Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1083/24.3T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE MARTINS RIBEIRO
Descritores: AÇÃO DE DESPEJO
FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS NA PENDÊNCIA DA AÇÃO
Nº do Documento: RP202501131083/24.3T8MTS.P1
Data do Acordão: 01/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Independentemente de a parte qualificar tal como uma pretendida alteração da decisão da matéria de facto, deve a Relação, oficiosamente, nos termos do art.º 614.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., retificar inexatidões ou omissões de elementos processuais que constem (ou não, respetivamente) da sentença, fazendo-o a partir do histórico processual.
II – A comunicação de falta de pagamento de rendas na pendência da ação é um pressuposto da notificação a efetuar pelo tribunal nos termos do art.º 14.º, n.º 4, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, N.R.A.U., que é distinta do pedido de despejo imediato que, em caso de incumprimento do pagamento das rendas e da indemnização (de 20% do montante, como resulta do disposto no art.º 1041.º, n.º 1, do Código Civil, C.C.) é facultativo, tal como previsto no art.º 14.º, n.º 5, do N.R.A.U., “[e]m caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato”.
III – As partes não podem ver goradas as expectativas geradas pela atuação do Tribunal, que foi claro a tramitar (ainda que erradamente) os requerimentos apresentados como sendo de “despejo imediato”, tal como o não pagamento da taxa de justiça inerente ao segundo não pode funcionar contra a A., pois de acordo com o disposto no art.º 202.º, n.º da Constituição da República Portuguesa, “[n]a administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos [cidadãos] e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados” – trata-se, também e in casu, de acautelar as designadas expectativas juridicamente protegidas, criadas pela atuação do tribunal – e que não foi objeto de arguição de qualquer irregularidade ou nulidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO N.º 1083/24.3T8MTS.P1

SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, C.P.C.):
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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relator: Jorge Martins Ribeiro;
1.ª Adjunta: Eugénia Cunha e
2.º Adjunto: António Mendes Coelho.
ACÓRDÃO

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de ação de despejo, com processo comum, é autora (A.), “A..., S.A.”, titular do N.I.P.C. ..., com sede em Rua ..., ... Maia, e são réus (RR.) AA, titular do N.I.F. ......, BB, titular do N.I.F. ......, ambos residentes no locado, sito à Rua ..., n.º ... r/c esq., ..., ... Matosinhos, bem como a fiadora destes, CC, titular do N.I.F. ......, residente em Rua ..., n.º ..., ... Ovar.
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Procedemos agora a uma síntese do processado relevante para o objeto do presente recurso([1]).
1) Aos 15/10/2024 foi proferida decisão do incidente de despejo, bem como sentença.
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1.1) Da sentença consta a seguinte síntese do processado:
A..., S.A. (doravante autora) requereu o despejo imediato de AA (doravante 1.º réu), BB (doravante 2.ª ré), com fundamento na falta de pagamento de rendas vencidas no decurso da ação.
Alegou, em síntese, que os réus não procederam ao pagamento das rendas devidas pelos meses de junho, julho, agosto e setembro de 2024, vencidas no dia útil dos meses imediatamente anteriores, num total de € 3.800,00 (três mil e oitocentos euros), acrescida de uma indemnização equivalente a 20% daquele montante.
Por despacho judicial de 19 de setembro de 2024 (cfr. referência citius n.º 463529855), foi determinada a notificação dos réus para, ao abrigo do disposto no art. 14.º, n.os 3, 4, e 5 do NRAU, e no prazo de 10 dias, procederem ao pagamento ou depósito do valor das rendas que se foram vencendo na pendência da ação (desde maio de 2024, tendo em consideração o incidente antecedente) e da indemnização correspondente a 20% do montante daquelas, devendo igualmente juntar comprovativo de tal pagamento/depósito.
Regularmente notificados os réus permaneceram silentes, não tendo apresentado qualquer defesa ou qualquer comprovativo de pagamento ou depósito das quantias em dívida”.
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1.2) A matéria de facto considerada provada é a seguinte([2]):
A. FACTOS PROVADOS:
Com particular interesse para a apreciação do incidente de despejo imediato, resultou provada a seguinte factualidade:
1) No dia 26 de fevereiro de 2024, a autora instaurou contra os réus a presente ação de despejo, peticionando:
a) a declaração de resolução do contrato de arrendamento celebrado entre autora e réus, ao abrigo do ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 14.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, na sua redação atual;
b) serem os réus condenados a proceder à desocupação imediata do imóvel locado, devendo o mesmo ser entregue à autora, livre de pessoas, bens e animais e no perfeito estado de conservação em que lhe foi entregue;
c) serem os réus condenados ao pagamento das rendas vencidas e não pagas desde dezembro de 2023 até março de 2024, e às vincendas, à razão de € 950,00/mês, até à efetiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora até integral cumprimento;
d) serem os réus condenados, nos termos do art. 1045.º do Código Civil, a pagar o dobro da renda do locado, ou seja, € 1.900,00 (mil e novecentos euros) mensais (950€x6), desde a data em que for notificada judicialmente da resolução do contrato até efetiva entrega do locado à autora livre de pessoas, bens e animais e no perfeito estado de conservação em que lhe foi entregue.
2) Regularmente citados, o 1.º réu e a 2.ª ré apresentaram contestação conjunta, peticionando, em súmula, a total improcedência da ação, por considerarem inexistir fundamento para a resolução do contrato de arrendamento requerida, nem para o consequente despejo.
3) No dia 08 de maio de 2024, a autora deduziu um incidente de despejo imediato, peticionando a notificação dos réus para procederem ao pagamento das duas rendas vencidas desde a propositura da ação, acrescida de uma indemnização equivalente a 20% daquele montante.
4) Por despacho de 15 de maio de 2024, foi determinado que, após o pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente por parte da autora, os réus fossem notificados para procederem ao seu pagamento ou depósito e ainda da indemnização legal devida, juntando prova aos autos, sob pena de, não o fazendo, ser requerido o seu despejo imediato, nos termos do disposto no art. 14.º, n.os 3, 4 e 5, do NRAU.
5) No dia 31 de maio de 2024, o 1.º réu juntou aos autos documentos comprovativos do pagamento das duas rendas em causa, vencidas no decurso da ação [no valor total € 1.900,00 (mil novecentos euros)] e, de igual modo, de indemnização no valor de € 380,00 (trezentos e oitenta euros).
6) Através de requerimentos de 11 e 19 de junho de 2024, a autora juntou aos autos os recibos por si emitidos, referentes aos valores de rendas pagos pelos réus, alocadas aos meses de outubro, novembro, dezembro de 2023, janeiro, fevereiro e março de 2024, bem como o recibo atinente à indemnização referida em 5).
7) Por despacho judicial de 05 de julho de 2024, foi determinada a notificação da autora para esclarecer se mantinha interesse no prosseguimento do incidente de despejo, atento o pagamento efetuado pelos réus.
8) Por requerimento apresentado no dia 03 de setembro de 2024, veio a autora manifestar a sua intenção de prosseguir com o incidente de despejo imediato, fundamentando que, naquele momento, se encontram em falta as rendas vencidas nos meses de maio, junho, julho e agosto de 2024, correspondentes aos meses imediatamente subsequentes [junho, julho, agosto e setembro].
9) Por despacho de 15 de maio de 2024, foi determinado que os réus fossem notificados para procederem ao seu pagamento ou depósito das 4 (quatro) rendas entretanto vencidas no decurso da ação e ainda da respetiva indemnização legal, juntando prova aos autos, sob pena de, não o fazendo, ser determinado o seu despejo imediato, nos termos do disposto no art. 14.º, n.os 3, 4 e 5, do NRAU.
10) Notificados para procederem ao pagamento ou depósito do valor das rendas que se foram vencendo na pendência da ação principal – desde maio de 2024 até agosto de 2024 e da respetiva indemnização legal – os réus nada disseram e nada juntaram aos autos([3]).
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1.3) Quanto à ação de despejo foi proferida a seguinte decisão([4]):
DECISÃO:
De harmonia com o exposto, julga-se a presente ação totalmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Declarar-se resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre os réus AA, BB e CC e a autora A..., S.A., no dia 23 de junho de 2023, visando a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente a uma habitação, sita na Rua ..., n.º ..., R/C ..., ... Matosinhos, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, com fundamento na falta de pagamento de rendas por um período de 3 meses (cfr. art. 1083.º, n.º 3, do Código Civil);
b) Julga-se a presente instância extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no art. 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil, no que concerne ao pedido de condenação dos réus no pagamento da renda vencida no mês de dezembro de 2023, referente ao mês de janeiro de 2024 e das rendas que se venceram na pendência da presente ação, referentes aos meses de abril e maio de 2024 [vencidas, respetivamente no 1.º dia útil dos meses de março e abril de 2024];
c) Condena-se solidariamente os réus AA BB e CC no pagamento das rendas vencidas à data da propositura da ação e não pagas [referentes aos meses de fevereiro e março de 2024, vencidas no primeiro dia útil dos meses de janeiro e fevereiro de 2024, num total de € 1.900,00], acrescidas de juros moratórios, à taxa legal em vigor de 4%, calculados desde a data de vencimento de cada uma delas até efetivo e integral pagamento;
d) Condena-se solidariamente os réus AA BB e CC no pagamento de juros moratórios, à taxa legal em vigor de 4%, calculados desde a data de vencimento da renda referente ao mês de janeiro de 2024 [vencida no 1º dia útil do mês antecedente, i.e., em 4 de dezembro de 2024] até à data do seu efetivo e integral pagamento [i.e., 29 de fevereiro de 2024];
e) Condena-se solidariamente os réus AA BB e CC no pagamento das rendas vencidas e não pagas desde a propositura da ação até à data da efetiva desocupação e entrega do locado à autora [i.e., excetuando as duas rendas vencidas em março e abril de 2024 pagas no decurso da ação, referentes aos meses de abril e maio de 2024], acrescidas de juros moratórios, à taxa legal em vigor de 4%, calculados desde a data de vencimento de cada uma delas até efetivo e integral pagamento.
Custas da ação integralmente a cargo dos réus.
Registe e notifique”.
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1.4) Quanto ao incidente de despejo imediato foi proferida a decisão seguinte([5]):
DECISÃO:
De harmonia com o exposto, julga-se totalmente procedente, por provado, o presente incidente de despejo imediato a que alude o art. 14.º, n.os 4 e 5, do NRAU e, em consequência, determina-se o despejo imediato dos réus arrendatários (1.º réu e 2.ª ré) da fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente a uma habitação, sita na Rua ..., n.º ..., R/C ..., ... Matosinhos, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, despejo esse a processar-se de harmonia com o disposto nos arts. 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M do referido diploma legal.
Autoriza-se, desde já, a entrada no imóvel locado a fim de ser tomada a posse do mesmo, ao abrigo do disposto no art. 15.º-J, n.º 1, do NRAU, bem como o recurso a auxílio das autoridades policiais.
Custas do presente incidente a cargo dos réus, de acordo com o disposto nos arts. 527.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, fixando-se a taxa de justiça devida em 1 UC, nos termos do disposto no art. 539.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e art. 7.º, n.os 4 e 8, e Tabela Anexa II, anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
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2) Sem prejuízo de posterior justificação, a fim de facilitarmos a compreensão, quer do objeto do recurso, quer desta decisão, desde já referimos outros aspetos do processado.
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2.1) O tribunal a quo qualificou como requerimento de “incidente de despejo imediato”([6]) – previsto ao abrigo do disposto no art.º 14.º, n.º 5([7]), do Novo Regime do Arrendamento Urbano, N.R.A.U., – referido nos factos provados n.º 3([8]) a n.º 5 e n.º 8.º a n.º 9.º (e 10.º) antes mencionados em 1.2) desta sinopse o requerimento da A., de 08/05/2024, em que pedia a notificação dos RR. nos termos e para os efeitos do art.º 14.º, n.º 4, do N.R.A.U.
2.1.1) No dia 15/05/2024, tal requerimento de 08/05/2024, foi objeto do seguinte despacho:
Vem a autora requerer a notificação dos réus nos termos e para os efeitos do artigo 14., n.º 4 do NRAU.
O requerimento da autora configura a dedução de incidente conforme estatuído nos n.ºs 3, 4 e 5, do artigo 14. da Lei n.º 6/2006, de 27/2, (cuja última alteração foi operada pela Lei n.º 56/2023, de 06/10).
Contudo, a autora/requerente não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do incidente (artigos 14.º, n.º 4 da NRAU e artigos 529.º, n.º 2, 292.º do Código Processo Civil e n.º 1 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
Assim, notifique a autora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do incidente de despejo imediato, com acréscimo de multa nos termos e para os efeitos do artigo 570.º, n.º 3 do Código Processo Civil.
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Após, e mostrando-se paga a taxa de justiça devida pela autora, uma vez que a autora alega que os réus não pagaram mais duas rendas vencidas no decurso desta acção;
Notifiquem-se os réus para, no prazo de 10 (dez) dias, procederem ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sob pena de, não o fazendo, poder ser requerido o seu despejo imediato, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.ºs 3, 4 e 5, da Lei n.º 6/2006, de 27/2([9]).
2.1.2) No dia 31/05/2024 os RR. juntaram aos autos comprovativo de terem pagado dois meses de renda (950 Euros X 2 meses = 1900 Euros), bem como a indemnização de 20% daquele montante, 380 Euros.
2.1.2.1) No dia 05/07/2024 foi proferido despacho, do qual constam uma síntese do processado atinente ao “incidente de despejo imediato” e a determinação de notificação da A. para esclarecer se mantinha interesse nesse incidente.
2.1.2.2) No dia 11/06/2024 a A. juntou aos autos um documento irrelevante para os mesmos, gerando até confusão([10]), pois que se trata de um recibo datado de 31/12/2023, no montante de 2850 Euros (950 Euros x 3 meses), respeitante aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 – sendo que nos artigos 4.º e 5.º da petição inicial se alega o incumprimento do pagamento das rendas respeitantes aos meses de janeiro, fevereiro e março de 2024, vencidas, respetivamente, em dezembro de 2023 e janeiro e fevereiro de 2024([11]).
2.1.2.3) No dia 03/09/2024 a A. veio esclarecer que:
a) imputou o pagamento invocado pelos RR. na contestação, de um mês (950 Euros), efetuado aos 29/02/2024, ao mês de janeiro de 2024 (vencido em dezembro de 2023);
b) imputou o mencionado pagamento de dois meses e indemnização aos meses de fevereiro e de março (com vencimento, respetivamente, em janeiro e em fevereiro de 2024).
2.1.3) No mesmo requerimento de 03/09/2024 a A. afirma, entre o demais, o seguinte:
4. Sucede que após a entrada do incidente de despejo imediato, os RR., para evitarem tal propósito, pagaram as duas rendas vencidas, acrescida da indemnização legal.
[12. No] que tange á notificação feita por V. Ex.cia e relativa ao incidente apresentado, requer-se a V. Exc.ia o prosseguimento do mesmo, na medida em que os RR. não pagaram qualquer outra renda á [A.].
13. Encontrando-se em falta as rendas vencidas no mês de Maio, Junho, Julho e Agosto de 2024, referente ao mês subsequente a cada uma delas.
[15. E,] por esse motivo, a Autora mantém o interesse no prosseguimento do incidente de despejo imediato na pendência da ação([12]) ([13]).
2.1.4) Na sequência de tal requerimento, de “prosseguimento do incidente de despejo imediato”, no dia 19/09/2024 foi proferido (na parte que para aqui interessa) o seguinte despacho, que transitou em julgado:
Ref. 3995392: vem a autora apresentar requerimento onde:
- solicita o prosseguimento do incidente de despejo imediato, por falta de pagamento das rendas relativas aos meses de maio, junho, julho e agosto de 2024, referentes ao mês subsequente a cada uma delas, no valor global de [3.800.00 euros];
Notificados os réus, estes não se pronunciaram.
Cumpre decidir.
Em relação ao incidente de despejo imediato, entende-se que o mesmo findou com o pagamento das rendas e da respetiva indemnização, pelo que, relativamente às novas rendas alegadamente em dívida, deve dar-se ao réu a possibilidade de sobrestar a tal despejo imediato, conforme decorre do art. 14º nº 4 do NRAU.
Na verdade, dispõe tal normativo que «4 - Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final».
Assim, decido:
- julgo findo o primeiro incidente de despejo imediato;
- condeno os réus nas custas do incidente, fixando-se em 2 UC a respetiva taxa de [justiça].
- mais, deferindo parcialmente ao requerido pela autora, dando-se início a novo incidente de despejo imediato, notifique os réus para proceder ao pagamento ou depósito das rendas em dívida, alegadas pela autora e da importância da indemnização devida, nos termos do art. 14º nº 4 do Código de Processo Civil([14]), em 10 dias([15]).
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2.2) Além do realizado aos 21/05/2024([16]), por força do determinado no despacho de 15/05/2024, não consta dos autos (nem tal foi determinado por despacho) qualquer outro pagamento de taxa de justiça por incidente, nos termos do art.º 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela Anexa II.
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3) No dia 05/11/2024 foi interposto recurso pelos réus, insurgindo--se, apenas([17]), contra a parte da decisão que decretou o despejo imediato.
Formularam as seguintes conclusões([18]):
1ª) DO EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO - o presente Recurso tem como objecto, designadamente, a falta de cumprimento dos requisitos do incidente de despejo imediato, nomeadamente, por violação do disposto no n.º 5 do artigo 14º da Lei 6/2006 de 27/2;
Razão pela qual, deve ser atribuído o efeito suspensivo ao presente recurso, não só por força do artigo 647º, n.º 3, al. b), do CPC, mas, também, pela própria matéria objecto do presente recurso.
2ª) A – DO INCIDENTE DE DESPEJO IMEDIATO - no âmbito deste incidente foi proferida a decisão do despejo imediato dos réus arrendatários.
3ª) DA ALTERAÇÃO MATÉRIA DE FACTO - da matéria de facto dada como provada na douta sentença, acima transcrita em “A”, não consta qualquer referência ao teor do douto despacho de 19-09-2024 com a refª citius 463529855, designadamente que a Mma. Juiza julgou findo o primeiro incidente de despejo imediato, na sequência do pagamento dos Réus do valor das rendas em atraso, cfr. a matéria factual constante dos pontos 5) e 6) dos Factos Provados;
4ª) Assim bem como não consta qualquer referência ao facto de a Mma. Juiza ter dando início a novo incidente de despejo imediato, na sequência do novo requerimento apresentado pela Autora, cfr. a matéria factual constante do ponto 8) dos Factos Provados.
5ª) Ora, esta matéria factual, do fim do primeiro incidente e do inicio de um novo incidente de despejo imediato é de suma importância para a boa decisão dos presentes autos, quer do incidente, quer da acção de despejo, mormente, por neste segundo incidente, a Autora não ter apresentado qualquer requerimento nos termos do n.º 5 do artigo 14º da Lei 6/2006, a peticionar o despejo imediato, nem tão pouco ter procedido ao pagamento prévio da taxa de justiça.
6ª) Sem prescindir, mesmo que nos atentemos no teor da acta da audiência de julgamento de 10-10-2024, com a refª citius 464388757, que refere que o Ilustre mandatário da Autora, questionado pela Mm.ª Juiz, disse que a Autora mantinha o interesse no incidente de despejo imediato apresentado nos presentes autos, esta declaração de “manter” o interesse no incidente, smo, pressupõe que a Autora tenha Requerido o despejo imediato nos termos do nº 5 do artigo 14º da Lei 6/2006;
7ª) Contudo, analisados todos os documentos constantes do citius os Réus não vislumbraram descobrir qualquer Requerimento com tal pedido;
8ª) Pelo que, smo, não poderia a Mma. Juiza ter julgado procedente o incidente do despejo imediato, quer por falta do requerimento nos termos do nº 5 do artigo 14º da Lei 6/2006, quer por falta do pagamento prévio da taxa de justiça devida a dito incidente de despejo imediato.
9ª) Destarte, face a tudo o supra exposto, devem ser aditados aos factos provados os dois seguintes factos, abaixo indicados, por terem interesse para a boa decisão da causa, aos quais deverão ser atribuídos os n.ºs 11) e 12), com a seguinte redação: 11) o primeiro incidente de despejo imediato foi julgado findo, cfr. consta do despacho de 19-09-2024 com a refª citius 463529855; e o 12) foi dado início a novo incidente de despejo imediato, cfr. consta do despacho de 19-09-2024 com a refª citius 463529855;
10ª) Do Direito - Quanto à falta da apresentação do Requerimento a peticionar o despejo imediato, foi violado o disposto no n.º 5 do artigo 14º da Lei 6/2006 de 27 de Fevereiro; Quanto à falta do pagamento prévio da taxa de justiça do segundo incidente foi violado o disposto nos artigos 14.º, n.º 4, da NRAU, e nos artigos 529.º, n.º 2, 292.º e 642º do Código Processo Civil, assim bem como artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.
11ª) Razões supra invocadas, mormente o aditamento da matéria factual acima requerido, suficientes para o segundo incidente de despejo imediato, aqui em crise, ser julgado, totalmente, improcedente.
Nestes termos e nos melhores de Direito doutamente supridos por Vossas Excelências, deve ser alterada a douta decisão, aqui em crise, que julgou procedente o segundo incidente de despejo imediato, por outra que o julgue totalmente improcedente, fazendo-se, assim, a acostumada boa JUSTIÇA!
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4) Aos 25/11/2024 foram juntas as contra-alegações da A.
Das mesmas constam as seguintes conclusões:
1) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente procedente o incidente de despejo imediato, com base na alegada falta de requerimento e a falta de pagamento da taxa de justiça.
2) Por despacho datado de 05/07/2024, O Tribunal a quo notificou a Apelada para comunicar aos autos se mantinha o interesse no prosseguimento do incidente de despejo imediato, o que foi requerido por requerimento datado de 03/09/2024 com a indicação das respetivas rendas vencidas durante a pendência da ação, dando cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 14º da Lei 06/2006, de 27 de Fevereiro.
3) Legalmente notificados os RR. nada pagaram.
4) Com a apresentação do aludido requerimento, a Apelada devia ter junto a respectiva taxa de justiça, porém, certo é que por se tratar de um incidente, a falta de comprovação do pagamento daquela taxa de justiça não implica a recusa da peça.
5) Na falta de junção do comprovativo de pagamento nos 10 dias subsequentes à prática do acto, a secretaria deve notificar o interessado para efectuar o pagamento em falta com o acréscimo de multa de igual montante, o que não aconteceu (cfr. resulta da conjugação do disposto nos artigos 145º e 570º ambos do CPC)
6) Destarte, tal omissão do Mmo. Tribunal não produzir prejuízos na esfera jurídica da Autora, conforme já escrutinado no processo 148/20.5PDPRT-A.P1, do Tribunal da Relação do Porto (cfr. n.º 6 do artigo 157 do CPC).
Termos em que deverá ser negado provimento ao Recurso interposto, e em consequência, confirmada a Douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo INTEIRA e SÃ JUSTIÇA.
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5) No dia 27/11/2024 foi proferido despacho a admitir, corretamente, o recurso, como sendo de apelação, a subir nos autos e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), e 647.º, n.º 3, al. b) – por referência ao art.º 629.º, n.º 3, al. a), todos do C.P.C.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes([19]), nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).
Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.
As questões (e não razões ou argumentos) decidendas consistem em saber se no presente caso se levanta uma questão de alteração da matéria de facto propriamente dita e se a decisão do tribunal a quo, de ter julgado procedente o despejo imediato dos réus, deve ser mantida – o que implica sabermos se se verificam os pressupostos do mesmo, mormente a (in)existência de um requerimento deduzido nos termos do art.º 14.º, n.º 5, do N.R.A.U.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os factos

Os factos relevantes para a prolação desta decisão são os referidos na sinopse processual antecedente, que nesta vertente adjetiva têm força probatória plena.

O Direito

Ainda que a primeira questão se reporte a matéria de facto, tendo em conta a especificidade da situação consideramos mais adequado trata-la nesta sede, de fundamentação de Direito.
Começamos por uma observação, a de que tudo quanto diremos tem subjacente o devido respeito a diferente entendimento.
Os recorrentes pretendiam se aditasse aos factos provados os seguintes:
“11) o primeiro incidente de despejo imediato foi julgado findo, cfr. consta do despacho de 19-09-2024 com a refª citius 463529855; e o
12) foi dado início a novo incidente de despejo imediato, cfr. consta do despacho de 19-09-2024 com a refª citius 463529855”.
Vejamos então.
A situação em causa não está diretamente ou, pelo menos, inequivocamente, abrangida pelo disposto no art.º 640.º do C.P.C.([20]) – ou, quando muito, caberia no âmbito da previsão do n.º 1, al. b) –, nem pelo disposto no art.º 662.º, n.º 1([21]), do C.P.C. – que, entre o mais, se relaciona com aquele.
Dizemo-lo porquanto, se estiver em causa prova sujeita a livre apreciação, têm de ser observados os ónus de impugnação da decisão de facto previstos no art.º 640.º do C.P.C., mas já assim não será se estiver em causa a violação de regras de direito probatório material. A este propósito, citamos António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “[a] Relação, no âmbito da reapreciação da decisão recorrida e naturalmente nos limites objetivo e subjetivo do recurso, deve agir oficiosamente mediante a aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatório material, modificando a decisão da matéria de facto advinda da 1.ª [instância]”([22]).
O que se verifica no caso é uma inexatidão, uma omissão de referência de atos processuais que relevam para a boa decisão da causa, revelando-se assim uma dimensão ipso-fáctica de atos processuais.
Não faria sentido que o tribunal não pudesse ter em conta tal realidade, desde logo pela amplitude consagrada no disposto no art.º 5.º, n.º 2, do C.P.C., mormente na alínea c), “[a]lém dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: [os] factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por inerência de funções”.
Referimos agora, na parte para aqui relevante, o disposto no art.º 614.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., “[s]e a sentença [contiver] quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. Em caso de [recurso], podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação”([23]).
Queremos com isto dizer que, não obstante da conclusão n.º 3 (que foi intitulada alteração da matéria de facto) à n.º 11 (em que se clarifica o que se pretende aditado), o que está em causa é uma omissão, uma inexatidão, na descrição do processado – daí que tenhamos tecido o esclarecimento com o qual iniciámos o ponto 2 da sinopse processual.
Aqui chegados, ocorre-nos citar parte do sumário de um acórdão desta Secção, proferido aos 19/12/2023, no processo n.º 22046/20.2T8PRT.P1, “I - Não obstante o esgotamento do poder jurisdicional com a prolação da sentença (artigo 613º, nº 1, do Código de Processo Civil), esse exaurimento só opera relativamente à matéria da causa, não contendendo com o poder de o juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e de reformar a sentença (artigo 613º, nº 2, do Código de Processo Civil). II - Embora a redação do nº 2 do artigo 614º do Código de Processo Civil não prime pela clareza, parece que a retificação da sentença, em caso de recurso, pode ter lugar antes de ele subir, mas nada obsta a que, nessa eventualidade, a retificação possa ser decidida no tribunal ad quem, pois que as partes podem alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação”([24]).
Afigura-se-nos pertinente citarmos também – e por fim, quanto a esta questão – um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido aos 11/05/2022, no processo 6947/19.3T8LSB.L1.S1, “[n]o ensinamento do Professor Castro [Mendes], «[e]rro material ou lapso é a inexactidão ou omissão verificada em circunstâncias tais que é patente, através dos outros elementos da sentença ou até do processo, a discrepância com os dados [verdadeiros]». No mesmo sentido, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 14.3.2006, Procº 05B3878, que lapso manifesto é, em princípio, aquele que de imediato resulta do próprio teor da decisão ou, no caso de elementos inconsiderados, que de modo flagrante e sem necessidade de elaboradas demonstrações, logo revelem que só por si a decisão teria de ser diferente da que foi proferida. É um lapso material que vem [apontado], invocando a desconformidade com a realidade entre o que se afirmou no ponto 5 do [relatório]”([25]).
No entanto, aditámos já o ponto 2 da sinopse processual.
Uma nota final: uma coisa é dar notícia aos autos do incumprimento, a fim de o tribunal poder cumprir o disposto no art.º 14.º, n.º 4, do N.R.A.U., outra, distinta, é o incidente de despejo imediato propriamente dito, previsto no n.º 5 – e eis que chegamos à segunda questão.
Reiterando a ressalva antes feita, de mantermos presente o respeito por diferente entendimento, afigura-se-nos que, atentas as particularidades que o caso apresenta, a solução a encontrar não se poderá fundar numa mera abstração conceitual, atendendo-se antes aos interesses em causa e ao brocardo cada caso, é um caso
Comecemos por clarificar um aspeto: a comunicação de falta de pagamento de rendas na pendência da ação é um pressuposto da notificação a efetuar pelo tribunal nos termos do art.º 14.º, n.º 14, do N.R.A.U.([26]), que é distinta do pedido de despejo imediato, que, em caso de incumprimento do pagamento das rendas e da indemnização (de 20% do montante, como resulta do disposto no art.º 1041.º, n.º 1, do Código Civil, C.C.), é facultativo, tal como previsto no art.º 14.º, n.º 5, do N.R.A.U., “[e]m caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato”.
Trata-se de dois eventos incidentais: o não pagamento, per se, daí que do referido n.º 4, conste o termo incidente, “[s]e as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final” e o incidente de despejo imediato propriamente dito previsto no n.º 5.
A classificação do primeiro, resulta da lei, a do segundo da definição de incidente constante do art.º 7.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais, “[c]onsideram-se procedimentos ou incidentes anómalos as ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributados segundo os princípios que regem a tributação em custas”, lido conjuntamente com o disposto no art.º 6.º, n.º 1, do mesmo Diploma, atinente ao pagamento da taxa de justiça, “[a] taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do [interessado]([27]).
Ora, e com o poder de síntese possível, o que constatamos nestes autos é um conjunto de peculiaridades, digamos assim.
De facto, não houve uma tramitação homogénea ao longo do processo, para o que poderá ter contribuído a sucessão de titulares do mesmo([28]).
Assim, desde o início e até aos despachos de 08/05/2024, 15/05/2024 e 05/07/2024, foi considerado estarmos perante um incidente de despejo imediato([29]) (previsto no art.º 14.º, n.º 5, do N.R.A.U.) e foi determinado o pagamento da taxa de justiça – sem que, como vimos, houvesse propriamente tal requerimento – sendo que no último foi também determinado que se notificasse a A. para esclarecer se, depois do pagamento que tinha sido efetuado, mantinha interesse no incidente – sendo certo que não existe a figura do incidente na forma continuada([30]).
Depois, aos 19/09/2024, surge uma nova interpretação da realidade processual, pois que se considerou findo o primeiro incidente de despejo imediato, mas determinou-se o início de um novo incidente (novamente sem requerimento no âmbito do disposto no art.º 14.º, n.º 5, do N.R.A.U.([31]), tendo tal sucedido porque a A. tinha comunicado, entretanto, novo incumprimento), ainda que não tenha sido determinado o pagamento da taxa de justiça.
O processo seguiu os seus termos, como existindo um incidente de despejo imediato, sendo que nunca os RR. arguiram, por exemplo, qualquer irregularidade ou nulidade, tal como também, desde 31/05/2024, nunca mais pagaram qualquer renda.
Ou seja, poderíamos até questionarmo-nos se tudo isto não configura uma questão nova – que estaria excluída do objeto do recurso…
Seja como for, e dizíamos, o processo prosseguiu os seus termos e foi proferida a sentença e a decisão do incidente de “despejo imediato”.
Em sede de recurso, os recorrentes levantam a questão de não existir requerimento e de não ter sido paga a taxa de justiça, afirmando a recorrida que existem requerimentos e que o não pagamento da taxa de justiça não pode ter um efeito prejudicial para si, dado que não foi notificada pela secretaria para o fazer.
Que dizer? – Pouco, no Direito, terá uma resposta consensual.
Temos vindo a ter por bem abordar a questão, por o caso o merecer.
De facto, como vimos, foi o tribunal a quo quem, sucessivamente, confundiu a comunicação de não pagamento de rendas vencidas no decurso da ação com um incidente de despejo imediato, sendo que da segunda vez o tribunal não determinou o pagamento de taxa de justiça, pelo que se compreende (até pelo despacho anterior, que havia determinado expressamente tal) que a secretaria não o tenha feito oficiosamente – sem prejuízo de se estar, claramente, perante um ato incidental, sujeito a pagamento de taxa de justiça em conformidade aos artigos n.º 6.º, n.º 1 e n.º 6, e 7.º, n.º 4 e n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais, sendo aplicável o § 4 da Tabela Anexa II.
Aqui chegados, cumpre tirar a seguinte ilação: as partes não podem ver goradas as expectativas geradas pela atuação do Tribunal([32]), que foi claro a tramitar os requerimentos apresentados como sendo de “despejo imediato”, tal como o não pagamento da taxa de justiça inerente ao segundo não pode funcionar contra a A., pois de acordo com o disposto no art.º 202.º, n.º da Constituição da República Portuguesa, “[n]a administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos [cidadãos] e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”([33]) – trata-se, também e in casu, de acautelar as designadas expectativas juridicamente protegidas, criadas pela atuação do tribunal.
Ocorre-nos citar o ponto III do sumário do acórdão desta Relação, proferido aos 02/07/2022, no processo n.º 148/20.5PDPRT-A.P1, “[o] princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito de acesso aos tribunais impõe que a tramitação processual subsequente deva ser conformada considerando o erro praticado e documentado no processo de modo a evitar prejuízo para a parte”([34]).
Pelo exposto, e verificando-se, sobremaneira, a falta de pagamento de rendas na pendência da ação, bem como da indemnização que seria devida (respeitantes aos meses de abril e subsequentes), e sem prejuízo de a final, em regra de custas, dever ser contada a taxa de justiça em falta, a decisão será confirmada, julgando-se o recurso improcedente.

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos recorrentes, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas na primeira instância e da apelação pelos recorrentes, por terem dado causa à ação e terem decaído, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, e n.º 2, do C.P.C.

Porto, 13/01/2025.
Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:
Jorge Martins Ribeiro
Eugénia Cunha
Mendes Coelho
______________
[1] Detalhada, pois afigura-se-nos que as particularidades do caso assim o determinam, fazendo-o por tal forma de modo a que se torne mais fácil compreender o objeto do recurso e esta decisão.
[2] Damos por reproduzida a motivação da mesma.
[3] Sem podermos esquecer o objeto do recurso (como veremos adiante), convém que desde já se mantenham presentes alguns aspetos relativos a esta factualidade:
Assim: nos factos n.º 3, n.º 8.º a 9.º 10, o tribunal a quo qualificou o requerimento apresentado como “incidente de despejo imediato” – o que, ao longo dos autos, permaneceu incontrovertido.
[4] Aspas, parênteses, sublinhado e negrito no original.
[5] Negrito e sublinhado no original.
[6] Transcrevemos em nota o teor do requerimento da A., datado de 08/05/2024:
“A..., S.A., Autora nos autos à margem referenciados, vem, a V.ª Ex.ª, muito respeitosamente, INFORMAR que, para além dos 3 meses que se encontravam em atraso aquando da propositura da presente ação (Janeiro, Fevereiro e Março de 2024), os Réus acumularam, mais 2 meses de renda em atraso, totalizando, assim, 5 meses de rendas em mora.
Desta feita, REQUER-SE a V.ª Ex.ª, que sejam os Réus notificados, nos termos e para os efeitos do art.º 14.º, n.º 4 do NRAU, e, assim, procederem ao seu pagamento, acrescido da indemnização respetiva, juntando para tal a prova aos autos” (negrito nosso).
[7] Deixamos em nota citação da parte inicial desta norma: “5 - Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo [imediato]” (interpolação e negrito nosso).
[8] Por facilidade de exposição, transcrevemo-lo aqui:
“Vem a autora requerer a notificação dos réus nos termos e para os efeitos do artigo 14., n.º 4 do NRAU.
O requerimento da autora configura a dedução de incidente conforme estatuído nos n.ºs 3, 4 e 5, do artigo 14. da Lei n.º 6/2006, de 27/2, (cuja última alteração foi operada pela Lei n.º 56/2023, de 06/10).
Contudo, a autora/requerente não procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do incidente (artigos 14.º, n.º 4 da NRAU e artigos 529.º, n.º 2, 292.º do Código Processo Civil e n.º 1 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais.
Assim, notifique a autora para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação do incidente de despejo imediato, com acréscimo de multa nos termos e para os efeitos do artigo 570.º, n.º 3 do Código Processo Civil”.
[9] Negrito nosso.
[10] A A. penitenciou-se por tal lapso no ponto 11 do requerimento de 03/09/2024.
[11] Por facilidade de exposição, copiamos aqui tais artigos da petição:
“4. Desde a data da celebração do contrato de arrendamento vigente, os Réus apenas liquidaram as quantias devidas pelo uso do imóvel que tomou de arrendamento, até ao mês de Novembro de 2023.
5. Faltando liquidar todos os demais meses subsequentes até à presente data, nomeadamente a renda de Janeiro que se venceu no mês de Dezembro, e assim nos demais meses subsequentemente, designadamente, Fevereiro e Março de 2024”.
Ora, como resulta do exposto, o afirmado em 4 é errado, pois que dezembro já estava pago.
[12] Negrito e interpolação nossa.
[13] Como é patente, houve engano da A. na referência aos meses em dívida, pois que tendo imputado pagamentos até março, não estavam em dívida apenas os referidos meses de maio a agosto, dado que também estava em dívida o de abril…
[14] A referência a este Diploma é um patente lapso de escrita, pois como decorre do despacho estava em causa o N.R.A.U.
[15] Negrito e interpolação nossa; aspas e sublinhado no original.
[16] “Descrição Ref.ª (DUC) Valor Autor: A..., S.A.
Taxa de Justiça ... 51,00 €
Multa - art 139º C.P.C. ... 51,00 €” – conforme requerimento do mesmo dia e do seguinte teor: “A..., S.A., Autora no processo supra referenciado, vem a V. Ex.cia informar que procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida aos autos, solicitando o demais andamento processual, designadamente a notificação dos RR.”.
[17] Não obstante no introito das alegações o referirem, das conclusões (e, também, do corpo das alegações) nada é referido quanto ao demais – mormente quanto à decisão de resolução do contrato de arrendamento.
[18] Negrito, sublinhado e aspas no original.
[19] Tal como observámos antes, na nota 17, os recorrentes confinaram o recurso à questão do despejo imediato – tal como também o interpretou a A., pois que apenas a tal se refere.
[20] Cujo teor transcrevemos em nota:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
[21] Igualmente o copiamos em nota: “[a] Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
[22] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 858 (interpolação nossa).
[23] Interpolação e itálico nosso.
[24] Relatado por Carlos Gil, tendo sido primeiro adjunto o ora relator e segunda adjunta Anabela Mendes Morais.
O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/fb26b552382f318680258ab7005509e2?OpenDocument [17/12/2024].
[25] Relatado por Leonor Cruz Rodrigues.
O acórdão está acessível em:
http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a9e3822dd682d82580258841002e2d14?OpenDocument [17/12/2024 (interpolação e itálico nosso; aspas no original)].
[26] Neste sentido, referindo-se a promoção da notificação pelo senhorio, citamos o seguinte excerto do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido aos 19/01/2017, no processo Processo nº 8009/15.3T8GMR-A.G1 e relatado por José Amaral: “agora prevê-se uma dilação de dois meses e uma tramitação mais complexa, protectiva do arrendatário: primeiro a notificação deste, promovida pelo senhorio ao fim daquele período e ordenada pelo tribunal, dando-lhe ainda oportunidade de pagar mas com a indemnização de 50%, e só depois, se não cumprir esta obrigação, poderá aquele pedir o despejo imediato”.
O acórdão está acessível em:
https://jurisprudencia.pt/acordao/1255/pdf/ [18/12/2024 (sublinhado no original)].
[27] Itálico e interpolação nossa.
[28] Como resulta do histórico do processo, houve mudanças na titularidade do processo: o despacho de (entre outos) 15/05/2024, a determinar o pagamento da taxa de justiça, foi proferido pela Ex.ma Juíza Manuela Leonardo, o de 19/09/2024 (que declarou findo aquele incidente) pela Ex.ma Juíza Marta Mesquita Mendes, sendo que a sentença foi proferida pela Ex.ma Juíza Rita Almeida.
[29] Não obstante, no despacho de 08/05/2024, acaba por se ler, quase a final, “poder ser requerido o despejo imediato”, isto quando antes se considerou já o ter sido.
[30] O que afirmamos num paralelismo com a terminologia do Direito criminal, a figura do crime na forma continuada.
[31] Na economia processual deste caso, consideramos despiciendo elaborar sobre a evolução legislativa do instituto em questão.
[32] Como estatui a Constituição da República Portuguesa, no art.º 202.º, n.º 1, “[o]s tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”, não se confundido com quem, em determinado momento, os titule.
[33] Interpolação nossa.
[34] Relatado por Maria Dolores da Silva e Sousa.
O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/639f863d526eabca80258877002fb5be?OpenDocument [18/12/2024].