Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
264/18.3PASJM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DE FACTOS
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DIREITOS DE DEFESA DO ARGUIDO
Nº do Documento: RP20241204264/18.3PASJM.P1
Data do Acordão: 12/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO A RECURSO INTERCALAR E AO RECURSO DO ACÓRDÃO PROLATADO NOS AUTOS.
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – O artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal não exige que a comunicação de alteração de factos a que se reporta inclua a especificação dos meios de prova em que se baseia essa alteração.
II – Essa especificação não é exigida pelas garantias constitucionais do exercício do contraditório e dos direitos de defesa do arguido.

(da Responsabilidade do Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr 264/18.3PASJM.P1





Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto



I 1. –
AA veio interpor recurso do douto despacho do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira (Juiz 1) do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que indeferiu a arguição de nulidade da comunicação de alteração não substancial de factos constantes da acusação, nos termos do artigo 358.º do Código de Processo Penal, efetuada durante o julgamento realizado no presente processo.

São as seguintes as conclusões da motivação deste recurso:

«A. O aqui Recorrente veio acusado, na douta acusação pública, da prática, em autoria material, em concurso efetivo e na forma consumada, de três crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256º nº 1, alíneas a), c), d) e e), por referência ao artigo 255° nº 1, alínea a), ambos do Código Penal; de três crimes de burla simples, previstos e punidos pelo artigo 217º nº 1, também do Código Penal; e também em concurso efetivo, mas já em coautoria material com a arguida BB, a prática de sete crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256º nº 1, alíneas a), c), d) e e) do Código Penal, por referência ao artigo 255º n.º 1, alínea a), também do Código Penal.; de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º nº 1, alíneas a), c), d) e e) e nº 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255º n° 1, alínea a), também do Código Penal; e de quatro crimes de burla simples, previstos e punidos pelo artigo 217º nº 1 do Código Penal; e ainda a prática, em coautoria com a arguida BB, mas na forma tentada, de dois crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo artigo 256º nº 1, alíneas a), c), d) e e) do Código Penal, por referência aos artigos 22º, 23º e 255º nº 1, alínea a), também do Código Penal;
B. O assistente CC apresentou acusação particular onde aderiu à acusação pública, na parte que lhe diz respeito, imputando ao aqui Recorrente e à arguida BB a prática, em coautoria material, sob a forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256º nº 1, alíneas a), c), d) e e), por referência ao artigo 255º nº 1, alínea a), ambos do Código Penal; e de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217º nº 1, do Código Penal.
C. O demandante CC deduziu pedido de indemnização civil contra os demandados BB e AA, pedindo a condenação dos mesmos a, solidariamente, pagarem-lhe, a título de indemnização por danos morais sofridos, a importância de € 750,00, acrescida de juros à taxa legal devidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.
D. Realizou-se a audiência de julgamento, sempre com a presença do aqui Recorrente, e na ausência da arguida BB, que mesmo devidamente notificada, nunca compareceu em julgamento.
E. Por Decisão proferida a 17 de maio de 2024, referência CITIUS 133153557, o tribunal a quo comunicou uma alteração não substancial dos factos, tendo concedido como prazo de defesa 3 dias aos arguidos.
F. No prazo fixado o aqui Recorrente pronunciou-se por requerimento, referência CITIUS 16199056, invocando a nulidade, por aplicação analógica, intrassistemática, dos artigos 283.º, nº 2 e 379º, nº 1 do CPP, da decisão de comunicação prevista na mencionada norma legal, por falta de indicação objetiva dos factos que foram alterados: não identifica os factos que foram clarificados, modificados e nem os factos instrumentais que foram alterados,
G. Bem, como não o Tribunal a quo não fez qualquer menção aos concretos meios de prova indiciária que justificaram ou fundamentaram a comunicação da alteração dos novos factos em causa.
H. Deste requerimento apresentado pelo aqui Recorrente, o Tribunal a quo, proferiu despacho, no mesmo dia em que foi lido o acórdão, referência Citius 133525002, 11/06/2024, e nesse mesmo dia os sujeitos processuais foram notificados do mesmo.
I. Segundo o Tribunal a quo, e em síntese, concluiu que a comunicação referente à alteração não substancial dos factos não padece de qualquer nulidade nem de qualquer inconstitucionalidade, dado que, nomeadamente, “Compulsada a decisão/comunicação a que se refere o artigo 358º nº 1 do CPP, em particular o elenco dos factos indiciados, verifica-se, é certo, que na mesma se indicam todos os factos aditados, alterados na sua redação, bem como os factos da acusação que não sofreram qualquer alteração, sem que se salientassem/enfatizassem de alguma forma tais aditamentos ou alterações de redação [embora no texto word existisse esse salientar através da escrita a negrito mas que ao inserir no CITIUS, por razões que se desconhece, esse negrito não se manteve]. Em todo o caso, a defesa tinha todas as condições para verificar as modificações feitas à acusação, através de um pequeno exercício de comparação entre o elenco dos factos indiciados constantes da comunicação e o elenco dos factos constantes da acusação. Portanto, não se pode considerar que essa razão coartou de alguma forma o exercício do direito de defesa do arguido.”
J. O aqui Recorrente não se conforma com o teor da Decisão proferida a 11 de junho de 2024 (referência Citius 133525002) que considerou válida a decisão/comunicação (referência Citius133153557) da alteração não substancial dos facto, proferida a 17 de maio de 2024, arguindo a nulidade da dita decisão e como consequência a nulidade do acórdão proferido, nos termos da alínea b) do nº 1 do art.º 379.º do CPP.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento deste recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento deste recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

I 2. –
A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação deste recurso, a de saber se se verifica, ou não (como se sustenta no despacho recorrido), a nulidade da comunicação de alteração não substancial de factos constantes da acusação, nos termos do artigo 358.º do Código de Processo Penal, efetuada durante o julgamento realizado no presente processo.

I 3. –
É o seguinte o teor do despacho recorrido:

«O Tribunal, na sequência da produção da prova em audiência de julgamento, entendeu proferir a seguinte decisão, com a Refª 133153557:
“Na sequência da produção de prova levada a cabo nos presentes autos, resultou que os factos da acusação carecem uns de alteração da sua redação e outros de clarificação e, bem assim, aditar alguns factos instrumentais.
Assim, para a eventualidade de se vir a considerar que estamos perante uma alteração não substancial dos factos, procede-se à comunicação de tal alteração nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358º nº 1 do CPP.
Acresce que, por forma a tornar mais claro o teor dos factos e o respetivo enquadramento, procede-se à comunicação de todos os factos, mesmo os que já constam das acusações e da contestação, com as respetivas alterações e aditamentos.
Factos indiciados:
[Não se descrevem os factos indiciados atenta a sua extensão, mas deixam-se aqui por reproduzidos nos termos que melhor se descreveram na referida decisão com a Refª 133153557, para todos os efeitos legais].
[…]
Notifique os arguidos, através dos seus defensores, para, querendo, prepararem a sua defesa no prazo de 3 dias [já que as modificações são poucas], ao abrigo do disposto no artigo 358º nº 1, parte final, do CPP.”.
*
O arguido AA, por requerimento com a Refª 16199056, veio pronunciar-se nos termos seguintes:
“AA, arguido nos autos supra melhor identificados, notificado, referência Citius 133163616, vem expor e requerer O que faz nos termos e fundamentos seguintes:
1.No dia 20 de maio de 2024 foi o arguido notificado do douto despacho e da douta Decisão com referência Citius 133153557.
2. Na Decisão, para além do mais, é dito “Na sequência da produção de prova levada a cabo nos presentes autos, resultou que os factos da acusação carecem uns de alteração da sua redação e outros de clarificação e, bem assim, aditar alguns factos instrumentais. Assim, para a eventualidade de ser vir a considerar que estamos perante uma alteração não substancial dos factos, procede-se a comunicação de tal alteração nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 358.º, nº 1 do CPP.”
Assim, na douta Decisão,
3. Por um lado, refere-se que na “Na sequência da produção de prova levada a cabo nos presentes autos, resultou que os factos da acusação carecem uns de alteração da sua redação e outros de clarificação e, bem assim, aditar alguns factos instrumentais”
4. Ora se assim é, cabe a este douto Tribunal identificar qual a prova produzida que resultou que factos da acusação careçam uns de alteração da sua redação e outros de clarificação e ainda aditamento de factos instrumentais.
5. Por outro lado, cabe a este douto Tribunal a identificação dos factos que carecem de alteração da sua redação;
6. Ainda, cabe a este douto Tribunal a identificação dos factos que devem ser clarificados,
7. E ainda, cabe a este tribunal a identificação de quais os factos de foram aditados.
8. Ora, na notificação recebida, apenas se junta a acusação, com nova redação, sem identificação dos factos que foi alterada a sua redação, sem identificação dos factos que foram clarificados e sem identificação dos factos instrumentais que foram aditados!
9. Ora tais omissões violam de forma frontal os direitos de defesa do Arguido!
Continuando:
10. É referido “…para a eventualidade de se vir a considerar que estamos perante uma alteração não substancial dos factos…”
11. E por fim, no último parágrafo da douta Decisão é ordenada a notificação dos arguidos ao abrigo do disposto do nº 1 do art.º 358.º do CPP, para apresentar defesa.
Ora,
12. Se há uma notificação ao arguido nos termos e para os efeitos do nº1 do art.º 358.º do CPP, é porque o douto Tribunal decidiu que se verificou uma alteração não substancial dos factos.
Ora, assim sendo,
13. Vejamos, então quais os requisitos da comunicação ao arguido nos termos do nº 1 do art.º 358.º do CPP.
14. O teor do despacho/decisão de alteração não substancial dos factos, no seguimento do da natureza acusatória do nosso processo penal, do direito do arguido ao exercício efetivo da sua defesa perante novos factos que o tribunal entenda apreciar na sentença, no pressuposto de que, se o tribunal entende proceder à dita alteração não substancial é porque tal alteração se reveste de interesse ou, no dizer da lei, de relevo, significa que a comunicação a que se refere o artigo 358.º, deve obedecer a determinados requisitos, nomeadamente formais e substanciais, sob pena de, a não se entender assim, o princípio do contraditório não ser observado e respeitado na sua plenitude e o arguido acabar por ser surpreendido com uma decisão diferente do expectável.
15. “I – A comunicação a fazer ao arguido na situação prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, da alteração não substancial dos factos, deve abranger não só o facto ou factos objeto da alteração, mas também a indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão. II - Só esta concretização permitirá ao arguido identificar o objeto da sua defesa, contraditando os meios de prova já produzidos e oferecendo quiçá outros que, em seu entender, possam abalar os indícios até então existentes e entretanto comunicados”
16. “Quando o tribunal entende, pois, que existe uma alteração não substancial, de relevo, e entende ainda que a deve levar em conta na decisão a proferir, surge então a necessidade de dar cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, que se traduz em comunicar esta alteração ao arguido.
Esta exigência ou necessidade de comunicação surge por dois motivos:
- Desde logo porque, vigorando o apontado princípio do acusatório, qualquer alteração à acusação deve ser comunicada ao arguido, no sentido de esclarecê-lo que, para além dos factos que já constam da acusação, o tribunal apreciará ainda mais os que se traduzirem em tal alteração.
- Em segundo lugar porque vigora também o princípio do contraditório, segundo o qual assiste ao arguido o direito de contestar e impugnar não só os factos iniciais já conhecidos, mas quaisquer outros que surjam e que o tribunal pretenda levar em consideração, de modo que o arguido não seja condenado por factos dos quais não se defendeu, que não seja sujeito de uma decisão/surpresa.
Pelo que se exige que, para além da comunicação, seja concedido ao arguido, se o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.”
17. Ora, e conforme já dito o teor da Decisão ora notificada não cumpre os requisitos legais, pois não é indicado ou indicados os factos objeto de alteração de redação, clarificação ou aditamento.
18. Nem sequer são concretizados os meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos!
19. A alteração não substancial dos factos tutelada pelo citado normativo (art.º 358.º do CPP) deverá estar sustentada num conjunto credível de meios de prova, ou num meio de prova particularmente credível, de tal forma que em relação aos mesmos se possa formar um juízo de indiciação suficiente semelhante àquele que esteve subjacente à dedução da acusação, nos termos contidos no artigo 283.°, n.º 2 do CPP.
20. Consequentemente, as garantias de defesa impõem que sejam identificadas, com rigor e precisão, as concretas provas em que se sustenta a alteração preconizada,
21. Bem como que seja identificado de forma rigorosa o facto ou factos que foram objeto de alteração e/ou aditamento.
22. Pois, só dessa forma o arguido estará devidamente habilitado a posicionar-se sobre esses factos e sobre essas hipotéticas provas e exercer, cabal e plenamente, o contraditório, eventualmente, indicando outras que refutem aqueloutras hipotéticas.
23. Esta exigência da comunicação dos concretos meios de prova indiciária que justificam ou fundamentam a comunicação da alteração do novo facto em causa, é essencial, pois podem ser produzidas durante a audiência inúmeras e variadas provas e só com essa indicação está o arguido habilitado e exercer, com o dito rigor, na sua plenitude, o seu direito de defesa, sob pena deste “exercício de defesa”, não passar de mera formalidade sem defesa efetiva.
24. Com efeito, da mesma forma que, para a acusação, se exige essa indicação (cfr. citado artigo 283.º, n.ºs 2 e 3 do CPP), tal imperativo também haverá de ser exigido para a comunicação a que alude o artigo 358.°, n.º 1 do CPP, até por força do comando previsto no n.º 5 do artigo 95.º do mesmo Código.
25. ln casu, a Decisão que pretende traduzir a referida comunicação, não cumpre os enunciados requisitos, contemplando uma formulação vaga, genérica e meramente tabelar, estando, por isso, inquinado de nulidade, por aplicação analógica, intra-sistemática, dos artigos 283.º, n.º 3 e 379.º, n.º 1 do CPP - o que se invoca.
26. Desde já, se suscitando a inconstitucionalidade do artigo 358.º n.º 1 do CPP, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da CRP, na medida em que seja interpretado em sentido contrário ao propugnado nos precedentes artigos.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que doutamente V. Exa. suprirá, deve o presente ser admitido com as devidas consequências legais.
[…]”.
*
Não se pronunciou qualquer outro sujeito processual.
*

Cumpre apreciar e decidir a invocada nulidade e a alegada inconstitucionalidade, ainda que se entenda que as mesmas poderiam ser apreciadas em eventual recurso do acórdão que se viesse a proferir.
Apreciando:
1ª questão: A alegação de que não é indicado ou indicados os factos objeto de alteração de redação, clarificação ou aditamento:
Vejamos:
Compulsada a decisão/comunicação a que se refere o artigo 358º nº 1 do CPP, em particular o elenco dos factos indiciados, verifica-se, é certo, que na mesma se indicam todos os factos aditados, alterados na sua redação, bem como os factos da acusação que não sofreram qualquer alteração, sem que se salientassem/enfatizassem de alguma forma tais aditamentos ou alterações de redação [embora no texto word existisse esse salientar através da escrita a negrito mas que ao inserir no CITIUS, por razões que se desconhece, esse negrito não se manteve].
Em todo o caso, a defesa tinha todas as condições para verificar as modificações feitas à acusação, através de um pequeno exercício de comparação entre o elenco dos factos indiciados constantes da comunicação e o elenco dos factos constantes da acusação. Portanto, não se pode considerar que essa razão coartou de alguma forma o exercício do direito de defesa do arguido.
Não ocorre, por isso, qualquer nulidade.
2ª questão: A alteração não substancial dos factos tutelada pelo artigo 358.º do CPP deverá estar sustentada num conjunto credível de meios de prova, ou num meio de prova particularmente credível, de tal forma que em relação aos mesmos se possa formar um juízo de indiciação suficiente semelhante àquele que esteve subjacente à dedução da acusação, nos termos contidos no artigo 283.°, n.º 2 do CPP e, consequentemente, as garantias de defesa impõem que sejam identificadas, com rigor e precisão, as concretas provas em que se sustenta a alteração preconizada:
Não olvidamos que, quanto ao conteúdo do despacho que procede à comunicação da alteração não substancial dos factos a que se refere o artigo 358º nº 1 do CPP, nomeadamente quanto ao alcance da obrigação da fundamentação de tal comunicação, há pelo menos duas correntes na jurisprudência:
Uma corrente, que cremos seja minoritária, pelo menos tendo em conta a publicada [veja-se, nomeadamente o Acórdão do TRC de 23/10/2019, processo nº 163/17.6GAMGR.C1, em www.dgsi.pt, que parece ter sido, aliás, com base neste acórdão que a defesa se baseou, bem como a demais jurisprudência mencionada no referido aresto, tal como o Acórdão do TRC de 13/12/2011, processo nº 878/07.7TACBR.C1, igualmente em www.dgsi,pt], entende que a comunicação da alteração não substancial dos factos deve abranger não só o facto ou factos objeto da alteração, mas também a indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos, pois só esta permitirá ao arguido contraditar os meios de prova já produzidos e oferecendo outros que, em seu entender, possam abalar os indícios dos factos entretanto comunicados. E que o não cumprimento desta exigência implica a nulidade do artigo 379º, nº 1, alínea b), do CPP, pois a condenação ocorre fora do condicionalismo e exigências legais do artigo 358º, nº 1 do CPP.
Acresce referir que, mesmo para a jurisprudência que tem tal entendimento, alguns arestos consideram que a falta de indicação dos correspondentes meios de prova não corresponde a uma nulidade, mas antes a uma irregularidade a arguir nos termos do artigo 123º nº 1 do CPP [veja-se, nomeadamente, o Acórdão do TRP de 13/01/2016, processo nº 411/12.9TALSD.P1, em www.dgsi.pt].
Já aquela que consideramos ser a maioria da jurisprudência [veja-se, nomeadamente, o Acórdão do TRE de 28/02/2023, processo nº 8/22.5GECUB.P1; o Acórdão do TRP de 09/11/2022, processo nº 471/20.9PIVNG.P1; o Acórdão do TRC de 12/07/2022, processo nº 260/11.JALRA.C1; e o Acórdão do TRL de 06/11/2010, processo nº 233/03.8PDFUND.L1-5;, todos em www.dgsi.pt] entende que o conteúdo do despacho que ao abrigo do artigo 358º do CPP procede à comunicação da alteração não substancial dos factos não carece de especificação dos meios de prova em que o tribunal se fundamentou para a referida alteração.
Os argumentos apresentados, singular ou conjuntamente, são os seguintes: a letra da lei não impõe expressamente no artigo 358º do CPP a especificação dos meios de prova que suportam a alteração; trata-se de um despacho não decisório; tratam-se de factos indiciados e não de factos provados; trata-se de um mero juízo provisório; a indicação/sustentação probatória tem é que existir aquando da motivação da decisão de facto, não fazendo qualquer sentido que ainda em tempo da discussão do pleito o tribunal adiante qual o juízo probatório que está a fazer; basta que na fundamentação da comunicação de alteração de factos se faça uma indicação genérica de que os mesmos resultaram da discussão da causa.
Aliás, tendo os arguidos, particularmente através dos seus defensores, estado presentes na audiência onde foi produzida toda a prova e que, tal como o Tribunal, percecionaram o que dela resulta, sabe em que prova o Tribunal se baseou, pois que não se socorreu, como não podia, a nenhuma outra prova que não estivesse nos autos ou não tivesse sido discutida em audiência.
Aqui chegados, necessário é concluir que não tinha o Tribunal que indicar os meios de prova em que se baseou para fazer a comunicação dos factos indiciados, pelo que não se verifica qualquer nulidade na decisão/comunicação de 17/05/2024, com a Refª 133153557 [2ª parte].
3ª questão: A invocada inconstitucionalidade do artigo 358º nº 1 do CPP, por violação do artigo 32º, nºs 1 e 5 da CRP, na medida em que a referida norma seja interpretada em sentido contrário ao propugnado pelo arguido no seu requerimento:
Quanto à questão da interpretação do artigo 358º nº 1 do CPP, no sentido de que a comunicação de alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, não carece de ser acompanhada de referência especificada aos meios de prova indiciária em que se fundamenta, portanto, entendimento contrário ao propugnado pelo arguido, o Tribunal Constitucional já se pronunciou, pela não inconstitucionalidade [veja-se, nomeadamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 216/2019, a consultar em https://www. tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20070237.html.
Diz o Tribunal Constitucional “De facto, perante a comunicação da alteração não substancial dos factos, ainda que desacompanhada da referência aos meios de prova em que se fundamenta, a possibilidade de o arguido utilizar um prazo para preparar a sua defesa, nomeadamente arrolando novos meios de prova e proferindo alegações, a final, sobre toda a prova produzida, salvaguarda o direito do mesmo a poder pronunciar-se sobre todos os factos e questões que, direta ou indiretamente, se repercutem na pretensão punitiva do Estado e da qual ele é alvo.
Por tais razões, entendemos que a interpretação normativa extraída da conjugação dos artigos 358.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que ora se sindica, no sentido de que a comunicação da alteração não substancial dos factos, efetuada no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos citados preceitos, não carece de ser acompanhada da referência aos meios de prova indiciária em que se fundamenta, não impede uma defesa eficaz do arguido, não se mostrando, por essa razão, passível de censura jurídico-constitucional, por afetação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente por inobservância do princípio do contraditório.”.
Ora, porque este Tribunal se revê em tal argumentação, sem mais considerações, porque desnecessárias, concluímos pela não inconstitucionalidade do artigo 358º nº 1 interpretado em dissonância com o propugnado pela defesa no seu requerimento.
Assim, não tendo o arguido AA indicado prova para a sua defesa, nenhuma razão há para que não se dê por finda a audiência de julgamento com a leitura do acórdão proferido por este Tribunal Coletivo que se segue.»

I 4. –
Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que se verifica (ao contrário do que se sustenta no despacho recorrido) a nulidade da comunicação de alteração não substancial de factos constantes da acusação, nos termos do artigo 358.º do Código de Processo Penal, efetuada durante o julgamento realizado no presente processo. Invoca a aplicação analógica, intrassistemática, dos artigos 283.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e alega a falta de indicação objetiva dos factos que foram alterados (não foram identificados os factos clarificados e modificados, nem os factos instrumentais alterados) bem como a ausência de qualquer menção aos concretos meios de prova indiciária que justificaram ou fundamentaram a comunicação da alteração dos novos factos em causa. Em consequência dessa nulidade, será nulo o acórdão que veio a condenar o arguido e recorrente.
Vejamos.
Não tem razão o arguido e recorrente quando afirma que, no cumprimento do artigo 358.º do Código de Processo Penal, não lhe foram comunicados os factos alterados ou clarificados, ficando ele, desse modo, impedido de exercer os seus direitos de defesa. Foi-lhe fornecida uma nova versão do elenco dos factos constante da acusação e bastar-lhe-ia comparar as duas versões para identificar tais factos. De modo algum se pode dizer que essa comparação (para que também lhe foi dado um prazo de três dias) seria, para ele, um ónus inaceitável. É certo que essa comparação seria facilitada se as alterações fossem destacadas (como era intenção do tribunal, mas que se frustrou por razões que se ignoram), mas não é certamente a ausência desse destaque que impede tal comparação.
Não se verifica, pois, qualquer incumprimento do artigo 358.º do Código de Processo Penal (com o consequente obstáculo ao exercício do contraditório e dos direitos de defesa do arguido) por este motivo.
Também não se verifica esse incumprimento, nem esse obstáculo ao exercício do contraditório e dos direitos de defesa do arguido, pelo facto de a comunicação em causa não especificar os meios de prova em que se baseiam os indícios que conduziram à alteração de factos em causa.
Invoca o arguido e recorrente, a este propósito, a aplicação analógica do artigo 283.º do Código de Processo Penal, relativo à acusação e à exigência de indicação dos meios de prova em que a mesma assente.
Afigura-se-nos, porém, que não se verifica essa analogia. Ao fazer a comunicação a que se reporta o artigo 358.º, o tribunal não está a substituir-se ao Ministério Público, não está a transmitir um qualquer juízo a respeito da suficiência de indícios da verificação dos factos em causa (como faz o Ministério Público ao deduzir acusação). Se o fizesse, estaria, de algum modo e ainda que não ainda em termos definitivos, a antecipar a decisão final, esvaziando a finalidade do exercício dos direitos de defesa do arguido.
Para todos os efeitos, a exigência de especificação dos meios de prova em que se possam basear os indícios que levam à alteração de factos comunicada através do artigo 358.º do Código de Processo Penal vai além da letra deste artigo e da intenção do legislador. Não se trata de uma lacuna a integrar com recurso à analogia com as normas sobre a acusação (ou a pronúncia), porque são diferentes as situações. E também não se trata de uma exigência imposta pela garantia constitucional do contraditório e dos direitos de defesa do arguido.
Que assim é, que a garantia constitucional do contraditório e dos direitos de defesa do arguido não exige essa especificação, disse-o claramente o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 216/2019, relatado por Catarina Sarnento e Castro (acessível em www.tribunalconstitucional.pt).
Nesse acórdão encontramos respostas à argumentação do ora arguido e recorrente.
Nele se afirma, por um lado, que nem mesmo uma eventual aplicação analógica das normas relativas à acusação e à pronúncia levaria à obrigatoriedade de especificação dos meios de prova em que se baseia a alteração de factos comunicada através do artigo 358.º do Código de Processo Penal, pois a indicação dos meios de prova nessas peças processuais não se faz com a correspondência de cada um deles a cada um dos factos indicados como indiciados.
Nesse acórdão se afirma, por outro lado, que quando se procede à comunicação da alteração de factos nos termos desse artigo 358.º, tais factos são apenas sinalizados, não se formula qualquer juízo, positivo ou negativo, a respeito da prova dos mesmos. Por isso, só será necessário especificar os meios de prova em causa quando se vier a formular tal juízo na fundamentação da sentença ou acórdão.
Afirma-se ainda nesse acórdão que a ausência de especificação dos meios de prova em que possa assentar a eventual prova dos factos comunicados nos termos do referido artigo 358.º não prejudica o exercício dos direitos de defesa do arguido, pois esses meios não deixam de ser conhecidos pelo facto de não serem especificados. Não são especificados factos de entre todos os que tendo sido produzidos em audiência ou sendo valoráveis em julgamento se encontram na totalidade identificados.
Seguindo este entendimento do Tribunal Constitucional, podemos concluir que nem o artigo 358.º do Código de Processo Penal exige que a comunicação de alteração não substancial de factos a que se reporta especifique os meios de prova em que o tribunal se fundamentou para tal alteração, nem essa especificação é uma exigência da garantia constitucional do contraditório e dos direitos de defesa do arguido.
Neste sentido, podem ver-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 6 de novembro de 2010, proc. n.º 233/03.8PDFUND.L1-5, relatado por Filomena Clemente Lima; da Relação de Coimbra de 12 de julho de 2022, proc. n.º 260/11.JALRA.C1, relatado por Paulo Guerra; desta Relação de 9 de novembro de 2022, proc. n.º 471/20.9PIVNG.P1, relatado por Pedro Afonso Lucas; e da Relação de Évora de 28 de fevereiro de 2023, proc. n.º 8/22.5GECUB.P1, relatado por Carlos de Campos Lobo, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Não se verifica, pois, a alegada nulidade por incumprimento do artigo 358.º do Código de Processo Penal (a qual acarretaria a nulidade do acórdão prolatado nestes autos).
Deve, pois, ser negado provimento a este recurso.

O arguido e recorrente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).

(…)




Porto, 4 de dezembro de 2024.

(processado em computador e revisto pelo signatário)


(Pedro Maria Godinho Vaz Pato)

(Pedro Afonso Lucas)

(Raul Esteves)