Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FRANCISCA MOTA VIEIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA BENS DE CONSUMO REDUÇÃO DO PREÇO CRITÉRIO PARA A SUA FIXAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2024041811667/21.6T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O subtipo da compra e venda de bem de consumo é um regime especial relativamente ao regime comum da compra e venda de bens previsto no C.Civil, sendo que estas normas que disciplinam o contrato de compra e venda comum são por aquelas derrogadas quando ocorra uma incompatibilidade no seu campo de aplicação perante as relações de consumo. II - O art 4º nº1 do DL 67/2003 confere ao consumidor o direito à redução adequada do preço, sendo um direito vocacionado para repor o equilíbrio negocial entre as partes, pressupondo a vontade do consumidor de ficar com o bem desconforme. III - Este diploma não contém qualquer elemento para a determinação do valor da redução, mas este deve ser apurado com recurso a critérios objectivos, não estando da dependência de uma avaliação subjectiva do valor da falta de conformidade pelo consumidor. IV - Na falta de outros critérios, podem ser aplicadas as normas do CC que regulam a redução do preço que fica limitada a parte do seu objecto (art 884ºcc), de venda de bens onerados (art 911º cc) e de empreitada defeituosa ( art 1222º cc). V - A redução do preço corresponde ao valor da desvalorização do bem tendo em conta a desconformidade com o contrato, sendo que se deve ter como valor de referência o que foi efetivamente pago e não o preço de mercado que o bem tenha à data em que o consumidor se quiser fazer valer do direito. VI - Revela-se adequado o critério da proporcionalidade acolhido na sentença recorrida para estabelecer a redução do preço, apurando o valor do metro quadrado da área útil pago pelos autores e multiplicando – o pelos metros quadrados de área útil em falta no compartimento em apreço. VII - Também se revela adequado, operar a redução do ptreço com recurso ao critério da equidade na falta de elementos objectivos para medir a falta de funcionalidade de um lugar de estacionamento que resultou de alterações na envolvente do lugar de estacionamento vendido aos autores sem ter tido prévio consentimento destes. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº11667/21.6T8PRT.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto -Juízo Local Cível do Porto - Juiz 3
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO 1.AA e BB propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a “A..., Lda.”, pedindo que se condene a ré na redução do preço e consequente restituição da quantia de 28.321,84€ e se condene a ré no pagamento de uma indemnização por danos morais em valor nunca inferior a 15.000,00€. Alegaram, para tanto, terem celebrado com a ré o contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma num imóvel a construir por esta, tendo vindo a celebrar o contrato definitivo, mas que a fracção, concretamente quanto à área da suite, a envolvência do lugar de garagem atribuído e a zona do terraço não têm as caraterísticas descritas nas plantas anexas ao contrato-promessa, o que limita a possibilidade de fruição, desvalorizando-o. Mais alegaram que têm vindo a sofrer stress, incómodos e perturbações psíquicas pela ignorância a que a ré votou as suas reclamações e por se sentirem enganados e que não teriam adquirido a fracção caso soubessem das suas reais caraterísticas.
2. A ré contestou, defendendo-se, em suma, por impugnação e por excepção, sustentando que o edifício e concretamente o apartamento e o lugar de garagem foram construídos de acordo com o projecto aprovado pelo Município, sem discrepância com as caraterísticas da fracção prometida vender, que o preço não foi convencionado em função da área e que, mesmo a existir divergência de área, a mesma, por ser inferior a 1/20, não confere o direito à redução do preço, redundando a pretensão dos autores no exercício abusivo do direito.
3. Os autores responderam, tomando posição quanto aos fundamentos de defesa.
4. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho pelo qual foi fixado o valor da causa, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova. Foram apreciados os requerimentos de prova.
5. Procedeu-se à realização de julgamento e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos termos seguintes: - Reduzo o preço do contrato de compra e venda celebrado entre as partes à quantia de 189.519,22€ e condeno a ré a restituir aos autores a quantia de 10.480,78€, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% ao ano, desde 28 de Julho de 2021 e até efectivo e integral pagamento; e - Condeno a ré a pagar a cada um dos autores a quantia de 5.000,00€, no total de 10.000,00€, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% ao ano, desde a data da prolação da sentença e até efectivo e integral pagamento.
6. Inconformada a ré interpôs recurso de apelação e concluiu nos termos que aqui se reproduzem: Primeira: A redação do ponto 14) dos factos provados não é rigorosa pois do relatório pericial consta especificamente que a área bruta da habitação é de 100,62 m2, tendo ainda a referida área adjacente à fachada, exterior de terraço (varanda) de 22,20 m2, e uma área de terreno integrante da fração (jardim ou logradouro privativo) de 33, 50 m2. Não tendo o relatório pericial sido contrariado nem posto em causa pelas testemunhas, a redação do ponto 14) dos factos provados deverá ser: “14) A fração construída tem a área útil de habitação de 84,16m2, tem a área bruta de 100,62m2, a área exterior de 55,70 m2 correspondendo 22,20m2 à área de varanda e 33,50m2 à área ajardinada.” Segunda: O ponto 22) não contém qualquer facto representando uma mera conclusão ou um juízo subjetivo. Da análise do depoimento da testemunha CC, a redação do ponto 22) dos factos provados deverá ser a seguinte: “Para entrar e sair no lugar atribuído aos Autores é necessário realizar manobras” Terceira: O ponto 40) dos factos provados deverá ser considerado como NÃO PROVADO pois não foi produzida qualquer prova testemunhal ou documental sobre o estado de espírito dos Autores, sobre se os mesmos se sentem, ou não, enganados, nem tão pouco que os mesmos sofrem de stress, sendo certo que a única pessoa que falou a tal respeito em sede de audiência de julgamento foi o Autor, nas declarações de parte que prestou, mas como bem salientou a Meritíssima Juiz a quo “atento o interesse que encabeça, não se julga serem as suas declarações bastantes para sustentar o juízo de prova dos factos contravertidos quando desacompanhados de um mínimo de suporte noutros meios de prova merecedores de credibilidade.” Sublinhado e negrito nosso Quarta: O recurso às regras da experiência também não permitem concluir que os Autores se sentem enganados e sofram de stress já que da planta junta ao contrato promessa de compra e venda constam os dizeres: “planta do projeto base de arquitetura S/escala / Sujeito a pequenas retificações com o decorrer da obra / Mobiliário decorativo excluído / Armário despenseiro e Lavandaria excluídos” e do contrato de promessa de compra e venda consta expressamente que “Reserva-se a possibilidade de pequenas alterações que decorram com a normal execução da obra que poderão resultar de correções adaptadas à realidade, por exigência de alguma especialidade e a obrigações regulamentares”. Sublinhado e negrito nosso Quinta: e não é credível que alguém sofra de stress e de perturbação pelo facto de ter comprado um apartamento cuja área da suite tem menos 3,63 m2 do que a área que vem assinalada na planta que instruiu o contrato promessa de compra e venda, quando na realidade o apartamento propriamente dito, no seu todo, tem precisamente a mesma área que foi anunciada na planta referida, e o lugar de estacionamento cumpre na íntegra a sua finalidade já que permite o estacionamento de veículos automóveis, ainda que seja necessária a realização de algumas manobras, como é comum e habitual em qualquer garagem. Sexta: Atendendo ao depoimento da testemunha CC, deverá ser dado como provado que “A “B...- Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª, alertou os Autores que poderiam surgir alterações/retificações às plantas apresentadas.” Esta testemunha depôs com isenção de modo espontâneo e as declarações de parte do Autor, atento o seu interesse no desfecho dos autos, não podem ser valoradas para pôr em crise o depoimento daquela testemunha. Sétima: A Ré prometeu vender, e vendeu, aos Autores um apartamento com uma área bruta de 100,62 m2, com uma área bruta exterior de 55,70 m2 (22,20 m2 + 33,50 m2) e um lugar de estacionamento. O apartamento e o lugar de garagem vendido aos Autores cumprem, na sua plenitude, as finalidades que são expectáveis neste tipo de bens e têm as qualidades e as características que foram anunciadas pela Ré. Oitava: A diferença de 3,63 m2 na área útil da suite do apartamento e a alteração da envolvente do lugar de garagem dos Autores são diferenças irrelevantes para que se possa concluir pela falta de conformidade do bem vendido, nos termos do previsto no artigo 2.º do Dec Lei 67/2003 de 8 de Abril, que transpôs a Diretiva (UE) 2019/771, com as alterações introduzidas pelo Dec Lei 84/2008 de 21 de Maio, já que não põem em causa, nem alteram o valor do apartamento no seu todo, nem o seu uso ou a sua finalidade, e nem tão pouco foram determinantes para a sua compra por parte dos Autores. Nona: Ainda que se entenda, que existe falta de conformidade entre o apartamento dos autos e o contrato, nos termos do nº 2 do artigo 2.º do citado Dec lei, o que se não concede, nem concebe, os Autores quando prometeram comprar o apartamento dos autos sabiam, e não podiam ignorar que poderiam existir pequenas retificações ou pequenas alterações já que tal advertência constava quer da planta anexa ao contrato promessa e compra e venda quer do texto contrato de promessa de compra e venda, pelo que está afastada a presunção estabelecida no nº 2 do artigo 2.º Décima: O Decreto Lei 67/2003 de 8 de Abril não contém qualquer elemento ou critério para a determinação concreta do valor da redução do preço. Na falta de previsão da lei especial, teremos de nos socorrer das normas da lei geral, isto é, das normas do Código Civil, designadamente, dos seus artigos 888.º e 911.º e seguintes. Décima primeira: No caso dos autos, dúvidas não restam que estamos perante uma venda “ad corpus”, já que não ficou demonstrado que o preço da fração autónoma tenha sido determinado em função do preço por metro quadrado logo teremos de lançar mão do disposto no artigo 888.º nº 2 do Código Civil. Décima segunda: A diferença de área útil da fração autónoma em relação à área que foi anunciada é de 3,63 m2, área esta que é inferior a um vigésimo da área útil de 84,16 m2, pelo que não há lugar a qualquer redução de preço pela diferença de área reclamada. Décima Terceira: O direito à redução do preço consiste na reposição do equilíbrio contratual preterido na falta de conformidade do bem com o contrato. Este valor terá sempre de ser apurado com recurso a critérios objetivos e previstos na lei, sob pena de ficar dependente de uma mera avaliação subjetiva do valor da alegada falta de conformidade. Décima Quarta: O artigo 15.º da Diretiva (UE) 2019/771 já acima citada prescreve que a redução do preço “deve ser proporcional à diminuição do valor dos bens que foram recebidos pelo consumidor, em comparação com o valor que os bens teriam se estivessem em conformidade”. Segundo foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão datado de 03/06/2004 do Relator Azevedo Ramos, referente ao processo 04ª4464, disponível em www.dgsi.pt, “ …deverá atender-se ao preço pago pelo autor, na compra da fração, e o que esta valeria, objetivamente, com os defeitos que apresenta. É na precisa medida da diferença apurada que se justificará a redução do preço.” Negrito nosso Décima Quinta: Os Autores não alegaram nem provaram que a fração autónoma que compraram tem um valor inferior em virtude das diferenças que apontaram, nem alegaram, nem provaram, o valor dessa desvalorização; nem alegaram, nem provaram, qual é a diferença entre o valor de uma fração autónoma com uma suite com a área útil de 20,93 m2 e com um lugar de garagem com a envolvente conforme está representada na planta anexa ao contrato promessa de compra e venda, e o valor uma fração autónoma com uma suite com a área útil de 17, 30 m2 e com um lugar de garagem com a envolvente conforme existe na realidade,pelo que o Tribunal não tem como fixar qualquer valor a título de redução de preço, nem pode fixar o valor correspondente a tal diferença. Décima Sexta: Entendendo-se que o valor da redução do preço pode ser fixado em função do valor do metro quadrado, o que se não concede, sempre teríamos de calcular esse valor em função da área total da fração autónoma, incluindo, a área coberta, a área exterior de varanda, a área exterior ajardinada e a área de garagem, ou seja, 152,66 m2. Considerando o preço de € 200,000,00 pago pelos Autores, resulta que o valor do preço por metro quadrado seria de 1.310,10 m2, que multiplicando por 3,63 m2, resultaria um valor de € 4.755,66. Décima sétima: O critério adotado pela Meritíssima Juiz a quo para fixar o valor da redução do preço em € 6.980,78 pela diferença da área útil da suite da fração autónoma é totalmente subjetivo e sem qualquer fundamento legal ou factual; e o critério utilizado para fixar em € 3.500,00 o valor da redução de preço pela alegada diferença zona envolvente ao lugar de garagem é totalmente arbitrário, pois assenta num juízo de valor sobre a dificuldade de realização de manobras e a sua repercussão no quotidiano dos Autores, e esta última, note-se, não ficou provada. Décima oitava: A lei apenas tutela os danos não patrimoniais que sejam merecedores de tutela legal, o que exclui, do âmbito dos danos indemnizáveis, os meros incómodos, aborrecimentos, descontentamentos ou simples dificuldades. Salvo o devido respeito e melhor opinião, o simples descontentamento dos Autores com a diferença da área da suite e com a necessidade de realizar manobras para estacionar um veículo automóvel não se apresentam com a suficiente gravidade para merecer a tutela do direito, entendendo-se, pois, que os Autores não devem beneficiar de qualquer compensação por danos morais. Décima nona: Mas ainda que se entenda que os Autores têm o direito a ser indemnizados por danos morais, o que se não concede, sempre se dirá que uma indemnização do montante de €5.000,00 para cada um dos Autores é manifestamente exagerada e desproporcionada ao alegado dano, devendo ser fixada no máximo, no montante de € 500,00 para cada um dos Autores. Vigésima: A douta sentença recorrida violou ou não fez a melhor interpretação dos artigos 2.º do Dec Lei 67/2003 de 8 de Abril, e do disposto nos artigos 496.º, 888.º e 911.º do Código Civil. Nestes termos e pelo douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente: I - Alterada a matéria de facto, nos termos seguintes: a) O ponto 14) dos factos provados deverá ter a redação: “ A fração construída tem a área útil de habitação de 84,16m2, tem a área bruta de 100,62m2, a área exterior de 55,70m2 correspondendo 22,20m2 à área de varanda e 33,50m2 à área ajardinada.” b) O ponto 22) deverá ter a seguinte redação: “Para entrar e sair no lugar atribuído aos Autores é necessário realizar manobras” c) O ponto 40) deverá ser considerando como NÃO PROVADO d) Deve, ainda ser dado como PROVADO que “A “B...- Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª, alertou os Autores que poderiam surgir alterações/retificações às plantas apresentadas.” II - Revogada a douta sentença recorrida e a ação julgada improcedente, por não provada, e consequentemente: a) mantido o preço de € 200.000,00 pela venda da fração autónoma dos autos; b) absolvida a Ré da obrigação de restituição de qualquer quantia aos Autores; c) absolvida a Ré do pagamento aos Autores de qualquer quantia, a título de danos morais; III- Para a hipótese de se entender que há lugar à redução do preço da fração autónoma dos autos, o que se não concede, seja tal redução fixada no máximo em € 4.755,66 . Não pode a Ré conformar-se com a matéria de facto dada como assente sob as alíneas 14), 22) e 40) dos factos provados, nem conformar-se com o facto dado como não provado constante da alínea 1) dos factos não provados. Para além disso, não pode a Ré conformar-se com a condenação de redução do preço, nem com a condenação no pagamento de danos morais.
7. Foram apresentadas contra-alegações, nas quais, relativamente à impugnação da factualidade impugnada os autores convocam para reapreciação meios de prova.
8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO. As questões colocadas nas conclusões recursórias são as seguintes: - da impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada. - do mérito da decisão recorrida.
III. FUNDAMENTAÇÃO. 3.1. No tribunal de comarca foram julgados provados e não provados os seguintes factos: 1) A ré tem como objecto social a construção, compra e venda de imóveis. 2) Desenvolve a sua actividade como construtora e como promotora imobiliária, tendo em vista a venda de imóveis a terceiros. 3) Em 30 de Maio de 2018, os autores celebraram com a ré um acordo, que reduziram a escrito e intitularam de “contrato promessa de compra e venda”, mediante o qual esta prometeu vender e os autores prometeram comprar uma fracção autónoma correspondente a habitação tipo T2, com aparcamento, do edifício que a ré declarou estar a construir na rua ..., no Porto, pelo preço de 200.000,00€. 4) A fracção, incluindo o lugar de aparcamento, ficaram identificados por plantas anexas ao documento. 5) Na planta junta ao contrato-promessa, é indicado que a habitação tem a área bruta de 100,62m2 e a área bruta exterior de 55,66m2. 6) O somatório das áreas indicadas dos compartimentos é de 87,79m2. 7) E a área da suite é de 20,93m2. 8) Na planta junta ao contrato-promessa, o lugar de aparcamento é o identificado pelo n.º129. 9) Na planta junta ao contrato-promessa não é feita menção a que o terraço na área exterior da fracção teria um zona verde. 10) Da planta da habitação constam os seguintes dizeres: “planta do projecto base de arquitetura S/escala / Sujeito a pequenas retificações com o decorrer da obra / Mobiliário decorativo excluído / Armário despenseiro e Lavandaria excluídos”. 11) Ficou estipulado no documento relativo ao acordo referido em 3) que “Reserva-se a possibilidade de pequenas alterações que decorram com a normal execução da obra que poderão resultar de correções adaptadas à realidade, por exigência de alguma especialidade e a obrigações regulamentares”. 12) Em 23 de Setembro de 2020, os autores celebraram com a ré um acordo, mediante documento particular autenticado, intitulado “contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca”, pelo qual esta declarou vender e os autores declararam comprar a fracção autónoma identificada pela letra “A” do prédio constituído em propriedade horizontal sito no bloco ..., com entrada pelo n.º...09 do arruamento interno do loteamento com início na rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º...39 e inscrito na matriz sob o art. ...34. 13) A “B... – sociedade de Medição Imobiliária, Lda.” interveio enquanto mediadora do negócio. 14) A fracção construída tem a área útil de habitação de 84,16m2 e de exterior de 22,20m2 e a área bruta de 100,62m2 e de exterior de 33,50m2 (área ajardinada). 15) A suite da fracção construída tem a área útil de 17,30m2 e a área bruta de 22,25m2. 16) A ré aumentou os lugares de estacionamento da garagem e renumerou-os. 17) O lugar atribuído aos autores passou a ser o 131. 18) A configuração do lugar manteve-se a mesma, no mesmo sítio e com a mesma área de 12,50m2. 19) O lugar de estacionamento tem um pilar alocado na linha de entrada. 20) Na linha de entrada o lugar de garagem tem 2,13m de largura. 21) Foram criados lugares de estacionamento em frente ao lugar de estacionamento dos autores. 22) Tais lugares dificultam as manobras de entrada e saída da viatura no lugar de estacionamento atribuído aos autores. 23) A garagem do edifício tem mais de 50 lugares de estacionamento. 24) O portão tem dois sentidos de circulação. 25) O portão da garagem tem 3,74 metros de largura. 26) Os autores visitaram a habitação em Julho mas já não a garagem. 27) Em 1 de Setembro de 2020, os autores, após receberem a documentação relativa ao contrato definitivo a celebrar, remeteram à ré uma mensagem por correio electrónico, pela qual a confrontaram com a discrepância de áreas e a renumeração do estacionamento. 28) Em 14 de Setembro de 2020, os autores remeteram à ré uma mensagem por correio electrónico, pela qual a confrontaram com a discrepância entre a área indicada na planta anexa ao contrato-promessa e a área constante da declaração modelo 1 do IMI, bem como quanto à discrepância de numeração do aparcamento interior. 29) A ré respondeu aos autores no dia 22 de Setembro de 2020, sustentando que no contrato-promessa foram mencionadas áreas brutas e que as paredes exteriores e as paredes entre as fracções não são contabilizadas como áreas utilizáveis para efeitos de propriedade horizontal e que com a constituição da propriedade horizontal houve necessidade de ajustamentos nos lugares de estacionamento mantendo a configuração inicial. 30) Só nessa data foram os autores informados que os lugares de estacionamento haviam sido remunerados. 31) A fracção foi entregue aos autores com a celebração do contrato referido em 12). 32) A ré respondeu a interpelações dos autores por mensagem de correio electrónico datadas de 30 de Setembro de 2020, de 27 de Outubro de 2020, 16 de Novembro de 2020. 33) Os autores remeteram à ré a carta datada de 27 de Janeiro de 2021, assinalando discrepâncias entre o prometido vender e o vendido ao nível do aparcamento e da área da suite. 34) A ré não respondeu à carta referida em 33). 35) Os autores requereram a notificação judicial da ré reiterando as questões relativas à discrepância ao nível ao aparcamento, da área da suite e mencionando a falta de ponto de água no terraço, notificação que foi concretizada 11 de Março de 2021. 36) O autor é médico psiquiatra. 37) A autora é coordenadora de equipa técnica em empresa de software. 38) Têm dois filhos, nascidos em 2018 e em 2021. 39) Os autores destinaram a fracção a habitação dos próprios, onde residem actuamente. 40) Os autores sentiram-se enganados, o que lhes vem causando stress e perturbações. 41) A ré submeteu ao Município do Porto o projecto de construção do edifício, tendo obtido em 13 de Março de 2018 a informação técnica que considerou a proposta conforme com os parâmetros urbanísticos e regulamentares analisados. 42) Em 30 de Março de 2020, a ré submeteu ao Município do Porto um aditamento ao projecto, com redistribuição dos ligares de aparcamento, aumentando o número de lugares de 131 para 133. Não resultou provado: a.- A “B... – sociedade de Medição Imobiliária, Lda.” alertou os autores que poderiam surgir pequenas alterações/rectificações às plantas apresentadas. b.- O terraço na área exterior da fracção não tem pontos de água. c.- Em data não concretizada, após a celebração do contrato-promessa mas antes da celebração do contrato definitivo, os autores foram informados de que o terraço na área exterior da fracção teria um zona verde. d.- A saberem das reais caraterísticas do imóvel quanto à área da suite e lugar de aparcamento os autores não teriam tomado a decisão de comprar.
3.2. DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
3.2.1. A recorrente impugna os itens 14º, 22º e 40º dos factos provados e o facto vertido na al. a ) dos fatos não provados. Mostram -se preenchidos os requisitos do art 640º do CPC, pelo que, admitimos a impugnação da decisão sobre a questão de facto.
Quanto ao item 14) dos factos provados, cuja redação se reproduz: “14) A fração construída tem a área útil de habitação de 84,16m2 e de exterior de 22,20m2 e a área bruta de 100,62m2 e de exterior de 33,50m2 (área ajardinada).” alega a recorrente que a redação deste ponto dos factos provados não é rigorosa e pode induzir em erro e pede a alteração da redação desse facto nos seguintes termos: “14) A fração construída tem a área útil de habitação de 84,16m2, tem a área bruta de 100,62m2, a área exterior de 55,70 m2 correspondendo 22,20m2 à área de varanda e 33,50m2 à área ajardinada.” Convoca o relatório pericial. Apreciando e decidindo: Reapreciado por este colectivo de juízes o relatório pericial datado de 2.11.2022, resulta para nós que a redação que melhor reflecte a perícia que nessa parte é aceite pelas partes é a seguinte: “A área útil de habitação é de 84,16m2 e a área bruta da habitação medida pelo perímetro exterior das paredes exteriores e eixos das paredes separadoras das frações, assente na mesma planta fornecida é de 100,62m2, tendo ainda uma área adjacente à fachada, exterior de terraço (varanda) de 22,20m2 e uma área de terreno integrante da fração (jardim ou logradouro privativo) de 33,50m2.” Assim, nesta parte, merece provimento a impugnação da decisão de facto determinando-se que o item 14 dos factos provados passa a ter a redacção supra referida.
Quanto ao item 22) dos factos provados, cuja redação se reproduz: “Tais lugares dificultam as manobras de entrada e saída da viatura no lugar de estacionamento atribuído aos autores.” a recorrente alega que se trata de uma conclusão pedindo a eliminação dessa redação e sua substituição pela seguinte redacção: “Para entrar e sair no lugar atribuído aos autores é necessário realizar manobras” Convoca o relatório pericial e o depoimento da testemunha CC. Os recorridos, a propósito, convocam também o relatório pericial datado de 2.11.2022, os esclarecimentos do perito através do relatório complementar de 10.02.2023, o qual, resultou de uma segunda vista pericial ao imóvel e ainda os esclarecimentos prestados pelo sr perito em julgamento DD e convocam os depoimentos das testemunhas CC, que é sócio da agência imobiliária que vendeu a totalidade dos apartamentos do complexo habitacional onde se insere a fração autónoma objeto destes autos e EE, funcionário da ré. Convocam ainda os emails trocados entre as partes sobre as questões controvertidas, juntos como prova documental (cf. Docs. 4 junto com a PI (um email de 28 de outubro de 2020) e 3 e 4 junto com o requerimento probatório dos Autores de 19-10-2021).
.Posto isto, procedemos à análise do primeiro relatório pericial datado de 2.11.2022, o qual, como se pode ler, teve por base, a análise das telas finais entregues pelos representantes da Ré-recorrente aquando da primeira visita pericial ao imóvel, os esclarecimentos do perito através do relatório complementar de 10.02.2023, o qual, resultou de uma segunda vista pericial ao imóvel e ainda os esclarecimentos prestados pelo sr perito em julgamento DD. E dessa reapreciação, resultou para nós o seguinte: Os documentos escritos acabados de referir, bem como, os esclarecimentos prestados em julgamento, tiveram por base uma verificação no local. À questão (respondida no 1º relatório pericial) de “2.º - Qual a largura e a profundida do lugar de garagem correspondente ao n.º 131? E qual a largura na linha de acesso (com a eventual diminuição decorrente da implantação da coluna)?” o perito respondeu na página 2/5 do primeiro relatório, que “Na zona do pilar, à entrada do lugar de garagem n.º 131, a largura, ou seja, a entrada para o lugar só tem 2,13m, relativamente ao lugar contíguo com o n.º 130, conforme se documenta com as 2 fotografias seguintes” e que “Se a questão colocada se refere à largura do percurso de acesso automóvel, essa largura entre os 2 lugares de garagem (um em frente ao outro), isto é, entre lugar de garagem 131 e o lugar 123, é de 4,70m e na zona da coluna (pilar) diminui para 4,21m, ou seja para menos, 49cm.” À questão (respondida no relatório complementar) de se havia diferenças quanto ao lugar de aparcamento e a sua envolvente, entre as plantas anexadas ao CPCV (doc. 2 da PI) e as telas finais (entregues pelos representantes da Ré/ Recorrente aquando da primeira visita pericial do perito ao local), respondeu o perito no seu relatório complementar que “o perito esclarece que as diferenças no lugar de garagem que pertence aos AA, resulta do que está marcado no local, em função dos desenhos fornecidos das telas finais, que são muito diferentes do que está na planta “comercial” do contrato promessa de compra e venda…” E às questões (respondidas no relatório complementar) de “…se as diferenças verificadas no lugar de garagem (nomeadamente na sua envolvente – criação de pilares e outros lugares de estacionamento não previstos nas plantas) limitam ou prejudicam o uso do lugar de estacionamento (manobras de estacionamento e aparcamento de carro de média/grande dimensão) relativamente ao que estava prometido?” e de se “Considerando a composição e envolvente do lugar de garagem dos AA (131), as medidas obtidas por perícia ao local, e pressupondo que todos os lugares de garagem têm carros neles estacionados, deve o Sr. Perito esclarecer se seria possível o aparcamento, no lugar 131, de um carro de médias dimensões? (matéria nuclear às alegações dos AA)”, respondeu que “o perito esclarece conforme plantas e desenhos que atrás juntou, que a disposição dos pilares e dos lugares de garagem implantados no local e o que consta dos desenhos (chamados comerciais), com o contrato promessa de compra e venda, pelas suas diferenças e criação de outros lugares de garagem, dificulta as manobras de estacionamento e aparcamento de um veículo de média e grande dimensão.” e ainda que “de acordo com tudo o que já foi dito e documentado com plantas, esclarece mais uma vez, que dada à disposição atual dos lugares de garagem, relativamente à disposição que se observava na planta dita “comercial”, junta com o contrato promessa de compra e venda, considera-se dificultada a manobra de aparcamento de carros de médias dimensões, principalmente pela existência agora dos lugares 123 e 125, relativamente ao lugar 131.” Acresce que na audiência de julgamento o perito também explicou que entre as plantas anexas ao CPCV (doc. 2 da PI) e o que foi efetivamente construído, houve uma alteração à posição do pilar que está em frente ao lugar de aparcamento dos Autores/ Recorridos, tendo isso prejudicado a entrada no lugar destes, que apesar de o lugar dos Autores/Recorridos, entre o CPCV e a realidade, estar geograficamente no mesmo sítio, a verdade é que foi mudado o sentido dos lugares envolventes, do pilar, e a quantidade dos lugares envolventes. Mais considerou que a entrar no lugar só é fácil se for com um carro pequeno, como um Smart, e que um carro com uma dimensão normal seria muito difícil de estacionar no local e questionado pela mandatária da Ré/ Recorrente sobre o que é um carro com uma dimensão normal e respetivas medidas, o perito respondeu que ele próprio tem dois carros com uma largura superior à largura de entrada no lugar dos Autores/ Recorridos (que é de 2,13m), questionado pela Mma juíza se um carro "mais básico" entraria no lugar, por exemplo um audi, o perito disse logo que não, mas talvez um mini, um smart sim, um volvo pequeno, mas um A4 já não entraria, pois há um problema com o ângulo da manobra por causa dos lugares (novos) em frente e do pilar (cuja configuração se alterou), e se os lugares à volta estiverem ocupados a maioria dos carros pura e simplesmente não entraria no lugar de aparcamento dos Autores/ Recorridos. Mais. Questionado se é impossível estacionar naquele lugar, respondeu que depende do veículo (dando a entender que alguns são impossíveis) e se os lugares à volta estão ocupados, ou não. Esclareceu ainda, que a medição feita no local, entre o lugar dos Autores/ Recorridos e os novos lugares à frente, não corresponde às medidas identificadas nas plantas/ telas finais entregues pelos representantes da Ré/ Recorrente na visita, pois na realidade a medida é mais curta. Até isso encurtou e dificulta as manobras para entrar e sair do lugar de garagem dos Autores/ Recorridos. Referiu que o que dificulta mais a manobra de e para o lugar dos Autores/ Recorridos não é só a coluna/ pilar cuja configuração foi alterada entre as plantas e a realidade, mas até foi mais a criação dos lugares novos à frente (não previstos nas plantas entregues aos Autores/ Recorridos). Concluindo. O sr perito afirmou, convencendo (porque testou) que carros de médias dimensões não entram no lugar, afirmou que os pilares da garagem foram alterados na sua direção, que foram criados lugares de garagem em frente ao lugar dos Autores/ Recorridos sem estes terem sido avisados, afirmou quer as telas finais não correspondem à realidade das medidas no local.
Procedemos à reprodução do depoimento da testemunha CC, que é sócio da agência imobiliária que vendeu a totalidade dos apartamentos do complexo habitacional onde se insere a fração autónoma objeto destes autos, sendo que esta testemunha foi o destinatário, ou esteve em conhecimento (“Cc”), nos emails trocados entre as partes sobre as questões controvertidas, juntos como prova documental (cf. Docs. 4 junto com a PI e 3 e 4 junto com o requerimento probatório dos Autores de 19-10-2021), Deste depoimento resulta que a testemunha acompanhou a assinatura do CPCV e outorgou como representante da Ré/ Recorrente, com procuração a dar poderes para o ato, o documento particular autenticado de compra e venda do imóvel objeto destes autos (cf. Cabeçalho do doc. 3 junto com a PI) – como aliás dito pelo próprio aos minutos 10:25 a 10:31 do seu testemunho. A revelar que esta testemunha beneficiou diretamente da atividade económica da Ré/ Recorrente, de construção e compra e venda dos imóveis naquele complexo habitacional, como o apartamento dos Autores/ Recorridos, tendo inclusive intervindo diretamente nas relações e comunicações com os Autores/Recorridos, nomeadamente nos contactos relativos ao problema da área do apartamento e do lugar de aparcamento. Significando que existem claros conflitos de interesse no testemunho desta testemunha. Assim sendo, como é, trata-se de um depoimento interessado . Sem conceder, reproduzido na totalidade este depoimento, não resulta para nós que esta testemunha tenha referido que antes da celebração da escritura pública os autores foram alertados que poderiam surgir alterações-rectificações às plantas apresentadas. Esta testemunha referiu até que não falou aos autores sobre a criação de novos lugares de garagem e não revelou ter dado conhecimento aos autores sobre as novas configurações das garagens.Tudo a revelar que a argumentação da recorrente não tem suporte na prova reapreciada.
E a testemunha EE, engenheiro e funcionário da ré, referiu nunca ter falado aos autores, nem sequer por escrito, sobre a criação de novos lugares de garagem à frente do lugar de garagem dos autores , referindo também que a ré falhou em não ter avisado os autores sobre a renumeração dos números dos lugares de garagem antes da escritura. Mais. Esta testemunha admitiu que foram enviados emails sobre a reconfiguração dos lugares a alguns promitentes-compradores, e, todavia, tal não sucedeu relativamente aos autores. Acresce que esta testemunha referiu que as áreas mencionadas na planta comercial apresentada aos clientes, anexadas ao CPCV, são áreas úteis, esclarecendo, após interpelação do tribunal a quo para se perceber a diferença verificada na área indicada e a área efetiva da suite, que a indicação da área da suite como sendo de 20,93m nas plantas foi um erro da empresa Ré pois foram utilizadas as plantas dos pisos superiores, que não tinham varandas, e houve um erro ao fazer a planta do apartamento dos Autores/ Recorridos. Aliás, como bem notam os recorridos nas contra-alegações, esta testemunha enviou um email a 22.09.2020 (antes da assinatura do DPA de compra e venda) junto como doc 4 da petição, no qual, afirma: “Com a constituição efetiva da PH, ouve necessidade de ajustes (renumeração dos lugares de estacionamento), mas manteve-se a configuração inicial prometida vender em contrato promessa.”, Ora , esta mensagem é apta a criar no destinatário uma ilusão de confiança e segurança na compra, criando legítimas expectativas nos Autores de que o lugar teria as medidas regulamentares exigidas e que a alteração à envolvente não dificultaria as manobras de estacionamento. Aliás, o sr perito, nos esclarecimentos prestados em julgamento, afirmou que por lapso a Ré pôs nas plantas a mesma área do ... andar no ... dos Autores/ Recorridos, sendo o ... andar maior, estando aí o erro está aí e que haviam sido os representantes da Ré a dizer isto ao perito no local . O próprio perito no julgamento, a instâncias da mandatária da Ré/ Recorrente sobre se um leigo notaria na diferença dos 20,93 para os 17,30m da área da suite, respondeu o perito que um leigo NÃO notaria.
Consequentemente, está afastado o argumento da ré-recorrente ao alegar que as áreas das plantas comerciais são sempre brutas, não só porque a sua própria testemunha afirmou o contrário, mas também porque apenas a área da suite controvertida estava errada.
Também está afastado o argumento da recorrente traduzido em alegar que se tratou de uma “pequena retificação” a qual, está salvaguardada no Contrato promessa de compra e venda, porquanto não só não se tratou de uma “pequena” modificação ao contratado, como não resultou de exigências de especialidade ou de obrigações regulamentares (condição prevista na cláusula contratual e apontada pelo tribunal a quo).
Chegados a este ponto, resta concluir que o tribunal a quo esteve bem ao dar como provado o facto do ponto 22), e que fundamentou devidamente tal facto na prova documental, na prova testemunhal e na prova pericial produzida em tribunal, devendo improceder a pretensa impugnação da matéria de facto da Recorrente.
Em consequência do exposto, reapreciados os meios de prova convocados, este colectivo de juízes entende que não merece censura o julgamento de facto relativamente aos factos vertidos no item 22º dos factos provados e relativamente ao facto vertido na al. a) dos factos não provados, sendo que, a propósito, na motivação da decisão de facto, a Mma Juiz a quo, escreve nas páginas 7 e 8 e 12 e 13) que: “Os factos das alíneas 14) e 15), 18) a 22) e 25) foi atendida e valorada a prova pericial, em conjugação com a análise comparativa feita entre as plantas anexas ao contrato-promessa e as plantas do edifício (telas finais), (…) Ainda quanto ao facto da alínea 22) cumpre melhor esclarecer: tal-qual decorre da comparação entre as plantas anexas ao contrato-promessa e as plantas do edifício (telas finais), com a reconfiguração da garagem, houve um encurtamento na distância entre a linha delimitadora de entrada/saída do lugar de estacionamento dos autores e os lugares da frente, sendo inclusive que, a realidade nem sequer é a retractada nas ditas telas, onde figura uma distânciade5,13mquando na realidade são 4,70m(cfr. Esclarecimentos prestados pelo perito em audiência). Sendo o lugar de estacionamento relativamente estreito (só com 2,13m na linha de entrada/saída), a manobra resulta dificultada porque o veículo só pode curvar quando já se encontra “a meio sair”, sob pena de embater de com a lateral esquerda na coluna ou com a traseira do lado direito noutro veículo que esteja estacionado desse lado, sendo intuitivo que, sobretudo um veículo mais comprido, não consiga fazer a manobra de uma só vez (aliás, conforme explicado pelo perito, que o testou no local).”
A revelar que este segmento da impugnação não merece provimento.
De qualquer modo, porque a reapreciação dos meios de prova atras referidos criou no tribunal uma nítida perceção sobre as dificuldades que qualquer condutor que queira estacionar um veículo no lugar de garagem dos recorridos vai ter de enfrentar, alteramos a redacção desse item 22º por forma a revelar a natureza dessas dificuldades:
“22. Da comparação entre as plantas anexas ao contrato-promessa e as plantas do edifício (telas finais), com a reconfiguração da garagem, resulta que na realidade houve um encurtamento da distância entre a linha delimitadora de entrada/saída do lugar de estacionamento dos autores e os lugares da frente, e, sendo o lugar de estacionamento relativamente estreito (só com 2,13m na linha de entrada/saída), a manobra resulta dificultada porque o veículo só pode curvar quando já se encontra “a meio sair”, sob pena de embater de com a lateral esquerda na co(l)una ou com a traseira do lado direito noutro veículo que esteja estacionado desse lado.”
Também não se pode olvidar que, tal como motivado na sentença na análise de Direito, que a largura inicial do lugar de garagem dos Recorridos desobedece às normas regulamentares da Câmara Municipal do Porto (artigo B-1/19, n.º1 do Código Regulamentar Municipal do Porto – que exige 2,30m quando in casu só tem 2,13m), assim como existem outras características da garagem construída pela Ré/ Recorrente que desobedecem ao mesmo Código (conforme provado em prova pericial e sindicado pelo tribunal a quo na sua motivação).
Finalmente, relativamente ao item 40 dos factos provados, no essencial, a recorrente alega que não foi produzido qualquer meio de prova sobre o estado de espírito dos autores, sendo que a única pessoa que falou sobre essa matéria foi o autor suas declarações de parte . Apreciando e decidindo: desvalorizadas pelo tribunal. O item 40 dos factos provados tem o seguinte teor: 40) Os autores sentiram-se enganados, o que lhes vem causando stress e perturbações. Quid Iuris? Procedemos à audição na totalidade das declarações de parte do autor, psiquiatra, que revelou ser ele e a esposa um jovem casal, ela grávida na altura, ser a primeira vez que compravam um andar em planta, a revelar inexperiência na matéria, revelando também estarem na idade em que a aquisição de um imóvel perspetiva-se ser o investimento de relevância essencial mesmo a longo prazo. E convencemo-nos que os autores criaram expectativa quanto à área da suite e que o lugar de garagem assumiu relevância para o estacionamento. De resto, ainda que a área da garagem adquirida se revele insuficiente para um veículo de maior capacidade que um smart, certo é, que este tribunal convenceu-se que devido às alterações feitas pela ré nas garagens, com a criação de novos lugares em frente ao lugar de garagem dos autores em conjugação com o pilar referido nos factos provados, a manobra de estacionamento resulta bastante dificultada porque o veículo só pode curvar quando já se encontra “a meio sair”, sob pena de embater de com a lateral esquerda na co(l)una ou com a traseira do lado direito noutro veículo que esteja estacionado desse lado.” Acresce que esta manobra normalmente é feita mais do que uma ou duas vezes ao dia. E se atentarmos que na rotina diária de uma família com crianças, como é o caso dos autores, é necessário fazer várias deslocações, fácil é deduzir, com recurso às regras da experiência comum aplicadas ao caso dos autos, que essa dificuldade acrescida em estacionar causa incómodos e stress aos membros de um casal jovem que acabam de adquirir o ... andar para habitação, sendo que estas “ desconformidades” apresentadas pelo lugar de garagem não são reparáveis, vão-se prolongar no tempo e são sentidas diariamente pelos autores ao prenderem estacionar e retirar o veículo no lugar de garagem. Acresce que o autor até revelou que o veículo que transporta as crianças fica estacionado no exterior. Assim, reapreciadas as declarações do autor, este colectivo de juízes não alcançou convicção distinta relativamente ao facto vertido no item 40 dos factos provados. Todavia, no tocante ao facto julgado não provado na al. d), já as declarações do autor não lograram convencer que se os autores soubessem das reais caraterísticas do imóvel quanto à área da suite e lugar de aparcamento não teriam tomado a decisão de comprar De resto, a pretensão dos autores, confrontados com as discrepâncias de área e configuração da garagem, não foi a de resolver o contrato mas antes de redução do preço. Assim, não merece qualquer provimento a impugnação do facto julgado não provado na al. d) Concluindo: A impugnação da decisão de facto não merece provimento, sem prejuízo da alteração da redacção dos itens 14º e 22º dos factos provados, que teve lugar oficiosamente em resultado da reapreciação dos meios de prova convocados.
3.3. Do Mérito da Sentença Recorrida.
Decidida que está a impugnação da decisão de facto, a qual, obteve provimento parcial com a alteração da redacção dos itens 14º e 22º dos fatos provados, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas nas conclusões recursórias quanto ao enquadramento jurídico das questões e ao sentido decisório vertido no dispositivo.
3.3.1. Qualificação do contrato celebrado entre as partes.
Da factualidade apurada resulta provado que a ré foi a construtora do edifício constituído em propriedade horizontal sito na rua ..., no Porto, tendo prometido vender aos autores e posteriormente vendido uma das fracções do edifício construído (factos julgados provados nas alíneas 3. e 12.). À data da celebração do contrato-promessa o edifício ainda estava a ser contruído. A revelar, tomando por referência o sinalagma obrigacional invocado pelos autores, que na relação estabelecida entre as partes foram celebrados dois contratos: um contrato-promessa de compra e venda de bem futuro; e um contrato de compra e venda, celebrado enquanto contrato definitivo daquele contrato-promessa. Provou-se ainda que, desenvolvendo a ré a actividade de construção e promoção imobiliária e tendo os autores profissões não relacionadas com a construção civil, a fracção foi comprada por estes para habitação própria. Provou-se que, por referência à fracção prometida vender, a fracção vendida apresentada menos área na suíte e houve uma alteração pelo construtor e não consentida pelos autores na envolvência do lugar de estacionamento, com repercussão ao nível do uso dado que tornou as manobras de entrada e saída de veículos mais difícil. Concretamente: - A suite da fracção prometida vender foi assinalada como tendo a área de 20,93m2. - A suite da fracção construída tem a área útil de 17,30m2 e a área bruta de 22,25m2. - Na planta junta ao contrato-promessa, o lugar de aparcamento é o identificado pelo n.º129. - A ré aumentou os lugares de estacionamento da garagem e renumerou-os. - O lugar atribuído aos autores passou a ser o 131. - A configuração do lugar manteve-se a mesma, no mesmo sítio e com a mesma área de 12,50m2. - O lugar de estacionamento tem um pilar alocado na linha de entrada. - Na linha de entrada o lugar de garagem tem 2,13m de largura. - Foram criados lugares de estacionamento em frente ao lugar de estacionamento dos autores. - Tais lugares dificultam as manobras de entrada e saída da viatura no lugar de estacionamento atribuído aos autores. Acresce que se provou que: - A garagem do edifício tem mais de 50 lugares de estacionamento. - O portão tem dois sentidos de circulação. - O portão da garagem tem 3,74 metros de largura.
Da análise da sentença recorrida resulta que o tribunal a quo assumiu e bem que o contrato celebrado entre as partes é um contrato de compra e venda de consumo.
O artigo 874º do Código Civil define a compra e venda como o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou direito, mediante um preço. O artigo 879.º do mesmo diploma estabelece que a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço. Trata-se, pois, de um contrato com efeitos reais (determina a transferência da propriedade de uma coisa ou direito), bilateral ou sinalagmático (pressupõe a existência de, pelo menos, dois contraentes, que reciprocamente se vinculam, sendo ambos sujeitos de direitos e obrigações), oneroso (pressupõe atribuições patrimoniais de ambos os contraentes), em regra comutativo (as duas prestações patrimoniais são certas e tendencialmente equivalentes).
Depois a sentença recorrida assumiu que estamos perante uma venda de um bem de consumo, subtipo do contrato de compra e venda, a que se aplica, além das regras gerais do Código Civil, da Lei nº 24/96, de 31 de julho ( que estabelece o regime geral aplicável à defesa dos consumidores), e de outros diplomas de proteção dos consumidores, o regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, alterado alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21/05[47], pelo Dec. Lei n.º 9/2021, de 29/01, e pelo Dec. Lei n.º 84/2021, de 18/10, que «procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores» (cfr. art. 1º do Dec. Lei n.º 67/2003). E porque releva, importa referir que o Dec. Lei n.º 84/2021, de 18/10, entre o mais, reforçou “os direitos dos consumidores na compra e venda de bens de consumo, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/771, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens, que alterou o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE e que revoga a Diretiva 1999/44/CE”, e estabeleceu, além do mais, o regime aplicável à compra e venda de bens imóveis em caso de falta de conformidade [(art. 1º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a)], revogou o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, na sua redação atual [art. 54º, al. b)]. Todavia, o citado diploma, no tocante à aplicação no tempo, estatui no n.º 1 do seu art. 53º que «as disposições do presente decreto-lei em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis e de bens imóveis aplicam-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor». Por conseguinte, o regime do Decreto-Lei n.º 84/2021 não é aplicável ao caso dos autos por o contrato ter sido celebrado no ano de 2020, e a entrada em vigor do mencionado diploma ocorreu em 01.01.2022 – v. art. 55º). Por isso, a situação dos autos, deve ser analisada no âmbito do Decreto-Lei n.º 67/2003, na versão aplicável que se encontrava em vigor em 23.09.2020, que é a decorrente do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio. A razão de ser da introdução desta regulamentação específica, mais protectora do comprador consumidor, consiste em haver o legislador considerado o comprador – que seja consumidor – a parte mais fraca no respetivo negócio de compra e venda, e, por isso, carecido de uma maior proteção legal.
Designa-se por compra e venda de bens de consumo o contrato de compra e venda celebrado entre um empresário/profissional e um consumidor (art. 1º-A, n.º 1, do Dec. Lei n.º 67/2003) que tenha por objecto um bem imóvel ou móvel corpóreo[1] No que concerne à referida figura contratual importa distinguir os requisitos relativos aos seus sujeitos (requisitos subjetivos) e ao seu objeto (requisitos objetivos). Nos termos do respectivo artigo 1.º-A, este regime jurídico é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, sendo que nos termos do artigo 1.º-B, para esse efeito se entende por consumidor, «aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios». Neste conceito de consumidor figura, entre outros, o chamado elemento teleológico: é necessário que o bem adquirido se destine a um uso não profissional. Quanto aos seus requisitos subjetivos, estão aqui abrangidos os contratos celebrados entre empresários/profissionais e consumidores, ou seja, os contratos pelos quais uma pessoa singular ou colectiva (“vendedora”), no exercício profissional da respetiva actividade económica e lucrativa, vende bens (ou celebra outros negócios equiparados) a outra pessoa (“consumidor”) para uso privado ou não profissional desta última[50] (art. 1º-B, a) e c) do Dec. Lei n.º 67/2003). Excluídas estão assim as compras e vendas puramente civis (entre consumidores: vg. venda de um bem usado entre meros particulares), puramente comerciais (venda entre comerciantes ou empresas ou entre profissionais) ou de venda de bens de consumo invertidas (em que um profissional compra um objeto a um consumidor.
E importa referir que cabe ao interessado em beneficiar das disposições de tutela do consumidor fazer a prova dos factos constitutivos que sustentam a sua qualidade de consumidor, nomeadamente o “uso não profissional” (art. 342º, n.º 1, do CC), sem embargo de recair sobre o réu-fornecedor do bem ou prestador do serviço o encargo de demonstrar que não reveste a qualidade de empresário ou profissional. Não se pode perder de vista que a razão de ser da consagração do regime normativo do direito do consumo “reside na constatação de que, nas modernas sociedades de consumo, os destinatários ordinários dos bens e serviços constituem a parte economicamente mais débil ou tecnicamente leiga ou profana das relações juseconómicas estabelecidas com os empresários e profissionais dotados de superior capacidade financeira e conhecimentos técnicos”
Como se refere na fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 4/2019, de 12.02.2019, in D.R., n.º 141/2019, Série I, de 25/07/2019, no quadro normativo das relações jurídico-económicas de consumo o legislador não deixou a composição dos interesses das partes no puro domínio da liberdade contratual (art. 405º, n.º 1, do CC). Estabeleceu (antes) “regras de tutela de um dos contratantes - aquele que tiver a qualidade de consumidor - tomando como padrão o adquirente médio e atendendo à típica inferioridade do seu poder negocial, decorrente da inferioridade económica, informacional ou técnica, bem como à tipicamente menor experiência contratual”, dessa forma reequilibrando as posições negociais e tendo em vista “também um funcionamento mais saudável, porque menos litigioso, das relações contratuais em geral”.
Tendo isso presente afigura-se-nos acertado o mencionado enquadramento jurídico na medida em que estamos perante a compra de um bem imóvel destinado a habitação própria dos autores., destinando-se por isso a uso não profissional, sendo que a venda foi realizada por uma sociedade comercial que exerce com carácter profissional uma actividade comercial onde se inclui a venda de produtos da natureza do bem vendido aos autores-recorridos.
3.3.2 Analisar e decidir se o bem vendido apresenta desconformidades com o contrato promessa celebrado entre as partes.
Entendeu de seguida a sentença que o bem vendido apresenta desconformidades com o contrato e que essa circunstância permite aos autores reduzir o preço do negócio, enquadramento que não é aceite pela recorrente.
Importa assim analisar e decidir sobre se o bem vendido apresenta desconformidades. E nesta tarefa, acompanhando de perto as considerações feitas no Ac deste Tribunal da Relação do Porto, de 20.02.2020, in processo nº 1902/17.0T8AMT.P1, importa referir o seguinte: Nos termos do artigo 406º do Código Civil, «o contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contratantes ou nos casos admitidos na lei» - pacta sunt servanda. Por sua vez o artigo 762º do Código Civil, estabelece que «o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado». A obrigação do vendedor de entregar a coisa vendida, não é uma obrigação simples, cujo cumprimento se baste com a entrega de uma coisa qualquer. O vendedor está obrigado, juridicamente, a entregar ao comprador uma coisa isenta de defeitos, em conformidade com o contratado, com as características e qualidades acordadas, já que só dessa forma opera o cumprimento exacto e pontual da prestação, satisfazendo, como é sua obrigação, o direito do comprador. E em termos gerais, o dever de entrega de coisa sem defeitos, cumpre-se quando a coisa entregue não sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada e tem as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim. É o que resulta do artigo 913.º do Código Civil que se refere às coisas defeituosas, às coisas com defeitos, e de entre estas apenas às coisas com defeitos essenciais. Na previsão do preceito compreendem-se mais concretamente os seguintes vícios: a) vício que desvalorize a coisa; b) vício que impeça a realização do fim a que a coisa é destinada; c) falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; d) falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 3ª edição revista e actualizada, pág. 211, a propósito do artigo 913.º do Código Civil, “não se tratando de um dos vícios compreendidos na enumeração deste preceito, a anulação não é possível, nem serão aplicáveis as disposições desta secção ou da secção anterior, que concedem outros direitos ao comprador; tais vícios serão irrelevantes”. Cabe referir que nos termos do nº 2 do preceito, na dúvida quanto ao fim a que a coisa se destina, deve recorrer-se ao critério da normalidade: o fim da coisa é o fim a que normalmente são destinadas as coisas da mesma categoria. Tal como deve considerar-se que as qualidades asseguradas pelo vendedor são apenas aquelas cuja existência ele garantiu, por cuja existência ele se responsabilizou perante o comprador independentemente das qualidades que sejam ou possam ser usuais ou normalmente supostas – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, loc. cit., pág. 214 –. Este preceito não contém uma definição de coisas defeituosas, contém apenas a delimitação das situações em que os defeitos apresentados pela coisa são juridicamente relevantes, em que a existência do defeito se torna intolerável para o sistema jurídico legitimando a reacção do comprador. Os defeitos são assim aquelas manifestações ou exteriorizações na coisa que resultam de violações das boas práticas e técnicas de execução da mesma e que consistem na exteriorização na coisa de algo que lá não deveria estar ou da falta de algo que lá deveria estar, num caso ou no outro em prejuízo da funcionalidade, da durabilidade e da qualidade da coisa contratada. E ao adquirente da coisa cabe fazer a prova da existência de defeitos na coisa e a prova de que tais defeitos assumem características ou um grau de gravidade tais que os integram na previsão do artigo 913º do Código Civil. Não basta, portanto, alegar que se verifica determinada anomalia ou imperfeição. Se não for possível, de acordo com um critério puramente objectivo, extrair da própria configuração da anomalia ou imperfeição a conclusão de que a mesma é um defeito, o adquirente terá de alegar e demonstrar os factos necessários para suportar essa conclusão. A presunção de culpa que onera o contraente em sede de responsabilidade contratual é apenas uma presunção de culpa, ou seja, da imputação subjectiva ao autor do facto do resultado da sua actuação, não é, cremos, uma presunção do facto que constitui o ilícito contratual. A propósito esclarece Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª ed., págs. 44 e 49, na compra e venda comum a lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera, pelo que, a lei dá especial enfoque à idoneidade e aptidão do bem para o fim a que se destinaante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera. Por isso diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente - função negocial concreta programada pelas partes - ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913º, nº 2)”, acrescentando ainda o mesmo Autor: «a “venda de coisa defeituosa” respeita à falta de conformidade ou qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado. E na premissa de que parte o Código Civil para considerar a coisa defeituosa, só é directamente contemplado o interesse do comprador/consumidor no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme do contrato». Perante os defeitos da coisa vendida o comprador tem os seguintes direitos: i) anulação do contrato por erro ou por dolo verificados os respectivos requisitos; ii) redução do preço se as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, ele teria adquirido a coisa por preço inferior; iii) indemnização relativa ao prejuízo decorrente da celebração do contrato, cumulável com a referida anulação e com a redução do preço; iv) reparação da coisa ou, se for necessário e ela tiver natureza fungível, a sua substituição se o vendedor não desconhecia, sem culpa, o vício ou a sua falta de qualidade; v) reparação da coisa ou da sua substituição se necessária e a coisa for de natureza fungível se o vendedor estiver obrigado, designadamente por convenção das partes, a garantir o seu bom funcionamento, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador (cf. artigos 247º, 251º, 254º, 905º, 908º, 909º, 911º, 913º, nº. 1, 914º, nº. 1 e 921º, nº. 1, do Código Civil).
Todavia, as coisas passam-se de modo diferente no âmbito da venda de bens de consumo e do regime jurídico do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril. Neste, em lugar da noção de defeito, o legislador elegeu como conceito nuclear o conceito de desconformidade do bem com o contrato. Para o efeito, são tidos como desconformes com o contrato os bens em relação aos quais se dê uma das seguintes situações: a) não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; b) não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; c) não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; d) não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem (artigo 2.º, n.º 2).
Refere Jorge Morais Carvalho, in Manual de Direito do Consumo, 2020, pág. 283, que «A grande vantagem da adopção da noção de conformidade (ou de desconformidade) consiste em, através de uma fórmula simples.., conseguir reunir-se num mesmo grupo (o do incumprimento da obrigação) uma série de situações que tinham um tratamento distinto: o vício ou defeito, a falta de qualidade do bem, a diferença de identidade e a diferença de quantidade.. . A noção de desconformidade abrange quer os vícios na própria coisa objecto do contrato quer os vícios de direito.. . A lei não faz qualquer distinção, pelo que só é conforme com o contrato o objecto que seja entregue ao consumidor sem qualquer limitação, física ou jurídica.». A propósito das desconformidades em relação às utilizações habituais, o mesmo autor, loc. cit., pág. 294 e seg., sublinha que «A análise da conformidade, para efeitos desta alínea, é feita objectivamente .., tendo em conta as utilizações habituais dadas ao bem. Não releva aqui que o consumidor tenha referido apenas uma utilização ou até que tenha indicado que não ia utilizar o bem num determinado sentido. Este deve ser apto para as utilizações habituais. Como resulta da letra do preceito, o bem tem de ser adequado a todas as utilizações habituais, não sendo suficiente a adequação à utilização mais habitual .. . O critério definido para aferir quais são as utilizações habituais deve ser objectivo, uma vez que não relevam utilizações específicas de um consumidor em concreto, mas não pode abstrair-se dos termos do contrato celebrado.» Já quanto às desconformidades em relação às qualidades e o desempenho habituais, aquele autor, loc. cit., pág. 297, assinala que o critério são as qualidades e o desempenho dos bens do mesmo tipo, as próprias características do bem objecto do contrato. «Com efeito, o bem deve apresentar todas as particularidades – quer ao nível da sua essência quer no que respeita à sua performance – que o consumidor possa razoavelmente esperar, dentro dos limites da norma (a natureza do bem e as declarações públicas do vendedor, do produtor ou do seu representante). No conceito de desempenho do bem também deve ser incluída uma referência temporal .. . Com efeito, o bem tem de ter o desempenho habitual durante um período de tempo adaptado aos bens da mesma categoria. Assim, o vendedor responde perante uma falta de conformidade do bem com o contrato no momento da entrega, mas esta falta de conformidade pode surgir de um mau funcionamento posterior. Com efeito, se o bem deixa de funcionar normalmente por causa não imputável ao consumidor, tem de entender-se que existe desconformidade, uma vez que esse facto não corresponde ao seu desempenho habitual.» Mais à frente, (ob citada pag 299) este autor afirma que «Para a determinação das qualidades e do desempenho que o consumidor pode razoavelmente esperar, deve ter-se em conta, em primeiro lugar, a natureza do bem. […] Está aqui em causa a natureza do bem e não o seu preço .., pelo que não deve relevar, neste âmbito, se aquilo que se pode esperar do bem é mais ou menos tendo em conta a contraprestação. A ideia de que, se o preço for baixo, o consumidor deve ter menos expectativas no que respeita às qualidades do bem, não pode ser acolhida, uma vez que este critério, para além de não ter base na letra da lei, contraria o espírito do diploma. Com efeito, pretende instituir-se um regime avançado na protecção dos consumidores, que afaste no essencial a ideia de que o comprador se deve acautelar e que imponha ao vendedor o cumprimento das promessas feitas (o caveat emptor deu lugar ao caveat venditor)».
E porque releva, importa assinalar, tal como o faz a sentença recorrida, que : « o regime assenta na consagração do direito à qualidade dos bens e serviços destinados ao consumo umo (art. 4.º da Lei n.º24/96, de 31 de Julho) que se torna efectivo pela imposição da obrigação de entrega dos bens de consumo em conformidade com o contrato, presumindo-se a não conformidade nas hipóteses elencadas nas alíneas do n.º2 do art. 2.º do DL n.º67/2003, de 8 de Abril.
Faz-se assim recair sobre aquele que fornece (o vendedor, o empreiteiro, o prestador de serviço…) a responsabilidade por qualquer falta de conformidade que exista no momento da entrega, presumindo-se ainda que remontam a essa data as faltas de conformidade que se manifestem nos prazos de dois ou cinco anos a contar da entrega, consoante se trate de coisa móvel ou imóvel (ut art. 3.º, n.º1 e 2, do DL n.º67/2003, de 8 de Abril).« Revelando que regime da compra e venda de bem de consumo, afasta-se do regime civil tradicional que faz recair sobre o comprador o dever de se assegurar que a coisa não tem defeitos e é idónea ao fim a que a destina (caveat emptor). Tal passa a estar-lhe garantido, de tal forma que, perante a constatação de um defeito, recai sobre o fornecedor o ónus da prova de ter cumprido tal garantia, isto é, de que o bem foi entregue em conformidade com o contrato, ressalvada a hipótese prevista no art. 2.º, n.º3, do DL n.º67/2003, de 8 de Abril[2] . As conformidade é sempre avaliada pela operação que consiste em comparar a prestação estipulada (explícita ou implicitamente) e a prestação efectuada E o art 2º, nº2 do DL 67/2003 faz uma enunciação dos factos integrantes da previsão da norma que estatui a desconformidade do bem com o contrato[3]. Acresce que o art. 4.º do DL n.º67/2003, de 8 de Abril, na redacção anterior ao DL nº 84/2021, ao contrário do regime do art. 914.º do Código Civil, não impõe ao consumidor qualquer observância da hierarquização de opções quanto aos direitos que lhe assistem perante o vendedor – de reparação, substituição, redução do preço ou resolução do contrato (para além do direito a ser indemnizado conforme consagrado no art. 12.º da Lei n.º24/96, de 31 de Julho) –, sendo a única ressalva assente no exercício abusivo do direito. E a maior favorabilidade deste regime para o consumidor resulta ainda dos prazos mais longos de denúncia e de garantia previstos nos arts. 3.º, n.º2, 4.º, 5.º e 5.º-A do DL n.º67/2003, de 8 de Abril. Por último, assinale-se que com o DL 67/2003 está ultrapassada a sujeição da desconformidade à verificação dos requisitos legais do erro, ao contrário do que acontece no regime de compra e venda de coisas defeituosas do CC[4].
Feitas estas considerações e reportando-nos ao caso em apreço, resulta que ficaram provadas as desconformidades do bem adquirido pelos autores. Para avaliar a conformidade do contrato de compra e venda celebrado entre as partes, no caso, importa comparar as caraterísticas da fracção asseguradas pelo vendedor no contrato promessa de compra e venda, (tendo o contrato-promessa esse valor pois que a ré vinculou-se a vender a fracção a construir com essas caraterísticas) com as características que efectivamente tem a fração entregue aos Autores.
Tal como resulta da factualidade apurada, no contrato-promessa as partes deixaram convencionadas as caraterísticas da fracção prometida vender, designadamente quanto à configuração dos espaços e áreas. Quanto à área da suite, por referência à área bruta assinalada no contrato promessa celebrado entre as partes e ao somatório das áreas das divisões, importa concluir que os referidos 20,39m2 correspondem a uma área útil, quando a suite da fracção construída tem a área útil de 17,30m2. Ou seja, menos 3,63m2. E dos factos provados resulta que a suite que faz parte da fração entregue tem menor área, que foi alterada a configuração da garagem, por referência às qualidades impostas por lei e, por isso, com as quais um comprador pode legitimamente contar, importando concluir pela falta de conformidade da fracção objecto do contrato de compra e venda, atento o previsto no art. 2.º, n.º2, al. a) e d), do DL n.º67/2003, de 8 de Abril. Ao nível da garagem, não tendo embora a renumeração dos lugares de garagem implicado qualquer alteração ao nível do espaço de uso exclusivo, a diferente configuração da envolvente, com a criação de novos lugares de estacionamento em frente ao lugar dos autores, importou uma maior dificuldade na realização das manobras de entrada e saída de viaturas. E veio a constatar-se que, ao nível da regulamentação em matéria de urbanismo do Município do Porto, o edifício construído também não obedece ao estatuído quanto à largura mínima do lugar de estacionamento, pois que na linha de entrada e por causa de um pilar alocado, o lugar tem apenas 2,13m de largura, ao invés de 2,30m; e o portão da garagem tem apenas 3,73m de largura, ao invés de 5m (cfr. arts. B-1/19.º, n.º1, e B-1/19.º, n.º3, do Código Regulamentar do Porto, Diploma publicado na versão originária no DR, 2.ª série, de 19 de Março de 2008).
E como escreveu o tribunal recorrido «importa salientar que estas alterações não redundam nas “pequenas alterações” ressalvadas na planta e no clausulado do contrato-promessa (cfr. factos vertidos nas alíneas 10. e 11. dos factos provados), pois que, ao contrário do estipulado, não se podem dizer – porque tal não resultou alegado e provado pela ré – que tenham sido impostas no decurso da execução da obra “por exigência de alguma especialidade e a obrigações regulamentares»
De resto, sempre se dirá, relativamente à alegação da ré no sentido dos autores antes da celebração do contrato definitivo terem já tido conhecimento das reais caraterísticas da fracção e das partes comuns, que não assiste razão à ré-recorrente. O que resulta dos autos é que anteriormente à celebração do contrato definitivo, os autores questionaram a ré quanto à disparidade de áreas e à renumeração do lugar de garagem. E esse facto não traduz qualquer conhecimento por parte dos autores-recorridos sobre as desconformidades apontadas ao contrato de compra e venda. Como resulta dos factos provados, a questão em torno das áreas limitou-se ao confronto entre o indicado na planta anexa ao contrato-promessa e a área constante da declaração modelo 1 do IMI (e não à área real da fracção vencida) e a questão relativa ao lugar de aparcamento centrou-se apenas na diferença de numeração (e não na alteração da configuração da envolvente), pois que os autores não tinham sequer à data visitado a garagem (factos vertidos nas alíneas 26., 27. e 28. do elenco dos factos provados).
E assim, acompanhamos o tribunal recorrido quando afirma: «Desta forma e perante a explicação dada pela ré limitada ao questionado pelos autores, na véspera da celebração do contrato definitivo, nem se afigura poder afirmar que os autores já tivessem conhecimento das reais caraterísticas da fracção (e das partes comuns), nem sequer que se lhes fosse de exigisse outro comportamento de verificação especial da coisa (como medir previamente as divisões do apartamento ou testar a circulação na garagem…). Assim, da celebração do contrato definitivo, sem qualquer reserva, não se pode extrair a aceitação da falta de conformidade que, nos termos do n.º4 do art. 2.º do DL n.º67/2003, de 8 de Abril, imporia a conclusão pela renúncia do consumidor aos direitos decorrentes da falta de conformidade objectiva.»
Cumpre ainda sumariamente observar que não é aplicável o disposto no art. 888.º do Código Civil, regime do qual a ré se procurou prevalecer para afastar o direito à redução do preço, pois que, mesmo que se viesse a qualificar o contrato como uma venda ad corpus, tal regime resulta afastado pelo regime especial da compra e venda de bens de consumo aplicável no caso sub judice.
Concluindo-se então pela falta de conformidade da fracção vendida, entendemos que assiste aos autores o direito de exigir a redução do preço, de acordo com o previsto no art. 4.º, n.º1, do DL n.º67/2003, de 8 de Abril.
3.3.3 .Da Redução do Preço.
Posto isto, por referência à pretensão dos autores, perante os fundamentos invocados num contexto comum de relação de compra e venda de um bem de consumo que é uma fracção destinada a habitação, coloca-se a questão seguinte: Verificadas que estão a diminuição de área na suite da fração e as alterações nas garagens que determinam a dificuldade na utilização do lugar de estacionamento, como operar a redução do preço, sendo certo que devem ser valoradas as características acordadas pelas partes vertidas no contrato-promessa, as qualidades habituais deste tipo de bens, as expectativas razoáveis dos consumidores-autores? Apreciando e decidindo:
Como já referimos, a lei concede ao consumidor vários direitos, dentre os quais relevam: o direito de reparação, o de substituição, o de redução do preço ou de resolução do contrato (cfr. art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 67/2003). E porque os direitos conferidos ao consumidor, na redação do Dl 67/2003 anterior ao DL nº 21/2021, são independentes uns dos outros, podendo exercê-los livremente, com respeito pelos princípios da boa-fé e dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido (que se traduz, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos) serão as particularidades do caso concreto que enquadrarão as possibilidades de exercício dos diferentes direitos colocados ao dispor do adquirente consumidor.[5]
Vejamos o caso dos autos. Na petição inicial os autores, a propósito, convocaram o valor do preço do metro -quadrado pago pelos mesmos - 200 mil euros pelos cerca de 87 metros quadrados da fracção e indicaram o valor de € 2 298,85 o metro quadrado. Convocaram o valor de 3,62 metros quadrados de redução da área da suite e multiplicando aquele valor por este concluíram que a ré deve ser responsabilizada pelo pagamento aos autores do valor de € 8 321,84 . Relativamente à desconformidade verificada no lugar de garagem convocaramm o critério da equidade.
E na sentença recorrida o tribunal fundamentou a redução do preço nos termos que a seguir se reproduzem: «Concluindo assistir aos autores o direito a exigir a redução do preço, importa aferir da medida justa da redução. Veja-se: Ainda que o preço não tenha sido determinado em razão da área da fracção, no contrato-promessa a fracção prometida vender foi identificada também com referência à sua área bruta e área útil. Nessa medida, já sem a limitação à relevância da divergência superior a um vigésimo imposta pelo art. 888.º, n.º2, do Código Civil porque, como se disse supra, se está perante um contrato de compra e venda de bens de consumo cujo regime arreda tal normativo, afigurar-se-ia, a uma primeira análise e tal como sustentado pelos autores, ser o critério definido em função da área útil o mais adequado para “medir” a redução do preço, ou seja, o valor proporcional a 200.000,00€ a atribuir ao m2 de área útil multiplicado pela diferença entre a área útil de 87,79m2 prometida vender e a área útil real de 84,16m2. Acontece, porém, que o objecto da venda de uma fracção incluiu não só o valor da área útil de habitação mas o valor do lugar de estacionamento, do terraço/jardim e o valor das partes comuns, ou seja, os 200.000,00€ não correspondem só à parte habitacional da fracção mas também à parte não habitacional e a tudo o que é comum no edifício, sendo por isso, pelo menos de densificar o preço com referência à área bruta na medida em que traduz a comparticipação do custo de construção também na área ajardinada cujo uso está atribuído à fracção e ao próprio lugar de estacionamento. Contudo, convocando como pressuposto de cálculo a área bruta (100,62m2, mais 33,50m2 de área ajardinada e 12,50m2 de lugar de estacionamento), não se chegaria a uma medida de redução adequada, pois que ao nível da área bruta a diferença entre o prometido vender e o vendido não assume relevo. Desta forma, a convocação deste critério importaria a anulação do direito à redução do preço que se concluiu ser de reconhecer aos autores e, sobretudo, quando a menção da área útil das divisões assume relevo na economia da transacção e, nessa medida, foi de concluir pela desconformidade da coisa vendida.
Perante o constatado, julga-se que o adequado e proporcional para encontrar a medida da redução é partir do custo do m2 da área bruta e rectificá-lo em função do maior valor do custo da concreta divisão cuja área foi diminuída. Explicando melhor, é sabido que o custo de construção (o custo do terreno dependente da sua localização, o custo do licenciamento, o custo dos materiais e mão-de-obra e amortização dos equipamentos…) que está subjacente à determinação do preço constitui uma média, pois que nem toda a área da fracção tem o mesmo custo de construção. Na normalidade das circunstâncias, é mais cara a construção de uma casa-de-banho do que de um quarto ou de uma sala e estes mais caros do que o custo de construção da garagem. Assim, ponderando o valor da construção em razão da área bruta de 1.282,05€ (200.000,00€/156,00m2), majora-se o custo de construção da suite (que engloba o quarto e a casa de banho) em 1/2, chegando ao valor de 1.923,08€/m2. Fixa-se, desta forma, a redução do preço em razão da diminuição da área da suite anunciada em 6.980,78€. Quanto ao desvalor da fracção em virtude dos condicionamentos de circulação na garagem, cumpre salientar que a quantificação da medida de redução, que se impõe ante a conclusão pela limitação do uso, resulta mais difícil ante a falta de elementos mensuráveis passíveis de serem convocados, dificuldade que não se julga passível de ser ultrapassada pela realização de uma perícia em sede de incidente de liquidação. A dificuldade de realização das manobras de entrada e saída do lugar de estacionamento, bem como de circulação na garagem ante a inobservância da largura regulamentar do portão tem repercussão quer no quotidiano em que as entradas e saídas se tornam mais morosas e necessitadas de atenção do condutor, quer na escolha e aquisição de um veículo. Ponderando estas duas dimensões, em função do nível da construção do empreendimento denunciada pelo preço da fracção reportado a 2018, julga-se proporcional fixar a redução em 3.500,00€»
Já a recorrente, no essencial alega nas conclusões 15ª e ssº que os autores não alegaram, nem provaram que a fracção ficou desvalorizada em virtude das desconformidades apontadas, nem o valor dessa desvalorização. E discorda dos critérios seguidos na redução do preço, alegando que os valores encontrados quanto à diferença de área útil da suite e quanto à desconformidade verificada na área envolvente do respectivo lugar de garagem, são, subjectivo e arbitrário, respectivamente.
Decidindo: O remédio da redução do preço, sendo útil nos casos em que o preço ainda não foi totalmente pago não é de excluir nas situações como a dos autos em que o preço foi totalmente pago. Nestes casos o consumidor tem o direito a requerer a redução do preço, traduzido na condenação do vendedor a devolver o montante correspondente. Assim, consagra-se o direito do consumidor à redução do preço que deve ser proporcional à diminuição do valor dos bens que foram recebidos pelo consumidor, em comparação com o valor que teriam se estivessem em conformidade. Na verdade, concluir de forma diferente equivaleria a aceitar como recta perante o Direito a actuação da ré que, comprometendo-se a vender uma fracção num edifício com determinadas caraterísticas, não cumpriu pontualmente a prestação a que se obrigou. E no tocante à requerida aplicação dos artigos 888º e 911º e seguintes do Código Civil, cuja aplicação ao caso dos autos, é pretendido pela recorrente, diremos o seguinte: Estabelece o artigo 888º do CC, sob a epígrafe “Artigo 888.º - (Coisas determinadas. Preço não fixado por unidade)” 1. Se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade. 2. Se, porém, a quantidade efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional. E o art 911º do CC sob a epigrafe “(Redução do preço) estabelece: 1. Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir. 2. São aplicáveis à redução do preço os preceitos anteriores, com as necessárias adaptações.
Ora, como tivemos oportunidade de referir o subtipo da compra e venda de bem de consumo é um regime especial relativamente ao regime comum da compra e venda de bens previsto no C.Civil, sendo que as estas normas que disciplinam o contrato de compra e venda comum são por aquelas derrogadas quando ocorra uma incompatibilidade no seu campo de aplicação perante as relações de consumo. E como assinalado o art 4º nº1 do DL 67/2003 confere ao consumidor o direito à redução adequada do preço, sendo um direito vocacionado para repor o equilíbrio negocial entre as partes, pressupondo a vontade do consumidor de ficar com o bem desconforme. E como salienta a doutrina[6], o diploma não contém qualquer elemento para a determinação do valor da redução, mas este deve ser apurado com recurso a critérios objectivos, não estando da dependência de uma avaliação subjectiva do valor da falta de conformidade pelo consumidor. Na falta de outros critérios, podem ser aplicadas as normas do CC que regulam a redução do preço que fica limitada a parte do seu objecto (art 884ºcc), de venda de bens onerados (art 911º cc) e de empreitada defeituosa (art 1222º cc). A redução do preço corresponde ao valor da desvalorização do bem tendo em conta a desconformidade com o contrato, sendo que se deve ter como valor de referência o que foi efetivamente pago e não o preço de mercado que o bem tenha à data em que o consumidor se quiser fazer valer do direito..
Serve isto para adiantar que se nos afigura que o critério acolhido na sentença recorrida para estabelecer a redução do preço está suportado legalmente
Repare-se que na sentença recorrida a Mma Juiz limitou-se a aplicar o critério da proporcionalidade, e, assim, apurou o valor do metro quadrado da área útil pago pelos autores e multiplicou-o pelos metros quadrados de área útil em falta na suite da fracção, tendo afastado de forma adequada e fundamentada a utilização o valor da área total da fração, incluindo a área coberta, a área exterior de varanda, a área exterior ajardinada e a área de garagem. Já quanto à desconformidade verificada ao nível da garagem, seguiu o critério da equidade, na falta de elementos objectivos para o efeito, uma vez que a área da garagem não foi reduzida sofrendo restrições a utilização da mesma por facto imputável ao vendedor, restrições que se aproximam até de “uma quase privação do uso do lugar de garagem “se tivermos em conta os incómodos sofridos por quem pretender estacionar e retirar o veículo diariamente daquele lugar de garagem ! Tendo em conta as desconformidades verificadas que o imóvel apresenta é seguro que a desvalorização do imóvel nunca seria inferior ao valor apurado na sentença recorrida. De resto, quanto ao valor apurado relativamente à redução do preço da garagem afigura-se-nos , na medida em que a área da garagem não sofreu diminuição que o critério seguido da equidade, é aquele que melhor se adequa ao caso dos autos, não vislumbrando este tribunal que esse valor seja excessivo.
3.3.4 .Dos Danos Não Patrimoniais.
Pediram ainda os autores a condenação da ré no pagamento da quantia de 15.000,00€, com fundamento no sofrimento de danos não patrimoniais decorrentes do cumprimento defeituoso do contrato. Relativamente aos danos não patrimoniais cuja compensação foi fixada no valor de € 5.000,00 a atribuir a cada um dos autores, a recorrente alega que o simples descontentamento dos Autores com a diferença da área da suite e com a necessidade de realizar manobras para estacionar um veículo automóvel não se apresentam com a suficiente gravidade para merecer a tutela do direito, entendendo-se, pois, que os Autores não devem beneficiar de qualquer compensação por danos morais. Sem conceder, alega ainda que uma indemnização do montante de € 5.000,00 para cada um dos Autores é manifestamente exagerada e desproporcionada ao alegado dano, devendo ser fixada no máximo, no montante de €500,00 para cada um dos Autores.
Quid iuris ?
A pretensão indemnizatória dos autores, enquanto consumidores, encontra apoio no disposto no art. 12.º, n.º1, da Lei n.º24/96, de 31 de Julho. Em termos mais amplos do que o previsto para o incumprimento dos contratos em geral nos arts. 798.º e 799.º do Código Civil, o regime de tutela do consumidor prevê expressamente a ressarcibilidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais (“O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos”).
Na sua vertente não patrimonial, o dano abrange os prejuízos (como, por exemplo, as dores físicas, os desgostos morais ou por perda de capacidades físicas ou intelectuais, os vexames, sentimentos de vergonha, estados de angústia, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização[7]. A nossa lei, no art. 496º do CC, não determina quais os danos não patrimoniais que são compensáveis, limitando-se a fixar um critério geral que é o da gravidade desses danos. Segundo o n.º 1 do citado normativo, «[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». «A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)». O mesmo é dizer que a gravidade deve ser apreciada em termos objetivos, evitando estados de especial sensibilidade[8]. Já os simples incómodos ou as meras contrariedades não serão, em regra, suficientes para justificar uma indemnização. Por conseguinte, para serem indemnizáveis exige-se que os danos não patrimoniais sejam graves e que mereçam, por essa gravidade, a tutela do direito. E como a jurisprudência tem salientado, não é fácil avaliar na prática os danos não patrimoniais. Na maioria das vezes não existe uma evidência física dos prejuízos e, mesmo quando ela exista, torna-se difícil conhecer as suas reais consequências. Segundo o n.º 4 do art. 496º do CC, o cálculo do montante da compensação monetária por danos não patrimoniais deve obedecer a um juízo equitativo – não podendo, por definição, ser feita através da fórmula ou da teoria da diferença[9] –, tendo em atenção a natureza e intensidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias atendíveis, nomeadamente, as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, as flutuações do valor da moeda, não devendo perder-se de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, de modo a procurar alcançar, até por uma questão de justiça relativa, uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC[10]. E como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que a sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta lesiva. Daí que se entenda que, sem embargo da função punitiva que outrossim reveste, a compensação por danos não patrimoniais “tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral”[11]
Para responder atualizadamente ao comando do art. 496.º do CC e constituir uma efetiva possibilidade compensatória, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a compensação tem de ser significativa, e não miserabilista ou meramente simbólica, de modo a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar[12], não devendo, por outro lado, ser reconduzida ao puro arbítrio.
Diga-se, por fim, que o juízo de equidade da 1ª instância, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deverá ser mantido sempre que, situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida, se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade[13].
Feitas estas considerações, os autores-recorridos lograram provar que se sentiram enganados com a conduta da ré, o que lhes vem causando stress e perturbações. Salienta-se, igualmente, que o imóvel foi comprado pelos autores com recurso ao crédito, tanto que hipotecaram a fracção, que são um casal jovem com dois filhos menores (aliás, de tenra idade) e que a fracção adquirida destinou-se à habitação dos próprios, onde residem actuamente. Os danos a ter em conta são, na verdade, os descritos não item 40 dos factos provados. Ora, no caso sub judice, os provados stress e perturbações que afectaram os autores assumem a gravidade suficiente para que se considere verificado um dano não patrimonial merecedor da tutela do direito. É indiscutível, face ao critério acima exposto, que estes danos são indemnizáveis, constituindo um verdadeiro prejuízo o facto de os AA./recorridos não poderem fruir de uma casa em conformidade com as expetativas que razoavelmente criaram tendo em conta o contrato promessa celebrado, sendo que terão de suportar as desconformidades verificadas no imóvel adquirido uma vez que não são reparáveis, impondo-se ainda a compensação porque se justifica no caso sanacionar a actuação da ré-recorrente. E como bem escreveu a Mma Juiz a quo: “ A aquisição de um imóvel destinado a habitação representa para a grande generalidade dos cidadãos um grande esforço e sacrifício financeiro, ao qual, por necessidade de recurso ao crédito, se vêm presos tantas vezes por décadas, constituindo tantas vezes o projecto mais ambicioso e a única aquisição de um imóvel que conseguem fazer ao longo de uma vida. E mais: pelo destino que lhe é dado, o imóvel adquirido assume um importante significado no âmbito da dinâmica familiar, enquanto centro de vida, sendo também o local privilegiado por cada um de reserva da intimidade, onde procura necessariamente encontrar conforto e bem-estar. É, por isso, legítima a grande expectativa colocada pelos compradores na perfeição da coisa adquirida, em função do que lhes é anunciado, prometido, ambicionado em função das suas necessidades… Nesta medida, a frustração decorrente do sentimento de terem sido enganados e o stress e perturbações vivenciados perante o confronto com a falta de qualidades da coisa, a ausência de reconhecimento dos vícios por parte da ré e contributo activo para encontrar uma solução, julga-se serem o bastante para representar um verdadeiro dano pois que ultrapassa de modo relevante a mera frustração decorrente da comum vivência em sociedade e do risco do “eu” se relacionar com o “outro”.
Posto isto, afigura-se-nos perante as considerações expostas que os valores fixados pelo tribunal recorrido para compensar os danos morais sofridos pelos autores recorridos não merecem censura, confirmando-se também nesta parte a sentença recorrida.
Sumário. ………………………… ………………………… …………………………
IV. DELIBERAÇÃO. Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela ré-recorrente, e, assim, confirmam a sentença recorrida. Custas pela recorrente.
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