Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00042373 | ||
Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
Descritores: | GRAVAÇÃO DA PROVA NULIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP20090401531/07.1TAESP.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/01/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO LIVRO 574 - FLS 202. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A Lei n.º 48/2007, de 29/08, deu nova redacção ao art. 363º do CPP, o qual passou a dispor o seguinte: “As declarações produzidas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade”. A essa falta de gravação deve ser equiparada a imperceptibilidade das mesmas declarações, por deficiente gravação, ou outra causa. II - Tal nulidade (arts. 363º e 118º,1 do CPP), porque não constante das taxativamente enumeradas no art. 119º do CPP (nulidade insanável), enquadra-se nas nulidades dependentes de arguição do art. 120º do CPP. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Rec. nº 531.07.1TAESP.P1 TRP 1ª secção Criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc. C.S nº 531.07.1TAESP.P1 do .º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, mediante acusação particular da assistente B………., acompanhada pelo MºPº foi julgada a arguida: C……….., E a final em 23/7/08, foi por sentença, proferida a seguinte: “Decisão Nos termos legais e factuais expostos julgo: a) Procedente acusação particular e, em consequência, condena a arguida C..........., pela prática, em autoria material, de um crime de difamação, p. p. pelo art. 180º, do C.P. na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, no total de € 480,00. * b) Parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela assistente, pelo que, em consequência, condeno a arguida C.......... a pagar à assistente B.........., a quantia de € 350, a título de indemnização pelo danos não patrimoniais sofridos.”Recorreu a arguida em 25/9/08, a qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: “- A arguida entende que a matéria de facto dado como provada, na douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, foi-o indevidamente, em virtude de que face à prova produzida em audiência de julgamento, foram dados como provados factos constantes da douta acusação, que o não deveriam ter sido face à prova ali produzida. - O que levará à absolvição da arguida da prática do crime de Difamação, previsto no artº 180º do Código Penal, de que vem acusada. - A recorrente/ arguida, pretende recorrer da matéria de facto. - O depoimento de todos os intervenientes em audiência de julgamento não está gravado, inexistindo qualquer registo do mesmo. - Tal irregularidade é susceptível de afectar os direitos fundamentais da arguida, pondo em causa o duplo grau de jurisdição em matéria de facto e implicando, necessariamente uma limitação ao direito de recurso. - Pelo que constitui uma irregularidade, que afecta o valor do acto praticado e que, tempestivamente arguida, conduz à invalidade do julgamento. - Como pretende recorrer da matéria de facto, a reparação da irregularidade em causa é condição prévia para uma efectiva possibilidade de recurso. - O conhecimento da irregularidade invocada compete ao tribunal a “quo” que para efeito de rectificação de erros, suprimento e nulidades e esclarecimento de dúvidas existentes na sentença mantém intocado o seu poder jurisdicional. - A lei impõe que se proceda à documentação das declarações prestadas oralmente em audiência de julgamento, através de meios que permitam a reprodução integral das mesmas, conforme disposto no artº 364º nº 1 do Código de Processo Penal - A recorrente ficou impossibilitada de dar cumprimento ao disposto no art.º 412º n.º4 do Código Processo Penal, logo ficou prejudicada a sindicância da matéria de facto, o pertinente reexame da matéria de facto, art.º 428º n.º 1 do Código Processo Penal, limitando o direito ao recurso que se perfila como um dos direitos fundamentais dos arguidos, art.º 32º da Constituição. - Pelo que foram violados os artºs 364º nº 1, e 428 nº1 do Código de Processo Penal, e o artº 32º da Constituição da República Portuguesa - Pelo que deve ser declarada inválida a audiência de julgamento, e os termos subsequentes destes autos, ordenando-se que se proceda de novo a audiência de julgamento.” Respondeu o MºPº pugnando pela manutenção da decisão A assistente não respondeu. Nesta Relação o ilustre PGA é de parecer que o recurso não merece provimento. Foi cumprido o artº 417º2 CPP Colhidos os vistos, procedeu-se á conferência com observância do formalismo legal Cumpre conhecer: Consta da decisão recorrida (transcrição): “II. Fundamentação Factos provados Nos autos de alteração da regulação do exercício do poder paternal n.º …-D/2002, do .º Juízo deste Tribunal, em que é requerente D………. e requerida a aqui arguida C………., nos articulados aí apresentadas em Junho de 2006 e Outubro de 2006, afirmou: “…é frequente a menor chegar a casa da progenitora com os joelhos esmurrados, por castigos infligidos à mesma, pela sua tia, irmã do requerente e pela avó paterna, segundo a menor relata. “… tais castigos resultam do facto de a menor referir na presença dessas pessoas que quer ficar com a sua mãe, e que gosta da sua mãe, negando as pretensões das mesmas em convencer a menor a ficar com o progenitor; “Além de que ameaçam a menor de que lhe cortam a língua bem como à sua mãe, se esta contar o que se passa à sua mãe. “… além de que dizem à menor, segundo relata esta, que a vão tiara à mãe, dirigindo insultos à mãe da menor perante a mesma.” Os factos alegados referem-se, além do mais, à assistente B………. . A arguida agiu livre e conscientemente, animada do propósito de ofender a honra e consideração pessoal da assistente, o que conseguiu, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punível por lei. C………. é divorciada. É ajudante de cozinha, no que aufere a quantia mensal de cerca de € 500,00. Tem a seu cargo três filhos, menores. Recebe a título de alimentos devidos aos mesmos a quantia de € 400,00. Vive com uma irmã que contribuiu, na proporção de 50%, para as despesas do agregado familiar. Pagam de renda de casa a quantia € 300,00. Do registo criminal da arguida nada consta. Em consequência da conduta da arguida a assistente B………. sentiu vexame, tristeza, ansiedade e perturbação psicológica. * Factos não provados Dos factos descritos na pronúncia e no pedido de indemnização civil e que tivessem resultado da ampla discussão da causa em audiência de discussão e julgamento, com relevo para a presente decisão, não se provaram quaisquer outros, designadamente os seguintes: A menor E………. é sujeita pela sua tia B………. a castigos, na sequência dos quais fica com os joelhos esmurrados. A tia ameaça a menor que lhe corta a língua se contar o que se passa à sua mãe. A tia ameaça a menor que a retira à mãe e dirige insultos à mãe da menor, aqui arguida. * Motivação O tribunal fundou a sua convicção no conjunto das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento que valorou livremente, fazendo apelo às regras da experiência comum e normalidade do acontecer. Provado, por documento, o conteúdo das declarações da arguida cabia, à mesma, em sua defesa, demonstrar em julgamento que a menor E………. afirma o ali relatado, sendo, nesta sede, indiferente de a mesma é ou não alvo dos castigos em causa. Neste ponto diremos que a prova produzida em julgamento não foi de molde a convencer o tribunal de que a menor tenha prestado tais declarações. Na verdade, e desde logo pelas declarações da arguida que não hesitou em afirmar que a menor não terá emitido tais declarações espontaneamente, mas só depois de muita insistência, por parte da mãe e mediante a ameaça dos santos merecedores da fé da mãe. Confissões assim obtidas, ademais de crianças com cerca de 3 anos, que até a nós nos intimidam, recordam-nos os tempos da inquisição em que homens feitos sob idênticas ameaças do pecado confessaram o que queriam e o que não queriam. É certo que a tia e a irmã da menor afirmaram que esta lhes fazia essas queixas, não tendo, porém, tais familiares logrado coincidir nas circunstâncias em que menor relata tais acontecimentos, sendo que a irmã uterina da E………., F………., relativamente à qual pende neste tribunal processo de regulação do poder paternal em que o pai por coincidência se queixa do não cumprimento do regime de visitas; refere que a menina profere aquelas declarações na sua presença e na presença da tia, sempre que vem da visita a casa do pai. A tia, por seu turno G………., afirma que a menor lhe relata estes factos quando se encontra a sós com ela em passeios ou em conversas de ocasião. Mas, se dúvidas tivessem ficado ao tribunal quanto à verdade do vertido nas alegações da arguida no referido processo de promoção e protecção estas ficaram de todo afastadas pelo conteúdo das declarações da testemunha H………., psicóloga que acompanha a menor a quem, não a progenitora mas o padrinho desta, disse tão só e apenas, que a menor se queixava da Tia B………. por esta lhe cortar o cabelo, facto que desagradava a menor. Neste atendimento, ocorrido depois da narração imputada à menor, não são referidos quaisquer outros factos dos alegados pela arguida nos autos de regulação do exercício do poder paternal, o que, a verificar-se tal relato seria de descrever. O tribunal valorou as declarações da arguida quanto às suas condições de vida, bem como o CRC junto aos autos.” + As questões a apreciar são:- Conhecimento da irregularidade consistente na inexistência do registo de gravação da prova. - erro de julgamento, por indevida consideração dos facto provados face á prova produzida. + Sendo o recurso delimitado pelas conclusões extraídas da motivação há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs 412º1, 403º1 CPP e Jurisp dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12, tal como, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova, (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 in DR., I-A Série de 28/12/95), mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “ não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742., mas que in casu, não se verificam analisada que foi a mesma decisão.Entrando no objecto do recurso e quanto á 1ª questão, desde logo há a salientar que em face da data da decisão recorrida, são aplicáveis ao processo, as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei 48/2007 de 28/8 que entrarem em vigor em 15/9/07 (artº 7º). Assim é que no que respeita á gravação da prova em audiência e em suporte magnético, a sua falta ou deficiência gravação, constituía irregularidade, como se expressam os Acordãos seguintes: Ac. R.P. de 26/05/04, www.dgsi.pt/trp, proc. nº 0440788: “Se: …- se verifica que as fitas magnéticas não contêm qualquer gravação, ocorre uma irregularidade que, tendo sido atempadamente arguida pelo arguido, leva à invalidade do julgamento.” Ac. R.P. 18/4/07 www.dgsi.pt/trp, proc. nº 0646228 :“A deficiente gravação da prova na audiência constitui irregularidade que, por não afectar o valor do acto, tem de ser arguida nos termos do artº 123º, nº 1, do CPP98.”, e Ac. R.C. 29/11/06, www.dgsi.pt/trc, proc. nº476/01.9GBILH.C1 “- A imperceptível gravação de um depoimento constitui mera irregularidade que se sana com a repetição do acto que dela sofre …”. Todavia com a Lei nº 48/07 de 29/98 foi dada nova redacção ao artº 363º CPP, que passou a dispor o seguinte: “As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade.” e a essa falta de gravação deve ser equiparada a imperceptibilidade das mesmas declarações, por deficiente gravação, ou outra causa. Mas essa nulidade (do artº 363º CPP e artº 118º1 CPP), porque não constante das taxativamente enumeradas no artº 119º CPP (nulidade insanável), enquadra-se nas nulidade dependentes de arguição do artº 120º CPP. Face á estatuição do artº 363º CPP, não há dúvida sobre a classificação daquela falta como nulidade, e assim já o decidiu a Relação do Porto no Ac. R. P de 29/10/08, www.dgsi.pt/trp proc nº 0844934: “I - A imperceptibilidade do conteúdo das gravações da prova constitui nulidade. …”, mas dado que não se trata de uma nulidade especialmente prevista sujeita ao prazo especial de arguição que consta no artº 120º 3 CPP, é-lhe aplicável o prazo geral do artº 105º CPP de 10 dias a partir, pelo menos, do seu conhecimento ou intervenção do processo. Assim, cfr. nesse sentido, Ac.R.P. de 29/10/08 citado: “II - O prazo para arguir esse vício é de 10 dias e inicia-se no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição do sujeito processual interessado.”, e Ac.R.P.7/1/09, www.dgsi.pt/trp, proc. 0845170 Des. Isabel Martins: “O prazo para a arguição dessa nulidade é de 10 dias, a contar daquele em que o assistente for notificado para qualquer termo do processo ou tiver intervindo em qualquer acto nele praticado.” e também, Simas Santos et alli, Código de Processo Penal Anotado, I Vol., 2.ª edição, pág. 626: “Nos casos de nulidades “relativas” que não tenham um prazo especial marcado aplica-se para a arguição o prazo geral de 10 dias do artigo 105.º” e no mesmo sentido, M. Gonçalves, Cod. Proc. Penal 16º ed. pág. 764. Ora apesar de estar documentado no processo, que a gravação da prova está inaudível, e de se fazer referência á sua gravação no CD, o recorrente soube desse facto, deu-o inclusive a conhecer no processo (fls. 150), prestando essa informação, mas não arguiu essa ou outra nulidade, expressando na motivação (fls 156), que o devia fazer perante o tribunal recorrido (mas nunca o alegando sequer ter feito), e sobre tal circunstância foi proferido despacho (fls. 163) que notificado a recorrente (fls. 166) não mereceu reparo por sua parte e de que não recorreu como podia e devia, querendo, e que assim transitou em julgado. Assim tem tal nulidade de se considerar sanada, improcedendo esta questão de recurso. + No que respeita á 2ª questão é evidente que a matéria de facto não se mostra devidamente impugnada por inobservância completa do disposto no artº 412º CPP (Lei 48/07 de 29/98), razão pela qual não é possível dela conhecer, e não se evidencia qualquer erro de julgamento, ou errada apreciação da prova, em face dos dados disponíveis e de que é possível conhecer.Improcede assim a totalidade do recurso. + Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:Negar provimento ao recurso interposto pela arguida e em consequência confirma a sentença recorrida. Condena a arguida no pagamento da taxa de justiça de 06 Uc´s e nas demais custas. Notifique. Dn + Porto 1/4/09 José Alberto Vaz Carreto Joaquim Arménio Correia Gomes (voto a decisão) |