Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA MORAIS | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO ÓNUS DA PROVA DO EMBARGANTE MORA DO DEVEDOR CUMPRIMENTO DEFEITUOSO SENTIDO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL | ||
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Nº do Documento: | RP202404086791/09.6T2AGD-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil ocorre quando os fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la conduziriam a uma decisão de sentido oposto ou diferente, sendo irrelevante para o efeito o que consta da motivação da decisão da matéria de facto. II - O título executivo, condição formal da realização coactiva da prestação, contém em si, com o grau de segurança que se entende suficiente, a existência do direito, de tal modo que, sem necessidade de outras indagações, haverá de ser desenvolvida a actividade processual adequada a obter o pagamento da quantia exequenda, a entrega de certa coisa ou a prestação de facto. III - Recai sobre o executado/embargante o ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2. do C.C., de que a obrigação, apesar da aparência, nunca se chegou a constituir, ou se extinguiu ou modificou, assim contrariando a aparência do direito que resulta do título. IV - A mora do devedor concebida como ilícito obrigacional que se presume culposo, logo atribuível ao devedor, faz recair sobre este o ónus de produzir prova com vista a demonstrar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua. V - Cumprimento defeituoso verifica-se quando há uma discrepância entre o “ser” e o “dever ser”; corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada, de acordo com o conteúdo do programa obrigacional. VI - Não se mostra desproporcional/desequilibrado o prosseguimento da execução, no ano de 2023, para “a eliminação das fissuras interiores e exteriores e a pintura das paredes da cave” na situação em que o exequente, credor da prestação, que confiava ver satisfeito o seu direito, no prazo de cem dias a contar de 10/15 de Setembro de 2007, decorridos quinze anos, ainda convive com os defeitos dos trabalhos realizados. VII - O não prosseguimento da execução, nesta situação, significaria beneficiar os executados com o protelamento do cumprimento defeituoso da prestação à qual se vincularam em detrimento do credor. VIII - A determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, é com recurso aos critérios fixados nos artigos 236º, n.º 1, e 238º, n.º 1, do CC, regras estas aplicáveis à transacção. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº6791/09.6T2AGD-A
Acordam os Juízes da 5ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo Relatora: Anabela Morais Primeira Adjunta: Desembargadora Maria de Fátima Almeida Andrade Segundo Adjunto: Desembargador Manuel Fernandes
I_ Relatório Na acção executiva intentada por AA, tendo como título executivo a sentença proferida, em 25/7/2007, no âmbito do processo nº 113/2002 que homologou a transacção[1], os executados BB e mulher CC deduziram oposição à execução, alegando, em síntese, que: Concluem, pedindo que a execução seja “julgada improcedente, uma vez que já foi realizada a obra reclamada” e declarado “caduco o direito [de] reclamar a reparação dessas mesmas obras e, em consequência, (…) os executados absolvidos da presente execução”. * Notificada a oposição à execução, o Exequente apresentou contestação, alegando, em síntese, que: i. No requerimento inicial executivo, não refere que os Executados não realizaram as obras acordadas mas, “apenas não realizaram aquelas que foram referidas, ou seja, uma das caixas de visita, faltando ainda a caixa de ligação ao saneamento, não rectificaram o sistema de exaustão, como não entregaram a documentação necessária à licença de utilização e não pagaram os €150,00 que ficaram acordados”. ii. Não corresponde à verdade que as obras tenham sido executadas entre 19 de Setembro e 12 de Novembro, nem que os Exequentes tenham aceite as obras sem reservas. iii. Os Executados confessam não terem entregado, ao Exequente, a documentação necessária à obtenção da licença de utilização, reclamada “desde o primeiro momento”. iv. O Exequente sempre reclamou junto dos Executados, fundamentalmente os documentos, porque não exclui a possibilidade de vender a moradia, estando, no momento, impedido de o fazer. v. O acordo não foi efectivamente cumprido, a obra não foi entregue, nem aceite, pelo que assiste ao Exequente o direito de reclamar os vícios que já são visíveis e elencados no requerimento inicial. Concluiu, pedindo que os Executados sejam condenados a entregar ao Exequente a documentação necessária à obtenção da licença de utilização e, bem assim, executar as obras em falta e proceder à eliminação dos vícios das obras que já foram executadas.
I.1_ Por despacho proferido em 5/1/2011, foi admitida a oposição à execução e proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a fixação da base instrutória, com fundamento na “simplicidade da matéria de facto controvertida” e “no uso da faculdade prevista no artigo 787º, nº1 do Código de Processo Civil "ex vi" artigo 817º, nº2 do mesmo Código”.
I.2_ Foi determinada a realização de perícia, tendo o relatório, datado de 10/1/2012, sido junto aos autos em 11 de Janeiro de 2012. Solicitados esclarecimentos, foram os mesmos apresentados, pelo Senhor Perito, em 9 de Maio de 2012.
I.3_ Iniciada a audiência de julgamento, na sessão de 19/11/2013, o Ilustre Mandatário dos Executados e a Ilustre Mandatária do Exequente que protestou juntar procuração com poderes especiais, no prazo de 5 dias, transmitiram que as partes “chegaram a acordo"[2], tendo sido proferida sentença que julgou “válida e juridicamente relevante a transacção” e “nos termos dos artigos 293º n.º 2, 294º, 299º n.º 1, a contrário, 300º, todos do Código Processo Civil, a homologo[u] (…), condenando e absolvendo nos seus precisos termos…”.
I.4_ Por requerimento de 1 de Março de 2023, o Exequente AA veio invocar não ter estado presente na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 19/11/2013, tendo sido então representado pela sua Ilustre Mandatária, mandatada com procuração com poderes forenses gerais, e não ter sido notificado pessoalmente da sentença homologatória com a cominação de, nada dizendo, o acto ser havido por ratificado, nos termos do nº 3 do artigo 291º do CPC, nulidade que arguiu. Requereu a notificação pessoal da sentença homologatória, com a cominação legal e a anulação de todo o processado posterior à sentença.
I.6_ Por despacho de 19/4/2023, foi determinada a “notificação pessoal do exequente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 301º, nº3, do Código de Processo Civil, aplicável aos presentes autos”. Notifique”.
I.7_ Por requerimento de 2 de Maio de 2023, o Exequente declarou “não ratifica[r] o acto da Mandatária”.
I.8_ Por despacho de 24 de Maio de 2023, foi decidido: “Não tendo o exequente ratificado a transação celebrada prosseguem os autos para a realização da audiência de julgamento. Para esse efeito designo o dia 20 de junho de 2023, pelas 14h00…”.
I.9_ Pronunciando sobre o requerimento apresentado em 30 de Maio de 2023, pelo Exequente, por despacho de 31 de Maio de 2023, foi decidido: “Considerando que nos presentes autos já foi produzida toda a prova, a audiência de julgamento agora designada destinar-se-á à produção de alegações, que ainda se encontram em falta…”.
I.10_ Na sessão da audiência de julgamento de 20 de Junho de 2023, pela Ilustre Mandatária do Exequente foi apresentado o seguinte requerimento: “Tendo em conta que a anterior mandatária do exequente dispunha de documentação a que se refere a transação constante da ata do dia 19/11/2013, com exceção do certificado de gás e do teste de segurança, vem requer que os executados sejam notificados para em 10 dias informarem se dispõem de tal certificado e na afirmativa procederem à sua entrega”.
I.11_ Sobre esse requerimento foi proferido o seguinte despacho: “Notifique os executados em conformidade com o requerido, para em 10 dias informarem se dispõem de tal certificado e não o obtendo, visto que se comprometeram em audiência de julgamento a procederem à sua entrega, para informarem também se procederiam à sua realização e pagamento do seu custo, em caso de constatada a falta do documento”. - Livro de Obra com termo de encerramento; - Certificado de Inspeção instalação de Gás (com relatório negativo em virtude de deficiências encontradas); - Inquérito do INE; - Termo de Responsabilidade do Técnico da Obra; - Termo de Responsabilidade ITED; - Parecer técnico de verificação dos requisitos acústicos; Tais documentos foram enviados com uma carta que descriminava quais os documentos anexados, não tendo sido a mesma objecto de reclamação por falta de qualquer um dos documentos anexados. Em virtude de o subscritor já não possuir o arquivo físico do presente processo, requer que seja notificada a anterior mandatária do exequente para juntar ao processo a carta por si rececionada (onde consta expressamente a junção do Certificado de Inspeção de gás) bem como todos os documentos anexos”.
I.13_ Proferida sentença, o Tribunal de Primeira Instância julgou “improcedente a oposição à execução deduzida por BB e CC contra AA, determinando o prosseguimento da execução para: - a entrega do valor de 150,00€; - a construção de uma caixa de visita; - a construção da caixa de ligação ao saneamento; - a retificação da exaustão; - a eliminação das fissuras interiores e exteriores; - a pintura das paredes da cave; - a entrega do certificado de gás e teste de segurança. Custas a cargo dos opoentes – artigo 306º do Código de Processo Civil” * Não se conformando com o assim decidido, os Executados interpuseram recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: A) O Tribunal a quo proferiu sentença em Julho de 2023 baseando a sua convicção de danos avaliados num relatório pericial de 2012, mais de 11 anos depois. B) O facto de ter sido determinado em 2023 o prosseguimento da execução contra os exequentes para a eliminação das fissuras interiores e exteriores e a pintura das paredes da cave é muito mais custoso para os executados[3] do que seria onze anos antes, pois o imóvel estará mais degradado face ao passar do tempo. C) Não pode ser exigível aos executados[4] a pintura e a eliminação das fissuras 26 anos depois da construção do imóvel, onze anos depois da constituição da obrigação e do relatório pericial. D) A sentença proferida não teve em conta o decurso do tempo, colocando nos executados um ónus e um encargo muito maior do que colocaria onze anos antes. E) Pelo que a sentença é manifestamente nula, desproporcional e consequentemente inconstitucional em violação do artigo 18.º, n.º 2 e artigo 266, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa. Sem conceder e subsidiariamente, F) O Tribunal a quo considerou como facto não provado que “os executados procederam à retificação do sistema de exaustão.” G) Consta do dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal a quo “o prosseguimento da execução para retificação da exaustão”. H) O Relatório Pericial junto aos autos com a Ref. CITIUS n.º 2309374, impõe uma decisão diversa, pois refere que o sistema de exaustão atualmente funciona. I) … J) Ora, não se concebe como podem os recorrentes retificar a exaustão que se encontra a funcionar. K) Acresce que, em momento algum é referido na sentença o que é necessário retificar nem se fundamenta essa necessidade. L) O sistema de exaustão foi instalado na moradia do exequente em 1997, é natural que passado 15 anos, na data do relatório pericial, em 2012, possa ser melhorado, facto de que o Tribunal a quo deveria ter em conta e não teve. M) O Tribunal a quo incorreu na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, conforme preceitua o artigo 615.º n.º 1, alínea b) do CPC, norma violada pelo Tribunal a quo e que determina a nulidade da sentença. Sem conceder e subsidiariamente, - a eliminação das fissuras interiores e exteriores; - a pintura das paredes da cave”. C) A tinta da cave apresenta-se a escamar. D) As paredes interiores e exteriores da casa apresentam fissuras visíveis. * Notificado, o Exequente apresentou resposta, tendo formulado com as seguintes conclusões: “Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos A) a E): “1. Não pode a alegação da passagem do tempo fundamentar a nulidade, desproporcionalidade e inconstitucionalidade que vêm alegadas, uma vez que foram os Recorrentes quem, desde o início, “travaram” o exercício do direito do Recorrido a ver os seus defeitos de obra corrigidos. 2. Valorizar o decurso do tempo em favor dos Recorrentes seria premiar a sua postura dilatória e de constantes movimentações processuais para “atrasar” o que sabem ser um direito do Recorrido. 3. Incorrem numa mera conclusão quando alegam que o prédio objecto dos autos necessita de uma manutenção mais profunda de que necessitaria há 11 anos atrás, uma vez que os prédios não estão a ceder e a fissurar durante toda a sua existência, mas é algo que estruturalmente sucede nos primeiros anos com a sedimentação das terras e da própria construção. 4. No ano em que foi feito o relatório pericial, 15 anos depois da construção do prédio, já o mesmo “tinha dado” todos os sinais de possível fissuração. 5. Os Recorrentes alegam em sede de recurso ter feito as reparações em 2007 (cfr. ponto 8 do recurso), que não fizeram, conforme ficou provado, pois caso as tivessem feito não existiria a degradação que vêm alegar. 6. Há uma clara contradição nas alegações do Recorrido que, quando convém, alega os 15 aos de duração da construção para justificar fissuras em 2012, mas alega também a realização de reparações dessas fissuras em 2007. - Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos F) a O): 7. Os Recorrentes incorrem num erro de interpretação processual, já que não se trata de uma acção de condenação, mas da oposição à execução, apresentada pelos ora Recorrentes, em que vêm alegar na sua oposição “no que toca ao sistema de exaustão o mesmo apresentava sujidade, que foi removida, estando a funcionar sem problemas”. 8. Tinha de ser dado como não provado, e aqui o Tribunal a quo também andou bem, “que os executados procederam à rectificação dos sistema de exaustão “, uma vez que não o fizeram, nem alegam tê-lo feito. 9.É a própria sentença que apresenta o fundamento para esta decisão quando refere “no que toca ao facto não provado 2, não obstante o relatório pericial dizer que o sistema de exaustão funciona, o mesmo não foi reparado pelos executados, mas sim por conta do exequente. Com efeito, a testemunha DD, já mencionada, referiu que o sistema não ficou a funcionar e a testemunha FF, genro do exequente, que embora tivesse demonstrado pouco conhecimento sobre a situação dos autos, de forma espontânea e credível, referiu que o sistema de exaustão teve de ser reparado por um eletricista, ao que tudo indica tratar-se da testemunha GG”. 10. O Tribunal a quo especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e não padece a mesma do vício que os Recorrentes lhe imputam. - Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos P) a S) e X) a Y): 11. Veio no requerimento executivo o Recorrido dizer que os Recorrentes não executaram uma de duas caixas de visita e falta ainda a caixa de ligação ao saneamento. 12. Ora, a alegação dos Recorrentes na sua oposição à execução, quanto a esta matéria, limitou-se ao seguinte: “Construíram as caixas de visitas no projeto inicial e quando o imóvel foi adquirido pelo exequente, este aterrou o terreiro onde as caixas se encontravam, que deixaram de estar visíveis e acessíveis. Quando repararam a obra mostraram-lhe a localização das caixas e procederam ao alteamento da entrada das mesmas.” (cfr relatório da sentença). 13. São os Recorrentes quem veio alegar que construíram todas as caixas de visita, facto que não conseguiram provar, ou seja, não provaram que tivessem executado as caixas de visita na sua totalidade, bem como a ligação ao saneamento e por isso este facto teria sempre de ser dado como não provado. 14. Também não provaram que tivessem feito a ligação ao saneamento, já possível aquando da alegada intervenção dos Recorrentes em 2007 (ofício da Câmara Municipal que atesta que o saneamento passa na rua do Recorrido desde 2005). - Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos T) a W) e AH) a AM): 15. Em momento algum se infere ou resulta do relatório pericial datado de 10 de Janeiro de 2012 que “este tipo de deterioração no imóvel resulta da idade do prédio”, conforme vêm os Recorrentes alegar. 16. Na verdade, na data do relatório pericial, apesar de o imóvel ter sido construído há 15 anos, teria sido alvo de uma alegada intervenção pelos Recorrentes, apenas há 4 e dois meses anos (em finais de 2007). 17. Essa intervenção teria consistido, nomeadamente, “na cave: Revestimento das paredes com impermeabilizante em pó e pintura dessas paredes; Paredes exteriores; Pintura geral com tinta hidrorrepelente à base de silicone” (cfr ponto B dos factos dados como provados). 18. Ou seja, decorridos cerca de 4 anos já o imóvel apresentava, na cave, tinta a escamar e fissuras nas paredes exteriores e nas paredes interiores. 19. Assim, julgando a oposição à execução improcedente e determinando o prosseguimento da execução que, de entre outras obrigações assumidas pelos Recorrentes, refere “- a eliminação das fissuras interiores e exteriores; - a pintura das paredes da cave” andou bem o Tribunal a quo. - Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos Z) a AG): 20. Consta do título executivo dado à execução, que “Concluídos os trabalhos, os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita.” (cfr cláusula sexta do ponto B) dos factos dados como provados). 21. Ora, esta transacção foi celebrada em Julho de 2007 e nessa data os Recorrentes reconheceram a obrigação de entregar a quantia de 150,00 € correspondente à construção de duas caixas de visita, sendo o título executivo é válido e eficaz e compõe para os Recorrentes uma obrigação, cujo cumprimento não se verificou. 22. Em momento algum da oposição à execução, foi trazida aos autos a questão do alegado enriquecimento sem causa que agora, extemporaneamente, se levanta. 23. Quanto à valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD e EE, não cumprem os Recorrentes, em sede de recurso, o ónus que sobre si impende, de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, omissão esta que deverá levar à imediata rejeição do recurso nesta parte, nos termos e para os efeitos no previsto na alínea b) do nº 1 e alínea a) do nº 2 do artigo 640º do CPC.” * O recurso foi admitido por despacho de 13/11/2023. * Após os vistos legais, cumpre decidir. * II_ Questões a decidir: Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. * III. Fundamentação de facto Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos: “A) Foi dada à execução a sentença homologatória da transação celebrada entre as partes no âmbito do processo 113/2002 do 3º Juízo do então Tribunal Judicial de Águeda. “Cláusula primeira Os réus obrigam-se a proceder às seguintes obras na casa de habitação que venderam ao autor, melhor identificada na petição inicial: Na cave: Revestimento das paredes com impermeabilizante em pó e pintura dessas paredes. No rés-do-chão e 1º andar: Desinfeção de todas as paredes interiores e tetos com produto anti fungos, reparação de fissuras e pintura com tinta plástica. Na casa de banho do primeiro andar: Substituição do revestimento cerâmico, por se encontrar danificado, Na laje de cobertura: Varrer e colocação de isolamento projetado. Paredes exteriores; Pintura geral com tinta hidrorrepelente à base de silicone. Chaminé do fogão de sala: Cobertura em lã de rocha e pladur, colocação de tijolos novos na base e no seu interior. Na cozinha: Retificação do sistema de exaustão. No exterior: Reparação geral do passeio em volta da casa e construção de um patim com cerca de 1,10m com mosaico igual ou semelhante ao da entrada; colocação de 2 caixas de visita para águas pluviais; colocação em funcionamento das caixas de visita das águas residuais que ligam a uma quarta para futura ligação à rede pública (com cota que permita a ligação) junto da fossa. As caixas de visita deverão ter tampas amovíveis. Cláusula segunda Os réus garantem a boa qualidade das obras mencionadas na cláusula precedente por um período de dois anos a contar da data em que forem executadas, assumindo a responsabilidade pela eliminação dos vícios que se venham a verificar. Cláusula terceira Tais obras deverão ser iniciadas pelos réus entre os dias 10 e 15 de Setembro de 2007, com a duração prevista de cem dias, responsabilizando-se os réus pelo pagamento ao autor de €50,00 por cada dia de atraso. § único - Exceptua-se da obrigação indemnizatória prevista no corpo desta cláusula a eventualidade de a obra não estar concluída no prazo previsto pelo facto de as condições climatéricas não permitirem a execução das obras exteriores. Cláusula quarta Mais se comprometem os réus a entregar ao autor toda a documentação necessária à obtenção da licença de utilização. Cláusula quinta Efectuadas que sejam as obras atrás mencionadas, considera o autor devidamente satisfeitas as suas reclamações. Cláusula sexta Concluídos os trabalhos, os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita. (…).” D) As paredes interiores e exteriores da casa apresentam fissuras visíveis. E) Na sessão de julgamento de 19.11.2013, realizada nos presentes autos, foi celebrada transação nos seguintes termos: “1) - Os executados comprometem-se a fornecer em 60 dias os seguintes elementos: - Certificado de gás mais teste de segurança; - Avaliação acústica; - Declaração do técnico de obra em que a mesma cumpre o estipulado no Decreto Lei 26/2010 de 30/3, artº 63º, nº1, à data do termo de obra; - Termo de responsabilidade de execução do ITED; - Inquérito Q4 do INE; - O livro de obra, que neste acto, foi entregue ao executado. (…).” F) Não obstante o exequente ter-se oposto à transação, nos termos previstos no artigo 301/3 do Código de Processo Civil, os executados procederam à entrega da documentação referenciada em E), com exceção do certificado de gás e teste de segurança. * Factos Não Provados: 1 – Os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento. 2 – Os executados procederam à retificação do sistema de exaustão. 3 – Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B). 4 – As obras a que se refere a transação dada à execução foram concluídas e aceites em 12.11.2007. * * * IV_ Fundamentação de Direito 1ª Questão: nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão de prosseguimento da execução para rectificação do sistema de exaustão – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil [alíneas G), H), J), K) L e M) das conclusões] Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil por “falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito” que justificam a decisão que determinou “o prosseguimento da execução para retificação do sistema de exaustão”, sustentando que “o relatório pericial impõe uma decisão diversa pois refere que o sistema de exaustão actualmente funciona”, facto que o Tribunal a quo reconhece. Invocam, ainda, os Recorrentes que não consta da sentença “o que é necessário rectificar” no sistema de exaustão, não se encontra “fundamentada essa necessidade” [alínea K das conclusões] e “não se concebe como podem os recorrentes retificar a exaustão que se encontra a funcionar”. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o artigo 615.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil que “É nula a sentença quando [n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. A errada, incompleta ou insuficiente fundamentação não integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil. Ensinava o Professor Alberto dos Reis[5], “O que a lei comina de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocricidade da motivação é espécie diferente; afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”. Em anotação ao artigo 615º do Código de Processo Civil, referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[6], “é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação inintelegível ou imperceptível, previsões que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11)”. Salvo o devido respeito, existe equívoco dos Recorrentes na abordagem da questão porquanto, as nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos da mesma, não se confundindo com erros de julgamento. Da leitura da sentença resulta, de forma manifesta, que da mesma constam os fundamentos de facto e de direito e só a falta absoluta desses elementos é que gera a nulidade invocada. Assim, sem prejuízo da apreciação da questão em sede de erro de julgamento, improcede a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC.
2ª Questão 2.1_ Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil. [alíneas N) e O) das conclusões] Sustentam que constando da fundamentação que o sistema de exaustão se encontra a funcionar, não pode a execução prosseguir para a sua rectificação, concluído que existe oposição entre a decisão e a fundamentação. Dispõe o artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil que “É nula a sentença quando [o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Afigura-se-nos existir equívoco dos Recorrentes porquanto, o vício apontado só se verifica quando a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e na parte dispositiva surge um sentido que, de todo, não se coaduna com as premissas, sendo irrelevante para o efeito, o que consta da motivação da decisão da matéria de facto. Analisada a sentença recorrida, a parte dispositiva mostra-se em consonância, quer com a fundamentação factual, quer com a subsunção jurídica. Improcede, assim, a nulidade com fundamento no disposto no artigo 615º, nº1, alínea c), do CPC.
2.2_ Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil com fundamento na contradição entre o ponto 1 dos factos não provados [“os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento.”] e a decisão de prosseguimento da execução para “a construção de uma caixa de visita” e “a construção da caixa de ligação ao saneamento”. Sustentam que: Concluem que existe aqui uma contradição entre os factos dados como não provados e o dispositivo, o que configura uma nulidade, por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC. Não assiste razão aos Recorrentes porquanto, a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se o mesmo não existisse e, consequentemente, não existe qualquer contradição entre esse facto e a parte dispositiva da sentença. Improcede, assim, a alegada nulidade da sentença, com fundamento na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC. Poder-se-á entender que os Recorrentes enunciam, de forma não explicita, a nulidade da sentença com fundamento na alínea c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil. Ainda que assim seja, não lhes assiste razão pois, conforme já referido, o regime das nulidades destina-se a remover aspectos de ordem formal que inquinem a decisão, ou seja, trata-se de vícios que afectam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito. Os Recorrentes discordam da decisão de facto e pretendem que seja eliminado dos factos não provados o facto “os executados executaram as duas caixas de visita”, pelo que apreciar-se-á esta pretensão recursória em sede de impugnação da decisão da matéria de facto. Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil por não ter sido considerado que os danos que o imóvel apresenta – “a tinta a escamar em alguns sítios e pequenas fissuras” – são “adequados e razoáveis para o estado e idade do imóvel”. Sustentam que ao determinar o prosseguimento da execução para a realização de obras sem considerar a idade do imóvel e o seu estado de deterioração decorrente do decurso do tempo, a sentença encontra-se ferida de nulidade por omissão de pronúncia, violando o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C.. Verifica-se o vício da omissão de pronúncia (art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C.), quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso. Conforme ensinava o Professor Alberto dos Reis, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[7]. Como refere o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 8/5/2019[8], proferido no processo nº 211/09.9GACSC-A.L2-3: “A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido. Transpondo tais princípios para os presentes autos, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões que foram suscitadas pelas partes nos articulados, pedido, causa de pedir e excepções invocadas, pelo que não enferma de nulidade a sentença recorrida. Salvo o devido respeito, a afirmação conclusiva de que os danos que o imóvel apresenta se mostram “adequados e razoáveis para o estado e idade do imóvel” é irrelevante para o mérito dos autos considerando que o objecto do litígio respeita ao cumprimento/não cumprimento/cumprimento defeituoso das obrigações assumidas pelos Executados. Improcede, assim, a nulidade invocada.
4ª Questão Insurgem-se os Recorrentes com a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo por referência aos seguintes factos: Procederemos, então, à análise e apreciação de cada ponto, individualizadamente. i. Ponto 1 dos factos não provados [“os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento”]: deve ser eliminado e aditado aos factos provados a alínea G) com a seguinte redacção: “Os executados executaram duas caixas de visita”. Invocam os Recorrentes que do Relatório Pericial junto aos autos, datado de 10 de Janeiro de 2012, decorre que “os executados procederam à construção de caixas de visita”. Com fundamento no relatório pericial junto aos autos e nos esclarecimentos prestados em 9 de Maio de 2012 [meio de prova indicado na motivação e não nas conclusões], pretendem a eliminação do ponto 1 dos factos não provados e o aditamento aos factos provados que “Os executados executaram duas caixas de visita”. Cumpre apreciar e decidir. No que tange ao facto constante do ponto 1 dos factos não provados, o Tribunal a quo formou a sua convicção com base no Relatório Pericial. Analisado esse elemento, bem como os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito, em 9 de Maio de 2012, concorda-se com o Tribunal a quo. No Relatório Pericial, a resposta do Senhor Perito, ao quesito “se falta executar uma caixa de visita em obra”, foi “sim, a caixa final que liga ao saneamento e ainda outra na junção dos ramais”. A resposta ao quesito “se falta executar a ligação ao saneamento”, foi “sim, falta a ligação ao saneamento”.[negrito nosso] Nos esclarecimentos prestados, em 9 de Maio, o Senhor Perito, ao quesito A - “Foram construídas 2 caixas de visita de águas pluviais?”, respondeu “Sim, existem várias caixas de visita de águas pluviais”. Ao quesito B – “As caixas de visita das águas residuais que ligam a uma quarta para futura ligação à rede pública (com quota que permita ligação) junto da fossa foram colocadas em funcionamento aquando da realização dos trabalhos?”, o Senhor Perito respondeu “As caixas de visita de águas residuais estão em funcionamento”. O facto de existirem várias caixas de visita construídas não permite extrair a conclusão que todas se mostram construídas e, nessa medida, o esclarecimento prestado não contraria a resposta anteriormente dada. Assim, da articulação entre as respostas que constam do relatório pericial e os esclarecimentos posteriormente prestados resulta que se mostram construídas várias caixas de visita de aguas pluviais mas, permanecem por construir a caixa final que liga ao saneamento e a caixa na junção dos ramais. Pelo exposto, concorda-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à inclusão, nos factos não provados que “os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento” (estando, no entanto, o objecto da acção executiva limitado à construção apenas de uma caixa face à pretensão deduzida pelo Exequente, no requerimento executivo). Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.
ii. Ponto 3 dos factos não provados [“Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B”]: deve ser julgado provado. Invocam os Recorrentes que no ponto 3 dos factos não provados foi incorrectamente dado como não provado com fundamento no título executivo e do qual consta “os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita”. Tendo o executado construído várias caixas, não pode prosseguir a execução para pagamento da quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita, “quando o próprio as construiu”. Simultaneamente, advogam que se encontra demonstrado o pagamento da quantia de €150, ao Exequente, com fundamento no depoimento prestado pela testemunha EE. Discordam da valoração da prova testemunhal efectuada pelo Tribunal a quo porquanto, no seu entender, não merece credibilidade o depoimento prestado pela testemunha DD, cônjuge do Exequente e, consequentemente, titular de interesse no desfecho da presente oposição à execução. Pelo contrário, merece credibilidade o depoimento prestado pela testemunha EE porquanto, presenciou o facto e apesar de ser filho dos Executados, ora recorrentes, não tem interesse directo “pois a sua esfera patrimonial mantém-se inalterada com a entrega de 150,00€ pelos seus progenitores ao exequente ou à sua mulher”. Concluem que ponderada a isenção das testemunhas, a inexistência de qualquer outra relação negocial entre recorrentes e recorrido e a sua mulher e as regras da experiência, o facto constante do ponto 3 dos factos não provados deve transitar para os factos provados. Por referência ao facto não provado que consta do ponto 3, consta da decisão recorrida “a testemunha DD negou ter recebido a quantia de 150,00€ a que se refere a transação, sendo certo que nenhuma das testemunhas presenciou a entrega de tal montante, em concreto ao exequente ou à sua mulher. A testemunha EE, filho dos opoentes, referiu ter acompanhado o pai a casa do exequente e ter visto que entregou dinheiro à sua mulher, mas não sabia para quê nem quanto.” Ora, a emoção própria de quem intervém directamente num litígio e o interesse individual num determinado sentido da decisão constituem circunstâncias que podem colocar em crise a fidedignidade do depoimento da testemunha. Seja por erro de percepção ou de memorização ou ainda intencionalmente por se entender que daí possa resultar benefício próprio ou para pessoa amiga ou familiar, acontecem relatos díspares e mesmo absolutamente contraditórios dos mesmos tempos e espaços da história. Porém, é da conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante que se confere credibilidade a determinados elementos de prova. Além desses, o Tribunal a quo dispõe de outros factores como a comunicação gestual, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira. Assim, não é a mera circunstância de o tribunal se deparar com depoimentos prestados por testemunhas que tenham uma relação de família ou relações menos afáveis com uma das partes que, por si só, deve conduzir à não atribuição de credibilidade ao depoimento prestado[9]. Dispõe o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: No que tange à especificação dos meios probatórios, dispõe o artigo 640º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil que «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” . No que tange aos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, os Recorrentes, embora fundamentem as suas pretensões recursórias no depoimento prestado pela testemunha EE e na falta de isenção do depoimento da testemunha DD, insurgindo-se com a decisão do Tribunal a quo por assim não ter valorado, não indicou as passagens da gravação referentes a tais depoimentos que considera relevantes, nem transcreveu tais excertos. Assim, não se mostra cumprido o ónus imposto pelo artigo 640º, nº1, alínea c), e nº2, do Código de Processo Civil, pelo que se rejeita a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte. Advogam, ainda, os Recorrentes que o facto (Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B) “foi incorretamente dado como não provado, pois consta do título executivo que «os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita». Tendo construído várias caixas de visita de águas pluviais, não pode prosseguir a acção executiva para pagamento da quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita, quando o próprio as construiu. Salvo o devido respeito, das cláusulas constantes da transacção não resulta que a quantia de €150 respeite ao pagamento de qualquer obra executada pelos Executados pois, consta da Cláusula Sexta, “Concluídos os trabalhos, os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita”. Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto provada. Invocam, ainda, a violação do disposto no artigo 389º do Código Civil que dispõe “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal” e no artigo 489º do Código de Processo Civil. De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. O Tribunal ad quem deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que existe matéria de facto alegada pelas partes, essencial à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas e que não foi conhecida pelo tribunal recorrido. Além de tais factos, articulados pelas partes, são ainda considerados pelo Tribunal os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil). Pretendem os Recorrentes aditar, à decisão da matéria de facto, um facto conclusivo que não se mostra alegado, nos embargos – cfr. artigo 5º, nº1, do CPC - devendo sê-lo, por se tratar de facto impeditivo. Resultando da instrução da causa, ainda que se considerasse tratar-se de facto complementar dos alegados pelas partes, não podia o mesmo ser tomado em consideração pelo Tribunal ad quem por não se mostrar cumprido o exercício do contraditório (artigo 2º, alínea b) do artigo 5º). Por último, o cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não pode ter-se por observado com a referência genérica ao “aspecto razoável” e se é “considerado normal o aparecimento de fissuras”. Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto. Insurgem-se os Recorrentes com a sentença proferida por o Tribunal a quo não ter tomado em consideração o decurso do tempo, colocando nos executados um ónus e um encargo muito maior do que colocaria onze anos antes”, concluindo que a sentença é nula. Da leitura articulada da motivação e das conclusões resulta a discordância, por parte dos Recorrentes, da decisão sobre a matéria de facto e da interpretação e aplicação do direito. Salvo o devido respeito, tais fundamentos não constituem causa de nulidade da sentença. Improcede, assim, o recurso, nesta parte. Salvo o devido respeito, não assiste razão aos Recorrentes. A execução à qual os presentes autos se encontram apensos tem como título executivo a sentença homologatória da transacção celebrada entre as partes e da qual consta, entre outras, a seguinte cláusula: “Cláusula primeira: Os réus obrigam-se a proceder às seguintes obras na casa de habitação que venderam ao autor, melhor identificada na petição inicial: … Na cozinha: Retificação do sistema de exaustão…”. Assim, a obrigação de rectificação do sistema de exaustão resulta da transacção homologada. Em segundo lugar, por referência à obrigação de rectificação do sistema de exaustão, da decisão recorrida pode ler-se: a. “Sobre o opoente recai o ónus da prova, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2. do C.C., dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que, através da oposição adianta contra o exequente”; b. “Pelo exequente, foi alegado, em sede de requerimento executivo, que relativamente aos termos da transacção, os Executados «não retificaram o sistema de exaustão»”; c. Nesta acção, os Executados “não lograram provar o cumprimento integral dos termos da transação dada à execução, designadamente a execução das obras apontadas pelo exequente, no requerimento executivo, que se encontram por realizar”. Não consta dos factos provados que os Executados tenham procedido à rectificação do sistema de exaustão. Em suma, a obrigação dos Executados decorre do título executivo, obrigação que impende sobre os Recorrentes desde 2007. Pese embora tenham alegado o cumprimento de todas as obrigações decorrentes da transacção, não lograram demonstrar essa realidade, sendo sobre si que recai o ónus de prova, não tendo igualmente demonstrado que o sistema de exaustão não necessita de ser rectificado, significando “rectificar” fazer uma correcção, tornar exacto, corrigir, melhorar o desempenho do equipamento. Pelo exposto, improcede o recurso nesta parte. Consta do requerimento executivo que: Consta, ainda, do requerimento executivo que os Executados não executaram as obras dentro do prazo que lhes foi concedido, não o tendo feito até à presente data. Insurgem-se os Executados com o prosseguimento da acção executiva para rectificar o sistema de exaustão por o Tribunal a quo não ter ponderado o facto de o “sistema de exaustão ter sido instalado na moradia do exequente em 1997” e de ser “natural que passado 15 anos, na data do relatório pericial, em 2012, possa ser melhorado”. A obrigação de rectificar o sistema de exaustão foi constituída em 2007 e devia ter sido cumprida no prazo de cem dias com início em 10/15 de Setembro de 2007. Neste quadro fáctico, mostra-se irrelevante a data de instalação do sistema de exaustão e os danos decorrentes do não cumprimento da obrigação no prazo fixado, recaem sobre a responsabilidade dos Executados pois, presume-se a sua culpa na falta de cumprimento. Pelo exposto na apreciação da questão anterior e sem necessidade de mais considerandos, improcede o recurso, nesta parte.
9ª Questão Na interpretação do sentido da declaração, deve tomar-se em consideração as circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta e o comportamento das partes. Ensina Mota Pinto que, uma vez que o código não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias a considerar para a interpretação, “...serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo teria tomado em conta”. [17] Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[18], a “normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”. Na interpretação do clausulado, importa ainda ter em conta o estabelecido no artigo 238º, nº1, do Código Civil, nos termos do qual “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, excepto se “esse sentido (… ) corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” (artigo 238º, nº2). Finalmente, importa ter presente o estabelecido no artigo 239º do Código Civil: “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.” Assim, os princípios essenciais a ter em consideração nesta matéria são os seguintes: - A declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário - artº 236, nº2, do Código Civil; - Não o sendo, valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (teoria da impressão do destinatário) - artº 236, nº1, do Código Civil; - Nos negócios formais, o sentido atribuído pelo “declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento; - O sentido sem correspondência mínima no texto poderá ainda valer se traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e essa validade - artigo 238º, nº2, do Código Civil. No caso dos autos, não se conhece a vontade real dos declarantes aquando da fixação dos termos do acordo. O acordo foi celebrado no âmbito de uma acção declarativa, estando as partes representadas por Mandatário. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, a cláusula sexta “Concluídos os trabalhos, os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita”, não permite concluir que essa quantia respeita às duas caixas de visita mencionadas na cláusula primeira e cuja construção foi assumida pelos Executados ou a quaisquer outras caixas que tenham sido construídas pelos Executados. Um declaratório normal, colocado na posição dos Executados, interpretaria a referida cláusula contratual no sentido que lhe foi conferido pelo Exequente, ou seja, que além da construção das duas caixas de visita de águas pluviais, os Executados assumiram a obrigação de pagar a quantia de €150,00. Só assim se compreende o prazo fixado para o cumprimento desta obrigação (“Concluídos os trabalhos…). Igual conclusão se extrai da cláusula terceira na qual foi previsto o não cumprimento das obrigações assumidas no prazo estipulado. Invocam os Executados que tendo “construído várias caixas de visita de águas pluviais e caixas de visita de águas residuais” e “prosseguir a execução para pagamento dos 150,00€ correspondente à construção de duas caixas de visita, quando o próprio as construiu”, consubstanciaria enriquecimento sem causa para o exequente. Conforme referido pelo Exequente, trata-se de uma questão que não foi abordada nos articulados, nem foi objecto de apreciação na sentença recorrida, pelo que estamos perante uma questão nova. Escreve Abrantes Geraldes[19], “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas. Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas seja de conhecimento oficioso…”. Não sendo de conhecimento oficioso, este Tribunal da Relação não irá conhecer da questão suscitada pelos Executados. * Em suma, não colhem as conclusões dos Apelantes, havendo, por isso, de ser mantida a sentença recorrida. * Custas Atento o disposto no art. 527º, n.º 1, do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. As custas são da responsabilidade dos Recorrentes, face à total improcedência do recurso interposto. * IV-Decisão Pelos fundamentos acima expostos, julga-se o presente recurso totalmente improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas da apelação pelos Recorrentes (artigo 527.º, nº 1, do Código de Processo Civil). * * * Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… |