Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2875/20.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONSIDERAÇÃO PELA 2ª INSTÂNCIA DE FACTOS NÃO ALEGADOS
CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO NOS ACIDENTES DE TRABALHO
CUSTOS ALEATÓRIOS
Nº do Documento: RP202311272875/20.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 11/27/2023
Votação: UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE O RECURSO; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A consideração de factos, essenciais, não alegados na decisão da matéria de facto, só é possível por via do disposto no art. 72º, nº 1 do CPT, nesse caso, pressupondo que se dê cumprimento ao disposto no nº 2, nomeadamente, possibilitando-se às partes indicarem as respectivas provas, requerendo-as imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias.
II - Por isso, a segunda instância não pode fazer uso do disposto no art. 72º do CPT, quando estejam em causa factos essenciais, por não poder ser dado cumprimento ao nº2 do mesmo.
III - O conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho.
IV - Conforme resulta do nº 2 do artigo 71º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, constitui retribuição, para efeito de acidentes de trabalho, «todas as prestações recebidas pelo sinistrado com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».
V - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 2875/20.8T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Penafiel – Juízo Trabalho – Juiz 4
Recorrente: AA
Recorridas: A... – Companhia de Seguros, S.A. e B... -S.A.D.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Os presentes autos tiveram início através de participação efectuada, em 02.11.2020, por AA, nascido a .../.../1987, contribuinte fiscal nº ..., praticante desportivo profissional de futebol, residente na Rua ..., ... Penafiel, dando conta da ocorrência de um acidente de trabalho por si sofrido no dia 13 de Julho de 2020 quando exercia as funções de praticante desportivo profissional de futebol, sob as ordens direcção e fiscalização da entidade empregadora B...-S.A.D, NIF - ..., com sede no ..., Apartado ..., ... ..., que celebrou contrato de seguro para transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho com a A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Avenida ..., C.P. ... LISBOA, através da apólice n.º ....
Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo (nos termos que ficaram expressos no auto datado de 04.05.2022), por o A. declarar não aceitar o grau de incapacidade de 1,9% que lhe foi atribuído pelo gabinete médico legal, a seguradora declarar que à data do alegado acidente não existia apólice de acidentes de trabalho que o pudesse garantir, que a apólice da entidade empregadora B... Sad com o n.º ... foi anulada por falta do pagamento do prémio em 30 de Junho de 2020, que o acidente alegadamente ocorrido em 19 de Julho de 2020 não foi participado à A..., desconhecendo-se as circunstâncias em que ocorreu, quais as lesões e se é passível de ser caracterizado como de trabalho e, em consequência, declara não aceitar o resultado do exame médico nem qualquer responsabilidade pela reparação do alegado acidente e a entidade patronal não aceitar o acidente participado, nem o resultado do exame médico, nem o nexo entre a lesão e o evento, nem a retribuição reclamada pelo A., no montante anual de € 169.747,50.
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O A., com mandatário constituído, deu início à fase contenciosa do processo, através da apresentação da petição inicial junta, contra a R., B... - S.A.D., requerendo que seja julgada procedente a sua pretensão e, em consequência, deverá a ré “B... SAD SER CONDENADA A:
A) PAGAR AO SINISTRADO A QUANTIA DE € 9.766,29 DE INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA PELO PERÍODO TOTAL DE 30 DIAS;
B) PAGAR AO SINISTRADO A QUANTIA DE € 309,26 DE INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PARCIAL DE 5 % PELO PERÍODO TOTAL DE 19 DIAS;
C) PAGAR UMA PENSÃO ANUAL E VITALÍCIA, NO VALOR QUE RESULTAR DA CONSIDERAÇÃO DO SALÁRIO AUFERIDO (€ 169.747,50) E DO GRAU DE DESVALORIZAÇÃO QUE LHE VIER A SER RECONHECIDO NA SEQUÊNCIA DA JUNTA MÉDICA A QUE FOR SUBMETIDO, CONFORME REQUERIMENTO ABAIXO FORMULADO;
D) JUROS DE MORA, VENCIDOS E VINCENDOS, À TAXA ANUAL DE 4%, DESDE A DATA DO RESPECTIVO VENCIMENTO ATÉ INTEGRAL PAGAMENTO.”.
Mais, requereu a sua submissão a exame por junta médica e indicou os quesitos a que Junta Médica da especialidade de OTORRINO, em seu entender, deverá responder.
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Citadas, a Ré e a Segurança Social, nos termos do art. 1.º, n.º 2, do DL n.º 59/89 de 23/2, apresentou contestação a entidade empregadora impugnando toda a factualidade aduzida pelo A e alegando, em síntese, que o A auferia um prémio de assinatura que não integra a sua remuneração anual e que tinha seguro de acidente de trabalho válido e em vigor, por último refere que, se o A tiver créditos sobre si, os mesmos devem ser tidos em consideração no PER que se encontra pendente.
Conclui pedindo que deve a contestação ser julgada procedente, por provada, com todas as consequências legais.
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Em 30.06.2022, foi proferido despacho a conhecer da excepção de ilegitimidade passiva (face à alegação, por um lado, do A. de que a retribuição não se encontrava transferida, por outro, da R., Entidade Patronal, que existia contrato de seguro válido e regular) e determinado o chamamento da “A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. que, após citada, veio contestar impugnando tudo o alegado pelo A. e reiterando que inexiste contrato de seguro de acidentes de trabalho e que o contrato de seguro que havia existido apenas transferia a responsabilidade da R Patronal pela retribuição máxima de € 70.000,00.
Conclui, assim, que: “a) Deverá ser julgada provada e procedente a exceção perentória de inexistência de contrato de seguro válido e eficaz à data dos factos, por resolução automática por falta de pagamento do prémio, e a ação julgada improcedente no que à ré A...-Companhia de Seguros, S. A. diz respeito, sendo, consequentemente, a mesma absolvida do pedido; ou
b) Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se admite, deverá a ação ser julgada de acordo com a prova a produzir.”.
Mais, requereu a realização de exame por junta médica na pessoa do autor, juntando, para o efeito, os respetivos quesitos.
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Notificada esta, veio a R., Entidade Patronal, responder mantendo o por si alegado e requerendo que sejam as excepções deduzidas pela Ré julgadas improcedentes.
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De seguida, a Mª Juíza “a quo” proferiu saneador tabelar, procedeu à identificação do objecto do litígio, fixou os factos assentes e os temas de prova e determinou o desdobramento do processo e a consequente abertura do apenso de fixação da incapacidade, onde, após ser realizada a junta médica, em 16.12.2022, se decidiu o seguinte: “…, concordando inteiramente com o laudo unânime dos Exmos. Senhores Peritos Médicos, considero que o sinistrado se encontra desde 31 de agosto de 2020 com alta clínica com um grau de Incapacidade Permanente Parcial (I.P.P.) de 1,9 %.”.
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Realizada a audiência nos termos documentados nas actas datadas de 02.02.2023 e 21.04.2023, foi proferiu sentença, em 24.04.2023, que terminou com a seguinte Decisão:
A) Absolvo a Ré “A... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”;
B) Condeno a Ré B...-S.A.D a pagar ao Autor AA:
I - o capital de remição da pensão anual de € 1.620,87, devida a partir de 1 de Setembro de 2020, acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento;
II- a quantia de € 10.127,23, tudo a título de montante global de indemnização por via dos períodos de incapacidades temporárias sofridas, a que acrescem juros de mora, a contar sobre a quantia diária de cada uma daquelas indemnizações, desde a data a que se reporta cada uma dessas quantias diárias, à taxa de 4% ao ano até integral e efectivo pagamento; e
III - a quantia de € 10 com deslocações obrigatórias a tratamentos, a este Tribunal e ao Gabinete Médico-legal, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir 4-05-2022 até integral pagamento.
C) Absolvo a Ré B...-S.A.D do que ademais é peticionado.
Custas pelo A e R B..., na proporção do respectivo decaimento.
Valor da acção: € 47.694,16.”.
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Inconformado o A. interpôs recurso, nos termos das alegações juntas que finalizou com as seguintes CONCLUSÕES:
“1.º A presente alegação, que incide sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, incide e tem como objecto, apenas, a parte da sentença em que decide que a quantia que o Sinistrado auferia ao abrigo do ACORDO PRIVADO, não deveria ser considerada como da retribuição para efeitos de indemnização pelo acidente de trabalho sofrido.
SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
2.º Deveria também ter sido dado como provado que a quantia prevista no ACORDO PRIVADO, fazia parte integrante da retribuição anual líquida acordada entre o Sinistrado e a Ré B... SAD,
3.º Pois não se tratava de um mero “Prémio de assinatura”, que se consumia ou “esfumava” no acto de assinatura do contrato.
4.º A prova testemunhal produzida foi relevante e elucidativa, pois o Sr. BB era Director Desportivo da Ré, à época da negociação e assinatura do Contrato de Trabalho e do Acordo, enquanto que a testemunha CC, foi o Empresário/Agente que representou a Ré B... na contratação do Autor,
5.º E ambos tiveram intervenção directa e pessoal, em representação da Ré B... SAD, na negociação e celebração do Contrato de Trabalho e do Acordo, ou seja, ambas as testemunhas trabalhavam, e representavam, a própria Ré e não o Autor!
6.º Com base no depoimento das DUAS TESTEMUNHAS, e por ser muito relevante para a boa decisão da causa, o Tribunal recorrido deveria ter concluído, e dado como factos provados, que:
1) O salário anual líquido/net pedido pelo Autor à Ré B... SAD foi de € 100.000 net por cada época desportiva;
2) Que, em consequência de incumprimento salarial crónico com os seus jogadores, o Autor solicitou um adiantamento anual dos seus salários, à Ré B... SAD, de forma a precaver a ocorrência de salários em atraso;
3) Que o Autor e a Ré B... SAD acordaram num contrato de duas épocas desportivas de validade, com a Ré a aceitar pagar o salário anual líquido net de € 97.500,00 por cada uma das épocas desportivas, com uma comissão de € 5.000 (soma de € 2.500 por cada uma das duas épocas de contrato assinado) para o Agente que representou a Ré na negociação com o Autor;
4) Que, por acordo das partes, essa quantia líquida de € 97.500,00 foi divida em duas partes: uma de € 70.000 net pago através de contrato de trabalho e outra de € 27.500 pago no ACORDO PRIVADO, em cada uma das épocas desportivas;
SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
7.º Conforme alegado e peticionado em 17.º e sgts. da sua Petição Inicial, por estarmos no âmbito dos direitos irrenunciáveis e por constituir convenção contrária aos direitos e garantias conferidas pela Lei dos Acidentes de Trabalho, o n.º 2 do ACORDO PRIVADO enferma de nulidade, cuja declaração se requereu, aqui se requer novamente e que deveria ter sido declarada pelo tribunal a quo.
8.º Declarada tal nulidade, estes pagamentos previstos no ACORDO PRIVADO também englobam o conceito de retribuição para efeitos de reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho.
9.º O “prémio” anual (com pagamento em 3 prestações anuais previamente definidas quanto ao valor e datas, e dependentes da validade do contrato de trabalho) tinha caracter regular e periódico, e não se destinava a compensar custos aleatórios do trabalhador, sendo uma expectativa real de ganho do trabalhador, com relevância do nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares do mesmo.
10.º Por sua vez, ao falar de “regularidade”, a lei refere-se a uma prestação não arbitrária, que segue uma regra permanente, sendo, pois, constante, ao contrário do sentido que lhe é conferido na sentença recorrida.
11.º Ao contrário do definido na sentença, o prémio tinha um caracter sinalagmático e dependia da efectiva contra-prestação de trabalho do Autor, em cumprimento e validade do seu contrato de trabalho, pois, conforme consta dos n.º 3 e n.º 4 do acordo:
- 3. O presente acordo é válido enquanto vigorar o contrato de trabalho desportivo entre o B... e o JOGADOR.
- 4. Em caso de cessação do contrato referido na alínea a) dos considerandos, suas prorrogações, renovações e aditamentos, por qualquer das formas previstas no artigo 23.º da Lei 54/2017, de 14 Julho, o JOGADOR apenas terá direito ás importâncias vencidas em data anterior ao momento em que tal cessação ocorrer.
12.º O prémio previsto no ACORDO PRIVADO era uma contrapartida do trabalho do Autor, pois se o contrato fosse resolvido, não mais teria direito a receber as prestações vincendas desse prémio!c
13.º Assim, e como consta dos artigos 258.º e seguintes do Código do Trabalho de 2009, a Ré estava obrigada a pagar esses valores pecuniários, de forma regular e periódica ao Autor, enquanto o contrato de trabalho estivesse em vigor, ou seja, como contrapartida do seu trabalho.
14.º Na verdade, o prémio previsto no ACORDO PRIVADO era uma contrapartida do trabalho do Autor, atento:
a) A cadência anual como era pago o prémio;
b) A dependência directa do direito a receber as prestações do prémio com a efectiva duração, cumprimento do contrato de trabalho e efectiva prestação de trabalho do Autor à Ré;
c) O lapso de tempo durante o qual estava previsto o seu pagamento (que a quantia líquida anual de € 27.500,00 em cada uma das duas épocas desportivas de duração inicial do contrato, a ser paga em 3 prestações anuais, num total de 6 prestações em 2 anos);
d) O montante do valor anual líquido (€ 27.500,00), representava cerca de 28,2% da totalidade da retribuição anual líquida, por isso, assumindo um peso significativo, susceptível de influenciar em larga medida, quer o orçamento familiar do Autor, quer a sua tomada decisão, como influenciou;
15.º Estes elementos, acrescido do que foi referido pelas testemunhas quanto à retribuição anual líquida que foi negociada com a Ré e ao receio de incumprimento salarial da Ré, configuram que o prémio anual acordado no ACORDO é, tão só e como é fácil, concluir, um adiantamento por conta do salário anual “net que foi negociado e acordado entre as partes.
16.º O conceito legal de retribuição, para efeitos de acidente de trabalho, não coincide com o plasmado no Código do Trabalho e alarga-se a todas as prestações recebidas com carácter de regularidade, desde que não se destinem a compensar o Sinistrado por custos aleatórios,
17.º Cabia ao empregador o ónus de alegar e provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores regularmente pagos no âmbito do ACORDO PRIVADO, o que, como consta dos autos e da sentença, não foi alegado nem provado pela Ré B.... SAD.
18.º Temos assim que, para efeitos de indemnização, o valor a considerar deverá ser o da retribuição anual ilíquida correspondente aos salários líquidos que o Sinistrado auferiu na época desportiva 2019/2020, que corresponde ao total de € 169.747,50 (resultado da soma de € 121.870,00 com € 47.877,50), quantia essa que o trabalhador teve direito como contrapartida do seu trabalho, nela se incluindo a retribuição de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas ao Sinistrado.
19.º A decisão recorrida viola, entre outros, o disposto nos 258.º e seguintes do CT, art.º 71.º, n.º1 da LAT, art.º 15.º, n.º 1 da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho e do principio da justa reparação das vítimas de acidentes de trabalho, plasmado no alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP.
TERMOS EM QUE SE REQUER, A V.ª(S) EX.ª (S), SE DIGNE(M) DAR PROVIMENTO À PRESENTE ALEGAÇÃO, SUBSTITUINDO A SENTENÇA RECORRIDA POR DOUTO ACÓRDÃO QUE JULGUE QUE, PARA EFEITOS DE REPARAÇÃO DO ACIDENTE DE TRABALHO, O SINISTRADO AUFERIA A RETRIBUIÇÃO ANUAL BRUTA DE € 169.747,50, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS SOBRE O CAPITAL DE REMIÇÃO DA PENSÃO ANUAL VITALÍCIA DEVIDA AO SINISTRADO.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA”.
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A R., entidade empregadora, apresentou resposta, nos termos das alegações juntas, terminando com as seguintes “CONCLUSÕES:
1. O prazo para recorrer da sentença terminava a 26 de Maio (contando que o prazo começa somente no dia 2/05 por ser o dia 1/05 um dia não útil - feriado) sendo que o 3.º dia útil com multa terminava a 31 de Maio e não, a 1 de Junho - data em que foram apresentadas as alegações de recurso.
2. Salvo melhor entendimento, o Recurso apresentado é extemporâneo e, por conseguinte, não deverá ser admitido, nos termos do número 4 do artigo 81.º do CPT.
3. Com as alegações apresentadas o Recorrente está a pôr em causa o teor de um documento que foi junto aos autos pelo próprio,
4. documento que nunca foi impugnado quanto ao seu teor.
5. O Recorrente pugna por uma decisão que contraria, expressamente no seu conteúdo, um documento junto aos autos e assinado por ambas as partes.
6. Deverá falecer a pretensão do Recorrente em contradizer um acordo assinado, por ambas as partes, com o depoimento de testemunhas em sede de julgamento.
7. A intenção do Recorrente é -tão só - contradizer o que está expressamente escrito e acordado no documento assinado pelas partes usando de “expressões” utilizadas no depoimento das testemunhas DD e da testemunha BB.
8. Segundo as regras da experiência comum não podemos exigir que estas testemunhas saibam se existe diferença entre “salário” e “prémio de assinatura”,
9. Ou se um prémio de assinatura não pode ser considerado como uma remuneração mensal.
10. Tendo ainda em conta que do depoimento destas testemunhas o mandatário do sinistrado persuade na própria pergunta quando questiona desde logo pelo “salário”.
11. Se assim fosse, as partes nunca teriam celebrado o acordo privado junto aos autos.
12. Ou, no limite, não teriam estipulado expressamente nesse acordo “que os valores mencionados nos números anteriores da presente cláusula têm a natureza de liberalidade da administração do B... pelo que não integram, em qualquer circunstância, a remuneração do JOGADOR” – conforme cláusula 2 do Acordo Privado e os seus “considerandos”.
13. O acordo foi assinado pela Administração da Ré e pelo Jogador, aqui sinistrado, que declarou a sua vontade em anuir com o acordo e a forma como foi considerado tais valores a serem pagos.
14. No que diz respeito à retribuição do sinistrado não pode colher o entendimento sufragado pelo Recorrente.
15. Um “prémio de assinatura”, pago em várias parcelas espaçadas no tempo, não pode enquadrar no âmbito de retribuições, cfr. entendimento da recente jurisprudência, em Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-02-2022:
16. A Recorrida acompanha o entendimento do Tribunal a quo.
17. Não há dúvidas quanto ao que foi acordado pelas partes e a vontade expressa dos seus intervenientes.
18. O Recorrente nunca invocou algum vício de vontade negocial no referido acordo.
19. É entendimento da Recorrida que deve o Recurso apresentado ser julgado extemporâneo ou, caso assim não se entenda, deverá a Apelação ser improcedente confirmando, na íntegra, a decisão proferida pelo Tribunal a quo.”.
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A Mª Juíza “a quo” admitiu a apelação, com efeito devolutivo e ordenou a sua subida a esta Relação referindo, previamente, que “Veio a R B... alegar a extemporaneidade das alegações de recurso do sinistrado AA.
Sucede que o prazo de recurso é de 15 dias acrescidos de 10 dias por o recurso nestas autos de processo urgente de acção especial de acidente de trabalho versar também matéria de facto – cfr art 80º, ns 2 e 3 CPT.
A sentença foi notificada a 26/4/2023 via Citius, pelo que o último dia do prazo a que alude o art.º 139º, n.º 5, al c) CPC, aplicável “ex vi” art.º 1º, n.º 2, al. a) CPT é dia 1 de Junho de 2023, precisamente o dia em que as alegações de recurso foram oferecidas.
Julgo assim o recurso oferecido tempestivamente, improcedendo a alegação da R B....
Sem custas, atenta a manifesta simplicidade do incidente.”.
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O Ex.mo Procurador Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº3, do CPT e, emitiu parecer, “ressalvando sempre diferente e melhor opinião”, no sentido de não se conhecer do recurso, por extemporâneo, na consideração de que, “A sentença, supra referida, foi notificada ao Autor/Recorrente no dia 26 de Abril de 2023.
O processo de acidente de trabalho é um processo de natureza urgente nos termos do artigo 26.º, n.º 1, al. e), do CPT.
Assim, o prazo para interposição de recurso é reduzido a metade, 15 dias, a que acresce o prazo de 10 dias se for pedida a reapreciação da prova gravada – art.º 80º, n.ºs 2 e 3, do CPT.
Levando em conta a data de notificação da sentença recorrida, de 26.04.2023, e a apresentação do recurso a 01.06.2023, entende-se estar ultrapassado o prazo de interposição de recurso neste caso, não devendo, em consequência, ser não ser admitido.”.
A este respondeu o A./recorrente defendendo que, não assiste razão ao Parecer apresentado, devendo ser admitido o recurso interposto pelo Recorrente, por o mesmo ter sido apresentado dentro do prazo legal para o efeito, sob a alegação de que, “de acordo com a conjugação do disposto no n.º 2 e 3 do art.º 80 do C.P.T. e no disposto nos art.ºs 248.º e 139.º n.º 5 al. c) as alegações de recurso poderiam ter sido apresentadas até ao dia 1 de Junho de 2023, mediante pagamento de multa, conforme sucedeu.”.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Questão Prévia:
Da Tempestividade do Recurso
A R., sob a alegação de que, “A sentença proferida pelo Tribunal a quo foi notificada ao Recorrente no dia 26/04/2023.
O caso dos autos é um processo de acidente de trabalho e, por isso, um processo com natureza urgente nos termos da alínea e) do número 1 do artigo 26.º do CPT.
Ora, nos processos urgentes, o prazo para apresentar alegações é de 15 dias a contar da notificação da sentença, nos termos do número 2 do artigo 80.º do CPT.
Sendo certo que, o Recorrente pede a reapreciação da prova gravada – o qual acresce ao prazo 10 dias, nos termos do número 3 do artigo 80.º do CPT - o prazo para apresentação do recurso era, no total, de 15 + 10 dias.
Com efeito,
O prazo para recorrer da sentença terminava a 26 de Maio (contando que o prazo começa somente no dia 2/05 por ser o dia 1/05 um dia não útil - feriado) sendo que o 3.º dia útil com multa terminava a 31 de Maio e não, a 1 de Junho - data em que foram apresentadas as presentes alegações de recurso.”.
Nesta consideração, salvaguardando o melhor entendimento, conclui que, “o Recurso apresentado é extemporâneo e, por conseguinte, não deverá ser admitido.”.
Entendimento seguido pelo Ex.mo Procurador no parecer proferido nos autos e, do qual, o A./recorrente, discorda, defendendo que o recurso deve ser admitido, porque, “De acordo com a conjugação do disposto no n.º 2 e 3 do art.º 80 do C.P.T. e no disposto nos art.ºs 248.º e 139.º n.º 5 al. c) as alegações de recurso poderiam ter sido apresentadas até ao dia 1 de Junho de 2023, mediante pagamento de multa, conforme sucedeu.”.
Que dizer?
Desde logo que, o recorrente tem razão.
Pois, pese embora, se tivesse colocado a hipótese de que não seria desse modo, conforme despacho da relatora proferido nos termos dos art.s 652º, nº 1, al. b) e 655º, nº1, ambos do referido C. P. Civil., motivo porque foi notificado para se pronunciar sobre a potencialidade de não se conhecer do objecto do recurso, tal não ocorre.
Senão, vejamos.
O recorrente, AA, intentou acção emergente de acidente de trabalho contra a recorrida, B..., S.A.D., na qual, em 24.04.2023, foi proferida sentença, que lhe foi notificada via Citius, em 26.04.2023.
Após, em 01.06.2023, aquele apresentou alegações, antecedidas do seguinte: “…notificado da Sentença exarada a fls. … dos presentes autos, vem, nos termos dos artigos 79.º al.) b), 79.º-A n.º 1 alínea a) e 80.º, n.º 3 e ss. do C.P.T., por com ela não se conformar, interpor RECURSO DE APELAÇÃO, quer sobre a matéria de direito, quer sobre a matéria de facto (+ 10 dias por reapreciação da prova gravada),…” e juntou 4 documentos, respectivamente, guias e comprovativos dos pagamentos da “taxa de justiça” e da “multa 3º dia”.
Sem discussão, como decorre do que supra se deixou exposto, temos que o processo, em causa, é um processo de natureza urgente nos termos do art. 26º, nº 1, al. e), do CPT, em que o prazo para interposição de recurso é reduzido a metade, 15 dias, a que acresce o prazo de 10 dias se for pedida a reapreciação da prova gravada, cfr. art. 80º, nºs 2 e 3, do mesmo código, como é o caso. E, ainda, que a data de notificação da sentença recorrida foi em 26.04.2023, a apresentação do recurso foi em 01.06.2023 e, o recorrente pagou a multa a que se refere a al. c), do nº 5, do art. 139º, do CPC.
E, sendo desse modo, tendo em conta a data em que ocorreu a notificação daquela e o disposto no art. 248º, do CPC, onde se lê: “1 - Os mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”, tal como o recorrente vem dizer, entendemos não estar ultrapassado o prazo de interposição do recurso, uma vez que, no caso, face à data da notificação, certificada em 26.04.2023 e tratando-se de um processo urgente, (porque os dias, 29 e 30, são sábado e domingo e o dia 1 é feriado), o primeiro dia útil seguinte, àquele em que se presumia feita aquela – (dia 29) - é o dia 2 de Maio, data em que a notificação se presume feita e, consequentemente, atento o disposto na al. b), do art. 279º do CC, só no dia 3 começa a correr o prazo de (15+10) que, apenas, termina no dia 29, (dado os dias anteriores, 27 e 28 – serem não úteis, sábado e Domingo). Logo, tendo o A. pago a multa a que alude o nº 5, do art. 139º, do CPC, al. c), temos que os três primeiros dias úteis subsequentes ao dia 29, “dentro” dos quais podia o acto ser praticado, são 30 e 31 de Maio e 1 de Junho, dia em que o recurso foi apresentado.
Tudo a significar, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, como já dissemos, que o recorrente tem razão, de acordo com a conjugação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 80º do CPT e nos referidos art.s 248º e 139º nº 5 al. c) as alegações de recurso podiam ser apresentadas até ao dia 1 de Junho de 2023, mediante pagamento de multa, conforme sucedeu e, por isso, o recurso foi tempestivamente apresentado, sendo admissível.
Improcede, assim, a questão prévia suscitada.
*
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber se o Tribunal “a quo” errou:
- quanto à decisão de facto;
- quanto ao valor, da retribuição anual ilíquida, a considerar para efeitos de indemnização do sinistrado;
e
- saber se o nº 2 do acordo privado enferma de nulidade.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, fixados na 1ª instância, são os seguintes:
“1) O Autor é Praticante Desportivo Profissional da modalidade de futebol.
2) No âmbito da sua profissão, celebrou em 1 de Julho de 2019 com a Ré B... - S.A.D., um contrato individual de trabalho que foi registado na Liga Portuguesa de Futebol Profissional.
3) O Autor e a R B... outorgaram o documento intitulado “contrato de trabalho desportivo” de fls. 5 v e ss, que aqui se tem por integralmente reproduzido, e no qual se pode ler que “o jogador obriga-se a prestar com regularidade, zelo, dedicação e assiduidade a actividade de futebolista ao B..., em representação e sob a autoridade e direcção desta, mediante retribuição, podendo no decurso do contrato ocorrer cedência temporária por acordo de ambas as partes.”(conforme cláusula primeira).
4) Pode ler-se nesse mesmo documento que o contrato de trabalho se iniciava em 1 de Julho de 2019 e teria seu termo a 30 de Junho de 2021 (conforme cláusula terceira), ou seja, destina-se a vigorar nas épocas desportivas 2019/2020 e 2020/2021.
5) Na cláusula segunda do “contrato de trabalho desportivo”, pode ler-se: “...O B... compromete-se a pagar ao jogador, até ao dia 5 (cinco) do mês seguinte aquele a que diz respeito, a remuneração mensal líquida de:
1. Época 2019/2020: € 70.000,00 (setenta mil euros), a serem pagos em 10 (dez) prestações mensais líquidas, iguais e sucessivas de € 8.000,00 (oito mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 5 de Agosto de 2019;
2. Época 2020/2021: € 70.000,00 (setenta mil euros), a serem pagos em 10 (dez) prestações mensais líquidas, iguais e sucessivas de € 8.000,00 (oito mil euros) cada, vencendo-se a primeira no dia 5 de Agosto de 2020;
Parágrafo único: Os subsídios de férias e de Natal já estão incluídos nos valores globais referidos nesta cláusula.
6) O A recebia dez meses por ano da R as seguintes importâncias, descriminadas da seguinte forma nos recibos de vencimento:
a. Ordenado base: € 1.400,00;
b. Complemento de ordenado: € 10.787.
c. Total € 12.187,00, num total anual de € 121.870,00.
7) O Autor e a Ré B... - S.A.D. assinaram, também no mesmo dia 01 de Julho de 2019 aquilo que as partes designaram de ACORDO PRIVADO (documento de fls. 11 que aqui se tem por integralmente reproduzido).
8) Esse ACORDO PRIVADO previa um pagamento de € 27.500,00 líquido em cada uma das duas épocas de contrato, e ilíquido de € 47.877,50.
9) Em tal ACORDO PRIVADO, as partes mais acordaram que:
2. Fica expressamente entendido que os valores mencionados nos números anteriores da presente cláusula têm a natureza de liberalidade da administração do B... pelo que não integram, em qualquer circunstância, a remuneração do JOGADOR.
3. O presente acordo é válido enquanto vigorar o contrato de trabalho desportivo entre o B... e o JOGADOR.
4. Em caso de cessação do contrato referido na alínea a) dos considerandos, suas prorrogações, renovações e aditamentos, por qualquer das formas previstas no artigo 23.º da Lei 54/2017, de 14 Julho, o JOGADOR apenas terá direito ás importâncias vencidas em data anterior ao momento em que tal cessação ocorrer.
5. Ambos os Acordantes declaram que o presente pacto privado em nada afeta a validade, condições e eficácia do Contrato de Trabalho outorgado entre o B... e o JOGADOR.
10) Em Março de 2020, a competição desportiva foi suspensa, tendo retomado em Junho de 2020 e terminado em 26 de Julho de 2020,
11) Houve um acordo de redução do valor do prémio de seguros de acidentes de trabalho no âmbito das competições desportivas de futebol profissional relativo ao período de 18/03/2020 a 30/04/2020, tendo ainda sido acordado o pagamento faseado dos prémios de seguro, até 31 de Dezembro de 2020, convenção esta celebrada entre as partes sob a égide da Liga Portugal, também interveniente no acordo, por causa da doença COVID 19, que impôs a necessidade de adoção e estabelecimento de medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia e seus efeitos.
12) Esse acordo é referente ao pagamento dos prémios de seguro de acidente de trabalho relativos aos meses de março, abril, maio e junho de 2020.
13) A Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) acordou com a R Seguradora alargar o prazo no pagamento dos seguros de acidentes desportivos até 31 de Dezembro de 2020.
14) A Apólice ... foi emitida pela A..., S.A e tinha por objecto contrato de seguro do ramo acidente de trabalho firmado com a R B... para o período de 7/7/2020 a 31/7/2020.
15) A apólice vigorava com uma franquia de 60 dias.
16) Na apólice refere-se como “data de resolução”/“data limite de pagamento” 3/8/2023 - cfr documento de fls. 198, que aqui se tem por integralmente reproduzido.
17) A prestação do seguro correspondente ao mês de julho de 2020, não estava abrangido pelo acordo referido em 11).
18) A ré entidade empregadora e tomadora do seguro deveria ter pago, até 03/08/2020, o prémio total no valor de 25.606,62 €, respeitante ao período de 2020/07/01 a 2020/07/31, a que se reporta o aviso de pagamento ....
19) O aviso de pagamento foi enviado à R B... por email de 10/07/2020, que a entidade empregadora recebeu, na pessoa de EE, vogal do conselho de administração, e que, em anexo, para além do referido aviso de pagamento, continha o mapa dos atletas –cfr documento de fls. 199 e ss.
20) O A sofreu um acidente a 13 de Julho de 2020, pelas 21.16 horas durante um jogo de futebol no ... contra o C... SAD, a contar para a Jornada ... da Liga D... 2019/20, no exercício da sua actividade profissional de Praticante Desportivo Profissional de futebol, ao serviço e sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora B... - S.A.D. por força de contrato de trabalho com ela validamente celebrado.
21) O acidente referido em 20) ocorreu numa disputa de bola, por o A ter sofrido um traumatismo directo da cintura escapular (ombro) esquerda contra adversário (1º minuto em jogo televisionado cujo vídeo se junta como documento n.º 6).
22) Imediatamente após o acidente o A, foi assistido pela equipa médica da sua equipa e, por manter incapacidade funcional marcada, interrompeu a actividade e foi substituído do jogo.
23) Tendo ficado, desde logo, em situação de ITA para o seu trabalho.
24) Por manter quadro clínico, foi avaliado 2 (dois) dias depois no Hospital ..., onde realizou RM do ombro esquerdo (documento n.º 7).
25) Essa ressonância magnética constatou que, em consequência do acidente de trabalho, o Sinistrado sofreu:
a) luxação acromio-clavicular à esquerda com ruptura dos ligamentos acromio-claviculares e coraco-claviculares;
b) edema partes moles peri-articulares pós-traumático.
26) Após avaliação clínica foi decidido optar por tratamento conservador com repouso e analgesia, aplicada imobilização (Gerdy) + repouso e tratamentos de MFR, por profissionais do Clube (B...) e posteriormente - por ter terminado o seu contrato de trabalho com a Ré e por ter ficado sem assistência desta, recebeu tratamentos na Clínica ..., em Penafiel.
27) Terminada a época, bem como o seu contrato de trabalho, o A não voltou a treinar nem a jogar pelo B... SAD.
28) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 31/08/2020;
29) O A sofreu incapacidade temporária absoluta (correspondente ao período durante o qual a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional), desde 14/07/2020 até 12/08/2020, fixável num período total de 30 dias;
30) O A sofreu incapacidade temporária parcial (correspondente ao período durante o qual foi possível à vítima desenvolver a sua actividade profissional, ainda que com certas limitações), desde 13/08/2020 até 31/08/2020 (5 %), fixável num período total de 19 dias;
31) O sinistrado ficou a padecer de uma I.P.P. de 1,9% T.N.I., correspondente a uma invalidez permanente especifica de 1,9% (art. 5º da Lei nº 27/2011, de 16/06), desde 31/8/2020.
32) O Sinistrado encontra-se afectado de I.P.P anterior de 5%, sentenciado no Processo de Acidente de Trabalho com o nº 3338718.7T8PN, do Juiz 2 do Juízo do Tribunal de Penafiel.
33) O A despendeu a quantia de € 10 relativa a despesas de deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de Penafiel.
34) O acidente referido em 20) não foi participado pela R Patronal à R Seguradora.
35) O A AA nasceu a .../.../1987.
* * * * *
Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que:
i. Ocorreu uma prorrogação das apólices de seguros de acidentes de trabalho para a época 2019/2020 uma vez que a mesma terminava a 30/06/2020.
ii. O B... – S. A. D. liquidou a prestação do seguro correspondente ao mês de julho de 2020.
iii. O mencionado em 27) da factualidade provada ocorreu por o A estar em situação de ITA.”.
*
Por se revelar de interesse à decisão do presente recurso, oficiosamente, adita-se à factualidade que antecede, o teor integral do documento, dado por reproduzidos pela 1ª instância, dando-se-lhe, aqui, a identificação que consta do ponto em que foi citado, acrescida da letra A, assim:
7.A)



B) O DIREITO
- Impugnação da matéria de facto
Dispõe o nº 1 do art. 662º, que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem”, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, impõe ao recorrente o cumprimento, que se quer integral, sob pena de rejeição, dos seguintes ónus:
1) a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (al. a) do nº 1);
2) a especificação dos concretos meios probatórios que impunham uma decisão diversa sobre os concretos pontos da matéria de facto impugnados, (al. b) do nº 1);
3) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, (al. c) do nº 1); e
4) quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, a indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que se funda, (al. a) do nº 2).
Tendo em atenção a graduação de importância dos sobreditos ónus, poder-se-á afirmar que o primeiro, a indicação concreta dos pontos de facto impugnados, é o que assume a primazia, porque ele delimita o poder de cognição deste Tribunal “ad quem”, especialmente quando estejam em discussão direitos de natureza disponível, porque é exclusivo do seu titular fazer o enquadramento fáctico do direito que pretende fazer valer.
A indicação dos concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida, assim como o projecto de decisão, assentam no princípio da auto-responsabilização do recorrente e no cumprimento efectivo do dever de cooperação, que, inequivocamente, os justificam, impondo-se o cumprimento de tais ónus, ainda que se possa admitir uma menor concisão da que é exigida para o primeiro.
Analisemos, então, a alegação e conclusões do recorrente e verifiquemos se se mostram cumpridos aqueles ónus, que se lhe impõem, da impugnação da decisão em matéria de facto, previstos naquele art. 640º, nºs 1 e 2, quanto aos factos que impugna.
*
Começa o recorrente, quanto a esta questão da reapreciação da matéria de facto, com a alegação de que “estes n.º 7 e n.º 8 dos TEMAS DE PROVA, que são reprodução integral dos mesmo n.º 2 a n.º 5 do ACORDO PRIVADO, foram dados como FACTOS PROVADOS sob os números 7, 8 e 9, fundamentando com “…O vertido em 3) a 9) resultou dos documentos ali mencionado e juntos aos autos, sendo que para se descortinar o acordo das partes foi ainda relevante o depoimento das testemunhas BB que, á data dos factos era Director Desportivo do B..., tendo estado presente nas negociações que levaram à contratação do A pela R Patronal, o que descreveu, confirmando a factualidade dada como provada nos referidos pontos 3) a 9); DD – empresário de futebol contratado pelo B... para em seu nome negociar com o A a sua contratação, também confirmou as negociações em que participou em representação do B..., confirmando a matéria de facto provada.
E, prossegue alegando que, “Todavia, entendemos que, na sentença recorrida, deveria também ter sido dado como provado que a quantia prevista no ACORDO PRIVADO, que previa expressamente um pagamento de € 27.500,00 líquido em cada uma das duas épocas de contrato, e ilíquido de € 47.877,50, fazia parte integrante da retribuição anual líquida acordada entre o Sinistrado e a Ré B... SAD, não se tratando de um mero prémio de assinatura, que se consumia ou “esfumava” no acto de assinatura do contrato.
Para isso, atente-se no depoimento das referidas testemunhas que, como é referido na sentença, ambas estiveram presentes na negociação, em representação da Ré, desse Contrato de Trabalho e Acordo Privado:
DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA - BB (Sessão 02.02.2023)
4:40 - Mandatário do Sinistrado: “o que se lembra da negociação, valores, o que se lembra?
Testemunha: “O AA queria € 100.000,00 por ano…”
Mandatário do Sinistrado: “Bruto ou líquido?”
Testemunha: “Net. Era cem mil euros (€ 100.000,00) net por ano”…
Mandatário do Sinistrado: “A ideia que tem é que o AA queria cem mil euros net de salário por ano?”
Testemunha: “Correcto”
5:30 - Mandatário do Sinistrado: “E como foi fechado?”
Testemunha: “Como o B... tinha dificuldades, os salários atrasavam e tal, o AA pediu uma parte adiantada. Ele até queria que fosse metade adiantado, mas…” “…negociamos e demos em 3 prestações por ano…
6:45 - Testemunha: “depois demos uma parte no contrato de trabalho e outra num acordo…”
7:00 - Mandatário do Sinistrado: “Mas esse valor estava relacionado com o salário do AA?”
Testemunha: “Sim, era salário”
DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA - DD (Sessão 02.02.2023)
2:40 - Testemunha: “Na altura havia vários clubes interessados no AA…
Ele era bastante cobiçado e pedi um contrato de dois anos. O B..., sendo um clube de algum risco, ele exigiu um valor de adiantamento, para ter alguma segurança e saber que eles atrasavam um ou dois meses, e para ter uma segurança.”
3:20 - Mandatário do Sinistrado: “há muitos anos que o B... atrasava pagamentos? Era um problema crónico?”
Testemunha: “Sim. Aliás, ele estava muito reticente em ir para lá por causa disso.”
3:38 - Mandatário do Sinistrado: “E ele pediu dois anos de contrato? E pediu quanto de salário?”
Testemunha: “…cem mil euros ano (€100.000), mas depois por causa do adiantamento, baixou para 97 e meio por ano. O contrato era de 70.000 e o adiantamento era de € 27.500…
A diferença para os €100.000 era uma comissão para mim de €2500 por cada época de contrato… O bolo total era de €200.000…
4:30 - Mandatário do Sinistrado: “Mas 200.000 estamos a falar de um valor bruto ou do valor líquido, o chamado net?
Testemunha: - “net … No futebol o jogador pede sempre o valor de net e o resto fica na responsabilidade do clube”
5:25 - Mandatário do Sinistrado: “você diz que destes 100.000 Por ano, e num bolo de 200.000 para os dois anos, tiraram €5000, que era para…”
Testemunha: “sim, para pagar a comissão…”
5:41 - Mandatário do Sinistrado: “E ficou um contrato de €97.500 líquido por ano?
Testemunha: “exactamente”
5:45 - Mandatário do Sinistrado: “Então temos aqui os contratos, contrato trabalho de 70.000 e aditamento de 20 7500. Mas este 97.500 era tudo salário do AA como jogador de futebol?
Testemunha: “sim, sim”
5:55 - Mandatário do Sinistrado: “Foi esta forma que encontraram, de adiantamento, para ele se precaver dos salários em atraso?”
- Testemunha: “exactamente … Se não houvesse esse adiantamento, ele não ia para o B....”
Por fim, é elucidativo o depoimento da testemunha aos 6:45, pois, em resposta a pergunta da Ex.ma Sra. Juíza, a testemunha foi categórica a afirmar que o salário anual do Autor era de € 97.500, e a comissão devida a ele próprio, agente e testemunha, ficou a cargo do B... e era de € 2.500 por cada época, dando assim o total de €100.000 net negociado por época de salário!
Convém reforçar que, como consta dos depoimentos, a testemunha BB era Director Desportivo da Ré, à época da negociação e assinatura do Contrato de Trabalho e do Acordo, enquanto que a testemunha CC, foi o Empresário/Agente que representou a Ré B... na contratação do Autor, tendo ambos tido intervenção directa e pessoal, em representação da Ré B... SAD, na negociação e celebração do Contrato de Trabalho e do Acordo.
Ou seja, ambas as testemunhas trabalhavam, e representavam, a própria Ré e não o Autor!!”.
Conclui, assim, que “deveria o Tribunal recorrido ter concluído, e dado como factos provados, que:
1) O salário anual líquido/net pedido pelo Autor à Ré B... SAD foi de € 100.000 net por cada época desportiva;
2) Que, em consequência de incumprimento salarial crónico com os seus jogadores, o Autor solicitou um adiantamento anual dos seus salários, à Ré B... SAD, de forma a precaver a ocorrência de salários em atraso;
3) Que o Autor e a Ré B... SAD acordaram num contrato de duas épocas desportivas de validade, com a Ré a aceitar pagar o salário anual líquido net de € 97.500,00 por cada uma das épocas desportivas, com uma comissão de € 5.000 (soma de € 2.500 por cada uma das duas épocas de contrato assinado) para o Agente que representou a Ré na negociação com o Autor;
4) Que essa quantia líquida de € 97.500,00 foi divida em duas partes: uma de € 70.000 net pago através de contrato de trabalho e outra de € 27.500 pago no ACORDO PRIVADO, em cada uma das épocas desportivas;”.
Vejamos, então.
Como já dissemos, alega o recorrente e conclui “que o Tribunal recorrido deveria ter concluído e dado como factos provados os que identifica na conclusão 6ª, “por ser muito relevante para a boa decisão da causa”, concluindo que com base no depoimento das duas testemunhas (BB e CC) deveria “também ter sido dado como provado que a quantia prevista no ACORDO PRIVADO, fazia parte integrante da retribuição anual líquida acordada entre o Sinistrado e a Ré B... SAD, pois não se tratava de um mero “Prémio de assinatura”, que se consumia ou “esfumava” no acto de assinatura do contrato”, nos termos que refere nas conclusões 2ª a 6ª, mas, sem referir o recorrente quem e onde foi alegada essa matéria nos articulados.
Donde, por assim ser, previamente a continuarmos e analisarmos, se lhe assiste ou não razão, importa que se diga que, compulsados os articulados não se alcança que nalgum esteja alegada a matéria referida na conclusão 6ª. Donde, sermos levados a concluir que o fundamento para a pretensão do recorrente estaria na, eventual, violação na sentença do art. 72º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho por não ter considerado factos sobre os quais incidiu discussão na audiência de julgamento, nomeadamente, a prova testemunhal produzida que considera foi relevante.
Mas, sendo desse modo, verificando-se que a impugnação em causa respeita a factos essenciais, ou seja, como diz o recorrente, “muito relevante para a boa decisão da causa”, afastada está a possibilidade de se pronunciar quanto a eles este Tribunal.
Explicando.
Dispõe o nº 1 daquele art. 72º que, “sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596.º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobre eles tenha incidido discussão.”.
Por sua vez, o nº 2 do art. 5º do CPC, dispõe que:
“2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”.
Verifica-se, assim, que o nº 1 do art. 72º do CPT é aplicável aos factos essenciais (stricto senso ou principais) mas já não aos factos complementares e instrumentais, aos quais se refere o citado art. 5º, nº 2 que, aquela norma expressamente ressalva.
Os factos essenciais são os factos integradores da causa de pedir, constitutivos do direito alegado à luz do quadro legal (substantivo) invocado, ou integradores das excepções peremptórias, enquanto os factos instrumentais não integram a causa de pedir; já os factos complementares concretizam os integradores da causa de pedir sem alterar o objecto do processo, conforme se refere no (Acórdão desta Secção e Relação de 31.03.2020, Proc. nº 1372/19.9T8VFR-A.P1.) e vem sendo o entendimento deste colectivo.
Ora, articulando os nºs 1 e 2 do art. 72º (referindo o primeiro que … deve o juiz … ampliar os temas da prova enunciados…, e o segundo que... se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respectivas provas…) temos que esse regime, dos factos essenciais (stricto senso), apenas é aplicável em 1ª instância, onde os temas de prova podem ser ampliados.
Já quanto aos factos (essenciais) complementares e aos factos instrumentais, atento o disposto no art. 5º, nº 2, concluímos que o Tribunal da Relação pode pronunciar-se sobre eles, com a seguinte diferença de regime:
− quanto aos primeiros é exigido que as partes tenham tido a possibilidade de sobre eles se pronunciar (al. b), o que ocorre se eles tiverem sido discutidos em sede de audiência de discussão e julgamento, caso em que o recorrente os pode invocar em recurso, com vista a aditá-los, pois nesse caso existiu a possibilidade de o recorrido se pronunciar sobre eles, a propósito veja-se o (Acórdão desta Relação (Secção Cível) de 08.10.2020, Proc. nº 818/13.4TBMTS.P1) onde se lê no ponto II do seu sumário, que “a Relação não pode, em violação do disposto no art.º 5º, nº 2, al. b) do Código de Processo Civil, levar em consideração um facto complementar novo, mas não alegado e não discutido pelo tribunal recorrido”.
− já quanto aos segundos bastará que os mesmos tenham resultado da instrução da causa (al. a).
Mas, sendo deste modo, caso estejam em causa factos essenciais (stricto senso/principais) não alegados nos articulados, não tendo aplicação o regime do nº 1 do referido art. 72º no Tribunal “ad quem”, como se disse, não se nos afigura possível sindicar a decisão recorrida, por omissão dos mesmos, em sede de impugnação da matéria de facto, assim como não será de enviar o processo à 1ª instância para o efeito, sendo o caminho a seguir pela parte o de arguir essa omissão (de ampliação dos temas de prova) aquando da audiência de discussão e julgamento (de modo a abranger factos não alegados nos articulados), veja-se o (Acórdão do STJ de 18.04.2018, Proc. nº 205/12.1TTGRD.C3.S1 «sendo de ter presente que quando o mesmo foi proferido estava em vigor a redacção do art. 72º do CPT anterior à Lei nº 107/2019, de 09 de Setembro, não contendo desde logo a expressão “sem prejuízo do disposto no artigo 5º do Código de Processo Civil”»).
Razão porque, dissemos, estar afastada a possibilidade de nos pronunciarmos quanto à impugnação, agora, deduzida pela recorrente quanto aos factos que, na conclusão 6ª, vem dizer devem ser aditados à factualidade provada.
Improcede, assim, este segmento da apelação do recorrente.
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Analisemos, agora.
- O valor, da retribuição anual ilíquida, a considerar para efeitos de indemnização do sinistrado
Questão que nos leva a analisar se as quantias que eram pagas ao sinistrado, no âmbito do “Acordo Privado” celebrado entre as partes, no dia 1 de Julho de 2019, na consideração de entre elas vigorar o contrato de trabalho a que aludem os pontos 1 a 6 da factualidade provada, têm a natureza de retribuição, para efeitos do cálculo da pensão e indemnizações devidas em virtude do acidente de trabalho por ele sofrido e em causa, ou tal não acontece, como decidido na sentença recorrida.
O apelante, nos termos que constam das suas alegações e conclusões defende que, “…, deve-se englobar na retribuição anual bruta o valor de € 27.500,00 que o Sinistrado auferiu em cumprimento do acordo inicial de € 97.500 net por época desportiva, pois tal prémio anual, além de estar dependente da eficácia e da prestação de trabalho do Autor, era paga anualmente, em 3 prestações certas, líquidas e exigíveis, não se destinando a compensar o Sinistrado por custos aleatórios,…”. Face a isso, defende, “…que, para efeitos de indemnização, o valor a considerar deverá ser o da retribuição anual ilíquida correspondente aos salários líquidos que o Sinistrado auferiu na época desportiva 2019/2020, que corresponde ao total de € 169.747,50 (resultado da soma de € 121.870,00 com € 47.877,50), quantia essa que o trabalhador teve direito como contrapartida do seu trabalho, nela se incluindo a retribuição de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas ao Sinistrado.”.
Vejamos.
Comecemos por assentar de que, é pacífico entre as partes envolvidas que o Autor sofreu um acidente de trabalho, o qual ocorreu no tempo e no local de trabalho, ao serviço e sob as ordens, direcção e fiscalização da sua entidade empregadora, por força de contrato de trabalho com ela validamente celebrado, que lhe provocou lesão corporal/perturbação funcional de que resultou redução na sua capacidade de trabalho ou de ganho devido a ter sofrido luxação acromio-clavicular à esquerda com ruptura dos ligamentos acromio-claviculares e coraco-claviculares e edema partes moles peri-articulares pós-traumático – cfr. Art. 8º da Lei nº98/2009 de 4/09 (LAT, aplicável aos acidentes ocorridos após 01.01.2010).
E, por ser praticante desportivo profissional é-lhe, ainda, aplicável o regime específico de reparação de danos emergentes de acidente de trabalho previsto na Lei 27/2011, de 26.06, onde se estabelecem desvios, sobretudo, referentes à existência de uma tabela própria para fixação de incapacidade fazendo corresponder ao grau de incapacidade encontrado nos termos gerais um outro mais agravado, para além de se atender à idade e se fixar limites máximos de pensão a pagar, em relação ao regime geral da LAT, aplicável à generalidade dos trabalhadores.
Sem discussão temos, também, que em consequência do acidente, em causa, sofreu o A. lesões determinantes dos períodos de incapacidade temporária (absoluta e parcial) referidos nos nºs 29 e 30 dos factos provados, em consequência do que tem, o mesmo, direito à respectiva indemnização, nos termos previstos no art. 48º, nº 3, als. d) e e) da LAT. E, tem também direito, nos termos da al. c) do nº 3 do mesmo art. 48º, com efeitos desde 01.09.2020, dia imediato ao da alta definitiva, ao capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia devida pela IPP de 1,9%. Indemnização pelas incapacidades temporárias e pensão anual e vitalícia devida pela IPP, a calcular, nos termos do art. 71º, nºs 1, 2 e 3, da LAT, questionando-se, apenas, o montante da retribuição anual ilíquida devida ao sinistrado, com base aquelas deverão ser calculadas. Ou seja, saber se, apenas, pelo total anual de €121.870,00 como se considerou na decisão recorrida ou, por aquele somado com o valor ilíquido de €47.877,50 previsto no Acordo Privado, como considera o recorrente, defendendo o carácter retributivo deste valor.
E, assim sendo, importa que, previamente, se teçam a propósito da retribuição as seguintes considerações.
Dispõe o art. 258º do CT/2009, sob a epígrafe “Princípios gerais sobre a retribuição”, que: “1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.”.
Concretizando, dispõe o art. 260º do mesmo Código que:
“1 - Não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa;
c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido;
d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho.
2 - O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição.
3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
b) Às prestações relacionadas com os resultados obtidos pela empresa quando, quer no respectivo título atributivo quer pela sua atribuição regular e permanente, revistam carácter estável, independentemente da variabilidade do seu montante.”.
Por sua vez, consta do referido art. 71º da LAT, sob a epígrafe “Cálculo” que:
“1 - A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente.
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respectiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.
6 - A retribuição correspondente ao dia do acidente é paga pelo empregador.
7 - Se o sinistrado for praticante, aprendiz ou estagiário, ou nas demais situações que devam considerar-se de formação profissional, a indemnização é calculada com base na retribuição anual média ilíquida de um trabalhador da mesma empresa ou empresa similar e que exerça actividade correspondente à formação, aprendizagem ou estágio.
8 - O disposto nos n.os 4 e 5 é aplicável ao trabalho não regular e ao trabalhador a tempo parcial vinculado a mais de um empregador.
9 - O cálculo das prestações para trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que aufeririam se trabalhassem a tempo inteiro.
10 - A ausência ao trabalho para efectuar quaisquer exames com o fim de caracterizar o acidente ou a doença, ou para o seu tratamento, ou ainda para a aquisição, substituição ou arranjo de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, não determina perda de retribuição.
11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”.
Resulta da análise destes artigos, desde logo, que o conceito de retribuição constante da LAT difere do conceito de retribuição constante do Código do Trabalho. Pois, se neste a retribuição está adstrita ao trabalho efetivamente prestado pelo trabalhador ou à sua disponibilidade para o exercer (cfr. art. 197º do CT) já, naquela, está adstrita ao carácter regular das prestações recebidas pelo trabalhador, desde que as mesmas não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, sendo, assim, forçoso que se reconheça que na LAT se perfilha um conceito mais abrangente do que naquele código.
Sobre esta questão e a propósito do referido art. 71º, da LAT, no (Acórdão do STJ, de 31.10.2018, Proc. nº 359/15.5T8STR.L1.S1 in www.dgsi.pt – lugar da internet onde se encontram todos os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação), refere-se o seguinte:
“Analisados estes dispositivos, decorre dos mesmos que o conceito de retribuição assumido como elemento de base do cálculo da reparação das consequências do acidente não coincide com o conceito de retribuição que emerge dos artigos 258.º e ss. do Código do Trabalho.
Para os efeitos daquele artigo 71.º, são retribuição «todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios».
Não se faz apelo à contrapartida da efetiva prestação de trabalho, estando-se antes perante uma noção mais ampla onde cabem todas as prestações recebidas pelo sinistrado que não se destinem a compensar custos aleatórios.
Outro dos elementos que permitem incluir estas prestações na base de cálculo das reparações é o conceito de regularidade.
O conceito de regularidade tem aqui implícita uma dimensão temporal que aponta para a repetição dos pagamentos e a partir daí a dimensão dos rendimentos normalmente auferidos pelo sinistrado.
Importa que na ponderação deste conceito não se esqueça que o que está em causa é a perda da capacidade para o futuro do sinistrado e não a fixação da dimensão de rendimentos devidos ao sinistrado.
Carece, deste modo, de sentido o apelo que a decisão recorrida faz ao critério subjacente ao acórdão desta Secção proferido em 10 de outubro de 2015, consagrado no processo n.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1[9].
Neste acórdão estava apenas em causa a consideração da natureza retributiva de uma específica prestação para saber da integração da mesma no cálculo do valor do subsídio de férias e da retribuição de férias.
A jurisprudência aí fixada nada tem a ver com o reflexo da perda da capacidade de ganho do sinistrado e com a sua projeção em termos de rendimentos futuros.
Com efeito, apesar de proferida sobre a norma do artigo 26.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, continua inteiramente válida a jurisprudência fixada nesta Secção no acórdão invocado na sentença proferida na 1.ª instância[10], onde a este propósito se referiu o seguinte:
«Por seu turno, o n.º 3 do falado artigo 26.º prescreve deste modo:
“Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
Se este normativo começa por apelar ao critério geral de retribuição – que já alude, ele próprio, à regularidade da prestação – para depois adicionar aquelas prestações regulares que não se destinem a compensar custos aleatórios, é forçoso reconhecer que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações.
No domínio da sinistralidade laboral, o que o legislador pretende é compensar o sinistrado pela falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho: assim se compreende que as prestações reparatórias atendam ao “salário médio”, onde se integram todos os valores que a entidade patronal satisfazia regularmente e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida.»
E mais recentemente, embora tendo por base a mesma Lei dos Acidentes de Trabalho, no acórdão proferido por esta Secção em 13/04/2011, proferido no processo n.º 216/07.9TTCBR.C1.S1 de que foi extraído, o seguinte sumário: «I- Conforme resulta do nº 3 do artigo 26º da Lei 100/97 de 13 de Setembro, constitui retribuição, para efeito de acidentes de trabalho, tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.»[11]
Neste contexto, o subsídio de prevenção auferido pelo sinistrado durante 7 meses no ano anterior ao do acidente tem natureza retributiva para os efeitos dos n.ºs 1, 2, e 3 do artigo 71.º da Lei n.º 98/2009 e, como tal, deve ser tomado em consideração no cálculo das pensões e indemnizações ali previstas.”.
Ainda do STJ, com interesse para a questão, apesar de se reportar quer ao anterior Código do Trabalho quer à anterior LAT, por nesta matéria não existirem alterações e as conclusões expressas manterem a sua actualidade, veja-se o (Acórdão de 17.03.2010, Proc. nº 436/09.1YFLSB), onde se lê:
“XVII - O art. 26.º, da LAT, adopta um conceito de retribuição que, aproximando-se, num primeiro momento, do conceito genérico vertido no art. 249.º, do Código do Trabalho de 2003, acaba por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumam carácter de regularidade, o que significa que perfilha um conceito mais abrangente, apenas aludindo, para efeitos de exclusão retributiva, à variabilidade e contingência das prestações.
XVIII - Resultando provado que o sinistrado auferia, a título de ajudas de custo, valores fixos e diários – logo, independentes de quaisquer custos ou despesas aleatórias – devidos por cada dia de trabalho – no que se evidencia a sua correspectividade com o trabalho desenvolvido pelo trabalhador, seguramente mais penoso por estar deslocado – sem necessidade de qualquer documento comprovativo, é de concluir integrarem tais valores o conceito de retribuição e, nessa medida, integrarem, igualmente, o cálculo das prestações reparatórias emergentes do acidente de trabalho.”.
Em idêntico sentido, desta Relação no (Acórdão de 15.12.2021, Proc. nº 2517/18.1T8PNF.P1), refere-se o seguinte: “III - O art. 71º, nº 3, da LAT/2009 adopta um conceito próprio de retribuição, que é mais amplo do que o do CT/2009, e que, para além do que este considera como retribuição, se centra na regularidade desse recebimento, apenas considerando como não a integrando o que se destine a compensar o sinistrado por custos aleatórios, cabendo ao empregador o ónus de alegação e a prova de que é este o fim da prestação.”.
E, também, no (Acórdão de 01.12.2014, Proc. nº 166/09.4TTOAZ.P1), no seu sumário sintetizou-se: “II – As LAT’s de 1997 e de 2009 deixaram de fazer remissão para os critérios da retribuição da lei geral, mas continuaram a conferir especial atenção ao elemento da regularidade no pagamento.
III – E exceptuam do conceito as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, pois que não se traduzem num ganho efectivo para o trabalhador.”.
Por fim, veja-se, ainda o sumário do (Acórdão, de 07.12.2018, Proc. nº 959/14.0T8PNF.P1), no qual se sintetizou que: “I - O conceito de retribuição para efeitos do cálculo das prestações devidas ao sinistrado ou beneficiários no âmbito da reparação devida por acidente de trabalho não coincide e é mais amplo que o consagrado no Código do Trabalho.
II - Na noção da n.º2, do art.º 71.º, da Lei 98/09, assume preponderância a regularidade no pagamento. Não pressupõe necessariamente a existência de correspectividade entre as prestações do empregador e a disponibilidade do trabalhador, antes abrangendo também quaisquer outras prestações que tenham causa específica e individualizável diversa da remuneração do trabalho, desde que recebidas com carácter de regularidade e não destinadas a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
III - São custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível. O que vale por dizer que não só o montante deve ser susceptível de variar, como também a causa que lhe está subjacente deve ter alguma incerteza ou imprevisibilidade.”.
Regressemos, então, à situação concreta, face ao que se deixou exposto sobre o conceito de retribuição no âmbito dos acidentes de trabalho.
Como já dissemos, resumida a saber, se são retribuição as prestações referidas no “Acordo Privado” celebrado entre as partes, no dia 1 de Julho de 2019.
Nesta matéria ficou provado que: “7) O Autor e a Ré B... - S.A.D. assinaram, também no mesmo dia 01 de Julho de 2019 aquilo que as partes designaram de ACORDO PRIVADO (documento de fls. 11 que aqui se tem por integralmente reproduzido).
7.A)

8) Esse ACORDO PRIVADO previa um pagamento de € 27.500,00 líquido em cada uma das duas épocas de contrato, e ilíquido de € 47.877,50.
9) Em tal ACORDO PRIVADO, as partes mais acordaram que:
2. Fica expressamente entendido que os valores mencionados nos números anteriores da presente cláusula têm a natureza de liberalidade da administração do B... pelo que não integram, em qualquer circunstância, a remuneração do JOGADOR.
3. O presente acordo é válido enquanto vigorar o contrato de trabalho desportivo entre o B... e o JOGADOR.
4. Em caso de cessação do contrato referido na alínea a) dos considerandos, suas prorrogações, renovações e aditamentos, por qualquer das formas previstas no artigo 23.º da Lei 54/2017, de 14 Julho, o JOGADOR apenas terá direito ás importâncias vencidas em data anterior ao momento em que tal cessação ocorrer.
5. Ambos os Acordantes declaram que o presente pacto privado em nada afeta a validade, condições e eficácia do Contrato de Trabalho outorgado entre o B... e o JOGADOR.”.
Ora, defende o apelante o carácter retributivo dos valores constantes daquele “Acordo Privado”, o que como vimos a sentença recorrida não acolheu, sob a consideração de que os pagamentos das quantias indicadas naquele acordo correspondem a “prémio de assinatura”
Que dizer?
Desde logo que, só podemos discordar do modo como é iniciada a apreciação desta questão, na sentença recorrida, afirmando que, “Alega o A que o acordado prémio de assinatura referido em 7) a 9) da factualidade provada…” e prosseguindo todo o raciocínio e fundamentação, a partir desta premissa, para decidir sobre a retribuição do sinistrado a considerar.
Pois, o A., em momento algum, alegou ter acordado “o prémio de assinatura” a que se refere a sentença. Que os valores referidos naquele acordo eram “prémio de assinatura” alegou a Ré (art.s 7 e 8 da sua contestação) mas, não resultou provado, como consta da factualidade assente supra transcrita e cremos que bem. Até na consideração de que, não seria compreensível que tratando-se, aqueles, do alegado “prémio de assinatura”, fosse necessário, a celebração do Acordo Privado, quando no mesmo dia, já tinham acordado no “Contrato de Trabalho Desportivo” sobre os prémios monetários do Jogador, estipulando a cláusula Terceira daquele que “Durante a vigência do presente contrato e desde que o Jogador esteja ao serviço da B... SAD, esta pode conceder, por sua exclusiva e livre iniciativa, prémios monetários ao Jogador…”.
Acrescendo que, na matéria de facto nada ficou a constar a tal respeito, nomeadamente, sobre o “sentido/interpretação” que as partes atribuíram àqueles pagamentos, que permita concluir que os mesmos respeitavam a um “prémio de assinatura” inviabilizando, assim, que se inicie e, sem mais, se faça a apreciação da questão, a partir da afirmação de que são aqueles “prémio de assinatura”.
A situação, em apreço, é bem diversa das apreciadas nos doutos Acórdãos citados e em que se fundamentou a decisão. Um deles, o do STJ, nem foi proferido no âmbito de acção de acidente de trabalho e da factualidade que se mostra provada, não é possível concluir que, os valores que constam no “Acordo Privado” eram um “prémio de assinatura”, como o considerou a Mª Juíza “a quo”. O que as partes acordaram no “Acordo Privado” é o direito do jogador a uma compensação, pela celebração do contrato que estava em vigor entre elas, acordo esse “válido enquanto vigorar” aquele contrato de trabalho desportivo que, em caso de cessação deste, “o JOGADOR apenas terá direito às importâncias vencidas em data anterior ao momento em que tal cessação ocorrer” (cfr. Cláusulas 1., 3. e 4. do Acordo Privado).
Cremos, assim, que a interpretação a fazer do “Acordo Privado” não poderá ser no sentido de que aquele foi celebrado por os acordantes “decidirem estabelecer um prémio…”, já que a Ré os podia conceder “por sua exclusiva e livre iniciativa”. Do mesmo modo que, o exposto na cláusula 2ª, daquele, quando se consigna “expressamente entendido que os valores mencionados nos números anteriores…têm a natureza de liberalidade…”, não permite desse modo concluir.
Como é sabido, independentemente do acordo celebrado entre as partes, aquilo que releva é a situação em concreto verificada e não o que as partes resolveram qualificar em termos contratuais, como sendo ou não retribuição. E desta, desde logo, do que as mesmas partes assentaram nas cláusulas 3ª e 4ª o que resulta é que, as partes acordaram naqueles valores, a que o A. tinha direito pela celebração do contrato desportivo que os unia e que, apenas, seriam recebidas enquanto aquele vigorasse.
Características daqueles pagamentos, plenamente indiciadoras da regularidade/obrigatoriedade, com que o A. tinha direito a eles e, incompatíveis com a mera liberalidade, (de que foram apelidados) onde não há vinculação, (de que são exemplo as recompensas ou prémios não garantidos antecipadamente, - como o que ficou estipulado na cláusula Terceira do Contrato Desportivo-).
Acrescendo que, para a concessão de prémios, a Ré não necessitava do acordo do A., como já se referiu, eram da sua exclusiva e livre iniciativa.
Assim, a Mª Juíza “a quo”, além de não dispor de qualquer factualidade que lhe permitisse afirmar tratar-se de um “prémio de assinatura”, a interpretação do exposto naquele acordo, também, não permite concluir que o fosse. Carecendo, assim, de sentido o apelo que a decisão recorrida faz ao critério subjacente ao acórdão desta Secção proferido, em 3.10.2022, relatado e subscrito pelos aqui Adjuntos, onde, estava provado que as partes acordaram o pagamento de uma retribuição suplementar, a titulo de prémio de assinatura.
Face ao exposto, parece-nos que a conclusão a que chegou o Tribunal “a quo” é errada, desde logo, porque partiu de uma afirmação prematura, sem qualquer suporte em factos assentes.
E, então, outra questão se coloca, será que a factualidade provada permite concluir que, aqueles pagamentos acordados no “Acordo Privado” são uma contrapartida do trabalho do A., como ele defende e, nessa medida devem integrar a sua retribuição anual, para efeitos dos cálculos a que alude o art. 71º da LAT.
Ante tudo o que se deixou exposto, só se pode dizer que sim.
Relembrando, como, já se referiu o conceito de retribuição difere no âmbito da reparação de danos por acidente de trabalho e é mais lato relativamente àquele outro que vigora no âmbito do contrato de trabalho onde serve de medida de outros direitos dos trabalhadores, designadamente para a indemnização a atribuir nos despedimentos ilícitos ou para o regime de garantias laborais (como era o caso, no douto Ac. Do STJ de 12.03.2014, citado na decisão recorrida).
No Código do Trabalho (art. 258º, nº1) a retribuição é essencialmente entendida como “contrapartida do trabalho”. Por sua vez, no domínio dos acidentes de trabalho, visa-se compensar a redução da capacidade de ganho e de trabalho.
Desse modo, reiterando, dispõe aquele art. 71º da LAT, que as prestações devidas por incapacidade permanente ou temporária, ou morte, têm por base de cálculo a retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado à data do acidente, compreendendo aquela a retribuição mensal de doze meses, acrescida dos subsídios de férias e de natal e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade. Quanto à retribuição mensal, especifica, ainda, aquele que, esta engloba todas as prestações recebidas com carácter de regularidade e que não se destinem a compensar custos aleatórios.
A definição legal de retribuição sustenta-se no “seu carácter de regularidade” ou em prestações “a que o sinistrado tenha direito como carácter de regularidade”. Regularidade (anual, mensal, trimestral, bimensal…), consiste num pagamento repetido, indicia uma vinculação e cria legítimas expectativas no trabalhador, que com ele conta para as suas despesas pessoais.
A expressão “regular” utilizada para atribuir natureza retributiva refere-se, assim, a prestações não arbitrárias que seguem uma regra permanente e constante, ao contrário, do que é eventual, incerto ou ocasional.
Afastando-se deste conceito, precisamente, as prestações dependentes do desempenho ou mérito, excepto se estiverem antecipadamente garantidas ou revestirem carácter estável, quer por força do “título atributivo”, quer pela sua atribuição regular e permanente (como se lê, in Centro de Estudos Judiciários, E-book, Coleção Formação Inicial, “Retribuição e outras atribuições patrimoniais”, 2013, pág. 19). Realça, ainda, a lei que as importâncias pagas de modo regular só não integrarão a retribuição se tiverem por causa custos aleatórios.
No (Ac. do TRE de 17.11.2009, 840/07.0TTSTB.E1) lê-se: “Têm a característica de custos aleatórios as importâncias que, apesar de pagas regularmente, se destinam a satisfazer despesas feitas ou a fazer pelo trabalhador por razões ligadas à prestação de trabalho, representando apenas o reembolso delas e não um efectivo acréscimo de rendimento do trabalho. Englobam-se nesta categoria as ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e abonos de instalação e outros equivalentes”.
Ou seja, são um tipo de importâncias que, mais não são, do que o reembolso de custos que o trabalhador sofreu por causa da prestação do trabalho e que não lhe aumentam o seu rendimento.
Ora, da matéria provada resulta que o A. “pela celebração do contrato referido na al. a). terá direito a uma compensação…”, a pagar na forma e nos momentos certos ali definidos, pelo que só se pode concluir que, atento o acordado, era aquela obrigatória e garantida, paga em ambas as épocas de duração do contrato, só dependendo de o mesmo estar em vigor. Ou seja, a atribuição da compensação era certa, porque garantida antecipadamente e tinha por pressuposto unicamente a celebração do contrato e o mesmo manter-se em vigor.
O autor não só podia contar com tal compensação porque a ré a ela se vinculou (a expressão, terá direito, não deixa disso dúvidas) como lhe era legítima a expectativa do seu recebimento, em ambas as épocas de duração do contrato.
Nada se tendo provado que permita considerar os acordados pagamentos como “liberalidade”, não se apurou qualquer razão específica para que dessa forma pudessem considerar-se, acrescendo que, nos termos do CT, presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador, (art. 258º do CT), o que não foi ilidido no caso. Sendo como já dissemos, totalmente irrelevante, o modo como determinada prestação é qualificada, interessando sim a matéria provada, sendo que, no caso, nada se apurou que possibilite concluir serem aqueles pagamentos acordados no “Acordo Privado” feitos pela ré a título de “liberalidade” como ali foram apelidados.
Razão porque, consideramos a expressão “compensação” que ficou a constar daquela cláusula 1., não tem a virtualidade, sem mais, de convencer que estamos em presença de um prémio de assinatura como se considerou na sentença, do mesmo modo que o facto de se ter consignado na cláusula 2. “que não faz parte da remuneração” permite julgar dessa forma. Acrescendo que, em momento algum, seria possível provar, até porque não foi alegado, que aqueles acordados pagamentos tinham por causa custos aleatórios, como prevê a LAT.
Assim, facilmente, como já havíamos dito, se conclui que os pagamentos acordados no “Acordo Privado”, celebrado no mesmo dia e “pela celebração” do “Contrato de Trabalho Desportivo” integram o conceito de retribuição. Primeiro, porque são regulares (em ambas as épocas) e assumido com carácter de obrigatoriedade, por via negocial, para vigorar durante todo o contrato. Segundo, porque não se provou que compensa custos aleatórios, mas antes um efectivo acréscimo de rendimento do trabalho do autor.
Em suma, tratam-se de prestações regulares que são obrigatórias para a ré, que as teria de assegurar ao autor caso o contrato vigorasse. Ou seja, não são qualquer prémio. Sobre estes, como se verifica e já dissemos ficou acordado naquele “Contrato de Trabalho Desportivo”. Ainda, como nota final e repetindo, diremos que competia à Ré alegar e provar que o acordado no “Acordo Privado” apenas se destinava a satisfazer custos aleatórios, o que não logrou fazer.
Assim, aquele valor integra a retribuição.
Sendo a retribuição anual a considerar de €169.747,50.
Passemos, com base naquela ao cálculo dos valores devidos ao Autor.
Auferia, pois, o A. a retribuição anual de €169.747,50 [(121.870,00 x 1) + (47.877,50 x 1)], a que corresponde a retribuição mensal de €14.145,63 [€169.747,50 : 12] e a diária de €465,06 [[€169.747,50 : 365].
Conforme pontos 29 e 30 dos factos provados, o A. esteve com ITA durante 30 dias (de 14.07.2020 a 12.08.2020) e com ITP de 5% durante 19 dias (de 13.08.2020 a 31.08.2020).
Tem assim o A. direito, pelo período de ITA, à indemnização no montante de €9.766,26 [€465,06 x 70% x 30 dias) e, pelo período de ITP de 5%, à indemnização no montante de €309,26 [€465,06 x 70% x 5% x 19 dias]. Ou seja, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, tem o A. direito à quantia global de €10.075,52.
Tem também direito (conforme pontos 6, 8 e 30) ao capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €2.257,64, desde 01.09.2020, dia imediato ao da alta definitiva.
Tem, igualmente, o A. direito, nos termos do disposto nos art.s 135º do CPT e 804º, 805º, nº 2, al. a), 806º e 559º, todos do Cód. Civil, sobre as quantias em dívida, a juros de mora até integral pagamento e desde, quanto às indemnizações devidas pelas incapacidades temporárias, desde a data em que deviam ter sido pagas (art.s 50º, nº 1, e 72º, nº 3, da LAT), sobre o capital de remição, desde o dia imediato ao da alta definitiva (citado art. 50º, nº 2).
E, consequentemente, a este respeito, procede a apelação.
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Fica, assim, prejudicada qualquer pronuncia quanto à última questão acima identificada. Acrescendo, como se verifica, na decisão recorrida não se abordou essa questão e não sendo ela de conhecimento oficioso, sempre, não caberia aqui dela conhecer.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar:
- Improcedente o recurso, na parte dirigida à matéria de facto.
- Procedente, no mais e, em consequência, revogam-se os pontos I e II da al. B) e al. C), do dispositivo da sentença recorrida, substituindo-se aqueles dois, pelo presente acórdão, nos seguintes termos:
I – o capital de remição da pensão anual de € 2.257,64, devida a partir de 1 de Setembro de 2020;
II – a quantia de € 10.075,52, a título de indemnização, pelos períodos de incapacidade temporários (absoluta e parcial) sofridos;
- A ambas as quantias, acrescem juros legais, contados nos termos supra indicados, desde o seu vencimento até integral e efectivo pagamento.
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Custas da apelação pela Ré/apelada.
Valor da acção: € 47.460,75.
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Porto, 27 de Novembro de 2023
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes [Vencida, nos seguintes termos:
“Voto vencida, confirmaria a decisão recorrida que não considerou o valor ilíquido de 55.000,00 € como fazendo parte da retribuição para efeitos de reparação do acidente de trabalho.
Resulta da factualidade assente ter sido acordado que pela celebração do contrato, o jogador terá direito a uma compensação no valor ilíquido de 55.000,00€ (ponto 7 dos factos provados no qual é dado como reproduzido o documento de fls.11)
Tratar-se de um bónus, motivado pela celebração do contrato.
E não ficou demonstrada a regularidade que não se confunde com o pagamento em tranches da compensação no valor ilíquido de 55.000,00 € (cfr. artigo 71º, nº2 da LAT).”.]
António Luís Carvalhão [Com a seguinte “Declaração:
Subscrevi o acórdão de 03/10/2022 citado no texto, cuja situação me parece ter similitude com a aqui em análise.
As quantias referidas no acordo aludido nos pontos 7) e 8) dos factos provados não se enquadram nas hipóteses previstas no art.º 260º do Código do Trabalho, e não é feita prova de que esteja em causa a compensação por custos aleatórios (art.º 71º, nº 2 da LAT).
Assim, ponderando que o Autor está dispensado de fazer prova de que tal “compensação” constitua retribuição (art.º 258º, nº 3 do Código do Trabalho), entendo agora ser de subscrever a posição do acórdão.]