Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL SILVA | ||
Descritores: | DANO BIOLÓGICO DANO FUTURO DANO PATRIMONIAL DANO NÃO PATRIMONIAL | ||
Nº do Documento: | RP202409121326/18.2T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Atento o caráter polissémico do conceito dano biológico, ele integra “um conceito tentativamente englobalizador ou (re)unificador”, podendo nele ser considerados o dano de afirmação pessoal, dano à vida de relação, dano estético, dano psíquico, dano sexual, dano à capacidade laboral genérica ou geral, dano futuro, dano do défice funcional permanente. II - Enquanto dano futuro, o dano biológico pode acarretar uma vertente patrimonial, atinente às perdas laborais quando o sinistrado fica com incapacidade permanente para a sua profissão laboral específica ou para qualquer outra. III - Mas ele tem sido atendido também numa vertente não patrimonial, quando a incapacidade permanente apenas implica maior penosidade no trabalho ou esforço no exercício das tarefas diárias, sejam elas domésticas ou de lazer. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1326/18.2T8PVZ.P1 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I – Resenha do processado 1. AA instaurou ação contra A..., SA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe: ● € 2.191,34, a título de danos patrimoniais; ● € 20.000,00, a título de danos morais; ● O montante a ser posteriormente liquidado, em conformidade com a IPP que vier a ser atribuída; ● Tudo com juros de mora devidos desde a citação; ● O montante das despesas que venha a ter após a entrada da ação; Fundamentou o seu pedido na responsabilidade civil emergente de acidente de viação (atropelamento), que lhe provocou danos e que imputou ao segurado da Ré. Em contestação, a Ré aceitou a responsabilidade do seu segurado no sinistro, impugnando, contudo, os danos. Instruídos os autos, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento. Foi proferida sentença que decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência: ● Condenar a Ré, B..., S. A., no pagamento à Autora, AA, do valor de € 1.414,01 (mil quatrocentos e catorze euros e um cêntimo) a título de danos patrimoniais; ● Condenar a Ré, B..., S. A., no pagamento à Autora, AA, do valor de € 6.000,00 (seis mil euros) a título de dano biológico; ●Condenar a Ré, B..., S. A., no pagamento à Autora, AA, do valor de € 4.000,00 (quatro mil euros) a título de danos não patrimoniais; ● Determinar que os montantes indemnizatórios acima determinados, no valor global de € 11.414,01 (onze mil quatrocentos e catorze euros e onze cêntimos), vencem juros, à taxa civil, contados desde a data de citação até efectivo e integral pagamento; e ● Absolver a Ré do demais peticionado. 2. Para assim decidir, o Tribunal considerou a seguinte factualidade: Factos provados 1. No dia 6 de novembro de 2016, pelas 15h20 horas, na Av. ..., na freguesia de Vila do Conde, na área do concelho de Vila do Conde e comarca do Porto, a Autora seguia a pé, junto à Rotunda .... 2. A Av. ... tem dois sentidos de marcha, divididos fisicamente por um separador central. 3. Porque pretendia, na junção da Rotunda ... com a Av. ..., atravessar esta mesma avenida, no sentido de marcha da direita para a esquerda, tendo em atenção o sentido de marcha Av. ...-Rotunda ..., a Autora aproximou-se da passadeira existente nesse mesmo local e, depois de se certificar que podia efetuar a travessia da referida avenida (depois de olhar para a sua esquerda e para a sua direita e confirmar que não havia trânsito que o impedisse), iniciou a travessia da referida avenida. 4. Já depois de ter transposto o separador central existente no local, e sempre dentro da passadeira, a Autora foi colhida pelo veículo ..-..-TJ, conduzido por BB. 5. Tal veículo, que provinha da Rotunda ..., entrou na Av. ... e, sem atender à presença da Autora, em plena passadeira, embateu-lhe com a parte da frente esquerda em toda a sua extensão direita do corpo da Autora. 6. Tendo em linha de conta o sentido de marcha do veículo ..-..-TJ, quando entrou na Av. ..., a Autora era visível à condutora do veículo TJ. 7. O embate entre a viatura TJ e a Autora ficou a dever-se à desatenção da condutora da aludida viatura, que não teve o devido cuidado com as condições concretas de espaço e de tempo. 8. Em consequência do acidente, a Autora foi de imediato transportada de urgência para a Unidade Local de Saúde ...., EPE (Hospital ...). 9. Nessa instituição hospitalar, foi-lhe traçado um diagnóstico de pequena equimose no ombro direito, traumatismo do pé esquerdo e hematoma frontoparietal e frontotemporal direitos. 10. Teve alta hospitalar no próprio dia do acidente, por volta das 20h30 horas. 11. Enquanto permaneceu internada naquela unidade hospitalar, foi observada nas especialidades de Cirurgia Geral e Ortopedia. 12. A Autora esteve em situação de ITA desde 07/11/2016 (dia seguinte ao do acidente dos autos) até 18/12/2016. 13. Durante esse período de baixa, a Autora viu-se confinada à sua residência, apenas se ausentando para consultas e tratamentos. 14. A Autora sentia fortes dores, principalmente ao nível da coluna cervical, da coluna dorsal, do ombro direito e do tórax (com particular incidência na parte pulmonar). 15. Manteve, pois, quer a situação de ITA, quer os tratamentos e consultas que vinha efetuando. 16. Em 17/11/2016, a Autora efetuou uma consulta da especialidade de Ginecologia, onde se concluiu o seguinte: “encontra-se com cândidose vaginal, provavelmente decorrente da situação de stress ocasionado pelo atropelamento do dia 06/11/2016”. 17. Em 22/11/2016, a Autora foi sujeita a exame ecográfico, onde se concluiu o seguinte: “irregularidade de contorno ósseo de arco costal imediatamente subjacente, esboçando-se já reação de calo ósseo e com pequeno hematoma associado, com 14 mm, que relacionamos com prévia fratura costal”. 18. Ou seja, em consequência do acidente/atropelamento, a Autora sofreu fratura costal. 19. Em 07/12/2016, a Autora foi examinada na especialidade de Estomatologia e Medicina Dentária, que lhe traçou o seguinte diagnóstico: “Acidente com traumatismo, do qual resultou fratura da restauração do 21 e do 23. Após análise do seu caso, conclui que será necessário restaurar os respetivos dentes e avaliar a sua vitalidade ao fim de 3 meses.” 20. A Autora nasceu em ../../1985. 21. Anteriormente ao acidente, a Autora praticava regularmente desporto. 22. Em consequência do acidente, a Autora passou a ter dificuldade em pegar em pesos. 23. A Autora mais ficou a padecer de dores ao nível do tórax. 24. Consequentemente, a Autora passou a ter dificuldade em efetuar atividades que impliquem determinados esforços físicos, bem como em praticar desporto. 25. A Autora ainda sofre dores, que se acentuam com as mudanças de clima. 26. Fruto das aludidas limitações, a Autora passou a exercer a sua atividade de terapeuta ocupacional com mais dificuldade e esforço. 27. Em virtude de tais limitações físicas, a Autora tornou-se menos comunicativa e mais apática. 28. Em virtude do acidente, a Autora não esteve presente na auditoria piloto realizada no âmbito do referencial Equass 2018, a qual é responsável de processos chave de Reabilitação no respetivo centro da Instituição. 29. Por outro lado, em função do período de ITA, a Autora teve que compensar a sua entidade patronal com um acréscimo de trabalho excecional devido à sua ausência, implicando um esforço adicional equivalente a uma semana de trabalho. 30. A Autora foi acompanhada pelos Serviços Clínicos da Ré, que lhe deram alta, em 20/01/2017, curada sem incapacidade. 31. Em virtude do acidente, foi fixada à Autora um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica em 2 pontos percentuais em consequência das dores torácicas após a fratura da costela, uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2 em 7 e não foi determinada qualquer Repercussão Permanente na Atividade Profissional, embora a sua prática exija esforços suplementares e um Quantum Doloris no grau 3 em 7. 32. A Autora retirava, à data do acidente, um rendimento bruto de € 1.100,00 mensais da sua atividade profissional. 33. No período que esteve de ITA, a Autora deixou de auferir o total de € 1.088,00. 34. Em tal período, a Segurança Social pagou à Autora o valor de € 777,33. 35. Tal montante foi reembolsado pela Ré à Segurança Social. 36. Além das despesas inerentes à sua condição de sinistrada, a Autora efetuou várias deslocações, quer a Vila do Conde, quer ao Porto, quer a Vila Nova de Famalicão, para comparecer a consultas e a tratamentos. 37. Para deslocação a tais consultas, a Autora percorreu um total de 1.104,80 quilómetros. 38. A Autora teve, ainda, as seguintes despesas: ● Medicamentos: € 81,10; ● Parqueamento: € 4,75; ● Refeições: € 63,77; ● Actos de higiene: € 47,50; ●Transportes: € 27,50; ● Consultas e tratamentos: € 436,80. 39. A condutora do veículo TJ celebrou com a C..., S. A. um contrato de seguro obrigatório por acidentes de viação relativos à aludida viatura, titulado pela apólice n.º .... 40. No final do ano de 2016, ocorreu uma fusão entre as seguradoras C..., S. A. e Companhia de Seguros D..., S. A, que deu origem à sociedade A..., SA. 41. Por efeito dessa fusão, a A..., S. A., sucedeu nos respetivos direitos e obrigações da seguradora C..., SA. 42. A Ré veio, posteriormente, a alterar a sua designação para B..., SA. Factos não provados 1. Que a condutora do veículo TJ seguisse, no momento do embate com a Autora, a uma velocidade superior a 50km/h. 2. Que, aquando do internamento ocorrido no dia do acidente e em virtude do mesmo, tenha sido traçado à Autora o seguinte diagnóstico: a) lesões traumáticas da cabeça (traumatismo crânio-encefálico); b) lesões traumáticas da coluna cervical; c) lesões traumáticas na coluna dorsal; d) traumatismo toráxico; e) traumatismo da bacia; f) traumatismo do ombro direito. 3. Que a Autora, em consequência do acidente, tenha passado a estar limitada ao nível das funções cerebrais superiores, designadamente a nível mnésico, com grandes dificuldades de ideação e memorização, com esquecimento fácil, quer para factos recentes ou antigos e a nível cognitivo e executivo e acentuadas alterações a nível da afetividade, tendo também ficado mais apática e lentificada. 4. Que a Autora, em consequência do acidente, tenha passado a ter limitação funcional por perda de força do ombro direito, coluna cervical e coluna lombar e dorsal (perda de força e de destreza desses segmentos). 5. Que a Autora, em virtude do acidente, tenha deixado de poder praticar várias posições durante o ato sexual. 6. Que a Autora, em consequência do acidente, tenha passado a tossir com muita facilidade, sofrendo de dispneia e desconforto torácico quando efetua médios esforços, provocada por limitação da capacidade respiratória. 7. Que a Autora, em virtude do acidente, tenha passado a ter dificuldade em caminhar por longos períodos, subir escadas e correr. 8. Que a Autora, em consequência do acidente, se tenha desinteressado pela vida e passado a viver num estado depressivo e deixando, praticamente, de ter vida social, não convivendo com os amigos e a família, passando a refugiar-se em casa. 9. Que a Autora tenha visto a sua progressão profissional afetada em virtude do acidente. 3. Inconformada com a sentença, dela apelou a Autora, formulando as seguintes conclusões: 1. Na sua petição inicial, a Autora, ora recorrente, requereu que a quantificação do valor da indemnização pelos danos patrimoniais emergentes da incapacidade permanente geral que viesse a apurar-se fosse relegado para momento posterior, em sede de ampliação do presente pedido ou em sede de incidente de liquidação. 2. O Tribunal a quo julgou improcedente este pedido, sob o argumento de que não ficou provado que a Autora, em razão do acidente, tivesse ficado afetada de incapacidade permanente. 3. Porém, facilmente se nota que este argumento não é verdadeiro e daí que ocorra erro de julgamento. 4. Na verdade, produzidas as provas e realizado o julgamento, provou-se, no que aqui importa, que “Em virtude do acidente, foi fixada à Autora um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica em 2 pontos percentuais, em razão de dores torácicas (…)”. 5. Mais se provou que, “fruto das aludidas limitações, a Autora passou a exercer a sua atividade de terapeuta ocupacional com mais dificuldade e esforço.” 6. Provou-se, ainda que a Incapacidade Permanente que afeta a Autora exige Esforços Suplementares no desempenho das atividades próprias da sua profissão. 7. O Tribunal a quo, a propósito da indemnização devida pela incapacidade geral permanente que afeta a recorrente (2 pontos), qualificou o correspondente dano (dano biológico) como tratando-se de um dano de natureza exclusivamente não patrimonial. 8. E arbitrou um montante indemnizatório (6.000,00€), que é injusto, por manifestamente exíguo. 9. A qualificação do dano biológico em causa como dano não patrimonial não é correta e contraria frontalmente a corrente jurisprudencial maioritariamente esmagadora. 10. De facto, como todos sabemos, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, têm vindo, maioritariamente, a reconhecer o dano inerente à incapacidade para o trabalho como efetivo e real dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e ainda que dela não resulte perda ou diminuição de vencimento. 11. Com efeito, a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. 12. Neste sentido, veja-se o douto Acórdão do STJ de 04/10/2007, proc. 07B2957, proferido por unanimidade e em que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro Salvador da Costa (in www.dgsi.pt) em cujo sumário, que passamos a citar, lapidarmente se escreveu que “1. O dano biológico derivado da incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é suscetível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respetivo rendimento salarial.”. 13. A mesma orientação é perfilhada em múltiplas decisões do STJ, tais como o Ac. do STJ, de 10/10/2012, proferido no proc. 632/2001.G1.S1, o Ac. STJ de 16/06/2016, proferido no proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2, o Ac. STJ de 03/11/2016, proferido no proc. 1971/12.0TBLLE.E1.S1 e o Ac. STJ de 14/12/2016, proferido no proc. 37/13.0TBMTR.G1.S1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt 14. Ou seja, a este propósito (efeitos e ressarcibilidade do dano patrimonial resultante da incapacidade) podem projetar-se em duas vertentes: - por um lado, a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual ou específica, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir; - por outro lado, a perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem, ainda assim, um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual. 15. Porém, numa e noutra vertente, os danos resultantes da incapacidade (IPG) sempre serão indemnizáveis como verdadeiros e típicos danos de cariz patrimonial. 16. A desconsideração do dano de natureza patrimonial emergente da incapacidade (IPG) que afeta a recorrente, enquanto dano autónomo, é manifestamente inaceitável e injusta, mormente quando se constata que a indemnização global arbitrada é objetivamente escassa. 17. Em suma, o Défice Funcional Permanente que afeta a recorrente (IPG) reconduz-se a um Dano Biológico de cariz patrimonial. 18. E a recorrida deverá ser condenada a ressarcir adequadamente esse dano, cuja liquidação deverá ser relegada para o competente incidente ulterior, visto assim ter peticionado a recorrente. Sem prescindir: 19. Poderá este Alto Tribunal entender que estão reunidos todos os factos necessários à determinação da indemnização pelo DANO BIOLÓGICO na sua vertente patrimonial e que, assim, deverá fazer-se, desde já e oficiosamente, o arbitramento dessa indemnização 20. Na verdade, estão já apurados os fatores relevantes para o cálculo, tais como a idade da Autora, o salário que auferia e o défice funcional permanente que a afeta. 21. A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial resultante da IPG deve, tal como tem sido fartamente sufragado pela jurisprudência conhecida, representar um capital que reponha a perda de capacidade de trabalho e de ganho perdida e proporcione um rendimento compensatório que se extinga no fim do tempo provável de vida do lesado. 22. Ultimamente, tem-se entendido – e bem – que o lesado precisa de manter o nível de rendimento enquanto viver, mesmo para além da idade da reforma e até ao final da vida (83 anos, em média, no caso das mulheres). 23. É, com efeito, depois do final da vida ativa que o lesado mais necessidades tem e mais precisa de manter um nível de rendimentos que lhe permita satisfazer essas suas necessidades suplementares. 24. Sem perder de vista a equidade, será adequado, na esteira do que tem sido decidido em várias decisões dos nossos Tribunais Superiores, que, em casos como o presente, se recorra, como auxiliar de cálculo da indemnização pelo dano material inerente à IPG, à fórmula de cálculo utilizada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II. 25. Esta fórmula, na verdade, tem em conta vários fatores relevantes, tais como a progressão na carreira, a erosão monetária, e o crescimento dos rendimentos salariais. 26. Os valores assim encontrados deverão, depois, ser temperados à luz das circunstâncias concretas de cada caso e da equidade. 27. In casu, haverá, desde logo, que levar em conta que, talqualmente se deu por provado, a IPG que afeta a recorrente, se cifra em 2 pontos, prejudicando o exercício das tarefas inerentes à sua profissão habitual, no qual exige esforços acrescidos e suplementares. 28. Será, pois, apodítico concluir que a incapacidade permanente que afeta a recorrente constitui causa de relevantíssimo dano patrimonial. 29. Nos cálculos da indemnização pelo dano patrimonial em apreço deverão ter-se em consideração os seguintes fatores relevantes: a idade da lesada à data do acidente, ou seja, 31 anos, a IPG que a afeta, de 2 pontos, e a remuneração que auferia, de 1.100,00€ mensais. 30. Através da atrás mencionada fórmula (usada no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/1995 – CJ – Ano XX – Tomo II), considerando os fatores relevantes (salário anual à data do acidente, idade da lesada e incapacidade total para o trabalho) e tendo em conta o período de vida expectável, até aos 83 anos, e a progressiva baixa da taxa de juro dos depósitos (neste momento e face à realidade atual, é de cerca de 1%) e a perda de rendimentos, encontramos um capital de cerca de 14.000,00€. 31. Será igualmente pertinente lançar mão do método de cálculo usado no douto acórdão do STJ, de 09/09/2015, proferido no proc. n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1, 3.ª Secção. 32. Mediante este último método e utilizando os mesmos fatores acima elencados, chegamos a um valor algo superior – ou seja, cerca de 16.000,00€, por arredondamento. 33. Tendo, porém, presentes as regras da equidade e da justa medida das coisas, e considerando as dificuldades que a Autora passou a sentir, será adequado compensar a Autora com o montante de 16.000,00€, como indemnização pelo dano patrimonial sofrido em razão da incapacidade permanente (dano biológico e dano patrimonial futuro) que a afeta. 34. Este montante não deverá ser alvo de qualquer desconto ou redução por suposto benefício económico e financeiro em razão do recebimento antecipado e de uma só vez, visto que, atualmente, as taxas de juro de depósitos bancários se cifram em cerca de 1% e não se vislumbram tendências para subida. 35. Ademais, caso esse benefício existisse, seria ele residual e não chegaria para cobrir o malefício inerente à erosão monetária, à inflação dos custos e à evolução dos salários, que a indemnização também deverá prever e compensar. 36. Peca também por grande escassez a indemnização (4.000.00€) fixada pelo Tribunal a quo a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial. 37. Em relação ao valor destinado ao ressarcimento dos danos não patrimoniais, deve, no seu arbitramento, atender-se às consequências físicas e morais que para a recorrente resultaram do acidente. 38. A extensa factualidade apurada e que aqui damos por reproduzida fala por si e é esclarecedora quanto às gravíssimas consequências que do acidente advieram para a recorrente. 39. Valendo-nos, pois e uma vez mais, da equidade e tendo em consideração as concretas circunstâncias do caso em apreço e a função ressarcitória e punitiva da indemnização, temos que a justa e equilibrada compensação pelos danos não patrimoniais sofridos deverá corresponder ao montante mínimo de 20.000,00€. 40. A douta sentença recorrida violou, entre outras normas, os artºs 352.º, 358.º, 483.º, 562.º, 564.º e 566.º, todos do Código Civil. Termos em que deve concedido provimento ao presente recurso, fixando-se as indemnizações devidas à recorrente nos valores preconizados. Assim se fará a melhor e mais sã JUSTIÇA! 4. A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 5. Apreciando o mérito do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC). No caso, trata-se de apurar se existiu erro de julgamento nas parcelas indemnizatórias atribuídas. 5.1. Da indemnização a atribuir § 1º - O contexto Efetivamente, na sua petição inicial (PI), para além dos montantes quantificados a título de danos patrimoniais e morais, a Autora pediu “a título de danos patrimoniais e morais ainda não quantificados derivados da IPP ainda não determinada, no valor que vier a ser liquidado em sede de ampliação do presente pedido ou em sede de incidente liquidação, com juros de mora a contar desde a respetiva liquidação;” A Autora, pese embora a notificação do relatório pericial, não chegou a efetuar qualquer ampliação do pedido, nem a quantificar o montante que considerava ser-lhe devido. Na sentença, o Mmº Juiz abordou autonomamente os seguintes parâmetros: A título de danos patrimoniais foram analisadas e ponderadas as perdas salariais, os quilómetros realizados para deslocações a consultas e tratamentos, as diversas despesas relacionadas com medicação, consultas, tratamentos, refeições, parqueamento, refeições, atos de higiene, transportes. Concluiu-se pela atribuição do valor total de € 1.414,01. Seguiu-se a abordagem da indemnização pelo dano biológico, onde se considerou que “Pese embora a Autora, na sua petição inicial, se tenha limitado a distinguir entre os danos patrimoniais e não patrimoniais, certo é que, na sua causa de pedir, a mesma invoca danos passíveis de ser enquadrados como danos biológicos”. E mais se ponderou a natureza complexa do dano biológico, “abrangendo vertente patrimonial e não patrimonial, estando relacionado com a perda de capacidade física da pessoa em consequência da lesão que sofreu. Conforme alude a citada jurisprudência, tal perda poderá ser considerada patrimonial, caso influa na potencial capacidade de exercício da actividade profissional pelo lesado, ainda que sem repercussões salariais concretas, bem como não patrimonial, se diminuir a capacidade física do lesado relativamente aos demais pontos da sua vida”. Passando à análise do caso concreto à luz do expendido teórica e jurisprudencialmente, o Mmº Juiz ponderou: ● que, em consequência do acidente, à Autora foi traçado no Hospital um diagnóstico de pequena equimose no ombro direito, traumatismo do pé esquerdo e hematoma frontoparietal e frontotemporal direitos; ● que, em virtude do acidente, a Autora sofreu fratura costal, bem como fratura da restauração de dois dentes; ● que a Autora teve alta clínica em 20/01/2017, e que lhe foi fixado um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica em 2 pontos percentuais em consequência das dores torácicas após a fratura da costela, uma Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2 em 7 e não foi determinada qualquer Repercussão Permanente na Atividade Profissional, embora a sua prática exija esforços suplementares; ● que apesar da alta clínica, a Autora continuou a sentir dores torácicas que a condicionam no exercício das suas funções profissionais, pois passou a ter mais dificuldade no exercício da sua atividade profissional, assim como passou a ter dificuldade a praticar desporto, bem como qualquer atividade que exija esforço físico. E atribuiu € 6.000,00 a título de dano biológico, “tendo em consideração que a Autora, à data dos factos, tinha 31 anos e que praticava regularmente desporto, tendo ainda em conta a esperança média de vida e que as dores que padece irão afectar, até à reforma, a sua capacidade do exercício da actividade profissional”. Mais se deixou expressamente consignado (os sublinhados aqui são da nossa autoria): «Deste modo, temos que a Autora ficou a padecer de uma afectação da sua integridade física de 2 pontos em 100, estando demonstrado que tal, ainda que seja compatível com o exercício da actividade habitual, implica esforços suplementares, já que a mesma passou a ter dificuldade em pegar em pesos. Assim sendo, não há dúvidas que há um aumento da penosidade e esforço para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras, o que é susceptível de reparação como dano patrimonial autónomo. Ou seja, há dano biológico para a Autora, o qual merece reparação enquanto dano patrimonial na medida em que ficou afectada na sua integridade físico-psíquica em 2 pontos e que essa depreciação causa esforços suplementares, não só na actividade profissional (para a qual não ficou a padecer de uma incapacidade específica), mas também para as demais actividades da vida. Essa perda da capacidade geral de ganho, por não se verificar incapacidade parcial permanente para o exercício da profissão, apesar de a Autora ter de fazer esforços suplementares/acrescidos para o efeito, é indeterminável, pelo que o seu valor deve ser fixado com recurso à equidade tal como estabelece o art.º 566.º, n.º 3 do Cód. Civil, em função dos seguintes fatores: (i) a idade da Autora e a sua esperança de vida; (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente (isto é, a percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica); (iii) as suas potencialidades de ganho em profissão ou atividades económicas compatíveis com as suas qualificações e aquele défice; (iv) outros que se revelem no caso; e (v) jurisprudência anterior; e não pela aplicação das tabelas utilizadas para determinação dos danos patrimoniais resultantes da IPP para o exercício da profissão habitual [embora neste ponto continue a haver uma corrente forte de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que se continuam a referir a esta forma de cálculo como base para o posterior funcionamento da equidade (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022, proc. n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).» De seguida, passou à análise da indemnização pelos danos não patrimoniais, nestes termos: «Conforme se aludiu, a Autora peticionou uma indemnização global de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais. Englobada em tal indemnização, foi já fixado o valor de € 6.000,00 a título de dano biológico. Assim, atento o princípio do pedido, cabe ao Tribunal apreciar a fixação de uma indemnização até € 14.000,00 relativamente aos danos não patrimoniais. No caso em apreço, ficou demonstrado que, em consequência do Acidente, a Autora teve que se deslocar a diversas consultas e exames, tendo ainda ficado a padecer de dores, que se acentua com as mudanças de clima, tendo sido reconhecido à Autora um Quantum Doloris no grau 3 em 7. Ficou igualmente apurado que, em consequência do acidente, a Autora viu-se forçada a compensar a sua entidade patronal com um acréscimo de trabalho excepcional devido à sua ausência, implicando um esforço adicional equivalente a uma semana de trabalho e que não pôde assistir a uma auditoria piloto que, embora não tenha sido passível de lhe casuar prejuízo patrimonial, originou um maior desgaste à Autora pela intensidade de serviço durante a recuperação do tempo perdido e alguma tristeza pela perda de uma auditoria que lhe poderia ter trazido algum conhecimento da sua área profissional. No mais, igualmente ficou demonstrado que, em virtude do acidente e das suas limitações físicas, a Autora tornou-se uma pessoa menos comunicativa e mais apática. Considerando tais danos de natureza não patrimonial, entende o Tribunal justa e adequada a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 4.000,00.» Por fim, no que toca aos danos a determinar em liquidação de sentença, consignou-se: «Na sua petição inicial, a Autora mais requereu a fixação de danos patrimoniais e morais ainda não quantificados derivados de uma eventual IPP. Todavia, não foi determinada qualquer IPP à Autora em função do acidente, motivo pelo qual não é devida indemnização a tal título». De tudo o que fica exposto, resulta claro para nós que, contrariamente ao entendimento da Recorrente, na sentença foram devidamente ponderadas as duas vertentes do dano biológico, a patrimonial (rebate profissional) e a não patrimonial (esforços suplementares). § 2º - A lesão à integridade física ou psíquica de alguém implica sempre um dano, o qual pode vir a revelar-se reversível ou permanente. Uma incapacidade permanente significa sempre um défice funcional — um handicap, algo que deixou de poder fazer-se ou que passou a fazer-se com mais esforço — e pode ter as mais diversas repercussões na vida humana. Como refere Teresa Magalhães [1], o dano corporal deve ser visto de forma integrada, por comportar uma tripla perspetiva: as sequelas lesionais — «as consequências orgânicas permanentes na estrutura anatómica ou funcional de um órgão, correspondente a um estado relativamente estabilizado da lesão (ex: cicatriz cutânea, ausência de perna e pé por amputação; anquilose de um cotovelo)»; as sequelas funcionais — «compreendem a alteração das capacidades físicas ou mentais (voluntárias ou involuntárias), características de um ser humano, tendo em conta a sua idade, sexo e raça (ex: dificuldade de se deslocar em terreno plano, impossibilidade de procriar)» e as sequelas situacionais (handicaps) — «representam a dificuldade ou impossibilidade de efectuar certos gestos necessários à participação na vida em sociedade (actividades da vida quotidiana, da vida afectiva e social e da vida profissional ou de formação)». O conceito de dano biológico é polissémico, sendo «(…) por isso conveniente que, ao fazer-se uso da dita expressão (seja num texto de índole doutrinal, seja numa decisão judicial), se comece por definir a acepção em que a mesma é utilizada.» [2] Assim, não custa aceitar que a avaliação/valoração de uma incapacidade permanente (“défice funcional”, “dano biológico”, “dano futuro”, como se lhe queira chamar) possa ser vista como dano não patrimonial ou como dano patrimonial, consoante se tenha em vista os possíveis reflexos laborais e consequente “perda de ganho” ou envolvam tão somente uma sequela funcional ou handicap sem repercussão laboral. «O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre. O dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a título de dano moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial sendo certo que o exercício de qualquer actividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspectivas de carreira, desencantos…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica. Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta directa – ou indirectamente – no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.» [3] (sublinhados nossos) De qualquer forma, seja ele equacionado como dano moral, ou como dano patrimonial, o dano biológico é um dano autónomo, a avaliar e valorar de per se, independentemente de acarretar ou não incapacidade para o trabalho. «O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, perspectivado na óptica de uma capitis deminutio na vertente profissional, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida em perdas salariais imediatas ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas (…)». [4] Conclui-se, pois, que o chamado dano biológico, enquanto dano futuro, pode acarretar uma componente de “perdas laborais”, quando o sinistrado fica com incapacidade permanente para a sua profissão laboral específica ou para qualquer outra (tenha-se em conta, por exemplo, o caso de um jovem que ainda é estudante) – vertente patrimonial. Mas ele tem sido atendido também quando não ocorre incapacidade permanente para a sua profissão laboral específica, mas se demonstra um défice que implica maior penosidade ou esforço no exercício das tarefas diárias, sejam elas domésticas ou de lazer – vertente não patrimonial. § 3º - Concorda-se com o Mmº Juiz, e é questão isenta de polémica na jurisprudência, que não pode haver lugar a duplicação de montantes indemnizatórios. [5] Assim, mais do que atender à denominação que na sentença se lhe deu, o que releva é verificar se esse específico dano foi atendido e valorado, ou não. Atento o caráter polissémico do conceito dano biológico, podem nele ser considerados o dano de afirmação pessoal, dano à vida de relação, dano estético, dano psíquico, dano sexual, dano à capacidade laboral genérica ou geral, dano futuro, dano do défice funcional permanente) [6] Assim, face ao que atrás se deixou explanado (§ 1º deste ponto 5.1.), resulta claro que o Mmº Juiz ponderou ambas as vertentes desse dano futuro: ● A vertente patrimonial — a incapacidade permanente de 2 pontos não importa repercussão para a sua profissão laboral específica ou para qualquer outra (facto provado 31), pelo que não havia perdas laborais a compensar; ● A vertente não patrimonial — a incapacidade permanente de 2 pontos enquanto défice que implica maior penosidade ou esforço no exercício das tarefas diárias (domésticas ou de lazer), bem como a maior penosidade e esforço para desenvolver as mesmas tarefas profissionais. No caso, como o défice é compatível com a continuação da profissão habitual, naturalmente que inexiste qualquer perda salarial futura a considerar. Do que o caso dá nota é de maiores esforços quer na atividade profissional, quer na sua atividade doméstica diária e de lazer. Assim, não assiste razão à Recorrente. O dano foi considerado de forma autónoma, só que sob outro nomen iuris. § 4º - Questão diversa é a da “injustiça” do montante (€ 6.000,00) atribuído. As repercussões do dano biológico, porque projetadas no futuro, não passam de projeções ou previsões, pelo que a fixação do montante indemnizatório não pode ser feita nos mesmos moldes que para os danos patrimoniais, de mais fácil demonstração. Impõe-se então aos Tribunais o dever de julgar segundo critérios de equidade: art.º 566º nº 3 do CC. Obstando a que não se confunda equidade com a subjetividade do julgador, devemos ater-nos a uma aplicação mais ou menos uniforme do direito (art.º 8º nº 3 do CC), como forma de reduzir a margem de subjetividade do julgador, na procura da justiça relativa em casos de sempre difícil decisão quanto à fixação de um montante indemnizatório para danos que, por sua natureza, sempre seriam incomensuráveis e de muito difícil avaliação global. Na verdade, «(…) - não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade. Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação (…) do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – (…)». [7] Olhando a jurisprudência para casos análogos de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, sem rebate laboral, mas implicando esforços acrescidos: No acórdão do STJ de 16/01/2024 (processo 15898/16.2T8LSB.L1.S1) atribuíram-se € 20.000 a uma vítima, farmacêutica de 35 anos de idade à data do acidente, que foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos em 10, apresenta um dano estético permanente de grau 2, numa escala de 7 e também grau 2, numa escala de 7, no que respeita à repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, além de outras limitações, podendo desenvolver a sua atividade de farmacêutica, mas com esforços acrescidos. No acórdão do STJ de 16/11/2023 (processo 1019/21.3T8PTL.G1.S1), também se atribuíram € 20.000,00 a um lesado com 49 anos, Deficit Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 4 pontos, compatível com a atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, nomeadamente a pegar pesos com mais de 30 kg ou conduzir longas distâncias sem paragens (aguentando apenas meia hora de viagem), dores, perdas de tempo e ajudas de terceiras pessoas. No presente caso, temos um défice de 2 pontos, a implicar maior esforço na atividade profissional, no desporto e em pegar em pesos), pelo que comparativamente aos exemplos citados, se nos afigura que os 6 mil euros se oferecem ser equitativos. E, porque se tem de olhar a todos os elementos que se revelem no caso em particular, não podemos deixar de atender à profissão da Autora (terapeuta ocupacional), que lhe conferem especiais competências para conhecer o uso de técnicas ou equipamentos que a ajudem a desenvolver novas habilidades e novas formas de fazer as atividades diárias, para adaptar o ambiente em que vive e para melhorar a qualidade de vida no dia a dia. § 5º - Quanto aos danos não patrimoniais Que foram fixados em € 4.000,00 e que a Recorrente considera pecarem por escassez. Mas também aqui consideramos não lhe assistir razão quando invoca que deve “atender-se às consequências físicas e morais que para a recorrente resultaram do acidente”, sob pena de se incorrer numa dupla indemnização no que toca ao rebate da incapacidade permanente onde os incómodos e penosidade dos maiores esforços já foram ponderados. Em nosso entender, foram até considerados na sentença “danos” que o não deveriam ter sido, seja porque não integram danos morais, seja porque não poderiam ser considerados causa do sinistro (como o caso de se ter visto “forçada a compensar a sua entidade patronal com um acréscimo de trabalho excepcional devido à sua ausência, implicando um esforço adicional equivalente a uma semana de trabalho”). As exigências da entidade patronal não podem ser imputadas à Ré, não se percebendo como pode ser exigido trabalho suplementar não remunerado na sequência de ausência por baixa médica. Danos morais, e decorrentes do sinistro, temos as dores sentidas, a mudança temperamental (menos comunicativa e mais apática), pelo que o valor atribuído é equitativo. 6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ……………………………… III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida. Custas do recurso a cargo da Recorrente, face ao decaimento. Porto, 12 de setembro de 2024 Isabel Silva Paulo Dias da Silva Isoleta de Almeida Costa __________________ [1] “Estudo Tridimensional do Dano Corporal: Lesão, Função e Situação (Sua Aplicação Médico-Legal)”, Almedina, 1998, pág. 177 e seguintes e, especialmente, pág. 217 ss. [2] Maria da Graça Trigo, “O Conceito de Dano Biológico como caraterização jurisprudencial do princípio da reparação integral dos Danos – Breve contributo”, in Revista Julgar, 2022, nº 46, pág. 269. [3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 27.10.2009 (processo 560/09.0YFLSB, Relator Sebastião Póvoas), disponível em www.gde.mj.pt, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem. Em termos mais atuais, e do mesmo STJ, acórdãos de 31/01/2024, processo 3899/17.8T8GMR.G1.S1, relatora Maria Olinda Garcia e de 17/01/2023, processo nº 5986/18.6T8LRS.L1.S1, relator António Barateiro Martins. [4] Acórdão do STJ, de 21.01.2016 (processo 1021/11.3TBABT.E1.S1, Relator: Lopes do Rego). [5] Cf. acórdão do STJ, de 14/09/2023, processo nº 2739/19.8T8AVR.P1.S1, relatora Catarina Serra. [6] Maria da Graça Trigo, obra citada, pág. 259. No acórdão atrás referido (processo nº 2739/19.8T8AVR.P1.S1) dá-se nota de o conceito integrar “um conceito tentativamente englobalizador ou (re)unificador”. [7] Acórdão do STJ, de 21.01.2016 (processo 1021/11.3TBABT.E1.S1, Relator: Lopes do Rego). |