fizesse o pagamento das quotas que tinha em dívida e que, com esse valor, seriam de imediato feitas as obras o interior da sua fracção.
17. Considerando as funções de cada uma dessas testemunhas – CC era, à data, gestor de clientes do edifício em causa, e EE era e é responsável pelo pré-contencioso – assemelha-se evidente o conhecimento de causa com que prestaram os referidos depoimentos.
18. Por um lado, a testemunha CC era responsável pela elaboração e apresentação dos competentes relatórios de contas; por outro lado, a testemunha EE, sendo responsável pelo pré-contencioso, tinha também um conhecimento profundo sobre a situação financeira de cada edifício.
19. Adicionalmente, ambas as testemunhas estiveram presentes no momento em que foi proposto ao Autor BB que fizesse o pagamento das quotas em dívida, de modo a que tais verbas fossem canalizadas para a promoção as obras no interior da fracção “AC”.
20. Ademais, em declarações de parte, DD, na qualidade de legal representante que administra o condomínio, atestou igualmente essa falta de verbas para que as ditas obras pudessem ter sido promovidas mais cedo, e anda a proposta ao Autor BB para que este pagasse os montantes em dívida ao condomínio de modo a que as obras fossem promovidas imediatamente com recurso a essas verbas (o que o Autor declinou).
21. Do mesmo modo, a testemunha FF – actual gestora de clientes do condomínio em questão – é contundente a atestar as debilidades financeiras do condomínio.
22. Pese embora tal prova pudesse obviamente ser feita através de documento, entendem os Recorrentes não ser de olvidar a prova testemunhal produzida em sede de julgamento, especialmente considerando as funções profissionais exercidas por cada uma das testemunhas em causa, e bem assim pelas declarações de parte ali prestadas.
23. Pelo que, com base nos depoimentos supra referidos, o tribunal deveria ter dado como provados os seguintes factos: 11 – A reparação da fracção dos AA. não foi realizada mais cedo por o Condomínio não ter verbas para o efeito; 12 - A Administração do Condomínio referiu ao A. que, se este procedesse ao pagamento dos montantes em divida ao condomínio a titulo de contribuições, afectaria tais quantias à reparação da fracção.
24. Assemelha-se inequívoco que a origem das infiltrações verificadas na fracção “AC” advieram do terraço situado por cima da mesma, sendo igualmente inequívoco que esse mesmo terraço é uma parte comum pese embora seja de uso exclusivo, não obstante, ao arrepio do vertido na sentença da qual se recorre, verifica-se que não cabia ao condomínio, nem à sua administração, qualquer dever de vigilância.
25. A responsabilidade na manutenção e conservação dos terraços de cobertura de uso exclusivo de algum condómino (terraços com dupla função: cobertura do edifício e uso de um dado condómino) determina-se/distingue-se da seguinte forma:
⎯ obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal que serão da responsabilidade do proprietário da fracção autónoma que tem o uso exclusivo do referido terraço, em conformidade com o nº 3 do artigo 1424º do Código Civil; e
⎯ obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a sua função enquanto cobertura, as quais serão da responsabilidade do condomínio, em conformidade com o nº 1 do artigo 1424º do Código Civil.
26. Em termos sumários, pode dizer-se que o condómino que usa o terraço de forma exclusiva tem apenas a obrigação de promover a sua limpeza, de modo a evitar que os ralos e caleiras se entupam.
27. Este era já o entendimento da jurisprudência e da doutrina mesmo antes das alterações introduzidas pela Lei 8/2022 de 10 de Janeiro. Contudo, e no que a esta matéria respeita, esta alteração apenas visou reforçar a distinção que é necessário fazer entre o tipo de manutenção que os terraços de cobertura carecem e respectiva responsabilidade.
28. Pelo que não existem dúvidas que nos termos do nº 3 do artigo 1424º do Código Civil na versão introduzida pela Lei 8/2022 de 10 de Janeiro as obras que se destinem a reparar o desgaste normal cabem ao proprietário da fracção que tem uso exclusivo do terraço, ao passo que nos termos do nº 1 do artigo 1424º do Código Civil na versão introduzida pela Lei 8/2022 de 10 de Janeiro as obras que se destinem a reparar deficiências estruturais dos terraços devem ser custeadas pelo condomínio, ou seja, por todos os condóminos.
29. No caso concreto, entendem os Recorrentes que ficou inequivocamente provado que as infiltrações ocorridas tiveram origem no dito terraço devido a falta de limpeza do mesmo, limpeza essa que cabia aos proprietários da fracção com o uso exclusivo do referido terrado, e não ao condomínio nem à sua administração, pelo que fica afastada a responsabilidade dos Recorrentes ao abrigo do supra mencionado artigo 1424º do Código Civil.
30. Tão pouco se pode aceitar que seja colocada em crise a impermeabilização do terraço, quando na verdade a infiltração ocorrida foi uma situação meramente pontual, o que facilmente se infere face a ter sido dado como provado que nenhuma intervenção foi promovida no dito terraço pelo condomínio, que possa ter posto fim à pretensa falta de impermeabilização do mesmo, e ainda que as infiltrações não ressurgiram, pelo que evidentemente não existe nenhum problema de impermeabilização do terraço, o que, por si só e uma vez mais, afasta a responsabilidade do condomínio, e, por conseguinte, da sua administração.
31. Adicionalmente, e no que concerne à responsabilidade da administração de condomínio, sempre se dirá que, no entendimento das Recorrentes foi feita prova suficiente em julgamento para que se desse como provada a falta de verbas para a realização das obras no interior da fracção “AC”, e ainda que, tendo em vista a realização das mesmas num menor espaço de tempo, foi conferida a faculdade ao Autor BB de promover o pagamento das quotas de condomínio que tinha em dívida para que tal montante fosse canalizado para a realização das ditas obras, o que o mesmo não promoveu.
32. Neste sentido, não poderá deixar de se considerar ilidida a presunção de culpa a que alude o artigo 492º do Código Civil, o que manifestamente afasta a sua responsabilidade.
33. Pelo que, mesmo que não seja afastada a responsabilidade do condomínio – o que apenas academicamente se concede – sempre se dirá que jamais essa responsabilidade poderá ser solidária com a empresa que o administra.
34. No que concerne à privação de uso, os Recorrentes não subscrevem a posição perfilhada pelo douto tribunal a quo.
35. Primeiramente, há que considerar que os Autores não lograram provar qualquer intenção de arrendar a fracção, o que resulta inequívoco dos factos não provados nºs 1, 8 e 9.
36. Paralelamente, resultou provado que a fracção “AC” não era utilizada, pelo menos desde 2002, como habitação própria de nenhum dos Autores, o que resulta cristalino do facto provado nº 9.
37. É entendimento maioritário e mais recente dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, que a mera privação de uso não é indemnizável, e que, para que a privação de uso seja de facto indemnizável, o lesado tem de provar:
- A privação de uso por fato ilícito de terceiro;
- A existência de uma concreta utilização relevante da coisa.
38. Face ao ora exposto, facilmente se conclui que os Autores não lograram provar qualquer utilização relevante da fracção “AC”, tão pouco provaram qualquer intenção real e concreta de dar qualquer utilização à mesma, motivo pelo qual não pode a referida privação de uso ser indemnizável, não sendo, por esse motivo, devida aos Autores qualquer quantia a esse título.
39. Conforme se demonstrou supra, é entendimento dos Recorrentes que estes lograram provar que não promoveram qualquer intervenção no interior da fracção “AC” por falta de verbas para o efeito, sendo manifesto que os Autores contribuíram para essa falta de verbas, atendendo ao não pagamento das quotas de condomínio a que estavam vinculados, o que resulta do facto provado nº 23.
40. Neste sentido, não se subscreve o entendimento perfilhado pelo tribunal a quo de que os Autores não contribuíram para a produção ou para o agravamento dos danos, designadamente, para o retardamento da reparação da fracção, pois que, com o pagamento atempado dessas mesmas quantias – que se cifravam em 1.943,83 € (facto provado nº 26) – o condomínio podia ter promovido as obras no interior da fracção “AC” – obras nas quais foi despedida a quantia de 773,80€ (facto provado nº 30).
41. Dessarte, e ao arrepio no vertido na sentença recorrida, importa extrair a conclusão que os Autores de facto praticaram factos que contribuíram para a produção ou agravamento dos danos verificados na fracção “AC”, mais concretamente um facto omissivo de não pagamento das quotas de condomínio a que estavam vinculados na sua qualidade de proprietários.
42. Pelo que, ainda que o douto tribunal superior entenda que a mera privação de uso é indemnizável – o que apenas academicamente se concede – sempre será de considerar a culpa dos Autores no agravamento dos danos e no protelamento da reparação dos mesmos, o que, no entendimento dos Recorrente, exclui o direito dos Autores serem indemnizados, ou, caso assim não se entenda, deve ser considerado para reduzir o montante da indemnização fixada, tudo ao abrigo do artigo 570 nº 1 do Código Civil.
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser admitido e as alegações juntas recebidas, julgando-se aquele totalmente procedente por provado e, consequentemente, ser a sentença recorrida revogada e substituída por uma outra, que julgue a acção totalmente improcedente e absolva os Réus dos pedidos, com as devidas consequências legais.

4. Os Autores contra-alegaram, sustentando a improcedência da Apelação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

5. Apreciando o mérito do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as questões a decidir:
· Reapreciação da matéria de facto;
· Fixada a matéria de facto, se é de alterar a solução jurídica.


5.1. Questão prévia: lei aplicável
Respeitam os presentes autos à responsabilidade do Condomínio, e respetiva Administração, pelos danos causados na fração de um prédio constituído em regime de propriedade horizonta.
No dia 10 de abril de 2022 entraram em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10/01 no regime da propriedade horizontal, alterando normas do Código Civil (CC) e do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, designadamente ao nível da responsabilidade civil dos administradores.
Os factos aqui em causa ocorreram em 2018. Por isso, e porque as regras sobre responsabilidade civil são de natureza substantiva, tais alterações não são aqui aplicáveis, por força do princípio de que a lei só dispõe para o futuro: art.º 12º nº 1 e 5º nº 1 do CC.
Nesta conformidade, os preceitos que aqui vierem a ser referidos, sê-lo-ão na versão anterior àquela que foi introduzida pela Lei n.º 8/2022, de 10/01.
O mesmo acontecerá quanto às alterações introduzidas no CC pelo Decreto-Lei nº 10/2024, de 08 de janeiro.


5.2. Reapreciação da matéria de facto
Pretendem os Apelantes que os factos não provado nº 10, 11 e 12 passem a constar como factos provados.
10 – As infiltrações na fracção “AC” ocorreram por falta de limpeza do terraço situado na fracção situada no piso imediatamente superior.
11 – A reparação da fracção dos AA. não foi realizada mais cedo por o Condomínio não ter verbas para o efeito.
12 - A Administração do Condomínio referiu ao A. que, se este procedesse ao pagamento dos montantes em divida ao condomínio a título de contribuições, afectaria tais quantias à reparação da fracção.
§ 1º - Antes de prosseguirmos, convém deixar registado que o Tribunal deve obediência às regras de direito probatório material.
Os Autores alegaram que a origem das infiltrações ocorreu no andar acima da sua fração (“AC”), imputando a responsabilidade aos Réus pela falta de conservação das partes comuns, nos termos do art.º 1421º nº 1 al. b) e art.º 1436º nº 1 al. f) do CC que atribui natureza comum aos terraços de cobertura.
Mas não só. Os Autores também alegaram que, pese embora as diversas interpelações, os Réus só procederam à reparação cerca de 3 anos depois, assim contribuindo para o agravamento dos danos (veja-se, pontos 55 a 57 da PI).
Estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, pelo que aos Autores incumbia a prova dos factos constitutivos do seu direito (art.º 342º nº 1 e 487º nº 1 do CC).
Na sua contestação (pontos 26 e seguintes), os Réus alegaram que se tratava de um terraço de uso exclusivo da fração superior à dos Autores. Por outro lado, adiantaram com hipóteses, juízos de probabilidade ou nexo de raciocínio tendente a criar a dúvida, em jeito de quem está na fase de alegações sobre a matéria de facto.
Nessa medida, invocaram um facto impeditivo [[1]] da responsabilidade que lhes estava a ser assacada, pelo que competia aos Réus a prova de que os danos ocorridos na fração dos Autores foram causados por falta de limpeza do terraço: nº 2 do art.º 342º do CC.
E tanto assim o entenderam os Réus que o alegaram para efeitos de fundamentar a sua ilegitimidade.

§ 2º - Vejamos então se deve ter-se por provado que as infiltrações na fração dos Autores se ficaram a dever à falta de limpeza do terraço da fração imediatamente superior.
Para começar, diremos que os Réus não invocaram propriamente um facto, antes se tendo limitado a lançar uma dúvida, uma hipótese ou suposição. [[2]]
Tendo os Réus o ónus da prova da falta de limpeza, o lançamento de uma dúvida favorece a parte contrária, os Autores (art.º 346º do CC).
Tanto bastaria para julgar improcedente a reapreciação da matéria de facto. Não obstante, algo mais se dirá.
Em 1º lugar, regista-se que não foi efetuada qualquer perícia. E dado que a reparação dos estragos demorou cerca de 3 anos, muito tempo houve para esse efeito.
Para além disso, se era essa a convicção dos Réus, fica sem se entender porque razão procederam voluntariamente à reparação dos danos ocorridos na fração dos Autores.
No que toca aos meios de prova invocados ─ declarações de parte de DD, legal representante da Ré Administradora, bem como o depoimento da testemunha CC, funcionário dessa Ré com as funções de gestor de condomínio ─, nenhum deles demonstrou conhecimentos específicos na área de construção.
Ambos se limitaram a fazer associação de ideias para finalizarem uma conclusão, ou seja, se não foram feitas quaisquer obras no terraço do piso superior, se apenas se procedeu à reparação dos danos dos Autores, e se após essa reparação da fração dos Autores nenhuns outros danos foram registados, então concluem que o problema estava na falta de limpeza do terraço.
Em termos de regras de lógica comum, o raciocínio impressiona. Mas só numa análise superficial. O entupimento dos canos, tal como das caleiras dum prédio, podem resultar de falta de limpeza, mas também de outras causas mais ou menos fortuitas, como a entrada de uma ave nos mesmos.
E, sabido que existem casos em que esses canos de escoamento não se encontram ao fácil acesso dos condóminos [[3]], também nada se refere quanto a isso.
Para além disso, os próprios depoimentos invocados deram nota das próprias suposições dos declarantes. Assim, CC disse que se deslocou ao terraço logo no dia a seguir e constatou que estava tudo limpo. Mais disse que as proprietárias viviam em Londres, estando a fração sem ser habitada. Mas logo a seguir referiu que ficou a saber que essas proprietárias tinham uma empresa com o encargo de proceder à limpeza. E que a abertura da fração lhe foi facultada por um familiar das proprietárias. Ora, se foi logo no dia a seguir, também é razoável concluir que a limpeza que o Sr. CC vislumbrou não tenha sido feita com a urgência imediata de quem ia ser “inspecionado” propositadamente para a ocasião. Até porque, ao que se sabe, nenhuma queixa foi efetuada às proprietárias do andar superior, mas apenas ao Condomínio.
Tudo suposições, que não são suficientes para a afirmação dessa falta de limpeza, com o grau de certeza que se impõe.
Por outro lado, em termos de suposições, também seria de dizer que, atento o volume de estragos provocados, se a causa estivesse no entupimento por falta de limpeza, a água também teria entrado no próprio apartamento do piso de cima (como a testemunha referiu, sobre a “quota de água”, “existe o sistema de telas, que sobe ligeiramente um bocadinho, ela não fica logo à face e proíbe a entrada caso houvesse um entupimento”). Ora, se um chão em cerâmica é fácil de limpar sem, deixar grandes vestígios, já o mesmo não acontece com outros tipos de piso. E a testemunha encontrou tudo limpo, sem vestígios de água.
Acresce que a questão foi logo suscitada na Assembleia de Condomínio realizada a 24/01/2019, “o condómino da fração AC, solicitou a resolução das infiltrações existentes na habitação, e que impedem o uso da mesma”. Não consta da Ata que os Réus ou qualquer condómino tivesse questionado a causa da infiltração. Ao contrário, 2 anos depois, repararam os danos da fração.
Ainda em termos de indícios, resulta da Ata da assembleia do condomínio, realizada em 06/09/2022, que vários problemas afinal existem e serão doutra ordem: “a administração alertou a assembleia da recente identificação de patologias na coluna montante de águas do edifício”; “a proprietária da fração H referiu a existência de uma fissura saliente na fachada do edifício” (ponto 8 da Ata).
Por fim, da troca de e-mails entre os Réus e Autores (em 12/2020) resulta que o Autor se refere às 4 visitas efetuadas por CC à sua habitação, e mais dizendo que a “inundação foi originada nos terraços e cobertura do prédio e da tela de impermeabilização lateral”. Ora, os Réus não refutaram tal causa, tendo-se limitado a responder que o Condomínio “se prontificou a assumir a resolução deste assunto”.
Concluindo, mantém-se o facto nº 10 como não provado.

§ 3º - Quanto aos factos não provados 11 e 12
Em primeiro lugar, solicitada a resolução das infiltrações logo na Assembleia de 2019, nela não ficou a constar qualquer problema relativo à falta de verba. E tal deveria ser efetuado em Assembleia, designadamente questionando a necessidade de quotas extra, se fosse esse o caso. ao contrário, “foi solicitado ainda que esta administração seja informada de todas as despesas inerentes às partes comuns”.
O mesmo decorre das Atas de 2020 a 2022; nunca se fala em falta de verba, na eventual necessidade do aumento das quotas, ou duma quota extra. Concomitantemente, foi-se mandatando a Administração para a realização de outras despesas extraordinárias, como um “relógio dos motores de exaustão” e de uma “porta nova na entrada”.
Da troca de e-mails entre os Réus e Autores (em 12/2020) também não resulta a alusão a quaisquer constrangimentos de ordem financeira. Perante as queixas do Autor, os Réus limitaram-se a responder que o Condomínio “se prontificou a assumir a resolução deste assunto”.
Acresce o que consta da fundamentação da sentença, que merece o nosso acolhimento: «(…) Porém, refira-se que a comprovação segura dessa matéria apenas seria possível através da junção aos autos de documentação comprovativa da situação financeira do condomínio, designadamente, das despesas, das suas receitas e dos valores disponíveis na sua conta bancária àquela data. Na ausência dessa prova documental, o declarado pelas referidas testemunhas reveste valor probatório reduzidíssimo; assim, forçoso foi considerar tal matéria como não provada.
Finalmente, no que respeita ao “facto não provado” nº 12, as testemunhas CC e EE confirmaram tal matéria, referindo que tal proposta foi apresentada ao A. Não obstante, tais declarações, por si só, revestem reduzido valor probatório, não sendo suportadas por outros elementos probatórios: note-se, por exemplo, que em nenhuma acta de assembleia de condóminos é feita referência a tal circunstância; pelo contrário, da acta da assembleia de 24-1-2019, junta como doc. nº 4 à petição, o 2º A. declarou que só pagaria as contribuições em falta caso a fracção fosse efectivamente reparada.».
Em conclusão, improcede a pretendida alteração da matéria de facto.

5.3. Os factos e a sua subsunção ao direito
§ 1º - A primeira questão a dilucidar no recurso é a quem é imputada a responsabilidade, se ao Condomínio (no sentido do universo dos condóminos), ou se ao proprietário que tem o uso exclusivo do terraço.
Efetivamente, nos casos de partes comuns com afetação de uso exclusivo a um dos condóminos, a imputação da responsabilidade pode ser diversa.
Para efeitos do art.º 1424º do CC, há que distinguir entre despesas de conservação e despesas de fruição.
As despesas de conservação, de que são exemplo, a manutenção da impermeabilização do terraço, têm como justificação o benefício de todo o prédio, devendo ficar a cargo do universo dos condóminos.
Já as despesas de fruição contendem com a utilização individualizada que o proprietário da fração que tem o uso exclusivo do terraço dele faz. Nestes casos, se os danos forem causados por utilização imprudente desse proprietário, será ele o responsável nos termos gerais.
Na verdade, como se considerou no acórdão deste Tribunal, entendimento a que aderimos: «Em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, que é desempenhada pelo mesmo, impõe-se distinguir entre:
a)- obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, que serão da responsabilidade do proprietário da fracção autónoma que tem o uso exclusivo do referido terraço - nº 3 do art.º 1424º do C.Civil
b) - obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a sua função enquanto cobertura as quais serão da responsabilidade do condomínio.» [[4]]
Nesta perspetiva, os Réus pretendiam que a responsabilidade devia ser atribuída ao proprietário da fração “de cima”, na medida em que as infiltrações tivessem sido causadas por acumulação de lixo, gerador do entupimento dos canos, assim perturbando o normal escoamento das águas.
Sucede que não se provou que a causa tivesse sido a ausência de manutenção (limpeza do lixo) por parte do proprietário que tem o uso exclusivo do terraço (nº 3 do art.º 1424º do CC).
Nessa medida, vale a regra geral do nº 1 do art.º 1424º CC, a responsabilidade é imputada ao Condomínio, enquanto universo dos condóminos do prédio.

§ 2º - Quanto à responsabilidade da 2ª Ré, a Administradora do Condomínio
Comece por dizer-se que os Autores acionaram o “Condomínio ...” e a sua Administradora, “A..., L.da”, e pediram a sua condenação solidária. Duas entidades, portanto.
O vulgarmente chamado Condomínio comporta dois órgãos: o órgão deliberativo, assembleia de condóminos e o órgão executivo, administrador: art.º 1430º do CC.
O universo dos condóminos, vulgo condomínio, é o titular das relações jurídicas relativas às partes comuns do prédio.
São os condóminos (no seu conjunto e na proporção das respetivas quotas), que são os titulares dos direitos ou das obrigações, dos créditos ou dos débitos emergentes de responsabilidade civil quanto às partes comuns do prédio.
O Administrador é apenas o órgão executivo das deliberações do universo dos condóminos (art.º 1436º CC).
Ou seja, o Administrador é apenas o representante do Condomínio, como hoje resulta claramente do art.º 1437º do CC. Mas já antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10/01, era esse o entendimento. [[5]]
Assim, há que distinguir.
O administrador também pode ser sujeito de relações jurídicas de crédito e débito mas tal acontece apenas no domínio das “relações internascondomínio-administrador; assim, o administrador pode, por exemplo, ser acionado pelos prejuízos causados aos condóminos por irregularidades ou negligência no exercício das suas funções (art.º 1435º nº 3 CC) ou para entregar as receitas cobradas [art.º 1436º al. d) CC]; da mesma feita que pode acionar, em nome pessoal, os condóminos para recebimento dos seus honorários, nos casos em que o cargo é remunerado (art.º 1435º nº 4 CC).
Neste âmbito das relações internas, o administrador atua como mandatário, na vertente da prestação de serviços, ou seja, responde em termos de responsabilidade contratual.
Diz-se mandato o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outra: art.º 1157º do CC.
Ora, ao praticar os atos jurídicos, o mandatário pode fazê-lo em seu próprio nome, ou em nome do mandante; neste caso, diz-se que o mandato é representativo, enquanto naquele se fala em mandato sem representação.
No caso, a 2ª Ré foi nomeada em assembleia de condóminos e ela agiu em nome deles, pelo que se tratou de um mandato com representação: art.º 1178º do CC. e porque foram estipulados honorários, tratou-se de um mandato oneroso.
Ao mandato com representação aplicam-se as regras do instituto da representação: art.º 1178º nº 1 do CC.
Assim o entende Sandra Passinhas: «Nos termos do art.º 164º nº 1, as obrigações e a responsabilidade dos titulares dos órgãos das pessoas coletivas são definidos nos respetivos estatutos, aplicando-se, na falta de disposições estatutárias, as regras do mandato com as necessárias adaptações. Esta norma autoriza-nos a aplicar ao condomínio as regras do mandato no que toca à responsabilidade do administrador perante o condomínio.
O administrador que com o seu comportamento (ação ou omissão) provoque danos ao condomínio responde segundo as comuns regras da responsabilidade contratual. É responsável pela violação de qualquer um dos seus deveres ou pelo não cumprimento das suas funções.» [[6]]
Nesta medida, se a causa de pedir se cifrasse apenas na omissão de obras de conservação, de que são exemplo a omissão de impermeabilização do terraço por forma a não provocar danos, o único responsável seria o Condomínio/universo dos condóminos.
Situação diferente ocorre no domínio das “relações externasadministrador-condóminos: quando algum prejuízo é causado nas partes comuns do prédio, o direito à respetiva indemnização cabe ao condomínio (universo dos condóminos), da mesma feita que quando algum terceiro (ou algum condómino) se vê prejudicado por qualquer ocorrência emergente das partes comuns de um prédio, a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos cabe aos condóminos na proporção das respetivas quotas.
Nestes casos, a responsabilidade civil do administrador é pessoal e direta, reporta-se apenas aos atos praticados no domínio da sua gestão, e por causa dela, causadores de prejuízos a terceiros.
Nem outra coisa seria configurável bastando para tanto atentar em que o cargo de administrador pode ser exercido por um dos condóminos e, salvo disposição em contrário, é exercido apenas por um ano (art.º 1435º nº 4 CC); ora, nestes casos cremos ser isento de dúvidas que o condómino administrador não poderia ser acionado na sua própria pessoa, sozinho, e enquanto tal, para pagar dívidas decorrentes ou relacionadas com as partes comuns do prédio.
Noutra perspetiva, também não seria concebível que o titular duma relação jurídica pudesse ser determinada pessoa no início duma ação e fosse já outra no final dessa mesma ação por, entretanto, se ter operado a mudança de administrador.
Dessa mesma distinção nos dá nota o acórdão desta Relação, de 12/07/2021: «I - O condomínio e o administrador do condomínio correspondem a entidades jurídicas distintas, ambas dotadas de personalidade judiciária, sendo que as condições e os termos da responsabilidade de cada um são também distintos. II - Como assim, em processo fundado na alegada responsabilidade do condomínio por violação dos seus deveres de conservação das partes comuns e na alegada responsabilidade da administração por violação dos seus deveres funcionais, ambos (o condomínio e o administrador) têm que ser demandados, pois ambos têm interesse direto em contradizer essa sua distinta responsabilidade.» [[7]] (sublinhado nosso)
E também Sandra Passinhas: «Nos termos do art.º 165º, as pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos seus comissários.
Nos termos do art.º 500º, aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, exceto se houver também culpa da sua parte; neste caso, o direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respetivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.» [[8]]
Daqui resulta que, no quadro normativo legal geral de danos resultantes da omissão de realização das obras necessárias para a conservação de partes comuns de edifício em regime de propriedade horizontal:
(i) responsável pela omissão de obras de manutenção das partes comuns é sempre o Condomínio/universo dos condóminos;
(ii) o Administrador do Condomínio pode também responder, se houver culpa da sua parte e se tiver agido em violação dos deveres que lhe comete o art.º 1436º do CC ou os deveres gerais de diligência e da boa fé;
(iii) porém, o dever de indemnizar a cargo do Administrador só opera no domínio das relações internas Condomínio-Administrador;
(iv) cifrando-se esta relação num mandato, o Condomínio que tiver pago uma indemnização que seja também resultado de uma atuação culposa do Administrador, pode depois exercer contra ele o direito de regresso sobre a importância que pagou.
Concluindo, no regime geral o condómino prejudicado apenas tem direito a exigir indemnização ao próprio Condomínio, e não ao Administrador.

§ 3º - No caso invocou-se uma causa de pedir complexa.
Na verdade, para além de se ter imputado a responsabilidade ao Réu Condomínio pela falta de conservação das partes comuns, nos termos do art.º 1424º nº 1 do CC, os Autores também alegaram que, pese embora as diversas interpelações à Ré Administradora do Condomínio, esta só procedeu à reparação cerca de 3 anos depois, assim contribuindo para o agravamento dos danos, e violando os seus deveres de gestão, de diligência e boa fé (cf. pontos 26 a 40 + 46, 47 + 56, 57 + 102 + 110 a 112 da PI).
Relembrando que no presente caso não são aplicáveis as alterações introduzidas na matéria pela Lei 8/2022 de 10 de janeiro, prescrevia o art.º 1436º do CC, na anterior redação:
São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:
a) (…)
f) Realizar os atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns;
g) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;
E, por sua vez, o art.º 1437º do CC:
1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.
2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício. (…)
Portanto, no caso, a Administradora (2ª Ré) foi também diretamente acionada, podendo sê-lo.
Apesar de não ser aqui aplicável a Lei 8/2022 de 10 de janeiro (que passou a fazer expressa referência à responsabilidade do Administrador no art.º 1436º do CC), já antes se entendia existir responsabilidade pessoal do Administrador por força do mandato que lhe foi conferido pelo universo dos condóminos.
Invocam agora os Apelantes que não se encontra provado o pressuposto da culpa, considerando ter ilidido a presunção.
Mas tal estava dependente da alteração da matéria de facto ─ que a reparação não foi realizada mais cedo por o Condomínio não ter verbas para o efeito e que a Administração do Condomínio propôs ao Autor que se este procedesse ao pagamento dos montantes em divida ao condomínio a título de contribuições, afetaria tais quantias à reparação da fração ─ que, como vimos, não vingou.
Aliás, a justificação da falta de verbas nem face às regras da experiência seria plausível. Provado que na reparação da fração os Réus despenderam € 773,80, não se pode considerar uma verba exorbitante para um Condomínio.
Ou seja, não se mostra ilidida a presunção de culpa (art.º 492º CC). Ao contrário, mostram-se preenchidos os pressupostos da responsabilidade extracontratual também quanto à 2ª Ré, como bem foi explanado na sentença, e que aqui nos dispensamos de reproduzir.

§ 4º - Quanto à indemnização pela privação do uso da fração
Alegaram os Autores que ficaram impossibilitados de utilizar e/ou arrendar a fração durante 37 meses, pedindo € 20 350,00, relativos aos montantes que deixaram de auferir a título de rendas.
Pese embora os Autores não tenham logrado provar que tinham destinado a fração para arrendamento a terceiros (facto não provado 1), entendeu o M.mº Juiz «(…) que a mera privação de um bem que pertence ao seu proprietário, por acto ilegítimo de terceiro, confere àquele, em princípio, o direito de ser indemnizado em medida correspondente ao uso que deixou de beneficiar e que, respeitando a período temporal já decorrido, se mostra irrecuperável por via de outro mecanismo de compensação que não seja o da atribuição de uma quantia pecuniária.»
E é esse também o nosso entendimento, expresso já em vários acórdãos em que esse tema nos foi sujeito a apreciação.
Porque a sentença se mostra muito bem fundamentada quanto a esse aspeto, limitar-nos-emos agora a dizer que se pode fazer a distinção entre a privação do uso e a mera privação da possibilidade desse uso.
Na verdade, a privação do uso de uma fração para habitação pode originar danos ou prejuízos de vária índole, designadamente lucros cessantes (por exemplo, se a fração era destinada a arrendamento) e/ou danos emergentes (por exemplo, sendo habitação própria, as despesas originadas pela necessidade de arrendar outro espaço).
No caso em apreço, nenhum desses danos foi provado, como se viu. O pedido dos Autores reporta-se à simples privação do uso da fração.
Esta mera privação desse uso, será ela um dano indemnizável?
Utilizando a síntese formulada em douto acórdão do STJ, dir-se-á que «II -Sobre tal matéria é possível identificar dois entendimentos distintos na jurisprudência do STJ: para determinado sector jurisprudencial, a privação do uso da coisa constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, visto que envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade, a de usar a coisa quando e como lhe aprouver, utilidade que, considerada em si mesma, tem um valor pecuniário; para outra orientação jurisprudencial, a privação do uso de uma coisa, por parte do seu proprietário, causada por terceiro, só é ressarcível, se aquele provar, como é ónus do lesado, quais os danos em concreto que decorrem da privação (a esta subjaz o argumento da que a privação do uso da coisa não gera, per si, prejuízos, pelo que é necessária a alegação e a prova dos danos provocados).» [[9]] [[10]] [[11]]
E parece ser de continuar a responder pela afirmativa, pois esse entendimento, se não unânime, continua a ser maioritário.
Assim, veja-se o acórdão do STJ de 17/11/2021, processo nº 6686/18.2T8GMR.G1.S1, proferido em revista excecional, que foi admitida por “verificação do relevo jurídico da questão de direito”, exatamente sobre a questão da indemnização pela privação do uso (no caso, de um prédio rústico que não foi devolvido após terminar o contrato de comodato).
Analisaram-se nesse douto aresto as duas correntes jurisprudenciais sobre o tema, com abundante recurso à Doutrina, e acabou por fazer vencimento (houve um voto de vencido) o entendimento de:
«I - A ilícita privação do uso de um prédio rústico (um campo de cultura arvense e de regadio) configura, só por si, enquanto prejuízo resultante da impossibilidade temporária de usar tal bem, um dano autónomo.
II - Dano este que é indemnizável ainda que não se tenha provado que utilidade ou vantagem concreta o proprietário teria retirado do bem durante o período de privação.
III - Indemnização que, em tal hipótese, face às dificuldades de prova que existem em matéria de quantificação da indemnização por equivalente, deve ser fixada equitativamente (cfr. art. 566.º, n.º 3, do CC).» [[12]]
Na verdade, na linha do referido no acórdão do STJ atrás citado, tal decorre da simples constatação de que a perda dum bem envolve para “o seu proprietário, a perda de uma utilidade, a de usar a coisa quando e como lhe aprouver, utilidade que, considerada em si mesma, tem um valor pecuniário”.
O maior ou menor grau dessa perda é que já necessitaria de concretização factual para se poder aquilatar de um montante indemnizatório rigoroso.
Donde, não ser de acolher a alegação das Apelantes de que o entendimento maioritário do STJ seja no sentido de que a simples privação do uso só é dano indemnizável quando o lesado prova a “existência de uma concreta utilização relevante da coisa”.
Também não se acolhe o entendimento de que os Autores contribuíram para “o agravamento dos danos, designadamente, para o retardamento da reparação da fração”, pelo facto de não terem pago as quotas. Desde logo porque a justificação da falta de verbas nem face às regras da experiência seria plausível. Provado que na reparação da fração os Réus despenderam € 773,80, não se pode considerar uma verba exorbitante para um Condomínio. Nem essa questão foi ventilada na assembleia de condóminos de 24 de janeiro de 2019, em que o problema da necessidade das obras foi tratado.
Conclui-se como na sentença, os danos decorrentes da impossibilidade de utilização da fração deveram-se unicamente à falta de diligência das Rés, não havendo fundamento para excluir a indemnização peticionada, nos termos do art.º 570º do CC.
Quanto à possibilidade de redução do montante, na sentença atribuiu-se € 250,00 mensais pela privação do uso da fração.
É sabido que este prejuízo, pela sua própria natureza, é impossível de ser quantificado com rigor, pelo que se impõe o recurso a critérios de equidade (art.º 496º nº 4 e 566º nº 3 do CC).
O que não pode é confundir-se equidade com a subjetividade do julgador.
Na verdade, «(…) - não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade.
Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação (…) do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – (…)». [[13]]
Neste âmbito, na procura duma aplicação mais ou menos uniforme do direito (art.º 8º nº 3 do CC), temos o exemplo do já referido acórdão do STJ de 17/11/2021, processo nº 6686/18.2T8GMR.G1.S1, em que se considerou adequado o valor de € 175,00 mensais, num quadro circunstancial em que se provou (i) que o prédio produzia cerca de 2 toneladas de kiwis por ano, gerando um rendimento médio de € 3.000,00/ano; (ii) que, num contexto de exploração das árvores de fruto existentes no prédio, o mesmo poderia ser arrendado por um valor não concretamente apurado mas nunca inferior a € 100,00/mês e (iii) que, até à data do julgamento em 1.ª Instância, o Réu continuou a colher os frutos da produção, destinando-os como entendeu, designadamente vendendo a particulares.
Nesta medida, consideramos que perante as circunstâncias do caso concreto, a indemnização fixada peca por algum excesso.
Na verdade, temos por provado que a fração não era utilizada, pelo menos desde 2002 por nenhum dos autores (facto provado 9), ou seja, permaneceu inutilizada durante cerca de 16 anos antes do sinistro. Por outro lado, não se provou que o destino dado à fração fosse o arrendamento (facto não provado 1).
Circunstâncias em que consideramos mais equilibrado o montante de € 150,00 mensais, que aqui se fixa.
Assim, ao Autor AA (proprietário até Setembro de 2020), será devida a indemnização de € 4.650,00 (= € 150,00 x 31 meses); ao Autor BB (proprietário desde Setembro de 2020), uma indemnização de € 900,00 (= € 150,00 x 6 meses).


6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO

7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando-se agora as Rés, solidariamente, a pagar:
7.1. Ao Autor AA, o montante de € 4.650,00 (quatro mil seiscentos e cinquenta euros) relativos à privação do uso da fração pelo período de 31 meses;
7.2. Ao Autor BB, o montante de € 900,00 (novecentos euros) relativos à privação do uso da fração pelo período de 6 meses.
7.3. Em tudo o mais se mantém o decidido em 1ª instância.

Custas do recurso na proporção do decaimento.





Porto, 21 de março de 2024
Relatora: Isabel Silva
1º Adjunto: Carlos Portela
Ana Luísa Gomes Loureiro
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[[1]] Tem sido entendimento jurisprudencial que o nº 3 do art.º 1424º do CC constitui matéria de exceção. Assim, acórdão do STJ, de 09/06/2016, processo nº 211/12.6TVLSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt/, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem: «I - O art. 1424.º, n.º 1, do CC contém um princípio geral que se traduz na obrigação de os condóminos suportarem, na proporção do valor da sua fracção, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício. II - O n.º 3 do art. 1424.º do CC contém uma excepção ao referido princípio ao estabelecer que as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem, i.e., dos titulares das fracções a que dão serventia exclusiva aqueles lanços de escada ou partes comuns (como sucede com um terraço que serve de cobertura a parte do prédio).»
[[2]] Assim, alegaram:
25º - Aquilo que se colocou foi a hipótese (provável) de as infiltrações advirem do terraço da fracção que se situa por cima da fracção “AC”.
26º - Não se tendo apurado, no entanto, se tal se deveu a falta de limpeza por parte dos proprietários da referida fracção – note-se que se trata de um terraço de uso exclusivo – ou pela falta de manutenção do referido terraço.
32º - Ademais, cumpre sublinhar o facto de que nenhuma intervenção foi feita pelo condomínio no referido terraço – nem em qualquer outra parte comum, mormente na cobertura – após as obras de reparação que promoveu no interior da fracção “AC”, sem que o problema das infiltrações se tenha novamente feito sentir.
35º - Não tendo havido qualquer intervenção nas partes comuns e não tendo havido qualquer ressurgimento das infiltrações, a conclusão lógica a retirar é que as mesmas se ficaram a dever a falta de limpeza do terraço (que, entretanto, sabe o condomínio que foi promovida pelos proprietários da fracção) e não a falta de manutenção.
[[3]] Veja-se o caso analisado no acórdão do STS de 09/06/2016, processo nº 211/12.6TVLSB.L2.S1, em que se provou que aqueles terraços não dispõem de pendentes com inclinação adequada, provocando o empossamento de águas de lavagem e pluviais em algumas zonas, com aparecimento de eflorescências nos mosaicos cerâmicos do pavimento; os pavimentos, em várias zonas dos terraços, têm juntas abertas por deficiente base de assentamento e falta de elasticidade do material das juntas, verificando-se também existirem ralos de pavimento com vestígios de entupimento por falta de manutenção, sendo que alguns deles de difícil acesso, porque situados para além dos muretes e vedação que delimita o espaço de utilização, verificando-se ainda existir uma caleira em PVC ao longo da junta de dilatação sem qualquer tratamento, entre os dois corpos do prédio. Perante tais circunstâncias, considerou-se no acórdão que se tratava de deficiências estruturais da obra e a manutenção de materiais.
[[4]] Acórdão deste TRP, de 10/07/2019, processo nº 25518/17.2T8PRT.P1.
[[5]] Cf. por todos, o artigo de Gonçalo Oliveira Magalhães, “A Personalidade Judiciária do Condomínio e a sua Representação em Juízo”, revista Julgar, nº 23, 2014, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2014/05/03-Gon%C3%A7alo-Magalh%C3%A3es.pdf
[[6]] Sandra Passinhas, “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª edição, 2ª reimpressão, janeiro/2002, Almedina, pág. 349-350.
[[7]] TRP, processo nº 3104/19.2T8MTS-A.P1.
[[8]] Sandra Passinhas, obra citada, pág. 350-351.
[[9]] Acórdão do STJ, de 28.09.2011, processo 2511/07.8TACSC.L2.S1.
[[10]] Esta ressarcibilidade autónoma do dano de privação de uso de veículo tem vindo a ser o entendimento da maioria dos acórdãos do STJ, como se colhe, a título de exemplo, dos seguintes: acórdão de 03.05.2011, processo 2618/08.06TBOVR.P1, de 21.04.2010, processo 17/07.4TBCBR.C1.S1, de 05.07.2007, processo 07B1849, de 08.05.2013, processo 3036/04.9TBVLG.P1.S1, de 23.11.2011, Processo 397-B/1998.L1.S1, de 15.11.2011, processo 6472/06.2TBSTB.E1.S1 e de 16.03.2011, processo 3922/07.2TBVCT.G1.S1.
E, os mais recentes acórdãos dos Tribunais Superiores mostram que a jurisprudência se tem consolidado neste entendimento: do STJ, acórdão 28/09/2021, processo 6250/18.6T8GMR.G1.S1 e de 17/06/2021, processo 879/17.7T8EVR.E1.S1.
[[11]] Também no mesmo sentido, e em termos doutrinários, Abrantes Geraldes, “Temas da Responsabilidade Civil, Indemnização do Dano de Privação de Uso”, I vol., Almedina, pág. 39; Américo Marcelino, “Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil”, 8ª edição, Livraria Petrony, pág. 430.
[[12]] Acórdão do STJ, de 17/11/2021, processo 6686/18.2T8GMR.G1.S1.
[[13]] Acórdão do STJ, de 21.01.2016, processo 1021/11.3TBABT.E1.S1. No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdão de 29/09/2022, processo nº 2511/19.5T8CBR.C1.S1.