Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
224/19.7T8OBR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MIRANDA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO ESTATAL
PRINCÍPIOS DA NECESSIDADE E DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20220125224/19.7T8OBR-A.P1
Data do Acordão: 01/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: DECISÃO REVOGADA; RECURSO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A Constituição da República Portuguesa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos elege a família como a base fulcral da sociedade, com direito à protecção desta e do Estado.
II - A legitimidade da intervenção estatal, visando a protecção do menor, através da aplicação de uma medida de ingerência no seio da família, depende estritamente da verificação de uma situação de perigo em que aquele se encontra e da observância dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da necessidade que o caso requer, por forma a ser possível alcançar um equilíbrio entre os valores essenciais da paternidade e maternidade e o interesse supremo da criança.
III - A situação de perigo susceptível de justificar a medida de protecção mais gravosa consistente na retirada definitiva da criança à alçada dos pais, mediante a sua entrega a uma instituição com vista a futura adopção, pressupõe o apuramento de circunstâncias objectivas excepcionais de perigo que permitam concluir, à luz do interesse da criança, pela ruptura do vínculo familiar, sem possibilidade de ser reconstituído, mesmo com apoio social e/ou comunitário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 224/19.7T8OBR-A.P1

Relatora : Anabela Andrade Miranda
Adjunta : Lina Castro Baptista
Adjunta : Alexandra Pelayo
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO

A CPCJ ... remeteu ao Juízo de Família e Menores de Oliveira do Bairro, o processo de promoção e protecção que aí corria termos relativamente à menor AA.
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Por acordo de promoção e protecção, homologado por sentença a 30 de Agosto de 2019, foi aplicada uma medida de apoio junto da mãe pelo período de um ano, revista semestralmente.
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Por despacho proferido a 29 de Março de 2020, foi aplicada uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente.
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Por acordo de promoção e protecção, homologado por sentença a 1 de Julho de 2020, foi aplicada uma medida de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista no seu “terminus”.
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Aquando da revisão da medida e prevendo-se ser manifestamente improvável que os progenitores concordassem com a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção proposta pelo Ministério Público foi dado cumprimento ao disposto no art.º 114.º n.º 1 da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei n.º 147/99 de 01/09 e alterada pelas Leis n.º 31/2003 de 22/08, 142/2015 de 08/09, 23/2017 de 23/05 e 26/2018 de 05/07 (adiante designada LPCJP), tendo o Ministério Público e os progenitores apresentado alegações e o primeiro arrolado também testemunhas.
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Realizou-se o debate judicial com observância do formalismo legal.
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Foi proferido acórdão que decidiu :
a) aplicar à menor a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista nos art.º 35.º n.º 1 al. g) e 38.º-A da LPCJP e, em consequência, confiá-la à guarda do Centro de Acolhimento Residencial ... – Centro Paroquial e Social ..., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 62.º-A n.º 3 da LPCJP, como curador provisório da criança o Sr. Director de tal instituição;
b) declarar cessadas as visitas à criança por parte da sua família biológica (art.º 62.º-A n.º 6 da LPCJP);
c) declarar BB e CC inibidos do exercício das responsabilidades parentais da criança (art.º 1978.º-A do Código Civil);
d) determinar que o presente processo tenha a partir de agora, natureza secreta, por forma a salvaguardar a identidade da pessoa a quem a criança venha a ser confiada.
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Inconformada com a decisão, a progenitora interpôs recurso, terminando com as seguintes
Conclusões
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O Ministério Público respondeu defendendo a improcedência do recurso, concluindo que “Em face desta factualidade, e depois de longos anos de intervenção e tentativa de superar as fragilidades da progenitora na sua relação materno filial, e de espera que o progenitor priorize os interesses da AA ao lado dos da sua restante família, não vislumbramos medida que ofereça qualquer vantagem sobre a medida aplicada, única que permitirá em breve a esta criança ter uma verdadeira família, presente e cuidadora, com quem possa estabelecer vínculos seguros e definitivos, e que lhe ofereça, ao longo de toda a sua vida, o acompanhamento e carinho de que precisa.
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Solicitaram-se diversas informações designadamente relatório psicológico incidente sobre a Recorrente para se obter um quadro fáctico actualizado.
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Colhidos os Vistos, cumpre decidir.

II - Delimitação do Objecto do Recurso

A questão decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se deverá ser aplicada à menor a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS
1. AA nasceu a .../.../2015 e é filha de CC e de BB.
2. Por acordo havido entre os progenitores e homologado por sentença proferida a 30 de Agosto de 2019, foi estabelecido que a criança ficaria a residir habitualmente com a mãe, competindo o exercício das responsabilidades parentais nas questões de particular importância da vida da criança, em conjunto, a ambos os progenitores e, quanto aos actos da vida corrente, ao progenitor que, em cada momento, tivesse consigo a filha; que o pai estaria com a filha e tê-la-ia consigo, sempre que desejasse, em Portugal ou na Alemanha, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso da mesma, mediante um aviso prévio à mãe com a antecedência mínima de uma semana e que o pai pagaria, a título de pensão de alimentos devida à filha, a quantia mensal de € 150,00, até ao último dia de cada mês, com início em Setembro de 2019, actualizada, anual e automaticamente, em Setembro, no montante de € 2,50, com efeitos a partir de Setembro de 2020 e, bem assim, metade da parte não comparticipada, das despesas da filha, com internamentos, cirurgias, próteses, consultas de especialidade associadas e livros e material escolar do início do ano lectivo.
3. A criança foi sinalizada à CPCJ ... a 30 de Outubro de 2018, pela pré-escola cuja frequência iniciara a 15 de Outubro de 2018.
4. A menina, inicialmente, não queria interagir com os pares e aquando da sinalização, ainda não cumpria regras ou indicações dos adultos, não sabia estar em vários contextos, não conhecia regras sociais básicas e não conseguia ligar com algumas regras, chorava com facilidade, não articulava frases curtas emitindo apenas sons pouco perceptíveis ou palavras isoladas de duas sílabas como “mama”, “mimi”, “pepê”; recusava comer à hora de almoço, não permanecia sentada na hora da refeição e fazia apenas, normalmente, a refeição do lanche; não adquiria ainda o controlo dos esfíncteres nem referia quando precisava de trocar a fralda, não pedia para ir à casa de banho; durante a troca de fralda verificara-se que a menina apresentava uma configuração da abertura vaginal diferente da normal, com um diâmetro maior comparado com outras crianças; apesar de apresentar cuidados ao nível da higiene básica, a roupa que levava na mochila tinha um odor desagradável; não era participativa nas actividades da sala de aula; corria, subia degraus com os dois pés no mesmo degrau; não construía torre de 6 cubos; não imitava rabisco circular; gostava de ver livros; não dizia o primeiro nome; não juntava duas ou mais palavras; não colocava sapatos nem um chapéu; usava bem a colher e o garfo; bebia por copo mas virava-o.
5. Aquando da sinalização, a menina estava ausente da pré-escola desde 25 de Outubro de 2018, por questões de saúde.
6. Aquando da sinalização, a criança vivia com a mãe e com a tia, não convivia com o pai desde Junho de 2018 e apenas estivera uma vez com o avô paterno.
7. A progenitora dizia na pré-escola, não obstante o referido em 4., que a filha em casa controlava os esfíncteres; que tinha “alergia” à infecção das amígdalas; que era nervosa e ficava “rígida”; que estava inscrita na pré-escola por imposição da assistente social do RSI; que sabia identificar as cores e tocava harmónica; que brincava com legos e nenucos e que dizia pai, mãe, avó, miminha, tia, avô, miau, tititinho/kiki, mimi/tutu; sabia contar até 4 e dizia as vogais e que convivia com o irmão uterino, de 15 anos, residente com a avó materna a cerca de 10 minutos a pé de distância cerca de uma vez por semana.
8. Aquando da sinalização, a progenitora estava desempregada, aguardava o início de acção de formação financiada e a sua irmã DD era beneficiária de RSI.
9. O agregado habitava em casa arrendada, pela qual pagava € 260,00 de renda e despendia cerca de € 80,00 em consumos de água, electricidade e gás.
10. A tia materna DD beneficiava de prestação de Rendimento Social de Inserção no montante mensal de €260,00 e a progenitora, de abono de família da filha, a quantia mensal de €200,00.
11. A avó materna da menina, também ela beneficiária de RSI, ajudava no pagamento de despesas e a progenitora dizia que aquela ir assumir o pagamento da mensalidade do jardim-de-infância de AA no montante mensal de €60,00.
12. Quando confrontada pela CPCJ com o referido em 4., a progenitora, a 7 de Novembro de 2018, referiu que a filha comia à mesa consigo e com a tia e quando alguma destas saía da mesa é que a AA também o fazia e que esta, normalmente, comia de tudo, excepto ervilhas e que até há 3 meses atrás, a filha ia à sanita mas, entretanto, assustou-se quando a base da sanita caiu para dentro e usa fralda cueca; fazer-lhe a higiene intima diariamente e, por indicação médica, ao lavar-lhe a zona genital, afastava os lábios para não colarem por causa do uso da fralda.
13. A 20 de Novembro de 2018, a menina continua com muitas dificuldades no dia-a-dia do jardim de infância.
14. A 22 de Novembro de 2018, a AA, a mãe e a tia tinham sarna e o médico de família que observou a primeira a pedido da CPCJ no que diz respeito à zona genital reportou “não ver nada de especial mas não ser perito”.
15. No dia 6 de Dezembro de 2018, a CPCJ enviou um SMS para o Facebook do pai da menina, informando-o da existência de um processo de promoção e protecção relativamente à filha e solicitando contacto e informação sobre a morada ou contacto telefónico, tendo-lhe sido fornecidos todos os meios de contacto com tal entidade, mas não obteve resposta.
16. A progenitora revelava dificuldades em acatar e cumprir as orientações da educadora de infância da filha, situação que se mantinha a 31 de Janeiro de 2019, sendo que a menina estivera doente e a educadora informou a mãe que escreveu na caderneta que no jardim de infância “andam sempre com coisas e coisinhas” e que em casa a menina anda bem.
17. Por acordo de promoção e protecção celebrado a 24 de Janeiro de 2019 na CPCJ ..., foi aplicada à criança uma medida de apoio junto da mãe pelo período de seis meses.
18. No âmbito de tal acordo, a progenitora comprometeu-se a garantir as condições de habitação, segurança, higiene, alimentação e educação da filha; a assegurar a frequência assídua do Jardim de Infância, faltando só por motivos de saúde; a cumprir as orientações dadas pelos técnicos do jardim de infância e a colaborar com os técnicos da intervenção precoce.
19. A 13 de Fevereiro de 2019, o agregado beneficiava de apoio alimentar da Cruz Vermelha e a CPCJ estava a tratar de apoio económico para pagamento da mensalidade do jardim de infância.
20. A 14 de Fevereiro de 2019, a GNR informou a CPCJ que o pai da criança se encontrava na Alemanha há cerca de dois anos e, segundo informação prestada pela avó do mesmo, EE, em parte incerta, não dando informações aos familiares desde que se ausentara do país.
21. A 18 de Fevereiro de 2019, após uma semana de ausência, a criança regressou ao jardim de infância com indicação da mãe na caderneta para toma de medicação “às 10 horas e 30 minutos”.
22. A educadora de infância telefonou à mãe da menina dizendo-lhe, mais uma vez, que toda a medicação, exceptuando o ben-u-ron, tinha de ter como suporte prescrição médica, tendo esta dito para não lhe dar e informou aquela que a filha devia ser mudada e lavada com água morna e aplicado bepanthene.
23. Aquando da muda da fralda, constatou-se uma zona extensa muito vermelha na zona genital durante a manhã e após avaliação da enfermeira verificou-se uma maceração grave da pele consistente com extenso eritema da fralda.
24. A 20 de Fevereiro de 2019, após tentativa de contacto telefónico com a mãe, a educadora de infância e a enfermeira escreveram na caderneta que não obstante mudarem a fralda à AA com maior frequência, as melhoras não eram significativas e que seria mais indicado ser reavaliada novamente, dado que o creme não estava a surtir o efeito pretendido, tendo a mãe respondido que “a AA não precisa ir de novo ao médico, basta-lhe colocar a pomada várias vezes, limpá-la bem até o intestino começar a funcionar bem novamente. Ela já não toma antibiótico por isso agora é esperar que o intestino volte ao normal e o vermelhão desaparece com o tempo. E gostava de saber onde está a capa azul da caderneta dela”.
25. Em Fevereiro de 2019, o avô paterno da criança telefonou à progenitora desta dizendo-lhe que queria ver a menina e levar-lhe um brinquedo e chocolate.
26. A 25 de Março de 2019, a AA, no jardim de infância foi à casa de banho sozinha e limpou-se com papel e não teve reacção de dor, mas quando a educadora lhe fez a higiene, queixou-se com dores.
27. A 27 de Março de 2019, a CPCJ solicitou apoio económico para pagamento das mensalidades da creche da AA de Novembro de 2018 a Março de 2019 em atraso, no montante total de € 285,68.
28. Desde Janeiro de 2019 que o agregado era composto só por mãe e filha e os rendimentos importavam unicamente no abono de família no montante mensal de € 135,00, sendo que a avó materna da menina ajudava no pagamento da renda da casa.
29. O agregado continuava a beneficiar de apoio alimentar da Cruz Vermelha e era acompanhado pela técnica gestora da equipa de RSI de tal entidade.
30. No dia 5 de Abril de 2019, a progenitora esteve na equipa técnica do protocolo da RSI da Cruz Vermelha, em atendimento e não solicitou apoio económico para apoio de pagamento de mensalidades da creche, nem mesmo quando questionada sobre o assunto.
31. A 23 de Abril de 2019, a progenitora informou a CPCJ que estava a tomar antidepressivos há um mês e que estava com outros problemas de saúde, como falta de glicose no sangue.
32. No dia 14 de Maio de 2019, a creche sinalizou novamente a menina à CPCJ, porquanto, no dia anterior, durante a higiene íntima da criança, a auxiliar detectara um vermelhão fora do comum, com queixas exacerbadas por parte da AA e, no dia 14 de Maio de 2019, apresentava uma inflamação notória na zona genital, um grande edema na zona vulvar e tecidos vaginais, rubor e dor, apresentando-se mais queixosa do que o habitual.
33. No mesmo dia, contactada pela CPCJ, a mãe disse que quando mudou a fralda à filha depois de a ir buscar à creche, verificou que tinha borbulhas na zona genital e vermelhidão fora do normal e que não tinham colocado o vasenol como tinha avisado; que a filha não se queixou da duas vezes em que a lavou, achando que provavelmente seria do calor ou por ter comido alguma fruta ácida.
34. Por indicação da CPCJ, no dia 15 de Maio de 2019, a menina foi com a mãe e a tia ao Serviço de Urgência do Hospital ..., apresentando-se bem disposta, corada e hidratada, bem cuidada, sem escoriações nem hematomas e os genitais apresentavam-se com ligeira hiperemia, mas sem edema, meato urinário e intróito vaginal com configuração normal, algum “excesso” de pele dos pequenos lábios – variante do normal” e teve alta com indicação para aplicar creme muda fralda e para retirar a fralda e sem critérios de referenciação ao INML.
35. A menina fora referenciada para a equipa de intervenção precoce, em Janeiro de 2019, pela educadora de infância por não ter adquiridas as competências inerentes à sua faixa etária/etapas de desenvolvimento, sendo o apoio realizado nos dois contextos mais significativos para a criança: familiar e educativo.
36. Até ingressar no Jardim de Infância, a AA esteve em casa aos cuidados da mãe.
37. A adaptação ao jardim de infância foi difícil, mas, em 16 de Maio de 2019, já estava bem integrada e participava nas actividades e rotinas de tal contexto.
38. Aquando da avaliação, a menina revelou bastante interesse e proximidade com as profissionais, agindo como se estas fossem seus familiares, aparentando não discriminar a forma como se relacionava com os seus cuidadores directos e com outros adultos.
39. Dos resultados da avaliação constatou-se que as áreas da visão, interacção social e cognição eram as áreas fortes da menina e as de locomoção, manipulação, audição, linguagem e autonomia encontravam-se nos limites inferiores do esperado para a idade e a área da fala e linguagem abaixo do esperado para a idade.
40. A 16 de Maio de 2019, a menina comunicava verbalmente, sendo o seu discurso marcado por palavras isoladas monossilábicas (produzia apenas a silaba tónica da palavra), ainda não produzia frases, encontrando-se na fase de fazer combinações de duas/três palavras e o seu vocabulário era ainda muito reduzido para a idade.
41. Ao nível da motricidade fina, a AA apresentava dificuldades em fazer a pinça correcta e o seu desenho era ainda marcado por rabisco circular, sem conseguir realizar a figura humana.
42. Encontrava-se a fazer o controlo esfincteriano e era autónoma na refeição e na higiene.
43. Interagia bem com os pares.
44. A progenitora foi pouco colaborante com a equipa da intervenção precoce, tendo faltado e desmarcado inúmeras sessões, mesmo havendo a disponibilidade para agendamentos à hora do almoço quando estava frequentava o curso de formação profissional que se situava nas imediações do Centro de Saúde.
45. No dia 21 de Junho de 2019, a progenitora informou a creche que a filha deixaria de frequentar a partir desse mesmo dia e informou a equipa de intervenção precoce que não iria dar continuidade à sua intervenção.
46. A 7 de Agosto de 2019, a menina residia com a mãe e a tia materna DD na Rua ..., ....
47. Na Páscoa de 2019, a progenitora manteve um relacionamento amoroso com um companheiro que integrou o agregado durante cerca de um mês após o que se foi embora.
48. Em Agosto de 2019, a progenitora supunha estar grávida de tal companheiro, tendo aquela afirmado à Sra. Técnica da Segurança Social ser sua pretensão esconder-lhe a gravidez “para o fazer sofrer”, mas colocara uma fotografia no facebook onde a barriga sugeria uma gravidez, tendo, mais tarde, assumido à Sra. Técnica da Segurança Social que o que mais queria era que ele retomasse a relação e vivessem novamente juntos.
49. A progenitora desistiu, em Março de 2019, do curso de formação na área da contabilidade que iniciara em Janeiro de 2019, alegando estar doente com depressão.
50. Aquando da realização de visita domiciliária pela Sra. Técnica da Segurança Social, em finais de Julho de 2019, a AA preparava-se para dormir a sesta e tinha chupeta na boca e fralda colocada e adormecia acompanhada na cama da tia DD.
51. Em tal ocasião, quando a Sra. Técnica da Segurança Social se apresentou à porta da habitação, a AA abraçou-se ao pescoço como se a conhecesse.
52. A mãe pretendia emigrar para a Suíça e levar consigo a filha.
53. Em Agosto de 2019, a menina mantinha contactos pontuais com o avô paterno, tendo a última visita ocorrido na Páscoa, em Águeda.
54. A AA não estava presencialmente com o pai desde Janeiro de 2017 e os contactos telefónicos com videochamada foram retomados a 4 de Agosto de 2019 e a menina chamou “pai” ao progenitor.
55. Em tais contactos o pai notou que a filha fala mal e mal compreende o que esta diz, suspeitando de um atraso a tal nível.
56. À Sra. Técnica da Segurança Social o pai afirmou, a propósito dos cuidados de higiene à filha, “não ando a ver a bichareca dela para saber o que se passa, se alguém lhe tocar, avisei a BB, eu vou aí e mato”.
57. O irmão uterino da AA, FF, mantinha-se a viver com a avó materna situação que ocorria desde os seus 8/9 anos.
58. Transitara para o 8.º ano de escolaridade e tem hiperactividade e deficit de atenção.
59. Costumava passar os fins-de-semana e as férias escolares com o pai e família paterna, convivendo com a mãe a irmã, sem pernoita.
60. A progenitora beneficiava de acompanhamento no âmbito do RSI pela Cruz Vermelha ... e para além da prestação mensal, beneficiava de apoio alimentar.
61. O agregado não permitia intervenção ao nível da gestão orçamental, apesar de evidenciar dificuldades.
62. As Conferências Vicentinas estavam a providenciar por apoio com o pagamento de algumas despesas e a Cruz Vermelha já apoiara com dois meses de renda.
63. Em Agosto de 2019, estavam vários meses de renda com pagamento em atraso.
64. A creche também não fora paga.
65. A progenitora aguardava a inclusão da irmã DD novamente no RSI e planeava pagar as rendas em atraso com os retroactivos da prestação.
66. A progenitora não tinha trabalho declarado desde 2016, alegando estar condicionada na procura de emprego pela falta de transportes.
67. A tia materna da criança, DD, requerera a pensão de invalidez e não auferia qualquer rendimento, nem tinha qualquer ocupação, aguardando ser incluída, novamente, no RSI do agregado.
68. Aguardava agendamento de consulta de psiquiatria.
69. No ano anterior, DD ingeria bebidas alcoólicas em excesso e fora passar um período em casa do irmão emigrado para se tratar.
70. A habitação onde o agregado residia era composta por dois quartos, uma cozinha, uma marquise, uma casa de banho, um sala e acesso interior ao piso de cima onde se situavam os arrumos.
71. A menina partilhava a cama de casal do quarto da tia DD e, por vezes, juntava-se à mãe que dormia no sofá cama da sala.
72. Tinham um outro quarto mobilado que estava a servir de arrumos por opção das adultas.
73. As despesas do agregado importavam na quantia mensal de € 220,00 de renda de casa; € 34,00 de mensalidade da “NOS”; cerca de € 30,00 de consumo de água; cerca de € 40,00 de consumo de electricidade e cerca de € 30,00 de consumo de gás.
74. À Sra. Técnica da Segurança Social, o pai declarou, em Agosto de 2019, pretender vir a cuidar da filha AA “daqui a uns dois anos” e não ia “sustentar outros, apenas a filha” e que iria enviar dinheiro para o seu pai para este comprar o que fosse preciso para a neta.
75. Em Agosto de 2019, o avô paterno desconhecia o contacto telefónico do filho, sendo as comunicações entre ambos efectuadas através das redes sociais.
76. À Sra. Técnica da Segurança Social declarou que “tentei ajudar o meu filho, mas ele não tinha juízo” e pensar que o mesmo estaria mais estável porque “a mulher controla-o” e tem trabalho e que já avisara o filho que devia manter contactos com a AA e contribuir para o seu sustento.
77. Mostrou-se indisponível para cuidar da neta.
78. A avó materna não dava conhecimento de tudo o que se passava com as filhas ao marido para este não se revoltar e assumia uma postura de desculpabilização dos comportamentos das filhas.
79. A progenitora não contribuía para o sustento do filho FF.
80. A equipa de intervenção precoce, em Agosto de 2019, continuava a manter o seu parecer de encaminhamento da AA para pediatria do desenvolvimento, terapia da fala e intervenção ao nível da socialização dada a não discriminação de afectos da mesma.
81. A progenitora justificava a existência do processo de promoção e protecção com “implicações da creche” e considerar que a filha não estava numa situação de perigo aos seus cuidados.
82. A 9 de Agosto de 2019, a progenitora comunicou à Sra. Técnica da Segurança Social que efectuara um aborto “teve de ser.. já me vejo aflita com uma quanto mais com outra”.
83. A 30 de Agosto de 2019, o pai considerava que a filha estava com um atraso não só a nível da fala e que com a mãe existia alguma falta de regras e de estimulação.
84. A 30 de Agosto de 2019 foi celebrado acordo de promoção e protecção que aplicou à criança uma medida de apoio junto da mãe pelo período de um ano, revista semestralmente.
85. No âmbito de tal acordo, a progenitora comprometeu-se a aceitar a intervenção do Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) e da equipa de intervenção precoce e a seguir as orientações que lhe fossem dadas pelos técnicos; a assegurar a comparência assídua e pontual da filha no jardim de infância e a diligenciar activamente pela obtenção de um trabalho fixo e a não mudar constantemente de morada.
86. No plano de intervenção para execução da medida referida em 84. e 85. e homologado por despacho proferido a 25 de Setembro de 2019, foi determinado que a progenitora assegurasse uma alimentação adequada e adaptada às necessidades da filha; providenciasse as quatro refeições diárias (pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar) nos horários adequados; assegurasse os cuidados de higiene e boa apresentação do vestuário e calçado; assegurasse rotinas do sono, com certa hora para dormir; frequentasse a intervenção precoce; cumprisse o calendário de vacinação nacional; comparecesse a todas as consultas que viessem a ser agendadas de medicina familiar e de especialidade; cumprisse todos os tratamentos e terapêuticas que viessem a ser prescritos; assegurasse a frequência pontual e assídua no estabelecimento educativo; acompanhasse o percurso educativo da filha; reunisse com a educadora pelo menos uma vez por mês; assegurasse que a filha levava o material necessário para o jardim de infância; demonstrasse carinho através de comportamentos afectivos; reforçasse positivamente o bom comportamento e a aquisição de novas aprendizagens, tanto a nível pessoal, como social e escolar; providenciasse por desenvolverem actividades lúdicas em conjunto; fomentasse a boa relação da filha com a restante família; impusesse regras e comportamentos socialmente aceites; estivesse sempre contactável; fizesse os cuidados de higiene, organização e salubridade da habitação; mantivesse a boa conservação dos equipamentos electrodomésticos e mobiliário; assegurasse o adequado fornecimento de água, gás e electricidade; pagasse atempadamente a renda da casa; efectuasse uma correcta gestão dos recursos económicos auferidos; requeresse os apoios económicos a que tivesse direito, cumprindo as orientações dos técnicos intervenientes; comunicasse às entidades da segurança social e apoio social comunitário situações de incapacidade económica para assegurar a satisfação das necessidades básicas; mantivesse uma atitude responsável no trabalho e procurasse melhores condições económicas; procurasse ajuda para o desempenho das funções parentais; protegesse a filha de vivências nefastas (ambientes poluídos, deitar tarde, convívio com pessoas com comportamentos desviantes); não expusesse a filha a conflitos familiares nem a questões de índole pessoal como relacionamentos amorosos dos adultos; supervisionasse as rotinas da filha e agisse de imediato se a mesma se colocasse em situação de perigo; colaborasse com assiduidade, envolvimento e confiança com o CAFAP ...; colaborasse com as orientações da Intervenção Precoce; colaborasse com as orientações da técnica de RSI da Cruz Vermelha de ...; informasse a Coordenadora de Caso de qualquer alteração/ocorrência significativa.
87. O pai esteve com a AA presencialmente no dia 30 de Agosto de 2019, durante cerca de meia hora.
88. A 22 de Fevereiro de 2020, a criança foi novamente sinalizada à CPCJ ... e à GNR, por alegados maus tratos físicos e psíquicos, exposição a comportamentos sexuais entre os adultos e negligência a nível alimentar.
89. A 2 de Março de 2020, a criança residia com a mãe, a tia DD e o companheiro da primeira GG.
90. Os rendimentos do agregado provinham do RSI da mãe e da tia e da quantia mensal de € 67,43 de prestações sociais da criança, sendo que o companheiro da primeira não tinha ocupação.
91. A criança frequentava o jardim de infância com assiduidade.
92. A mãe e a tia não colaboravam com a intervenção do CAFAP e das técnicas do RSI.
93. Com a integração do companheiro da mãe no agregado, em Dezembro de 2019, facto ocultado a todos os técnicos, a AA passou a dormir num colchão no chão.
94. A tia DD embriagava-se com regularidade, sendo frequentes os conflitos entre esta e a mãe da menina.
95. Após a celebração do acordo de promoção e protecção referido em 84., a avó paterna da criança foi procurando a neta, levando-a a passar fins-de-semana consigo, mas em Outubro de 2019, a menina regressou marcada na cara dizendo que tinha sido a avó que lhe batera e, desde então, não voltou a ir para casa da avó paterna nem esta a procurou mais.
96. Desde Outubro de 2019 que o pai não mais contactara a Sra. Técnica da Segurança Social, sendo que a 9 de Outubro de 2019, voltou a queixar-se que a filha ficava nos cafés até tarde com a mãe, ter dificuldade em contactar telefonicamente a filha devido ao seu horário de trabalho, sendo que já não o fazia há três semanas, mas que pede à mãe que lhe envie fotos e dê notícias, o que, no entanto, não fazia e que só o contacta a pedir dinheiro e ter conhecimento do novo companheiro da progenitora.
97. O irmão uterino FF fora integrado no agregado da progenitora em Novembro de 2019 para efeitos de RSI, mas mantinha-se a viver com a avó materna.
98. Em Novembro de 2019, a progenitora e a tia DD escreveram a queixar-se da qualidade dos produtos alimentares distribuídos pela Cruz Vermelha e a cessar tal apoio.
99. Em Dezembro de 2019, a progenitora transmitiu ao CAFAP que o filho ia viver consigo porque estava a dar problemas no estabelecimento de ensino, tinha furtado dinheiro ao marido da avó materna e estes não estavam a conseguir lidar com o jovem.
100. A 2 de Março de 2020, o jovem dormia ocasionalmente em casa da mãe, cabendo-lhe a ele decidir em que casa é que ficava.
101. A 2 de Março de 2020, a progenitora e sua irmã estavam incompatibilizadas e em conflito aberto.
102. A AA chamava “pai” ao companheiro da mãe GG.
103. O casal partilhava a sala com a menina e esta dormia no colchão da sala, sendo o quarto identificado como sendo o de FF, ocupado pelo irmão de GG, de nome HH, sem ocupação e o outro pela tia DD.
104. A progenitora e o companheiro mantinham-se sem ocupação, tendo este trabalhado apenas no mês de Janeiro de 2020 e cessado o contrato de trabalho por sua iniciativa.
105. A tia DD continuava a ingerir bebidas alcoólicas em excesso e em Fevereiro de 2020 atirara com as roupas de GG e HH pela janela para a rua.
106. No último fim-de-semana de Fevereiro de 2020, a tia DD fora a casa da sua mãe e agrediu-a e insultou o marido desta.
107. A criança retomara a intervenção precoce em Outubro de 2019 e aguardava o início da terapia da fala, apresentando, em termos globais, um desenvolvimento aquém do esperado para a idade e revelava dificuldade em permanecer atenta e quieta, não obstante os progressos verificados.
108. A criança tivera a consulta de vigilância infantil dos 4 anos em Dezembro de 2019 e foi encaminhada para consultas de pediatria.
109. A menina era assídua e pontual no jardim de infância e comparecia cuidada em termos de higiene e a progenitora mostrava disponibilidade e interesse no acompanhamento pedagógico e social, cooperando com as solicitações, como o uso de bibe, mochila com muda de roupa, hábitos de lanche saudável.
110. Era a avó materna quem levava a menina ao jardim de infância, de veículo automóvel e a mãe ia buscá-la.
111. A menina ainda usava cueca fralda diariamente para dormir e chupeta, não obstante a progenitora o negar perante os técnicos.
112. O irmão uterino da criança, FF, é um aluno com necessidades educativas especiais, hiperactivo, com doença crónica intestinal.
113. Tinha consulta agendada em Fevereiro de 2020 em Coimbra, mas a progenitora, com a concordância da avó materna, contactou o Hospital para remarcar para Abril, alegando incapacidade económica para assegurar a deslocação, mas nenhuma das duas solicitou apoio aos serviços para conseguir comparecer ou se mostrou preocupada com o adiamento da consulta.
114. Ambas referiram à Sra. Técnica da Segurança Social que o jovem não acata ordens de ninguém e avó não ter condições económicas ou de saúde para cuidar do neto e que desde que deixou de trabalhar tinha menos rendimentos e não ter direito a nenhum subsídio pelo neto pelo que entendia que este deveria ir para junto da mãe porque assim já teria uma prestação maior de RSI.
115. A progenitora falava no filho à Sra. Técnica da Segurança Social com distanciamento emocional, afirmando que o levou por alguns meses consigo para o estrangeiro e que lhe fez “a vida num inferno”, culpabilizando-o pela separação do companheiro que tinha na altura; que o filho viu o seu próprio pai com uma corda ao pescoço numa tentativa de suicídio e tendo em conta que o mesmo não lhe obedece, que maltrata a avó materna e que o pai “não quer saber dele”, após ter sido sensibilizada para a precocidade da idade para tomar decisões, considerou que o melhor será mesmo ser acolhido.
116. A tia materna DD estava desempregada, sobrevivia de subsídios, é alcoólica, com problemas de saúde mental sendo que já fora seguida em psiquiatria.
117. Alega ser uma pessoa muito doente, já tendo apresentado inúmeros diagnósticos de doenças graves que não se verificam, incluindo quando pediu a pensão por invalidez referiu estar acamada, mas quando o médico da junta médica se deslocou a casa sem aviso prévio foi atendido pela mesma em condições totais de mobilidade.
118. Tinham sido agendadas nove sessões com o CAFAP e a mãe comparecera a 5, sempre bem-disposta, conversando muito acerca dos acontecimentos recentes, utilizando a mesma forma de se expressar quando se trata de assuntos correntes e de assuntos importantes.
119. Partilhou com tal equipa algumas situações de grande gravidade, parecendo não terem impacto emocional nela.
120. Apesar de não mostrar nenhuma resistência aquando do agendamento das sessões, quando faltava, não mostrava qualquer incómodo por não ter cumprido, não pedindo desculpa nem se justificando, aparentando ser-lhe completamente indiferente ir ou não às sessões.
121. A progenitora desistira do curso de formação porque o pagamento não era feito de imediato.
122. Por despacho proferido a 26 de Março de 2020 foi aplicada à criança uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente e os progenitores autorizados a visitarem a filha na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito.
123. A medida provisória foi executada a 27 de Março de 2020, tendo a criança sido acolhida na Casa de Acolhimento Residencial ..., em ... onde se encontra desde então.
124. Durante as cerca de 5 horas em que esteve com a Sra. Técnica da Segurança Social e outras técnicas envolvidas no acolhimento, a AA mostrou grande à-vontade, sem manifestações de sofrimento pelo afastamento das pessoas significativas.
125. Tinha muitas lêndeas, mas com cuidados gerais de higiene corporal e de vestuário.
126. Não identificava as cores, nem alguns animais comuns e disse ter dois anos.
127. Constatou-se ser uma menina alegre, muito enérgica, sempre a correr de um lado para o outro, curiosa e com alguma dificuldade em acatar as ordens que lhe eram ditas.
128. O agregado familiar, na semana anterior, vira cessada a prestação de RSI por incumprimento por faltas a convocatórias.
129. A 13 de Maio de 2020, a progenitora comunicou ao processo ter mudado de residência para a Rua ..., ... e estar a viver com o seu noivo e o filho mais velho, FF.
130. Por despacho proferido a 19 de Maio de 2020 foi autorizada a avó paterna a visitar a AA na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito.
131. A 26 de Maio de 2020, a AA necessitava de supervisão e acompanhamento em todas as áreas de intervenção, sendo que nas questões relacionadas com a higiene e apresentação pessoal, necessitava de acompanhamento frequente para tomar banho, lavar os dentes, vestir-se e pentear-se e também de supervisão e acompanhamento na realização de tarefas adequadas à sua idade.
132. A menina foi-se adaptando ao longo do tempo à existência de horários, seja de refeições, higiene, trabalhos do pré-escolar e sono e a cumprir os mesmos com a orientação do adulto.
133. Na hora da sesta e da noite era necessária a presença do adulto para adormecer, sendo o sono nocturno muito agitado e quando acordava tinha necessidade do adulto para voltar a adormecer.
134. Tinha enurese nocturna e precisava de fralda e alguma dificuldade respiratória, ressonava muito e dormia com a boca aberta e, por vezes, fazia apneias.
135. É uma menina bem-disposta que gosta de interagir com adultos e apresentava alguma dificuldade com a imposição de regras e rotinas.
136. Apresentava atraso na linguagem, sendo, por vezes, difícil, interpretar as suas preocupações, necessidades, pensamentos e emoções.
137. Quando era contrariada ou chamada à atenção, tendia a recorrer ao choro e à birra.
138. Revelava muitas dificuldades em ajustar-se aos contextos, sendo que na hora das refeições não conseguia permanecer sentada, não sabia usar os talheres correctamente, tendia a não completar os trabalhos propostos, saía sem autorização, na telescola tinha dificuldade em acompanhar o horário completo, levantava-se, mexia em tudo, quando via outra menina com brinquedo que queria, tentava tirá-lo à força e quando não conseguia fazia birra, mas era capaz de usar correctamente as “palavras mágicas”, conseguindo pedir desculpa, dizer obrigado, pedir por favor nas situações que assim o necessitavam.
139. A menina beneficiava de terapia psicológica na instituição.
140. A 5 de Junho de 2020, a progenitora, o companheiro GG e o filho daquela FF mantinham-se a viver na morada indicada em 129., sendo uma casa composta por rés-do-chão e primeiro andar, sendo que no rés-do-chão reside uma irmã de GG com a respectiva família.
141. A habitação é composta por três quartos, duas casas de banho e uma cozinha e aquando da realização de visita domiciliária sem aviso prévio, a 5 de Junho de 2020, estava organizada, limpa e apresentava boas condições de habitabilidade e conforto.
142. O casal pagava € 300,00 de renda de casa e cerca de € 100,00 em consumos de água, electricidade e gás.
143. A progenitora ia iniciar um curso de formação profissional que lhe daria equivalência ao 12.º ano de escolaridade e o companheiro trabalhava por conta própria na limpeza de terrenos e em jardinagem, auferindo, em média, cerca de € 1.500,00 mensais.
144. A 5 de Junho de 2020, a instituição onde a criança se encontra acolhida retomou as visitas presenciais.
145. Por acordo de promoção e protecção havido e homologado por sentença a 1 de Julho de 2020, foi aplicada à criança uma medida de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista no seu “terminus”.
146. No âmbito de tal acordo, a progenitora comprometeu-se a aceitar o acompanhamento do “CAFAP ...” e a seguir as orientações que lhe fossem dadas pelos técnicos e os pais e a companheira do progenitor, II, autorizados a visitar a AA na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito.
147. No dia 1 de Julho de 2020, foi solicitado à instituição que permitisse a visita do pai à criança com a maior frequência possível, no mínimo, diariamente, nos períodos em que o mesmo se encontrasse em Portugal, tendo em vista o restabelecimento da vinculação entre ambos, uma vez que na próxima revisão da medida existia a possibilidade de ser entregue ao pai.
148. Por despacho proferido a 15 de Julho de 2020, foi a avó materna autorizada a visitar a neta na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito.
149. Por despacho proferido a 8 de Setembro de 2020, foram os avô paterno e bisavó paterna da criança, autorizados a visitá-la na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito.
150. A 2 de Novembro de 2020, a criança continuava a necessitar de acompanhamento e supervisão em todas as áreas de intervenção, acompanhando o adulto as questões relacionadas com a higiene e apresentação pessoal.
151. A AA era incentivada e orientada para tarefas adequadas à sua faixa etária, tais como a importância de arrumar os seus brinquedos, ajudar a colocar e levantar a mesa, arrumar o calçado e colocar a roupa no cesto aquando da chegada da escola e do banho.
152. A menina estava adaptada às rotinas, conseguindo perceber e ajustar-se à existência de regras e horários definidos para as diferentes fases do dia, embora continuasse a ser importante o reforço diário no âmbito das competências sociais, no que respeita à postura nos diferentes contextos, como, por exemplo, na hora das refeições, na hora da brincadeira livre com o grupo, em situações de conflitos com outras meninas, na importância do uso de “palavras mágicas”.
153. A menina mantinha dificuldades respiratórias na hora do sono e estava a ser alvo de intervenção pela especialidade de otorrino.
154. Já fora feito o desfralde, mas mantinha registo de episódios de enurese.
155. Continuava uma criança bem-disposta, gostando de interagir com os adultos e as outras meninas acolhidas, gostando de brincar com estas e constatava-se já uma maior capacidade em partilhar brinquedos e brincadeiras.
156. Mantinham-se os mesmos constrangimentos relativamente à comunicação, devido ao seu atraso na linguagem, limitando, por vezes, a compreensão das suas preocupações, necessidades, pensamentos e emoções.
157. Nos contactos telefónicos dos progenitores, a menina ora manifestava vontade em contactá-los, ora os rejeitava, sendo necessário, por parte da equipa da instituição, insistir nos mesmos e adoptar diferentes estratégias para que correspondesse/aceitasse e quando questionada sobre a situação, não conseguia explicar o motivo.
158. A menina estava bem integrada no jardim-de-infância, participava e estava adaptada ao contexto e ao grupo, apresentando alguma dificuldade de concentração, dado que não conseguia ficar muito tempo na mesma área, denotando-se, porém, melhorias comportamentais, havendo uma diminuição das suas birras.
159. A criança fora encaminhada para as especialidades de pediatria de desenvolvimento e otorrino.
160. Beneficiava de terapia psicológica semanal.
161. O CAFAP reiniciou a intervenção na sequência do acordo de promoção e protecção referido em 145. e até 1 de Fevereiro de 2021, realizara sete sessões, sendo uma só com a mãe e as restantes também com o companheiro.
162. Compareceram sempre nas sessões, sendo colaborantes e participativos tanto nas reflexões, como nas actividades propostas.
163. Em Setembro de 2020, o irmão uterino da criança, FF, fora colocado em casa do pai pela CPCJ ....
164. Na primeira sessão, a mãe partilhou com a equipa técnica do CAFAP falar diariamente com a filha ao telefone dizendo “ela está bem, tranquila; umas vezes fala muito, outras pouco” e que nunca a fora visitar “porque é longe e quando tinha marcação um dia para o fazer o carro do cunhado avariou”.
165. Em conversa com o casal acerca dos motivos que levaram ao acolhimento da menina, referiram que a culpa foi da irmã DD, descartando qualquer responsabilidade no acolhimento da menina.
166. A propósito do irmão uterino da criança, GG verbalizou que gostava que frequentasse mais vezes a casa e a progenitora reagiu dizendo que “ele só não vai porque não tem bicicleta”, parecendo não lhe fazer diferença.
167. Na sessão seguinte, contaram que a AA fizera anos mas que não a foram visitar porque estavam sem carro e que lhe telefonaram mas que ela “estava muito ocupada com a festinha que lhe fizeram lá e mal falou” e GG disse que lhe comprara um peluche gigante no valor de € 50,00.
168. Na terceira sessão, foi-lhes proposto reflectirem sobre a afirmação “conseguimos ser felizes apesar das dificuldades” e a progenitora respondeu que sim e o companheiro que “sem a AA não era fácil, falta-lhes alguma coisa” e a progenitora repetiu a frase, acrescentando que mesmo assim “eram felizes”.
169. Na sessão seguinte, a equipa abordou directamente o facto de nunca terem visitado a menina na instituição, o impacto que isso tinha na criança e as implicações de tal situação no processo, tendo a progenitora dito prontamente que não tinham transporte e o companheiro corroborou e que se estivesse no CAT ..., em Águeda, tudo seria diferente.
170. A equipa exemplificou que em situações semelhantes que acompanha, os pais conseguiram arranjar sempre forma de fazer visitas, quer recorrendo a amigos, quer a transportes públicos, mantendo-se a posição do casal a mesma, dizendo que “não tinham transporte nem conheciam ninguém que os pudesse levar” e explicaram que poderiam fazer metade do caminho de transportes públicos e depois teriam de gastar € 50,00 em táxi e quando questionados sobre senão se justificaria gastar esse dinheiro no aniversário da menina responderam que “fizeram videochamada”.
171. No final da sessão, a equipa falou do natal que se aproximava, não havendo referência à falta que a menina lhes faria nessa quadra especial nem qualquer intenção de a irem visitar ou de querer que ela viesse para junto deles.
172. Em Janeiro de 2021, o casal conversou acerca do seu dia-a-dia, das festividades e só quando questionados directamente acerca de AA é que se referiram a ela dizendo que tinham estado vários dias sem conseguir entrar em contacto com a menina, justificando que a instituição se encontrava em obras e era mais difícil atenderem o telefone e contaram que no dia de Natal estiveram em videochamada com ela.
173. A progenitora contou que a mãe do companheiro ficou muito emocionada quando a AA a tratou por “avó”, “até lhe vieram as lágrimas aos olhos”, mas nunca referiu que tinha sido difícil passar o Natal sem a filha ou que tinha saudades dela.
174. Questionados sobre se tinham tentado visitar a menina na quadra natalícia, GG disse que tinha falado com um familiar seu mas que não fora possível por problemas de saúde e a progenitora disse que os “cunhados” trabalhavam muito e não era possível e a mãe já não tinha idade para grandes viagens.
175. Quanto ao filho FF, relativamente ao Natal e Ano Novo, foi-lhe dito que escolhesse entre ficar no pai, ir a casa da mãe ou da avó e ele optou por ficar com o pai, não havendo qualquer desilusão na progenitora por causa disso.
176. A equipa realizou os desejos para 2021 tendo ambos colocado o desejo da AA regressar a casa e GG tirar a carta de condução, comprar casa e carro.
177. Na última sessão, apresentaram-se bem dispostos, referindo não terem visitado a AA mas que falam com ela ao telefone e que ela está bem e tranquila.
178. Mencionaram que a progenitora ainda não estava a frequentar qualquer formação e que o companheiro continuava a trabalhar mais em pinhais do que em jardins e inexistirem dificuldades económicas, mesmo sem trabalhar nos dias de muita chuva.
179. Reflectiu-se com a família acerca dos objectivos que têm para o futuro e voltaram a referir querer “comprar casa, tirar a carta de condução, comprar um carro e nunca faltar alimentação em casa e na mesa” e considerarem que após alcançar tais objectivos, “tudo muda, concretiza-se a nossa liberdade, sem ter que depender de outras pessoas, conseguimos algo que é nosso para o resto da vida” e relativamente ao processo em tribunal consideram já ter efectuado mudanças: “mudança de casa com quarto para cada um, com espaço para andar à vontade; o meu noivo ter sempre trabalho e conseguir sustentar a família; harmonia na família sem discussões nem atritos”.
180. O CAFAP concluiu que a família se encontra muito centrada na relação do casal, investindo grande parte da sua energia e tempo na relação entre os dois e embora, no seu discurso, terem a AA com eles seja um objectivo, consideram que tal está dependente das mudanças práticas que já fizeram, parecendo existir na mãe pouco impacto emocional do afastamento e nenhuma percepção dos danos que esta ausência está a causar na filha, o que tem como consequência um investimento mínimo na relação com a filha, mantido apenas por telefonemas e um esforço inexistente para a visitar.
181. Em Fevereiro de 2021, à Sra. Técnica da Segurança Social a progenitora referiu achar que “a menina deve voltar para a mãe de onde nunca devia ter saído” e confrontada com o facto de não visitar a filha, sendo que tal contacto é fundamental para uma vinculação segura, acrescentou “eu sou mãe e quero a minha filha perto de mim. Se estivesse mais perto, eu ia todos os dias, mas não tenho transporte e optámos por fazer videochamada”.
182. A 24 de Março de 2021 e após muita insistência da Sra. Técnica da Segurança Social, a progenitora visitou pela primeira vez a filha no dia 16 de Março de 2021, tendo-se deslocado de táxi e pagou € 60,00.
183. A 24 de Março de 2021 a progenitora declarou neste tribunal que não visitara a filha antes porque não tinha transporte e confrontada com a existência de transportes públicos respondeu “incompatibilidade de horários” e confrontada com o facto de estar desempregada respondeu “ficava muito fora de mão”.
184. A 29 de Março de 2021, o companheiro da progenitora solicitou autorização para visitar a AA, o que lhe foi concedido por despacho proferido a 15 de Abril de 2021.
185. Até 25 de Maio de 2021 e desde o acolhimento da filha – 27 de Março de 2020 -, o pai visitara-a durante a manhã e a tarde do dia 3 de Julho de 2020 juntamente com o avô paterno e no dia 4 de Julho de 2020 juntamente com o avô paterno e a mãe, no dia 16 de Março de 2021, no dia 16 de Abril de 2021 e no dia 18 de Maio de 2021 esta última com o companheiro GG e após muita insistência da Sra. Técnica da Segurança Social.
186. A mãe, entre Abril e Julho de 2020, contactava a filha telefonicamente de segunda a sexta-feira.
187. De Agosto a Novembro de 2020, a progenitora passou a contactar três vezes por semana e a partir de Dezembro de 2020 e até Março de 2021 voltou a fazê-lo, diariamente, de segunda a sexta-feira e a partir de Abril de 2021 às terças e quintas-feiras por sugestão da instituição.
188. O pai em Agosto de 2020 contactou telefonicamente por 4 vezes, em Setembro de 2020, 5 vezes, em Outubro de 2020, 4 vezes, em Novembro de 2020, 3 vezes, em Dezembro de 2020, 4 vezes, em Janeiro de 2021, 2 vezes e em Março de 2021, uma vez.
189. Além das visitas referidas em 185., a menina recebeu a visita da avó paterna no dia 23 de Junho de 2020 e 7 de Julho de 2020; da bisavó paterna e do avô paterno a 19 de Outubro de 2020, 6 de Janeiro de 2021 e 14 de Abril de 2021.
190. A avó paterna da criança contactou a instituição telefonicamente em Abril, Maio, Junho e Julho de 2020.
191. A bisavó paterna contacta a instituição telefonicamente uma vez por semana.
192. A criança apresenta um resultado global de desenvolvimento intelectual e cognitivo abaixo da média (QI – muito inferior) quando comparado com os resultados esperados para a sua idade cronológica, sendo tal resultado compatível com o quadro de Défice Mental Ligeiro.
193. Apresenta um desenvolvimento cognitivo muito inferior à média, sendo a área forte a integração visual e a área fraca a das competências cognitivas associadas às tarefas que estão relacionadas com o controlo da atenção e raciocínio puro.
194. Apresenta ainda características da Perturbação de Défice de Atenção e Hiperactividade.
195. O défice cognitivo com a PHDA geram fragilidades acrescidas na evolução da AA.
196. As crianças com restrições cognitivas apresentam limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades acrescidas continuadas ao nível da aprendizagem.
197. O défice cognitivo acarreta limitações no comportamento adaptativo, quer na sua independência pessoal, como na responsabilidade social, pelo que há desadequação das suas competências em relação a situações pessoais e interpessoais que originam dificuldades em encontrar soluções adequadas para as situações do dia-a-dia, ou seja, as regras podem ser compreendidas, mas não aplicadas correctamente em situações da vida real.
198. Devido às características de PHDA que apresenta, a AA não consegue controlar a agitação, atenção e impulsividade, daí que apresente dificuldades em manter-se na tarefa, de forma calma, como também em divertir-se com os outros meninos sem conflitos.
199. Outra característica comum é a imaturidade, a propensão para a acidentalidade, a pouca noção do tempo, sendo visível a dificuldade em organizar-se ou terminar uma tarefa, assim como dificuldade em aprender com os erros.
200. A progenitora da AA frequenta um curso profissional desde 23 de Fevereiro de 2021 e aufere uma bolsa no montante mensal de €340,00.
201. O companheiro trabalha numa fábrica e aufere um vencimento mensal no montante de cerca de €700,00.
202. Das três visitas que realizou à filha na instituição, a progenitora optou por ir de táxi, no que despende €60,00 e quando questionada, em sede de debate judicial, se em 2020 não havia táxi respondeu “não sei! Não ando de táxi!” e questionada sobre o que mudou respondeu “mudou porque neste taxista confio nele” e negou motivos financeiros para não visitar a filha.
203. Os avós maternos da criança separaram-se quando a mãe desta tinha cerca de oito meses.
204. A progenitora ficou a viver com a mãe e os irmãos em casa dos seus avós maternos em Aveiro e nunca mais manteve contacto com o seu pai apesar deste residir na área de Aveiro.
205. A tia materna da criança, DD começou a trabalhar aos 14 anos e tem duas filhas, uma com cerca de 27 anos e outra com cerca de 13 anos que está aos cuidados do pai, não existindo convívios entre mãe e filhas.
206. O tio materno da criança está emigrado em França e já trabalhava numa fábrica aquando da separação dos seus progenitores.
207. Quando a mãe da AA tinha cerca de 6 anos, mudaram-se para Águeda e quando tinha cerca de 8, a sua mãe casou com o actual marido.
208. Em Águeda, estudou até ao 9.º ano de escolaridade e saiu de casa da sua mãe quando tinha 18 anos e o foi viver com o pai do seu filho mais velho, actualmente, com cerca de 17 anos de idade.
209. O casal esteve a viver numa casa arrendada mas pouco tempo depois foram viver para casa dos pais do companheiro.
210. O casal separou-se em Novembro de 2012, por alegados consumo e plantação de produtos estupefacientes por parte do companheiro.
211. A progenitora emigrou para França, para trabalhar na agricultura, onde esteve durante dois anos e meio, levando consigo o filho que, no entanto, não se adaptou e regressou passado um ano, ficando a residir com a avó materna com quem se mantinha em Agosto de 2019.
212. Aquando do regresso da mãe de França, esta ficou a viver, durante alguns meses, em casa da irmã mais velha em ..., após o que voltou para casa da sua mãe em Águeda, sendo que depois arrendou uma casa em Ílhavo com um amigo.
213. Em 2014, a progenitora conheceu o pai da AA num karaoke e a avó deste não aceitou a relação com uma mulher mais velha e expulsou-o de casa, o que acabou por motivar a união de facto entre ambos que arrendou uma casa com um amigo também em Ílhavo.
214. O progenitor desentendeu-se com o amigo e o casal arrendou uma casa só para si em Ílhavo.
215. A progenitora declarou, em Agosto de 2019, à Sra. Técnica da Segurança Social que a AA “foi planeada por ele, porque ele tirou-me a pílula”.
216. Em Dezembro de 2014, o pai da criança ficou sem trabalho e deixaram de conseguir pagar as despesas, pelo que o casal pediu ajuda aos Vicentinos ... e em Março de 2015 foi despejado.
217. O casal foi então viver para a ... para casa de um amigo onde permaneceram durante cerca de três meses, mas tiveram de sair porque os arrendatários se foram embora sem pagar.
218. Encontrando-se a progenitora grávida da AA, o casal foi depois para Águeda para casa de um amigo, onde esteve durante cerca de dois meses.
219. Posteriormente, foram viver para casa da avó materna da criança, onde permaneceram durante alguns meses, sendo que, após receberem a prestação pré-natal, arrendaram uma casa em Águeda.
220. Em Setembro de 2015, mudaram-se para outra casa, para onde a AA foi viver após o seu nascimento.
221. Uma vez que tal habitação tinha uma infestação de ratos, a AA ficou com uma infecção na pele que a obrigou a um internamento hospitalar durante cinco dias.
222. Não podendo regressar a tal casa, o casal e a bebé foi para casa de um amigo na ..., até que o padrasto da progenitora os foi buscar e voltaram a viver no agregado da avó materna da menina até Dezembro de 2015.
223. Posteriormente foram os três viver para casa da tia materna DD e do seu então companheiro, na Gafanha da Nazaré, mas o pai da AA acabou por ser expulso de casa pelo companheiro da tia.
224. O progenitor foi para casa do seu pai e a progenitora e a tia materna DD arrendaram uma outra casa na Gafanha da Nazaré.
225. Mais tarde, o casal parental voltou a juntar-se e arrendou uma casa em Ílhavo, próxima da casa do avô paterno da criança.
226. Quando o progenitor da criança conseguiu trabalho no concelho de Oliveira do Bairro, o agregado mudou-se para a ....
227. Posteriormente, regressaram para casa da tia materna DD que, na altura, vivia com um amigo, sita na Gafanha da Nazaré.
228. O progenitor da AA emigrou para a Alemanha e o casal separou-se em Janeiro de 2017.
229. Mãe e filha mantiveram-se a viver com a tia materna DD, mas uma acção de despejo obrigou a nova mudança de morada.
230. Foram então as três viver para casa da irmã mais velha, mas conflitos com o marido desta, motivaram que daí saíssem e a progenitora e a sua irmã DD arrendaram uma outra casa na Gafanha da Nazaré onde permaneceram durante três meses.
231. A tia materna DD retomou a relação com o amigo e foram todos viver juntos para uma outra casa arrendada onde viveram 9 meses.
232. O casal desentendeu-se, a tia materna expulsou o amigo de casa e um outro amigo saiu da prisão e tinha reservas económicas e arrendaram uma nova habitação, sendo que, posteriormente, arrendaram outra na Gafanha da Nazaré.
233. Depois arrendaram uma casa no centro de Aveiro onde permaneceram durante quatro meses, tendo obtido apoios da Cáritas ....
234. A progenitora trabalhou num restaurante durante três meses, mas despediu-se alegando problemas de saúde.
235. Posteriormente, todos arrendaram uma casa em ... onde estiveram durante um mês porque os vizinhos se queixavam do barulho.
236. Em Outubro de 2018, a progenitora e a filha AA mudaram-se com a tia materna da menina DD para a casa sita na Rua ... em ....
237. O progenitor da criança viveu com o pai que assumiu, sozinho, os seus cuidados, tal como aos outros quatro filhos, sendo que a mãe, apesar de estar próxima, não fazia parte da vida destes.
238. Após um período de grande desorientação financeira decidiu emigrar para a Alemanha onde se encontra desde Janeiro de 2017, sendo que durante os primeiros nove meses, pagou uma pensão de alimentos à filha e depois deixou de o fazer.
239. Casou em Julho de 2019 com uma companheira, II, de nacionalidade brasileira, com quem mantinha uma relação há cerca de um ano e foi novamente pai em Agosto de 2019.
240. Em Agosto de 2019, o pai trabalhava numa fábrica de construção civil e auferia o salário mínimo e a mulher estava desempregada.
241. O agregado residia na casa da tia da mulher em Dusseldorf.
242. A 2 de Março de 2020, o progenitor trabalhava num novo emprego há quatro meses.
243. A 9 de Junho de 2020, o progenitor comunicou ao tribunal a sua nova morada em Dusseldorf, Alemanha.
244. A 27 de Agosto de 2020, o progenitor trabalhava há um mês num restaurante italiano e afirmava estar efectivo, sendo que anteriormente tinha um outro emprego.
245. No restaurante trabalhava das 15 às 23 horas, com dia de folga por semana.
246. Auferia cerca de € 1500,00 líquidos e pagava € 450,00 de renda de casa, sendo o remanescente suportado pela Câmara.
247. A mulher estava desempregada.
248. Em Novembro/Dezembro de 2020, o progenitor ficou desempregado, afirmando que o contrato terminou e não lho renovaram e viveu de subsídio estatal durante dois meses.
249. A 23 de Março de 2021, iniciara um trabalho como operador de lavagem de carros em Fevereiro de 2021, através de uma empresa de trabalho temporário, por tempo indeterminado, em que ainda se mantém.
250. O progenitor não compareceu presencialmente no debate judicial.
251. A mulher do progenitor está a terminar um curso e aufere uma quantia mensal de € 450,00.
252. Nos últimos dois anos, o progenitor teve 6 ou 7 empregos na Alemanha.
253. O progenitor consumia haxixe.
254. Desde o acordo de promoção e protecção referido em 145., o progenitor nunca contactou a Sra. Técnica da Segurança Social.
255. A AA foi referenciada pelo Serviço Social aquando do seu nascimento por ter resultado de uma gravidez mal vigiada e com grande instabilidade habitacional.
256. Foi encaminhada para consultas de Pediatria e teve alta em Junho de 2016.
257. Quando tinha um mês de vida, foi internada por maus cuidados de higiene e infecção da pele e foi sinalizada ao Núcleo de Crianças e Jovens em Risco do Centro de Saúde ... mas a mudança de residência implicou a sinalização ao serviço equivalente do Centro de Saúde ..., tendo sido ponderado o encaminhamento para a intervenção do CAFAP ... mas ao denotarem melhorias nos cuidados e nas condições habitacionais, já não o fizeram.
258. A criança iniciou a vigilância infantil no Centro de Saúde ... em Novembro de 2015 e esteve ausente até aos 3 anos e 7 meses.
259. A avó materna da criança é reformada, tem cerca de 70 anos e vive em Águeda com o marido e entendem não ter condições para acolher a AA e dela cuidarem.
260. O avô paterno e a bisavó paterna da criança manifestam indisponibilidade para dela cuidar, atendendo aos problemas de saúde de que padecem, idade da segunda e existência de dois filhos do primeiro em idade escolar e a actual companheira não o querer, pretendendo apenas continuar a visitá-la na instituição e a receberem-na em alguns fins-de-semana.
261. As Sras. Técnicas da Segurança Social, os técnicos da instituição e as técnicas do CAFAP sempre tentaram sensibilizar a família da criança para a necessidade de estarem presentes efectivamente na vida da AA.
*
Com base nas informações obtidas nesta sede de recurso demonstrou-se que:
- Os autos de inquérito acima mencionados nos quais os factos denunciados eram susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática de um crime de abuso sexual de crianças, foram arquivados, por despacho proferido em 20/09/2019, concluindo-se, para esse efeito, que “Da análise da prova recolhida, mormente da observação clínica a que a menor foi sujeita, não resultam indícios de que a menor tivesse sido abusada sexualmente resultando, outrossim, que as lesões que a menor apresentava resultaram de uma higiene algo deficiente, coincidente com a circunstância de a menor estar em período de transição do abandono do uso da fralda e ainda usar fralda, pelo menos no contexto escolar”.
- No relatório de avaliação clinico-psiquiátrico da progenitora consta que mantém relacionamento afectivo com GG, de 35 anos de idade, pintor profissional de móveis, com quem vive há dois anos, de forma estável e encontra-se a realizar uma formação de cozinha/pastelaria e a concluir o 12.º ano; a dinâmica familiar actualmente foi percepcionada como funcional, sendo que o casal dirige esforços com o objectivo de voltar a ter a criança em casa e a progenitora manifestou laços seguros de relacionamento com a menor. Em relação às competências parentais concluiu-se que possui recursos para lidar com as necessidades da menor não só pela estrutura de personalidade mas também pelo tipo de relacionamento conjugal que mantém hoje em dia com o seu actual companheiro. Demonstrou ter mantido vínculo afectivo com a filha durante este período em que a criança esteve institucionalizada e consegue dar apoio e educação adequada à filha.
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Factos não provados
a) O pai da criança tem o total apoio da sua mulher e dos pais desta para acolher a AA e dela cuidar.
b)A AA diz à mãe que quer ir para casa.
c)A progenitora da criança não visitou a filha até ao dia 16 de Março de 2021 por questões financeiras.
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IV - DIREITO

A questão suscitada no presente processo de promoção e protecção consiste em saber se deverá ser aplicada à menor a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.
Para tanto, é fundamental ter presente o quadro legal aplicável nesta matéria por forma a podermos concluir, perante os factos demonstrados, se tal medida se encontra seguramente justificada.
O artigo 36.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o direito/dever dos pais referente à educação e manutenção dos filhos.
Articulado com esse direito-dever dos progenitores, a nossa Lei Fundamental proíbe, no n.º 6 desse preceito, que os filhos sejam separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Especificamente sobre a família, o artigo 67.º, n.º 1 da CRP reconhece-a como elemento fundamental da sociedade, razão pela qual tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
Este direito da família à protecção do Estado é concretizado no n.º 2 com as seguintes orientações: promover a independência social e económica dos agregados familiares (al.a)), promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional das creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família (al.b)) e cooperar com os pais na educação dos filhos (al.c)).
O artigo 68.º, n.º 1 da CRP versa ainda sobre o direito à protecção da sociedade e do Estado conferido aos pais e mães na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
Deriva deste reconhecimento da acção primordial dos pais, a qualificação da maternidade e paternidade, no n.º 2, como valores sociais eminentes.
Concretamente sobre a Infância, o artigo 69.º, n.º 1 da CRP prevê que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
Justamente para garantir um desenvolvimento integral da criança, o n.º 2 esclarece que o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.
A finalidade prática da consagração destes direitos, segundo Jorge Miranda[1], não é outra, na quase totalidade dos casos, senão ainda a realização da pessoa-a realização da pessoa ou o desenvolvimento da personalidade-nas condições concretas em que se tem de mover.
Na Declaração Universal dos Direitos do Homem estão consagrados princípios estruturantes desta temática, salientando-se o artigo 16.º, n.º 3 que elege a família como o elemento natural e fundamental da sociedade, com direito à protecção desta e do Estado.
Nesta lógica de princípios, estabelece que ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada e na sua família (cfr. artigo 12.º) e a maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais (cfr. art.º 25.º, n.º 2).
A Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, no seu artigo 8.º, n.º 1 e 2, na parte relevante, determina que qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, não podendo haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a protecção dos direitos e liberdades de terceiros.
A Jurisprudência do TEDH[2] (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) sobre a protecção dos menores em perigo à luz da Convenção tem vindo a esclarecer que a legitimidade da ingerência implica uma necessidade social imperiosa e proporcional ao fim que se procura.
Na avaliação do grau de necessidade da medida litigiosa cumpre analisar o caso à luz global das respectivas circunstâncias e aferir se os fundamentos invocados são pertinentes e suficientes para os fins almejados.
Assim, os princípios fundamentais que deverão nortear o intérprete na decisão, segundo a jurisprudência do TEDH, são os seguintes:
- O convívio natural entre pais e filhos constitui a pedra angular da vida familiar;
- A retirada dos filhos aos pais é considerada uma interferência demasiado séria na família, apenas sendo apenas justificada num quadro de urgente necessidade e de protecção do interesse da criança;
- O interesse da criança determina que apenas circunstâncias excepcionais possam conduzir a uma ruptura do vínculo familiar e que tudo seja feito para manter as relações pessoais e, sendo caso disso, na altura apropriada, reconstituir a família;
- A carência económica dos pais e o facto de a criança poder beneficiar de um melhor ambiente familiar não justifica, como fundamentos autónomos e isolados, a medida de retirada aos pais biológicos;
- Incumbe ao Estado o cumprimento de obrigações positivas traduzidas na execução de sérios e sustentáveis esforços para facilitar a reunião entre a criança e os seus pais naturais.
No âmbito do Direito da União Europeia, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia igualmente estabelece no art.º 7.º que todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações.
E, de forma inovatória, incluiu um artigo (24.º) específico sobre o Direito das Crianças nos seguintes termos:
1. As crianças têm direito à protecção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar. (…)
2. Todos os actos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.
3. Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses.
Como explicita Rosa Cândido Martins[3] a consagração de um artigo dedicado aos específicos “direitos das crianças” bem como os direitos que aqui lhe são conferidos radicam na hodierna percepção da criança, não já como “objecto de protecção” nem como “sujeito de direitos”, mas sim como “sujeito igual e privilegiado”.
E acrescenta, com interesse, que a Carta acolheu o novo entendimento da criança como ser humano em desenvolvimento, especialmente vulnerável mas dotado de uma capacidade progressiva, carecido de especial protecção mas também sujeito activo na construção do seu futuro ao qual devem ser reconhecidos direitos específicos.
No preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20.11.1989[4], salienta-se que “a família, elemento natural e fundamental da sociedade, e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças, deve receber a protecção e assistência necessárias para desempenhar plenamente o seu papel na comunidade.”
O artigo 3.º, n.º 1 da referida Convenção impõe que todas as decisões relativas a crianças adoptada pelas diversas instituições devem primacialmente ter em conta o interesse superior da criança.
No seu artigo 9.º declara-se que “os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo da revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada”. (sublinhado nosso)
Nos termos do art.º 8.º, n.º 2 da CRP “As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.”
Decorre do conjunto destas normas jurídicas, nacionais e internacionais, que a paternidade e maternidade, são considerados valores essenciais eminentes.
O reconhecimento da importância basilar da família na sociedade implica naturalmente a protecção do Estado relativamente aos pais, para que possam exercer os seus direitos/deveres a que estão vinculados pela relação filial e a proibição de qualquer ingerência no seio familiar, salvo se ocorrerem situações que coloquem o desenvolvimento integral do menor comprovadamente em grave risco.
Assim sendo, a restrição dos direitos fundamentais dos pais e da criança só poderá ser justificada se obedecer aos princípios da proporcionalidade e da necessidade, previstos no art.º 18.º, n.º 2 da CRP.
Lei Ordinária
O artigo 1878.º, n.º 1 do Código Civil determina que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens.
Sobre a educação, o artigo 1885.º, n.º 1 do C.Civil impõe aos pais promover, de acordo com as suas possibilidades, o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.
A promoção dos direitos e a protecção das crianças e jovens em perigo é o objectivo da Lei n.º 147/99 de 01/09[5] (LPCJP) e a intervenção tem lugar quando os pais (…) ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento (...)” (cfr. arts. 1.º e 3.º, n.º 1).
Considera-se, no n.º 2 do art.º 3.º que a criança ou o jovem estão em perigo quando designadamente está abandonada ou vive entregue a si própria (al.a)), sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais (al.b)), não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal (al.c)); estar sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional (al.e)).
O conceito de abandono, segundo Tomé d´Almeida Ramião[6], traduz uma situação em que a criança ou o jovem foi abandonado à sua sorte, está completamente desamparada, desprotegida, não revelando os pais, o seu representante legal ou quem detiver a sua guarda de facto, qualquer interesse pelo seu destino. Pressupõe uma atitude voluntária e consciente por parte do abandonante e tem de ser manifesto.
As situações da alínea c), acrescenta, abrangem a falta de higiene, alimentação desadequada, ausência ou deficiente investimento afectivo, falta de cuidados especiais de saúde, entre outros.
A intervenção para a protecção da criança em perigo deve obedecer aos princípios enumerados no artigo 4.º, sobressaindo, em primeiro lugar, o interesse superior da criança (definido como defesa prioritária dos direitos e interesses da criança sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes), e com interesse para o caso sub judice, a proporcionalidade e actualidade da intervenção, a responsabilidade parental (a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança), e a prevalência da família (prevalência das medidas que integrem a criança na sua família, que biológica quer promovendo a sua adopção ou noutra forma de integração familiar estável).
As finalidades das medidas de protecção das crianças visam afastar o perigo em que se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (cfr. art.º 34.º, als. a) a c) da LPCJP).
O elenco dessas medidas está tipificado no artigo 35.º, por ordem decrescente de prevalência, sendo que a medida de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção é considerada a ultima ratio.
Segundo o art.º 38.º-A da LPCJP esta medida é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do C.Civil.
Estabelece o n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil que o tribunal, no âmbito de um processo de promoção e protecção, pode confiar a criança com vista a futura adopção, quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:
a) se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) se tiver havido consentimento prévio para adopção;
c) se os pais tiverem abandonado a criança;
d) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança”.
O n.º 2 do citado preceito legal refere que “na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança” e o n.º 3 estabelece que “considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos das crianças”.
Decretada a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, ficam os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais.
Como explica Tomé Ramião[7], há que preferir as medidas a executar no meio natural de vida (apoio junto dos pais, apoio junto de outro familiar, confiança a pessoa idónea, apoio para a autonomia de vida e confiança a pessoa selecionada para adopção,pela respectiva ordem) sobre as medidas executadas em regime de colocação (acolhimento familiar, acolhimento em instituição e confiança a instituição com vista a futura adopção).
Relativamente à medida de confiança com vista a futura adopção o mencionado autor[8] esclarece que de acordo com o princípio orientador de intervenção – a prevalência da família biológica (que, actualmente, conforme infra se dirá já não tem este conteúdo e significado) -, deverá ser adoptada sempre que esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural, para além da verificação concreta de alguma das situações referidas no art.º 1978.º do Código Civil, prevalecendo, sempre, o superior interesse da criança.
Por conseguinte, no caso concreto, cumpre averiguar se as situações objectivas, previstas nas citadas alíneas d) e e), se encontram preenchidas através da subsunção da factualidade apurada nos autos, exigindo-se ainda que seja possível concluir que não existem ou se encontram seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação.
A alínea d) (se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança) conjugada com o n.º 3 do art.º 1978.º do C.Civil, determina que se tenha em atenção a noção de perigo constante do 3.º da LPCJP, enumerando o n.º 2, a título exemplificativo várias situações.
A única situação de perigo aí prevista, susceptível de se ajustar ao presente caso, é a descrita na alínea c): o menor não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal.
Para além desse fundamento, a medida de entrega para futura adopção poderá ser decretada na hipótese de se comprovar que os pais da criança, acolhida por uma instituição, como sucedeu neste caso, tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
Nesta hipótese, para além de ocorrer um manifesto desinteresse dos pais pelo filho nesse período de tempo, a lei exige ainda o preenchimento do segundo pressuposto, ou seja, que esse desinteresse (que não oferece quaisquer dúvidas) compromete seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos de filiação.
A menor, actualmente com seis anos de idade, vivenciou pelo menos desde os três anos de idade, altura em que foi sinalizada, falta de cuidados básicos de higiene, revelando, para a idade, dificuldades na locomoção, audição, linguagem e de autonomia.
Aquando da sinalização, a criança vivia com a mãe e com a tia, não convivia com o pai desde Junho de 2018, tendo sido aplicada uma medida de apoio junto da mãe em 24 de Janeiro de 2019, por acordo de promoção e protecção, renovado em 30 de Agosto de 2019.
O pai, que se encontra no estrangeiro, nunca revelou sério interesse pela filha, sendo os contactos muito irregulares.
Em 2 de Março de 2020, a criança residia com a mãe, a tia DD e o companheiro da primeira, sendo que com a integração deste último a menor passou a dormir num colchão no chão.
Os rendimentos do agregado provinham do RSI da mãe e da tia e da quantia mensal de €67,43 de prestações sociais da criança, sendo que o companheiro da primeira não tinha ocupação. A tia DD embriagava-se com regularidade, sendo frequentes os conflitos entre esta e a mãe da menina e o seu companheiro.
A menina era assídua e pontual no jardim de infância e comparecia cuidada em termos de higiene e a progenitora mostrava disponibilidade e interesse no acompanhamento pedagógico e social, cooperando com as solicitações, como o uso de bibe, mochila com muda de roupa, hábitos de lanche saudável.
Em 26 de Março de 2020 foi aplicada medida provisória de acolhimento residencial a 26 de Março de 2020, executada em 27 de Março de 2020.
Aquando do seu acolhimento, tinha muitas lêndeas, mas com cuidados gerais de higiene corporal e de vestuário, não identificava as cores, nem alguns animais comuns e disse ter dois anos.
Constatou-se ser uma menina alegre, muito enérgica, sempre a correr de um lado para o outro, curiosa e com alguma dificuldade em acatar as ordens que lhe eram ditas.
A 13 de Maio de 2020, a progenitora comunicou ao processo ter mudado de residência para a Rua ..., ... e estar a viver com o seu noivo e o filho mais velho, FF.
A menor necessitava de supervisão e acompanhamento em todas as áreas de intervenção, sendo que nas questões relacionadas com a higiene e apresentação pessoal, necessitava de acompanhamento frequente para tomar banho, lavar os dentes, vestir-se e pentear-se e também de supervisão e acompanhamento na realização de tarefas adequadas à sua idade.
Apresentava atraso na linguagem, sendo, por vezes, difícil, interpretar as suas preocupações, necessidades, pensamentos e emoções.
A 5 de Junho de 2020, a progenitora, o companheiro GG e o filho daquela FF mantinham-se a viver numa casa composta por rés-do-chão e primeiro andar, sendo que no rés-do-chão reside uma irmã do GG com a respectiva família.
A habitação é composta por três quartos, duas casas de banho e uma cozinha e aquando da realização de visita domiciliária e apresenta boas condições de habitabilidade e conforto.
A progenitora ia iniciar um curso de formação profissional que lhe daria equivalência ao 12.º ano de escolaridade e o companheiro trabalhava por conta própria na limpeza de terrenos e em jardinagem, auferindo, em média, cerca de €1.500,00 mensais.
Na instituição a menor recebeu visitas da mãe, apesar de não serem tão frequentes como seria desejável mas compreensivelmente justificada pela distância que a instituição se encontra da sua residência.
O pai só a visitou dois dias seguidos em Julho de 2020 e contacta-a telefonicamente com irregularidade.
A criança apresenta um resultado global de desenvolvimento intelectual e cognitivo abaixo da média (QI – muito inferior) quando comparado com os resultados esperados para a sua idade cronológica, sendo tal resultado compatível com o quadro de Défice Mental Ligeiro.
No recente relatório de avaliação clinico-psiquiátrico da progenitora consta que mantém relacionamento afectivo com GG, de 35 anos de idade, pintor profissional de móveis, com quem vive há dois anos, de forma estável, e encontra-se a realizar uma formação de cozinha/pastelaria e a concluir o 12.º ano; a dinâmica familiar actualmente foi percepcionada como funcional, sendo que o casal dirige esforços com o objectivo de voltar a ter a criança em casa e a progenitora manifestou laços seguros de relacionamento com a menor.
Em relação às competências parentais concluiu-se que possui recursos para lidar com as necessidades da menor não só pela estrutura de personalidade mas também pelo tipo de relacionamento conjugal que mantém hoje em dia com o seu actual companheiro. Demonstrou ter mantido vínculo afectivo com a filha durante este período em que a criança esteve institucionalizada e consegue dar apoio e educação adequada à filha.
Perante os factos apurados, não é possível concluir que a Recorrente (ao contrário do progenitor que tem manifestado desinteresse) abandonou a filha, pôs alguma vez em perigo grave a segurança, saúde, formação ou a educação da menor ou revelou manifesto desinteresse por ela (requisitos previstos no art.º 1978.º, n.º 1, als. c), d) e e) do C.Civil).
Do descrito quadro factual podemos diferenciar um período conturbado, vivenciado pela Recorrente, desde o divórcio até Maio de 2020, altura em que estabeleceu um vínculo afectivo estável com o actual companheiro, residindo o casal numa habitação que oferece boas condições para a menor se desenvolver, com harmonia, no seio da família.
Aquele período temporal em que a progenitora mudou de casa algumas vezes e residiu com a irmã, pessoa que manifestou problemas de alcoolismo e contribuiu para um ambiente conflituoso, caracterizou-se por uma enorme instabilidade em todas as áreas da sua vida.
Por não conseguir manter um rumo de vida estável, expôs a menor a situações desaconselháveis como conflitos familiares, instabilidade habitacional e falta de regras e rotinas básicas que a mesma carecia.
No entanto, inexistem factos que nos permitam concluir que a expôs a situações de perigo grave para a sua segurança, saúde, formação ou educação.
Note-se que quando foi determinada a medida de acolhimento institucional, em Março de 2020, a menor apresentava cuidados gerais de higiene corporal e de vestuário.
Constatou-se ser uma menina alegre, muito enérgica, sempre a correr de um lado para o outro, curiosa.
Como foi referido no relatório, a progenitora manifestou laços seguros de relacionamento com a menor, possui recursos para lidar com as suas necessidades não só pela estrutura de personalidade mas também pelo tipo de relacionamento conjugal que mantém hoje em dia com o seu actual companheiro.
Concluindo, a Recorrente refez a sua vida afectiva e encontra-se a residir com o companheiro numa habitação com condições para acolher, de forma satisfatória, a sua filha; demonstrou que consegue dar apoio às suas necessidades especiais e contribuir positivamente e de forma empenhada para lhe proporcionar uma educação adequada para que possa crescer em segurança e com o afecto maternal e familiar de que absolutamente carece.
A Recorrente tem agora condições para prestar à filha todos os cuidados de que a mesma necessita, assumindo plenamente e de forma responsável a maternidade, num ambiente familiar estável e harmonioso, devendo empenhar-se em incrementar a sua relação afectiva com a menor, transmitindo-lhe valores, segurança emocional e o carinho filial imprescindíveis ao seu crescimento saudável.
Como acima se salientou, a jurisprudência do TEDH é muito clara no sentido de que a retirada dos filhos aos pais é considerada uma interferência tão séria na família que só pode ser justificada num quadro de urgente necessidade e de protecção do interesse da criança, o que manifestamente não sucede no caso em apreço.
Acrescentando, como orientação fundamental nesta matéria, que o interesse da criança determina que apenas circunstâncias excepcionais possam conduzir a uma ruptura do vínculo familiar e que tudo seja feito para manter as relações pessoais e sendo caso disso, na altura apropriada, reconstituir a família.[9]
Com efeito, a legitimidade da intervenção estatal na protecção do menor, como medida de ingerência no seio da família, advém do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e da necessidade que o caso em concreto exige, de forma a alcançar um equilíbrio entre os valores essenciais da paternidade e maternidade e o interesse supremo da criança.
Nesta conformidade, a harmonia entre os direitos fundamentais em causa determina que a menor seja acolhida pela Recorrente mediante a aplicação da medida de apoio junto à mesma, prevista nos arts. 35.º, n.º 1, al.a) e 39.º da LPCJP.
Esta medida implica que os técnicos se empenhem em prestar o apoio (psicopedagógico, social e económico) que a Recorrente eventualmente necessite para o desempenho equilibrado e responsável das suas funções parentais, sendo a mesma supervisionada durante seis meses, para esse efeito.
Atendendo ao apoio familiar que a Recorrente dispõe actualmente, a execução da medida não fica dependente da elaboração do plano de intervenção, mas apenas sujeita a supervisão quinzenal dos técnicos, durante seis meses.
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, acordam as Juízas que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso, e em consequência, decidem aplicar, como medida de protecção e promoção da menor, o apoio junto da progenitora, pelo período de seis meses, sujeita a supervisão quinzenal pelos técnicos responsáveis.

Sem custas.
Notifique.

Porto, 25/01/2022
Anabela Miranda
Lina Baptista
Alexandra Pelayo.
_____________________
[1] Manual de Direito Constitucional, Direitos Fundamentais, Tomo IV, 5.ª edição, Coimbra Editora, pág. 123.
[2] Cfr. entre outros, no site do TEDH (www.echr.coe.int) casos portugueses Soares de Melo c. Portugal Ac. de 16.02.2016 (queixa 72850/14) e Pontes c. Portugal (queixa 19554/09) Ac. de 10.04.2012, Wallová e Walla c. República Checa n.º 23848/04 de 26.10.2006, KA C. Finlândia n.º 27751/95 de 14.01.2003, Gnahoré c. França (queixa 40031/98) e jurisprudência neles citada.
[3] Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia Comentada, Coord. Alexandra Silveira e Mariana Canotilho, Almedina, 2013, pág. 299.
[4] Assinada em Nova Iorque em 26.01.1990; Aprovada para ratificação pela Assembleia da República em 08.06.1990 e ratificada por Decreto do Presidente da República em 12.08.1990, publicada no DR, I série, de 12.09.1990.
[5] Alterada pelas Lei n.º 31/2003 de 22/08, n.º 142/2015 de 08/09, n.º 23/2017 de 23/05 e n.º 26/2018 de 05/07.
[6] Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada e Comentada, QJ, 7.ª edição, págs. 26 e 27.
[7] v. ob.cit., pág. 66.
[8] v. ob. cit., pág. 75.
[9] Neste sentido, v. Ac. Rel.Lisboa de 23.04.2009 in www.dgsi.pt