Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6791/09.6T2AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA MORAIS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ÓNUS DA PROVA DO EMBARGANTE
MORA DO DEVEDOR
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
SENTIDO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Nº do Documento: RP202404086791/09.6T2AGD-A.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil ocorre quando os fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la conduziriam a uma decisão de sentido oposto ou diferente, sendo irrelevante para o efeito o que consta da motivação da decisão da matéria de facto.
II - O título executivo, condição formal da realização coactiva da prestação, contém em si, com o grau de segurança que se entende suficiente, a existência do direito, de tal modo que, sem necessidade de outras indagações, haverá de ser desenvolvida a actividade processual adequada a obter o pagamento da quantia exequenda, a entrega de certa coisa ou a prestação de facto.
III - Recai sobre o executado/embargante o ónus da prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 2. do C.C., de que a obrigação, apesar da aparência, nunca se chegou a constituir, ou se extinguiu ou modificou, assim contrariando a aparência do direito que resulta do título.
IV - A mora do devedor concebida como ilícito obrigacional que se presume culposo, logo atribuível ao devedor, faz recair sobre este o ónus de produzir prova com vista a demonstrar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua.
V - Cumprimento defeituoso verifica-se quando há uma discrepância entre o “ser” e o “dever ser”; corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada, de acordo com o conteúdo do programa obrigacional.
VI - Não se mostra desproporcional/desequilibrado o prosseguimento da execução, no ano de 2023, para “a eliminação das fissuras interiores e exteriores e a pintura das paredes da cave” na situação em que o exequente, credor da prestação, que confiava ver satisfeito o seu direito, no prazo de cem dias a contar de 10/15 de Setembro de 2007, decorridos quinze anos, ainda convive com os defeitos dos trabalhos realizados.
VII - O não prosseguimento da execução, nesta situação, significaria beneficiar os executados com o protelamento do cumprimento defeituoso da prestação à qual se vincularam em detrimento do credor.
VIII - A determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, é com recurso aos critérios fixados nos artigos 236º, n.º 1, e 238º, n.º 1, do CC, regras estas aplicáveis à transacção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº6791/09.6T2AGD-A

Acordam os Juízes da 5ª Secção (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relatora: Anabela Morais

Primeira Adjunta: Desembargadora Maria de Fátima Almeida Andrade

Segundo Adjunto: Desembargador Manuel Fernandes

I_ Relatório

Na acção executiva intentada por AA, tendo como título executivo a sentença proferida, em 25/7/2007, no âmbito do processo nº 113/2002 que homologou a transacção[1], os executados BB e mulher CC deduziram oposição à execução, alegando, em síntese, que:
i. As obras acordadas no processo nº 113/2002 foram realizadas entre 19 de Setembro e 12 de Novembro de 2007, data em que entregaram a obra que foi aceite, sem reservas, pelo Exequente.
ii. Até à propositura da execução, não foi comunicado qualquer defeito ou insuficiência da obra.
iii. O Exequente alega que “não executaram uma das duas caixas de visita e falta ainda caixa de ligação ao saneamento” mas, as caixas de visita foram construídas pelos executados no projecto inicial, tendo aquele, após a aquisição do imóvel, mandado aterrar o terreiro onde as caixas se encontravam, deixando as mesmas de estarem visíveis e acessíveis. Quando os Executados procederam à reparação da obra, chamaram o Exequente e mostraram-lhe a localização das caixas, tendo sido por aquele aceite “a não construção das caixas uma vez que as mesmas já se encontravam construídas”.
iv. Os Executados sempre se mostraram disponíveis para entregar toda a documentação em sua posse, ao Exequente, não tendo este lhe pedido qualquer documento.
v. O sistema de exaustão apresentava sujidade que foi removida, ficando a funcionar sem qualquer defeito.
vi. O executado BB entregou a quantia de €150, em mão, à esposa do Exequente.
vii. Os demais “defeitos” são “normais em construções com quase 20 anos, como é o caso do imóvel em causa”.
viii. Ficou estipulado na cláusula segunda da transacção homologada que “Os réus garantem a boa qualidade das obras mencionadas na cláusula precedente por um período de dois anos a contar da data em que forem executadas…”, tendo as obras sido concluídas e aceites sem reserva em 12 de Novembro de 2007.
ix. O prazo para o exercício de reclamação de eventuais defeitos de obra terminou em 12 de Novembro de 2009 sem que o Exequente tenha apresentado qualquer reclamação, tendo o seu direito caducado nos termos da transacção judicial, bem como do nº2 do art. 1224º do C. Civil.

Concluem, pedindo que a execução seja “julgada improcedente, uma vez que já foi realizada a obra reclamada” e declarado “caduco o direito [de] reclamar a reparação dessas mesmas obras e, em consequência, (…) os executados absolvidos da presente execução”.


*

Notificada a oposição à execução, o Exequente apresentou contestação, alegando, em síntese, que:

i. No requerimento inicial executivo, não refere que os Executados não realizaram as obras acordadas mas, “apenas não realizaram aquelas que foram referidas, ou seja, uma das caixas de visita, faltando ainda a caixa de ligação ao saneamento, não rectificaram o sistema de exaustão, como não entregaram a documentação necessária à licença de utilização e não pagaram os €150,00 que ficaram acordados”.

ii. Não corresponde à verdade que as obras tenham sido executadas entre 19 de Setembro e 12 de Novembro, nem que os Exequentes tenham aceite as obras sem reservas.

iii. Os Executados confessam não terem entregado, ao Exequente, a documentação necessária à obtenção da licença de utilização, reclamada “desde o primeiro momento”.

iv. O Exequente sempre reclamou junto dos Executados, fundamentalmente os documentos, porque não exclui a possibilidade de vender a moradia, estando, no momento, impedido de o fazer.

v. O acordo não foi efectivamente cumprido, a obra não foi entregue, nem aceite, pelo que  assiste ao Exequente o direito de reclamar os vícios que já são visíveis e elencados no requerimento inicial.

Concluiu, pedindo que os Executados sejam condenados a entregar ao Exequente a documentação necessária à obtenção da licença de utilização e, bem assim, executar as obras em falta e proceder à eliminação dos vícios das obras que já foram executadas.

I.1_ Por despacho proferido em 5/1/2011, foi admitida a oposição à execução e proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a fixação da base instrutória, com fundamento na “simplicidade da matéria de facto controvertida” e “no uso da faculdade prevista no artigo 787º, nº1 do Código de Processo Civil "ex vi" artigo 817º, nº2 do mesmo Código”.

I.2_ Foi determinada a realização de perícia, tendo o relatório, datado de 10/1/2012, sido junto aos autos em 11 de Janeiro de 2012. Solicitados esclarecimentos, foram os mesmos apresentados, pelo Senhor Perito, em 9 de Maio de 2012.

I.3_ Iniciada a audiência de julgamento, na sessão de 19/11/2013, o Ilustre Mandatário dos Executados e a Ilustre Mandatária do Exequente que protestou juntar procuração com poderes especiais, no prazo de 5 dias, transmitiram que as partes “chegaram a acordo"[2], tendo sido proferida sentença que julgou “válida e juridicamente relevante a transacção” e “nos termos dos artigos 293º n.º 2, 294º, 299º n.º 1, a contrário, 300º, todos do Código Processo Civil, a homologo[u] (…), condenando e absolvendo nos seus precisos termos…”.

I.4_ Por requerimento de 1 de Março de 2023, o Exequente AA veio invocar não ter estado presente na sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 19/11/2013, tendo sido então representado pela sua Ilustre Mandatária, mandatada com procuração com poderes forenses gerais, e não ter sido notificado pessoalmente da sentença homologatória com a cominação de, nada dizendo, o acto ser havido por ratificado, nos termos do nº 3 do artigo 291º do CPC, nulidade que arguiu. Requereu a notificação pessoal da sentença homologatória, com a cominação legal e a anulação de todo o processado posterior à sentença.

I.6_ Por despacho de 19/4/2023, foi determinada a “notificação pessoal do exequente nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 301º, nº3, do Código de Processo Civil, aplicável aos presentes autos”.

Notifique”.

I.7_ Por requerimento de 2 de Maio de 2023, o Exequente declarou “não ratifica[r] o acto da Mandatária”.

I.8_ Por despacho de 24 de Maio de 2023, foi decidido:

“Não tendo o exequente ratificado a transação celebrada prosseguem os autos para a realização da audiência de julgamento.

Para esse efeito designo o dia 20 de junho de 2023, pelas 14h00…”.

I.9_ Pronunciando sobre o requerimento apresentado em 30 de Maio de 2023, pelo Exequente, por despacho de 31 de Maio de 2023, foi decidido:

“Considerando que nos presentes autos já foi produzida toda a prova, a audiência de julgamento agora designada destinar-se-á à produção de alegações, que ainda se encontram em falta…”.

I.10_ Na sessão da audiência de julgamento de 20 de Junho de 2023, pela Ilustre Mandatária do Exequente foi apresentado o seguinte requerimento:

Tendo em conta que a anterior mandatária do exequente dispunha de documentação a que se refere a transação constante da ata do dia 19/11/2013, com exceção do certificado de gás e do teste de segurança, vem requer que os executados sejam notificados para em 10 dias informarem se dispõem de tal certificado e na afirmativa procederem à sua entrega”.

I.11_ Sobre esse requerimento foi proferido o seguinte despacho:

Notifique os executados em conformidade com o requerido, para em 10 dias informarem se dispõem de tal certificado e não o obtendo, visto que se comprometeram em audiência de julgamento a procederem à sua entrega, para informarem também se procederiam à sua realização e pagamento do seu custo, em caso de constatada a falta do documento”.


I.12_ Por requerimento de 11 de Julho de 2023, os executados BB e CC informaram que, em 06/01/2014, enviaram “à mandataria, na época, do exequente os seguintes documentos:

- Livro de Obra com termo de encerramento;

- Certificado de Inspeção instalação de Gás (com relatório negativo em

virtude de deficiências encontradas);

- Inquérito do INE;

- Termo de Responsabilidade do Técnico da Obra;

- Termo de Responsabilidade ITED;

- Parecer técnico de verificação dos requisitos acústicos;

Tais documentos foram enviados com uma carta que descriminava quais os documentos anexados, não tendo sido a mesma objecto de reclamação por falta de qualquer um dos documentos anexados.

Em virtude de o subscritor já não possuir o arquivo físico do presente processo, requer que seja notificada a anterior mandatária do exequente para juntar ao processo a carta por si rececionada (onde consta expressamente a junção do Certificado de Inspeção de gás) bem como todos os documentos anexos”.

I.13_ Proferida sentença, o Tribunal de Primeira Instância julgou “improcedente a oposição à execução deduzida por BB e CC contra AA, determinando o prosseguimento da execução para:

- a entrega do valor de 150,00€;

- a construção de uma caixa de visita;

- a construção da caixa de ligação ao saneamento;

- a retificação da exaustão;

- a eliminação das fissuras interiores e exteriores;

- a pintura das paredes da cave;

- a entrega do certificado de gás e teste de segurança.

Custas a cargo dos opoentes – artigo 306º do Código de Processo Civil”


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Não se conformando com o assim decidido, os Executados interpuseram recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo proferiu sentença em Julho de 2023 baseando a sua convicção de danos avaliados num relatório pericial de 2012, mais de 11 anos depois.
B) O facto de ter sido determinado em 2023 o prosseguimento da execução contra os exequentes para a eliminação das fissuras interiores e exteriores e a pintura das paredes da cave é muito mais custoso para os executados[3]  do que seria onze anos antes, pois o imóvel estará mais degradado face ao passar do tempo.
C) Não pode ser exigível aos executados[4] a pintura e a eliminação das fissuras 26 anos depois da construção do imóvel, onze anos depois da constituição da obrigação e do relatório pericial.
D) A sentença proferida não teve em conta o decurso do tempo, colocando nos executados um ónus e um encargo muito maior do que colocaria onze anos antes.
E) Pelo que a sentença é manifestamente nula, desproporcional e consequentemente inconstitucional em violação do artigo 18.º, n.º 2 e artigo 266, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
Sem conceder e subsidiariamente,
F) O Tribunal a quo considerou como facto não provado que “os executados procederam à retificação do sistema de exaustão.”
G) Consta do dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal a quo “o prosseguimento da execução para retificação da exaustão”.
H) O Relatório Pericial junto aos autos com a Ref. CITIUS n.º 2309374, impõe uma decisão diversa, pois refere que o sistema de exaustão atualmente funciona.
I) …
J) Ora, não se concebe como podem os recorrentes retificar a exaustão que se encontra a funcionar.
K) Acresce que, em momento algum é referido na sentença o que é necessário retificar nem se fundamenta essa necessidade.
L) O sistema de exaustão foi instalado na moradia do exequente em 1997, é natural que passado 15 anos, na data do relatório pericial, em 2012, possa ser melhorado, facto de que o Tribunal a quo deveria ter em conta e não teve.
M) O Tribunal a quo incorreu na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, conforme preceitua o artigo 615.º n.º 1, alínea b) do CPC, norma violada pelo Tribunal a quo e que determina a nulidade da sentença.

Sem conceder e subsidiariamente,
N) Atendendo a que o sistema de exaustão se encontra a funcionar e tal é referido na fundamentação, não pode a execução prosseguir para a retificação desse mesmo sistema que…se encontra a funcionar.
O) Assim, ao decidir prosseguir a execução para a retificação da exaustão, os fundamentos presentes na sentença estão em clara oposição com a decisão, violando o preceituado no artigo 615.º n.º 1, alínea c) do CPC, determinando a nulidade da sentença.
P) Consta do facto n.º 1 dos factos dados como não provados que “os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento.”
Q) No entanto, no dispositivo, apenas consta o prosseguimento da execução para “a construção de uma caixa de visita” e “a construção da caixa de ligação ao saneamento”.
R) Existe aqui uma contradição entre o número de caixas que a sentença considera não construídas e aquelas que constam no dispositivo, existindo aqui uma contradição clara entre os factos dados como não provados e o dispositivo, o que configura uma nulidade, por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
S) Na verdade, os recorrentes procederam à construção de caixas de visita, conforme consta do Relatório Pericial junto aos autos com a Ref. CITIUS n.º 2309374, datado de 10 de janeiro de 2012, pelo que, para além da nulidade invocada, estamos perante um erro de apreciação de prova, conforme se alegará infra.
T) O Tribunal a quo determinou o “prosseguimento da execução para:

- a eliminação das fissuras interiores e exteriores;

- a pintura das paredes da cave”.
U) Consta dos factos dados como provados:

C) A tinta da cave apresenta-se a escamar.

D) As paredes interiores e exteriores da casa apresentam fissuras visíveis.
V) Acontece que, o objeto dos autos são obras num imóvel construído em 1997, há mais de 25 anos e conforme resulta do Relatório Pericial junto aos autos com a Ref. CITIUS n.º 2309374, datado de 10 de janeiro de 2012, este tipo de deterioração no imóvel resulta da idade do prédio (e na altura do relatório pericial o imóvel tinha sido construído há 15 anos e não 26 como atualmente), referindo o relatório pericial que o imóvel se encontra com a tinta a escamar em alguns sítios e pequenas fissuras, mas que o aspeto geral é razoável, sendo normal e razoável a tinta estar a escamar e haver pequenas fissuras.
W) O Tribunal a quo apenas considerou como provados os danos, mas não teve em consideração se os mesmos eram adequados e razoáveis para o estado e idade do imóvel, não podendo determinar o prosseguimento da execução para a realização de obras sem considerar a idade do Imóvel e o seu estado de deterioração decorrente do decurso do tempo, pois, ao fazê-lo incorreu numa omissão de pronúncia, violando os artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C, dotando a sentença ora em crise de nulidade.
X) Existe uma contradição entre o facto considerado não provado 1 “os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento” e a respetiva fundamentação, pois o Tribunal a quo considerou na fundamentação o relatório pericial junto aos autos que refere que “se encontra por executar a caixa final que liga o saneamento e ainda outra na junção dos ramais, assim como a ligação ao saneamento”.
Y) No entanto, consta da formulação do facto não provado: “os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento.”, pelo que deverá ser aditado aos factos dados como provados o facto: “G) Os executados executaram duas caixas de visita”, eliminando-se, em consequência, o facto 1) dos factos não provados, uma vez que na sua formulação incorreu o Tribunal a quo na contradição entre facto considerado como não provado e a fundamentação.
Z) O facto 3 dos factos dados como não provados (Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B) foi incorretamente dado como não provado, pois consta do título executivo que “os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita”.
AA) Ora, não se concebe como poderá o executado ora recorrente ter construído várias caixas de visita de águas pluviais e caixas de visita de águas residuais, conforme se alegou supra e ainda prosseguir a execução para pagamento dos 150,00€ correspondente à construção de duas caixas de visita, quando o próprio as construiu.
AB) Tal situação consubstanciaria enriquecimento sem causa para o exequente e é manifestamente ilegal.
AC) Acresce que, na fundamentação para considerar este facto como não provado, o Tribunal a quo teve em consideração que o depoimento da testemunha DD, mulher do exequente que refere não ter rececionado tal montante.
AD) Já a testemunha EE, filho dos opoentes, referiu ter acompanhado o pai a casa do exequente e ter visto que entregou dinheiro à sua mulher, mas não sabia para quê nem quanto.
AE) O Tribunal a quo devia ter tido em consideração que a testemunha DD é mulher do exequente e, como tal, valorar o seu depoimento enquanto tal, enquanto interessada em referir que ela própria não tinha rececionado o dinheiro. Já a testemunha EE apesar de ser filha dos opoentes ora recorrentes, não tem um interesse direto neste facto, pois a sua esfera patrimonial mantém-se inalterada com a entrega de 150,00€ pelos seus progenitores ao exequente ou à sua mulher. Tanto assim é que o mesmo presenciou o seu pai a entregar dinheiro à mulher do exequente e nem sequer questionou o seu pai sobre a quantidade e a razão para a entrega desse montante.
AF) Segundo a regra da experiência comum, mais nenhuma relação existia entre o exequente e a sua mulher, pelo que os contactos estabelecidos entre os recorrentes e o recorrido e a sua mulher eram unicamente no âmbito deste processo.
AG) O Tribunal a quo andou mal na ponderação deste facto e na avaliação da isenção e credibilidade das testemunhas e o depoimento da testemunha EE conjugado com a regra da experiência comum impunham a consideração deste facto como provado.
AH) Conforme já se alegou e se retira do relatório pericial, o imóvel encontra-se com a tinta a escamar em alguns sítios e pequenas fissuras.
AI) No entanto e conforme também se deverá retirar do relatório pericial, o aspeto geral é razoável, sendo normal e razoável a tinta estar a escamar e haver pequenas fissuras.
AL) Uma vez que não foi, no despacho saneador, fixada a base instrutória, devia ter sido dado como provado o facto: “H) A tinta a escamar e as fissuras visíveis nas paredes interiores e exteriores apresentam um aspeto razoável sendo normal aparecerem fissuras neste tipo de reparações”.
AJ) Afinal, o imóvel tinha 15 anos há data em que foi realizado o relatório pericial e em que os exequentes peticionavam o ressarcimento dos danos.
AK) O Tribunal a quo apenas teve em consideração o relatório pericial para dar como provado que a tinta da cave apresenta-se a escamar e que as paredes interiores e exteriores da casa apresentam fissuras visíveis. Mas já não teve em consideração que esse estado representava um aspeto razoável, sendo normal esse tipo de anomalias.

AM) Considerando este facto como provado, o Tribunal a quo faria uma interpretação correta do relatório pericial, em conformidade com os artigos 389º do C. Civil e 489 do C. P. Civil, o que não aconteceu, tendo ocorrido, por parte do Tribunal a quo violação dos citados normativos legais”.


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Notificado, o Exequente apresentou resposta, tendo formulado com as seguintes conclusões:

“Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos A) a E):

“1. Não pode a alegação da passagem do tempo fundamentar a nulidade, desproporcionalidade e inconstitucionalidade que vêm alegadas, uma vez que foram os Recorrentes quem, desde o início, “travaram” o exercício do direito do Recorrido a ver os seus defeitos de obra corrigidos.

2. Valorizar o decurso do tempo em favor dos Recorrentes seria premiar a sua postura dilatória e de constantes movimentações processuais para “atrasar” o que sabem ser um direito do Recorrido.

3. Incorrem numa mera conclusão quando alegam que o prédio objecto dos autos necessita de uma manutenção mais profunda de que necessitaria há 11 anos atrás, uma vez que os prédios não estão a ceder e a fissurar durante toda a sua existência, mas é algo que estruturalmente sucede nos primeiros anos com a sedimentação das terras e da própria construção.

4. No ano em que foi feito o relatório pericial, 15 anos depois da construção do prédio, já o mesmo “tinha dado” todos os sinais de possível fissuração.

5. Os Recorrentes alegam em sede de recurso ter feito as reparações em 2007 (cfr. ponto 8 do recurso), que não fizeram, conforme ficou provado, pois caso as tivessem feito não existiria a degradação que vêm alegar.

6. Há uma clara contradição nas alegações do Recorrido que, quando convém, alega os 15 aos de duração da construção para justificar fissuras em 2012, mas alega também a realização de reparações dessas fissuras em 2007.

- Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos F) a O):

7. Os Recorrentes incorrem num erro de interpretação processual, já que não se trata de uma acção de condenação, mas da oposição à execução, apresentada pelos ora Recorrentes, em que vêm alegar na sua oposição “no que toca ao sistema de exaustão o mesmo apresentava sujidade, que foi removida, estando a funcionar sem problemas”.

8. Tinha de ser dado como não provado, e aqui o Tribunal a quo também andou bem, “que os executados procederam à rectificação dos sistema de exaustão “, uma vez que não o fizeram, nem alegam tê-lo feito.

9.É a própria sentença que apresenta o fundamento para esta decisão quando refere “no que toca ao facto não provado 2, não obstante o relatório pericial dizer que o sistema de exaustão funciona, o mesmo não foi reparado pelos executados, mas sim por conta do exequente. Com efeito, a testemunha DD, já mencionada, referiu que o sistema não ficou a funcionar e a testemunha FF, genro do exequente, que embora tivesse demonstrado pouco conhecimento sobre a situação dos autos, de forma espontânea e credível, referiu que o sistema de exaustão teve de ser reparado por um eletricista, ao que tudo indica tratar-se da testemunha GG”.

10. O Tribunal a quo especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e não padece a mesma do vício que os Recorrentes lhe imputam.

- Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos P) a S) e X) a Y):

11. Veio no requerimento executivo o Recorrido dizer que os Recorrentes não executaram uma de duas caixas de visita e falta ainda a caixa de ligação ao saneamento.

12. Ora, a alegação dos Recorrentes na sua oposição à execução, quanto a esta matéria, limitou-se ao seguinte: “Construíram as caixas de visitas no projeto inicial e quando o imóvel foi adquirido pelo exequente, este aterrou o terreiro onde as caixas se encontravam, que deixaram de estar visíveis e acessíveis. Quando repararam a obra mostraram-lhe a localização das caixas e procederam ao alteamento da entrada das mesmas.” (cfr relatório da sentença).

13. São os Recorrentes quem veio alegar que construíram todas as caixas de visita, facto que não conseguiram provar, ou seja, não provaram que tivessem executado as caixas de visita na sua totalidade, bem como a ligação ao saneamento e por isso este facto teria sempre de ser dado como não provado.

14. Também não provaram que tivessem feito a ligação ao saneamento, já possível aquando da alegada intervenção dos Recorrentes em 2007 (ofício da Câmara Municipal que atesta que o saneamento passa na rua do Recorrido desde 2005).

- Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos T) a W) e AH) a AM):

15. Em momento algum se infere ou resulta do relatório pericial datado de 10 de Janeiro de 2012 que “este tipo de deterioração no imóvel resulta da idade do prédio”, conforme vêm os Recorrentes alegar.

16. Na verdade, na data do relatório pericial, apesar de o imóvel ter sido construído há 15 anos, teria sido alvo de uma alegada intervenção pelos Recorrentes, apenas há 4 e dois meses anos (em finais de 2007).

17. Essa intervenção teria consistido, nomeadamente, “na cave: Revestimento das paredes com impermeabilizante em pó e pintura dessas paredes; Paredes exteriores; Pintura geral com tinta hidrorrepelente à base de silicone” (cfr ponto B dos factos dados como provados).

18. Ou seja, decorridos cerca de 4 anos já o imóvel apresentava, na cave, tinta a escamar e fissuras nas paredes exteriores e nas paredes interiores.

19. Assim, julgando a oposição à execução improcedente e determinando o prosseguimento da execução que, de entre outras obrigações assumidas pelos Recorrentes, refere “- a eliminação das fissuras interiores e exteriores; - a pintura das paredes da cave” andou bem o Tribunal a quo.

- Nas conclusões, delimitadoras do recurso, nos pontos Z) a AG):

20. Consta do título executivo dado à execução, que “Concluídos os trabalhos, os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita.” (cfr cláusula sexta do ponto B) dos factos dados como provados).

21. Ora, esta transacção foi celebrada em Julho de 2007 e nessa data os Recorrentes reconheceram a obrigação de entregar a quantia de 150,00 € correspondente à construção de duas caixas de visita, sendo o título executivo é válido e eficaz e compõe para os Recorrentes uma obrigação, cujo cumprimento não se verificou.

22. Em momento algum da oposição à execução, foi trazida aos autos a questão do alegado enriquecimento sem causa que agora, extemporaneamente, se levanta.

23. Quanto à valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD e EE, não cumprem os Recorrentes, em sede de recurso, o ónus que sobre si impende, de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, omissão esta que deverá levar à imediata rejeição do recurso nesta parte, nos termos e para os efeitos no previsto na alínea b) do nº 1 e alínea a) do nº 2 do artigo 640º do CPC.”


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O recurso foi admitido por despacho de 13/11/2023.

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Após os vistos legais, cumpre decidir.

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II_ Questões a decidir:

Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Assim, perante as conclusões da alegação dos Recorrentes há que apreciar as seguintes questões:
i. Nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão de prosseguimento da execução para rectificação do sistema de exaustão  – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do  Código de Processo Civil.
ii. Nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil:
ii.1. por oposição entre a fundamentação e a decisão de prosseguimento da execução para rectificação do sistema de exaustão.
ii.2. por contradição entre o ponto 1 dos factos não provados [“os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento.”] e a decisão de prosseguimento da execução para “a construção de uma caixa de visita” e “a construção da caixa de ligação ao saneamento”.
iii. Nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil por não ter sido considerado que os danos que o imóvel apresenta – “a tinta a escamar em alguns sítios e pequenas fissuras” – são “adequados e razoáveis para o estado e idade do imóvel”.
iv. Impugnação da decisão da matéria de facto por referência:
iv.1. ao ponto 1 dos factos não provados [“os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento”]: deve ser eliminado e aditado aos factos provados a alínea G) com a seguinte redacção: “Os executados executaram duas caixas de visita”.
iv.2. ao ponto 3 dos factos não provados [“Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B”] : deve ser considerado provado.
iv.3. ao ponto H) a aditar aos factos provados: “A tinta a escamar e as fissuras visíveis nas paredes interiores e exteriores apresentam um aspeto razoável sendo normal aparecerem fissuras neste tipo de reparações”.
iv.4.  ao facto constante do ponto 2 dos factos não provados: “Os executados procederam à retificação do sistema de exaustão”
v. Da nulidade da sentença por não ter sido tomado em consideração o decurso do tempo.
vi. Da ausência de fundamento para prosseguimento da execução para rectificação do sistema de exaustão.
vii. A decisão que determinou o prosseguimento da execução é desproporcional e viola o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 266º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa”.
viii. Da relevância da data de instalação do sistema de exaustão.
ix. Do enriquecimento sem causa do Exequente com o prosseguimento da execução para pagamento da quanta de €150.


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III. Fundamentação de facto

Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos:

A) Foi dada à execução a sentença homologatória da transação celebrada entre as partes no âmbito do processo 113/2002 do 3º Juízo do então Tribunal Judicial de Águeda.
B) São os seguintes os termos da transação:

“Cláusula primeira

Os réus obrigam-se a proceder às seguintes obras na casa de habitação que venderam ao autor, melhor identificada na petição inicial:

Na cave: Revestimento das paredes com impermeabilizante em pó e pintura dessas paredes.

No rés-do-chão e 1º andar: Desinfeção de todas as paredes interiores e tetos com produto anti fungos, reparação de fissuras e pintura com tinta plástica. Na casa de banho do primeiro andar: Substituição do revestimento cerâmico, por se encontrar danificado,

Na laje de cobertura: Varrer e colocação de isolamento projetado.

Paredes exteriores; Pintura geral com tinta hidrorrepelente à base de silicone.

Chaminé do fogão de sala: Cobertura em lã de rocha e pladur, colocação de tijolos novos na base e no seu interior.

Na cozinha: Retificação do sistema de exaustão.

No exterior: Reparação geral do passeio em volta da casa e construção de um patim com cerca de 1,10m com mosaico igual ou semelhante ao da entrada; colocação de 2 caixas de visita para águas pluviais; colocação em funcionamento das caixas de visita das águas residuais que ligam a uma quarta para futura ligação à rede pública (com cota que permita a ligação) junto da fossa. As caixas de visita deverão ter tampas amovíveis.

Cláusula segunda

Os réus garantem a boa qualidade das obras mencionadas na cláusula precedente por um período de dois anos a contar da data em que forem executadas, assumindo a responsabilidade pela eliminação dos vícios que se venham a verificar.

Cláusula terceira

Tais obras deverão ser iniciadas pelos réus entre os dias 10 e 15 de Setembro de 2007, com a duração prevista de cem dias, responsabilizando-se os réus pelo pagamento ao autor de €50,00 por cada dia de atraso.

§ único - Exceptua-se da obrigação indemnizatória prevista no corpo desta cláusula a eventualidade de a obra não estar concluída no prazo previsto pelo facto de as condições climatéricas não permitirem a execução das obras exteriores.

Cláusula quarta

Mais se comprometem os réus a entregar ao autor toda a documentação necessária à obtenção da licença de utilização.

Cláusula quinta

Efectuadas que sejam as obras atrás mencionadas, considera o autor devidamente satisfeitas as suas reclamações.

Cláusula sexta

Concluídos os trabalhos, os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita.

(…).”
C) A tinta da cave apresenta-se a escamar.

D)  As paredes interiores e exteriores da casa apresentam fissuras visíveis.

E) Na sessão de julgamento de 19.11.2013, realizada nos presentes autos, foi celebrada transação nos seguintes termos:

“1) - Os executados comprometem-se a fornecer em 60 dias os seguintes elementos:

- Certificado de gás mais teste de segurança;

- Avaliação acústica;

- Declaração do técnico de obra em que a mesma cumpre o estipulado no Decreto

Lei 26/2010 de 30/3, artº 63º, nº1, à data do termo de obra;

- Termo de responsabilidade de execução do ITED;

- Inquérito Q4 do INE;

- O livro de obra, que neste acto, foi entregue ao executado.

(…).”

F) Não obstante o exequente ter-se oposto à transação, nos termos previstos no artigo 301/3 do Código de Processo Civil, os executados procederam à entrega da documentação referenciada em E), com exceção do certificado de gás e teste de segurança.


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Factos Não Provados:

1 – Os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento.

2 – Os executados procederam à retificação do sistema de exaustão.

3 – Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B).

4 – As obras a que se refere a transação dada à execução foram concluídas e aceites em 12.11.2007.


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IV_ Fundamentação de Direito

1ª Questão:  nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão de prosseguimento da execução para rectificação do sistema de exaustão  – artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do  Código de Processo Civil [alíneas G), H), J), K) L e M) das conclusões]

Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil por “falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito” que justificam a decisão que determinou “o prosseguimento da execução para retificação do sistema de exaustão”, sustentando que “o relatório pericial impõe uma decisão diversa pois refere que o sistema de exaustão actualmente funciona”, facto que o Tribunal a quo reconhece.

Invocam, ainda, os Recorrentes que não consta da sentença “o que é necessário rectificarno sistema de exaustão, não se encontra “fundamentada essa necessidade” [alínea K das conclusões] e “não se concebe como podem os recorrentes retificar a exaustão que se encontra a funcionar”.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 615.º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil que “É nula a sentença quando [n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Só ocorre falta de fundamentação de facto e de direito da decisão judicial quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial. A errada, incompleta ou insuficiente fundamentação não integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

Ensinava o Professor Alberto dos Reis[5], “O que a lei comina de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocricidade da motivação é espécie diferente; afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”.

Em anotação ao artigo 615º do Código de Processo Civil, referem António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[6], “é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito ou que se caracterize pela sua ininteligibilidade (quanto a um caso de fundamentação inintelegível ou imperceptível, previsões  que a jurisprudência tem vindo a interpretar de forma uniforme, de modo a incluir apenas a absoluta falta de fundamentação e não a fundamentação alegadamente insuficiente e ainda menos o putativo desacerto da decisão (STJ 10-5-21, 3701/18, STJ 9-9-20, 1533.17, STJ 20-11-19, 62/07, STJ 2-6-16, 781/11)”.

Salvo o devido respeito, existe equívoco dos Recorrentes na abordagem da questão porquanto, as nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos da mesma, não se confundindo com erros de julgamento. Da leitura da sentença resulta, de forma manifesta, que da mesma constam os fundamentos de facto e de direito e só a falta absoluta desses elementos é que gera a nulidade invocada.

Assim, sem prejuízo da apreciação da questão em sede de erro de julgamento, improcede a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC.

2ª Questão

2.1_ Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil. [alíneas N) e O) das conclusões]

Sustentam que constando da fundamentação que o sistema de exaustão se encontra a funcionar,  não pode a execução prosseguir para a sua rectificação, concluído que existe oposição entre a decisão e a fundamentação.

Dispõe o artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil que “É nula a sentença quando [o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

Afigura-se-nos existir equívoco dos Recorrentes porquanto, o vício apontado só se verifica quando a fundamentação de facto e de direito da sentença proferida apontam num certo sentido e na parte dispositiva surge um sentido que, de todo, não se coaduna com as premissas, sendo irrelevante para o efeito, o que consta da motivação da decisão da matéria de facto.

Analisada a sentença recorrida, a parte dispositiva mostra-se em consonância, quer com a fundamentação factual, quer com a subsunção jurídica.

Improcede, assim, a nulidade com fundamento no disposto no artigo 615º, nº1, alínea c), do CPC.

2.2_ Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil com fundamento na contradição entre o ponto 1 dos factos não provados [“os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento.”] e a decisão de prosseguimento da execução para “a construção de uma caixa de visita” e “a construção da caixa de ligação ao saneamento”.

Sustentam que:
a. Consta do facto n.º 1 dos factos dados como não provados que “os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento.”
b. No entanto, no dispositivo, apenas consta o prosseguimento da execução para “a construção de uma caixa de visita” e “a construção da caixa de ligação ao saneamento”.

Concluem que existe aqui uma contradição entre os factos dados como não provados e o dispositivo, o que configura uma nulidade, por violação do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

Não assiste razão aos Recorrentes porquanto, a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se o mesmo não existisse e, consequentemente, não existe qualquer contradição entre esse facto e a parte dispositiva da sentença.

Improcede, assim, a alegada nulidade da sentença, com fundamento na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC.

Invocam, ainda, os Recorrentes  [alíneas X) e Y) das conclusões] a contradição entre o que consta no ponto 1 dos factos não provados [“os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento.”] e a fundamentação,  por o Tribunal ter considerado o teor do Relatório Pericial constando deste que “se encontra por executar a caixa final que liga o saneamento e ainda outra na junção dos ramais, assim como a ligação ao saneamento”.

Poder-se-á entender que os Recorrentes enunciam, de forma não explicita, a nulidade da sentença com fundamento na alínea c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil. Ainda que assim seja, não lhes assiste razão pois, conforme já referido, o regime das nulidades destina-se a remover aspectos de ordem formal que inquinem a decisão, ou seja, trata-se de vícios que afectam a regularidade do silogismo judiciário) da peça processual que é a decisão, nada tendo a ver com erros de julgamento (errores in iudicando), seja em matéria de facto seja em matéria de direito. Os Recorrentes discordam da decisão de facto e pretendem que seja eliminado dos factos não provados o facto “os executados executaram as duas caixas de visita”, pelo que apreciar-se-á esta pretensão recursória em sede de impugnação da decisão da matéria de facto.

3ª Questão

Invocam os Recorrentes a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615.º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil por não ter sido considerado que os danos que o imóvel apresenta – “a tinta a escamar em alguns sítios e pequenas fissuras” – são “adequados e razoáveis para o estado e idade do imóvel”.

Sustentam que ao determinar o prosseguimento da execução para a realização de obras sem considerar a idade do imóvel e o seu estado de deterioração decorrente do decurso do tempo, a sentença encontra-se ferida de nulidade por omissão de pronúncia, violando o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C..

Verifica-se o vício da omissão de pronúncia (art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C.), quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso.

Conforme ensinava o Professor Alberto dos Reis, “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[7].

Como refere o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 8/5/2019[8], proferido no processo nº 211/09.9GACSC-A.L2-3:

“A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito e não quanto a todo e qualquer argumento aduzido.
O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (a não ser aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras), todavia, mas, como vem sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

Transpondo tais princípios para os presentes autos, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões que foram suscitadas pelas partes nos articulados, pedido, causa de pedir e excepções invocadas, pelo que não enferma de nulidade a sentença recorrida. Salvo o devido respeito, a afirmação conclusiva de que os danos que o imóvel apresenta se mostram “adequados e razoáveis para o estado e idade do imóvel” é irrelevante para o mérito dos autos considerando que o objecto do litígio respeita ao cumprimento/não cumprimento/cumprimento defeituoso das obrigações assumidas pelos Executados.

Improcede, assim, a nulidade invocada.

4ª Questão

Insurgem-se os Recorrentes com a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo por referência aos seguintes factos:
i. Facto ínsito no ponto 1 dos factos não provados [“os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento”]: deve ser eliminado e aditado aos factos provados a alínea G) com a seguinte redacção: “Os executados executaram duas caixas de visita”.
ii. Facto ínsito no ponto 3 dos factos não provados [“Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B”] : deve ser carreado para os factos provados.
iii. Facto a aditar aos factos provados: “A tinta a escamar e as fissuras visíveis nas paredes interiores e exteriores apresentam um aspeto razoável sendo normal aparecerem fissuras neste tipo de reparações”

Procederemos, então, à análise e apreciação de cada ponto, individualizadamente.

i. Ponto 1 dos factos não provados [“os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento”]: deve ser eliminado e aditado aos factos provados a alínea G) com a seguinte redacção: “Os executados executaram duas caixas de visita”.

Invocam os Recorrentes que do Relatório Pericial junto aos autos, datado de 10 de Janeiro de 2012, decorre que “os executados procederam à construção de caixas de visita”. Com fundamento no relatório pericial junto aos autos e nos esclarecimentos prestados em 9 de Maio de 2012 [meio de prova indicado na motivação e não nas conclusões], pretendem a eliminação do ponto 1 dos factos não provados e o aditamento aos factos provados que “Os executados executaram duas caixas de visita”.

Cumpre apreciar e decidir.

No que tange ao facto constante do ponto 1 dos factos não provados, o Tribunal a quo formou a sua convicção com base no Relatório Pericial. Analisado esse elemento, bem como os esclarecimentos prestados pelo Senhor Perito, em 9 de Maio de 2012, concorda-se com o Tribunal a quo

No Relatório Pericial, a resposta do Senhor Perito, ao quesito “se falta executar uma caixa de visita em obra”, foi “sim, a caixa final que liga ao saneamento e ainda outra na junção dos ramais”. A resposta ao quesito “se falta executar a ligação ao saneamento”, foi “sim, falta a ligação ao saneamento”.[negrito nosso]

Nos esclarecimentos prestados, em 9 de Maio, o Senhor Perito, ao quesito A - “Foram construídas 2 caixas de visita de águas pluviais?”, respondeu “Sim, existem várias caixas de visita de águas pluviais”. Ao quesito B – “As caixas de visita das águas residuais que ligam a uma quarta para futura ligação à rede pública (com quota que permita ligação) junto da fossa foram colocadas em funcionamento aquando da realização dos trabalhos?”, o Senhor Perito respondeu “As caixas de visita de águas residuais estão em funcionamento”. O facto de existirem várias caixas de visita construídas não permite extrair a conclusão que todas se mostram construídas e, nessa medida, o esclarecimento prestado não contraria a resposta anteriormente dada. Assim, da articulação entre as respostas que constam do relatório pericial e os esclarecimentos posteriormente prestados resulta que se mostram construídas várias caixas de visita de aguas pluviais mas, permanecem por construir a caixa final que liga ao saneamento e a caixa na junção dos ramais.

Pelo exposto, concorda-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à inclusão, nos factos não provados que “os executados executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento” (estando, no entanto, o objecto da acção executiva limitado à construção apenas de uma caixa face à pretensão deduzida pelo Exequente, no requerimento executivo).

Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.

ii. Ponto 3 dos factos não provados [“Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B”]: deve ser julgado provado.

Invocam os Recorrentes que no ponto 3 dos factos não provados foi incorrectamente dado como não provado com fundamento no título executivo e do qual consta “os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita”.

Tendo o executado construído várias caixas, não pode prosseguir a execução para pagamento da quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita, “quando o próprio as construiu”.

Simultaneamente, advogam que se encontra demonstrado o pagamento da quantia de €150, ao Exequente, com fundamento no depoimento prestado pela testemunha EE. Discordam da valoração da prova testemunhal efectuada pelo Tribunal a quo porquanto, no seu entender, não merece credibilidade o depoimento prestado pela testemunha DD, cônjuge do Exequente e, consequentemente, titular de interesse no desfecho da presente oposição à execução.  Pelo contrário, merece credibilidade o depoimento prestado pela testemunha EE porquanto, presenciou o facto e apesar de ser filho dos Executados, ora recorrentes, não tem interesse directo “pois a sua esfera patrimonial mantém-se inalterada com a entrega de 150,00€ pelos seus progenitores ao exequente ou à sua mulher”. Concluem que ponderada a isenção das testemunhas, a inexistência de qualquer outra relação negocial entre recorrentes e recorrido e a sua mulher e as regras da experiência, o facto constante do ponto 3 dos factos não provados deve transitar para os factos provados.

Por referência ao facto não provado que consta do ponto 3, consta da decisão recorrida “a testemunha DD negou ter recebido a quantia de 150,00€ a que se refere a transação, sendo certo que nenhuma das testemunhas presenciou a entrega de tal montante, em concreto ao exequente ou à sua mulher.  A testemunha EE, filho dos opoentes, referiu ter acompanhado o pai a casa do exequente e ter visto que entregou dinheiro à sua mulher, mas não sabia para quê nem quanto.”

Ora, a emoção própria de quem intervém directamente num litígio e o interesse individual num determinado sentido da decisão constituem circunstâncias que podem colocar em crise a fidedignidade do depoimento da testemunha. Seja por erro de percepção ou de memorização ou ainda intencionalmente por se entender que daí possa resultar benefício próprio ou para pessoa amiga ou familiar, acontecem relatos díspares e mesmo absolutamente contraditórios dos mesmos tempos e espaços da história.

Porém, é da conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante que se confere credibilidade a determinados elementos de prova.

Além desses, o Tribunal a quo dispõe de outros factores como a comunicação gestual, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira.

Assim, não é a mera circunstância de o tribunal se deparar com depoimentos prestados por testemunhas que tenham uma relação de família ou relações menos afáveis com uma das partes que, por si só, deve conduzir à não atribuição de credibilidade ao depoimento prestado[9].

Dispõe o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que tange à especificação dos meios probatórios, dispõe o artigo 640º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil que «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” .

No que tange aos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, os Recorrentes, embora fundamentem as suas pretensões recursórias no depoimento prestado pela testemunha EE e na falta de isenção do depoimento da testemunha DD, insurgindo-se com a decisão do Tribunal a quo por assim não ter valorado, não indicou as passagens da gravação referentes a tais depoimentos que considera relevantes, nem transcreveu tais excertos.

Assim, não se mostra cumprido o ónus imposto pelo artigo 640º, nº1, alínea c), e nº2, do Código de Processo Civil, pelo que se rejeita a impugnação da decisão da matéria de facto, nesta parte.

Advogam, ainda, os Recorrentes que o facto (Os executados procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação indicada no facto provado B) “foi incorretamente dado como não provado, pois consta do título executivo que «os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita». Tendo construído várias caixas de visita de águas pluviais, não pode prosseguir a acção executiva para pagamento da quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita, quando o próprio as construiu.

Salvo o devido respeito, das cláusulas constantes da transacção não resulta que a quantia de €150 respeite ao pagamento de qualquer obra executada pelos Executados pois, consta da Cláusula Sexta, “Concluídos os trabalhos, os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita”.

Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto provada.


iii. Aditamento do ponto H) aos factos provados, com o seguinte teor: “A tinta a escamar e as fissuras visíveis nas paredes interiores e exteriores apresentam um aspeto razoável sendo normal aparecerem fissuras neste tipo de reparações”

Insurgem-se os Recorrentes com a decisão proferida pelo Tribunal a quo por não ter tomado em consideração o relatório pericial para dar como provado o estado em que se encontrava o imóvel. Refere, ainda, que “uma vez que não foi, no despacho saneador, fixada a base instrutória, devia ter sido dado como provado o facto “A tinta a escamar e as fissuras visíveis nas paredes interiores e exteriores apresentam um aspeto razoável sendo normal aparecerem fissuras neste tipo de reparações”.

Invocam, ainda, a violação do disposto no artigo 389º do Código Civil que dispõe “A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal” e no artigo 489º do Código de Processo Civil.

De acordo com o previsto no nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.

O Tribunal ad quem deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que existe matéria de facto alegada pelas partes, essencial à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas e que não foi conhecida pelo tribunal recorrido. Além de tais factos, articulados pelas partes, são ainda considerados pelo Tribunal os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Pretendem os Recorrentes aditar, à decisão da matéria de facto, um facto conclusivo que não se mostra alegado, nos embargos – cfr. artigo 5º, nº1, do CPC - devendo sê-lo, por se tratar de facto impeditivo. Resultando da instrução da causa, ainda que se considerasse tratar-se de facto complementar dos alegados pelas partes, não podia o mesmo  ser tomado em consideração pelo Tribunal  ad quem  por não se mostrar cumprido o exercício do contraditório (artigo 2º, alínea b) do artigo 5º).

Por último, o cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não pode ter-se por observado com a referência genérica ao “aspecto razoável” e se é “considerado normal o aparecimento de fissuras”.

Pelo exposto, improcede a impugnação da decisão da matéria de facto.


iv. Facto constante do ponto 2 dos factos não provados [“Os executados procederam à retificação do sistema de exaustão”]
Poder-se-á entender que nos pontos F), H) e J), os Recorrentes enunciam a impugnação da decisão da matéria de facto quanto ao ponto 2 dos factos não provados por considerarem que “o Relatório Pericial (…) impõe uma decisão diversa, pois refere que o sistema de exaustão atualmente funciona”. Não especificaram os Recorrentes qual a decisão, que, no seu entender, deve ser proferida, quanto ao alegado facto, nomeadamente se a matéria de facto com a redacção constante do ponto 2 dos factos não provados deve ser simplesmente carreada para os factos provados.
Ainda que assim se entenda, a falta de cumprimento, por parte dos Recorrentes, do ónus imposto na alínea c) do nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, impõe a rejeição do recurso nesta parte.

5ª Questão

Insurgem-se os Recorrentes com a sentença proferida por o Tribunal a quo não ter tomado em consideração o decurso do tempo, colocando nos executados um ónus e um encargo muito maior do que colocaria onze anos antes”, concluindo que a sentença é nula.

Da leitura articulada da motivação e das conclusões resulta a discordância, por parte dos Recorrentes, da decisão sobre a matéria de facto e da interpretação e aplicação do direito.

Salvo o devido respeito, tais fundamentos não constituem causa de nulidade da sentença.

Improcede, assim, o recurso, nesta parte.

6ª Questão
Dissentem os Recorrentes do prosseguimento da execução para “procederem à rectificação do sistema de exaustão”  alegando que  “não se concebe como podem os recorrentes retificar [o sistema de]  exaustão que se encontra a funcionar”, nem consta da sentença  “o que é necessário retificar, nem se fundamenta essa necessidade”.

Salvo o devido respeito, não assiste razão aos Recorrentes.
Como refere o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 9/10/2018 [10], “[A] relevância especial dos títulos executivos que resultam da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo o que permite dispensar a prévia indagação sobre se existe ou não o direito de crédito que consubstancia e faz presumir a existência e exigibilidade da obrigação exequenda. O título constitui condição da acção executiva e a prova legal da existência do direito nas suas vertentes fáctico-jurídicas. (…). Efectivamente a obrigação exequenda tem de constar no título o qual, como documento que é, prova a existência de tal obrigação...”.
No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 12/11/2013, proferido no processo n.º 3381/12.0TJCBR.C1[11], “o título há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda”, ou seja,  “deve, por si só, revelar,  com um grau de razoável segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo, isto sem prejuízo da possibilidade do executado fazer prova de que, apesar do título, a dívida não existe - ou porque a obrigação, apesar da aparência, nunca se chegou a constituir, ou porque se extinguiu ou modificou, assim contrariando a aparência do direito que resulta do título”.

A execução à qual os presentes autos se encontram apensos tem como título executivo a sentença homologatória da transacção celebrada entre as partes e da qual consta, entre outras, a seguinte cláusula:

Cláusula primeira:

Os réus obrigam-se a proceder às seguintes obras na casa de habitação que venderam ao

autor, melhor identificada na petição inicial:



Na cozinha: Retificação do sistema de exaustão…”.

Assim, a obrigação de rectificação do sistema de exaustão resulta da transacção homologada.

Em segundo lugar, por referência à obrigação de rectificação do sistema de exaustão, da decisão recorrida pode ler-se:

a. “Sobre o opoente recai o ónus da prova, nos termos do disposto no art.º 342.º, n.º 2. do C.C., dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que, através da oposição adianta contra o exequente”;

b. “Pelo exequente, foi alegado, em sede de requerimento executivo, que relativamente aos termos da transacção, os Executados «não retificaram o sistema de exaustão»”;

c. Nesta acção, os Executados “não lograram provar o cumprimento integral dos termos da transação dada à execução, designadamente a execução das obras apontadas pelo exequente, no requerimento executivo, que se encontram por realizar”.

Não consta dos factos provados que os Executados tenham procedido à rectificação do sistema de exaustão.

Em suma, a obrigação dos Executados decorre do título executivo, obrigação que impende sobre os Recorrentes desde 2007. Pese embora tenham alegado o cumprimento de todas as obrigações decorrentes da transacção, não lograram demonstrar essa realidade, sendo sobre si que recai o ónus de prova, não tendo igualmente demonstrado que o sistema de exaustão não necessita de ser rectificado, significando “rectificar” fazer uma correcção, tornar exacto, corrigir, melhorar o desempenho do equipamento.

Pelo exposto, improcede o recurso nesta parte.

7ª Questão
Insurgem-se os Recorrentes com a sentença proferida que adjectivam de “desproporcional” e, consequentemente, inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18.º, n.º 2, e 266, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa, por o Tribunal a quo ter determinado, em Julho de 2023, o prosseguimento da execução para eliminação das fissuras interiores e exteriores e pintura das paredes da cave, baseando a sua convicção quanto aos danos num relatório pericial, datado de 2012.
Advogam que “[n]ão pode ser exigível aos executados a pintura e a eliminação das fissuras 26 anos depois da construção do imóvel, onze anos depois da constituição da obrigação e do relatório pericial”, sendo “muito mais custoso (…) do que seria onze anos antes, pois o imóvel estará mais degradado face ao passar do tempo”.
Concluem que o Tribunal a quo “não teve em conta o decurso do tempo, colocando nos executados um ónus e um encargo muito maior do que colocaria onze anos antes”.
Cumpre apreciar e decidir.
A execução à qual se encontram apensos os presentes autos tem como título executivo a sentença homologatória da transacção celebrada entre Exequente e Executados, proferida em 25/7/2007[12].
Consta dessa transacção que “Os réus obrigam-se a proceder às seguintes obras na casa de habitação que venderam ao autor, melhor identificada na petição inicial:
Na cave: Revestimento das paredes com impermeabilizante em pó e pintura dessas paredes.
No rés-do-chão e 1º andar: Desinfeção de todas as paredes interiores e tetos com produto anti fungos, reparação de fissuras e pintura com tinta plástica. Na casa de banho do primeiro andar: Substituição do revestimento cerâmico, por se encontrar danificado.
Na laje de cobertura: Varrer e colocação de isolamento projetado.
Paredes exteriores; Pintura geral com tinta hidrorrepelente à base de silicone.
Chaminé do fogão de sala: Cobertura em lã de rocha e pladur, colocação de tijolos novos na base e no seu interior.
Na cozinha: Retificação do sistema de exaustão.
No exterior: Reparação geral do passeio em volta da casa e construção de um patim com cerca de 1,10m com mosaico igual ou semelhante ao da entrada; colocação de 2 caixas de visita para águas pluviais; colocação em funcionamento das caixas de visita das águas residuais que ligam a uma quarta para futura ligação à rede pública (com cota que permita a ligação) junto da fossa. As caixas de visita deverão ter tampas amovíveis”.
Da cláusula segunda consta Os réus garantem a boa qualidade das obras mencionadas na cláusula precedente por um período de dois anos a contar da data em que forem executadas, assumindo a responsabilidade pela eliminação dos vícios que se venham a verificar”, tendo as partes acordado que “Tais obras deverão ser iniciadas pelos réus entre os dias 10 e 15 de Setembro de 2007, com a duração prevista de cem dias…”.
O Exequente instaurou, em 14/12/2009, a acção executiva para prestação de facto contra os Executados, sendo o título executivo a sentença, transitada em julgado, que homologou o acordo celebrado entre ambos.

Consta do requerimento executivo que:
i. “do que se comprometeram, os Executados não executaram uma das duas caixas de visita e falta ainda caixa de ligação ao saneamento, não rectificaram o sistema de exaustão, não entregaram a documentação necessária à obtenção da licença de utilização e não pagaram os €150,00 que ficaram acordados”;
ii. “quanto ao demais que foi feito, verifica-se que a cave apresenta os mesmos problemas que apresentava antes de ser novamente pintada. Ou seja, a tinta encontra-se novamente a escamar e pode-se verificar humidade um pouco por toda a cave. As paredes da casa voltaram a revelar fissuras, demonstrando que o alegado tratamento que levou não resolveu o problema de tais fissuras, pese embora os Executados tenham garantido que era a solução. As fissuras são visíveis quer no interior quer no exterior da habitação. É assim necessário resolver o problema da fissuração da casa uma vez que este será necessariamente uma fonte de humidade”.

Consta, ainda, do requerimento executivo que os Executados não executaram as obras dentro do prazo que lhes foi concedido, não o tendo feito até à presente data.
Da matéria de facto provada resulta que “A tinta da cave apresenta-se a escamar” e “As paredes interiores e exteriores da casa apresentam fissuras visíveis”, não tendo os Executados logrado demonstrar que: executaram as duas caixas de visita e a caixa de ligação ao saneamento;  procederam à retificação do sistema de exaustão; procederam ao pagamento dos 150,00€ previstos na transação; e as obras a que se refere a transacção se encontrem concluídas e aceites em 12.11.2007. 
Este é o quadro fáctico dos presentes autos.
A transação encontra-se regulada no Código Civil, no Título “dos contratos em especial”, e definida como “o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, concessões essas que poderão envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido” – cfr. art.º 1248º do CC [13].
Assim, a transação está sujeita às regras gerais dos contratos.
É permitida às partes a livre fixação do conteúdo dos contratos, os quais, uma vez firmados, devem ser pontualmente cumpridos – cfr. artigos 405º e 406º nº 1 do CC.
Nos termos do artigo 397º do Código Civil, a obrigação consiste num vínculo jurídico entre duas ou mais pessoas por efeitos do qual se constitui um direito à prestação e o correspondente dever à prestação virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, deve ser realizada não só no tempo convencionado, mas, também, realizada integralmente.
No cumprimento da obrigação, assim, como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé, ou seja, devem agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte.
O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objectivas de comportamento: de correcção, honestidade e lealdade.
Transpondo tais princípios para os presentes autos, verifica-se que os Executados, no ano de 2007, assumiram a obrigação de realizar determinadas obras, com início “entre os dias 10 e 15 de Setembro de 2007, com a duração prevista de cem dias”  e, em Janeiro de 2012, data do relatório pericial, ainda não se encontravam concluídas as obras: além de não terem rectificado o sistema de exaustão, não construíram a totalidade das caixas de visita para águas pluviais, mencionadas na primeira cláusula da  transacção, nem executaram a ligação ao saneamento.
Consta da cláusula segunda que “Os réus garantem a boa qualidade das obras mencionadas na cláusula precedente por um período de dois anos[14] a contar da data em que forem executadas, assumindo a responsabilidade pela eliminação dos vícios que se venham a verificar”.  Sucede que  “a tinta da cave apresenta-se a escamar” e “as paredes interiores e exteriores da casa apresentam fissuras visíveis”.
Em suma, os Executados encontram-se vinculados a uma prestação desde 2007 que não cumpriram integralmente, motivando a propositura da acção executiva por parte do Exequente, em 2009, no âmbito da qual foram notificados. Em 2023, ainda não se mostra cumprida a obrigação.
Cumprimento defeituoso verifica-se quando há uma discrepância entre o “ser” e o “dever ser”; corresponde a uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada, de acordo com o conteúdo do programa obrigacional, sendo, portanto sinónimo de cumprimento inexacto ou imperfeito. Uma das várias hipóteses desse cumprimento inexacto verifica-se sempre que a prestação seja de qualidade diversa da que era devida, sendo que a qualidade defeituosa da prestação pode ter a haver com a conduta ou com o objecto, ocorrendo a primeira situação, em regra, nas prestações de facto.
No caso, a “tinta da cave apresenta-se a escamar” e “as paredes interiores e exteriores da casa apresentam fissuras visíveis”, pelo que a prestação não corresponde qualitativamente ao que era devido, tratando-se, pois, de cumprimento defeituoso.
Nos termos do nº1 do artigo 804º do Código Civil, “a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”, dispondo o nº 2 “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil, relativo à «Presunção de culpa e apreciação desta», incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
A mora do devedor concebida como ilícito obrigacional que se presume culposo, logo atribuível ao devedor, faz recair sobre este o ónus de produzir prova com vista a demonstrar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua.
Em suma, em consequência do não cumprimento por parte dos Executados, o Exequente, titular do direito à prestação à qual aqueles se encontram vinculados, ainda não viu satisfeito o seu direito.
Como refere o Exequente/Recorrido, “[v]alorizar o decurso do tempo em favor dos Recorrentes seria premiar a sua postura dilatória …”. "Agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da outra parte, é não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar”.[15]
Olvidam os Executados que a sua conduta permitiu que o Exequente, credor da prestação, que confiava ver satisfeito o seu direito, no prazo de cem dias a contar de 10/15 de Setembro de 2007, no ano de 2023, ou seja, decorridos quinze anos, ainda conviva com os defeitos dos trabalhos realizados. É importante não esquecer que face ao quadro fáctico provado, o não cumprimento da obrigação não é imputável ao Exequente. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, o que não sucedeu, até ao momento, por culpa imputável aos Executados.
Advogam os Recorrentes que “Não pode ser exigível aos executados a pintura e a eliminação das fissuras 26 anos depois da construção do imóvel, onze anos depois da constituição da obrigação e do relatório pericial”. A questão é precisamente essa: a constituição da obrigação ocorreu em 2007 e, até ao momento, os Executados não executaram a prestação à qual se vincularam, por causa que lhes é imputável.
Pelo exposto, não é de ter por desproporcional/desequilibrada a sentença proferida pelo Tribunal a quo ao determinar o prosseguimento da execução para “a eliminação das fissuras interiores e exteriores e a pintura das paredes da cave”, nem é inconstitucional com fundamento na violação do disposto no nº2 do artigo 18º e no nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa.
Nos termos do nº2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, dispondo o artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, no seu nº2, “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.
A decisão proferida pelo Tribunal a quo não restringe qualquer direito, liberdade ou garantia da esfera dos Executados e mostra-se justa e adequada à situação de não cumprimento/cumprimento defeituoso de uma obrigação constituída no ano de 2007, não se encontrando demonstrado que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso dessa obrigação não procede de culpa sua.
A acolher-se a posição dos Executados significaria beneficiá-los com o protelamento do cumprimento defeituoso da prestação à qual se vincularam em detrimento do credor.
Improcede, assim, o recurso, nesta parte.

8ª Questão

Insurgem-se os Executados com o prosseguimento da acção executiva para rectificar o sistema de exaustão por o Tribunal a quo não ter ponderado o facto de o “sistema de exaustão ter sido instalado na moradia do exequente em 1997” e de ser “natural que passado 15 anos, na data do relatório pericial, em 2012, possa ser melhorado”.

A obrigação de rectificar o sistema de exaustão foi constituída em 2007 e devia ter sido cumprida no prazo de cem dias com início em 10/15 de Setembro de 2007. Neste quadro fáctico, mostra-se irrelevante a data de instalação do sistema de exaustão e os danos decorrentes do não cumprimento da obrigação no prazo fixado, recaem sobre a responsabilidade dos Executados pois, presume-se a sua culpa na falta de cumprimento.

Pelo exposto na apreciação da questão anterior e sem necessidade de mais considerandos, improcede o recurso, nesta parte.

9ª Questão
Insurgem-se os Recorrentes com o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de €150,00.
Sustentam que tendo o Executado “construído várias caixas de visita de águas pluviais e caixas de visita de águas residuais”, o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de €150,00 “correspondente à construção de duas caixas de visita, quando o próprio [o executado] as construiu”, consubstancia enriquecimento sem causa do Exequente.
A determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, é com recurso aos critérios fixados nos arts. 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1 do CC, regras estas aplicáveis à transacção.
Estabelece o nº1 do artigo 236º do Código Civil que “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”, estipulando o nº2 queSempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
O citado preceito veio consagrar «uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista». Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, «O sentido decisivo da declaração negocial  é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante” (nº2)»[16].

Na interpretação do sentido da declaração, deve tomar-se em consideração as circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta e o comportamento das partes.

Ensina Mota Pinto que, uma vez que o código não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias a considerar para a interpretação, “...serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo teria tomado em conta”. [17]

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[18], a “normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.

Na interpretação do clausulado, importa ainda ter em conta o estabelecido no artigo 238º, nº1, do Código Civil, nos termos do qual “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, excepto se “esse sentido (… ) corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade” (artigo 238º, nº2).

Finalmente, importa ter presente o estabelecido no artigo 239º do Código Civil: “Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.”

Assim, os princípios essenciais a ter em consideração nesta matéria são os seguintes:

- A declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário - artº 236, nº2, do Código Civil;

- Não o sendo, valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (teoria da impressão do destinatário) - artº 236, nº1, do Código Civil;

- Nos negócios formais, o sentido atribuído pelo “declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento;

- O sentido sem correspondência mínima no texto poderá ainda valer se traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem e essa validade - artigo 238º, nº2, do Código Civil.

No caso dos autos, não se conhece a vontade real dos declarantes aquando da fixação dos termos do acordo.

O acordo foi celebrado no âmbito de uma acção declarativa, estando as partes representadas por Mandatário.

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, a cláusula sexta “Concluídos os trabalhos, os réus obrigam-se a pagar ao autor a quantia de €150,00 correspondente à construção de duas caixas de visita”,  não permite concluir que essa quantia respeita às duas caixas de visita mencionadas na  cláusula primeira e cuja construção foi assumida pelos Executados ou a quaisquer outras caixas que tenham sido construídas pelos Executados.

Um declaratório normal, colocado na posição dos Executados, interpretaria a referida cláusula contratual no sentido que lhe foi conferido pelo Exequente, ou seja, que além da construção das duas caixas de visita de águas pluviais, os Executados assumiram a obrigação de pagar a quantia de €150,00. Só assim se compreende o prazo fixado para o cumprimento desta obrigação (“Concluídos os trabalhos…). Igual conclusão se extrai da cláusula terceira na qual foi previsto o não cumprimento das obrigações assumidas no prazo estipulado.

Invocam os Executados que tendo “construído várias caixas de visita de águas pluviais e caixas de visita de águas residuais” e “prosseguir a execução para pagamento dos 150,00€ correspondente à construção de duas caixas de visita, quando o próprio as construiu”, consubstanciaria enriquecimento sem causa para o exequente.

Conforme referido pelo Exequente, trata-se de uma questão que não foi abordada nos articulados, nem  foi objecto de apreciação na sentença recorrida, pelo que estamos perante uma questão nova.

Escreve Abrantes Geraldes[19],  “A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas.

Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas seja de conhecimento oficioso…”.

Não sendo de conhecimento oficioso, este Tribunal da Relação não irá conhecer da questão suscitada pelos Executados.


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Em suma, não colhem as conclusões dos Apelantes, havendo, por isso, de ser mantida a sentença recorrida.
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Custas

Atento o disposto no art. 527º, n.º 1, do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

As custas são da responsabilidade dos Recorrentes, face à total improcedência do recurso interposto.


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IV-Decisão

Pelos fundamentos acima expostos, julga-se o presente recurso totalmente improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas da apelação pelos Recorrentes (artigo 527.º, nº 1, do Código de Processo Civil).


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Sumário:

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Porto, 8/4/2024
Anabela Morais
Fátima Andrade
Manuel Domingos Fernandes
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[1] A transacção e a sentença homologatória encontra-se junta ao processo executivo por requerimento de 17/6/2011.
[2] Consta da acta que as parte chegaram a acordo nos seguintes termos:
1) - Os executados comprometem-se a fornecer em 60 dias os seguintes elementos:
- Certificado de gás mais teste de segurança;
- Avaliação acústica;
- Declaração do técnico de obra em que a mesma cumpre o estipulado no Decreto-Lei 26/2010 de 30/3, artº 63º, nº1, à data do termo de obra;
- Termo de responsabilidade de execução do ITED;
- Inquérito Q4 do INE;
- O livro de obra, que neste acto, foi entregue ao executado.
2) - No caso de mora ou incumprimento pelos executados ficam estes obrigados a indemnizar o exequente em mil euros.
3) - Na presente transacção colocam termo ao processo e ao litígio.
4) - Custas eventualmente em dívida a juízo em partes iguais pelos executados e pelo exequente, prescindindo ambos de custas de parte”.
[3] Trata-se de manifesto lapso a referência, nesse segmento, ao Exequente, pelo que se procedeu à sua rectificação.
[4] Trata-se de manifesto lapso a referência, nesse segmento, ao Exequente, pelo que se procedeu à sua rectificação.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1952, vol. V, Pág. 141.
[6] Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 2022, 3ª ed., vol. I, Pág. 793.
[7] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Vol., Coimbra Editora, 2012, p. 143.
[8] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8/5/2019, proferido no processo nº 211/09.9GACSC-A.L2-3, acessível em www.dgsi.pt
[9]Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26/4/2017, proferido no Processo nº 18591/15.0T8SNT.L1-7, acessível em dgsi.pt: “[D]esde há muito que se enfatiza que o interesse da testemunha na causa não é fundamento de inabilidade, devendo apenas ser ponderado como um dos fatores a ter em conta na valoração do testemunho. Assim, «Nada impede assim que o juiz forme a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha interessada (até inclusivamente com base nesse depoimento) desde que, ponderando o mesmo com a sua experiência e bom senso, conclua pela credibilidade da testemunha.»”.
[10] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9/10/2018, proferido no processo n.º 154/17.7T8ALD.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[11] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/11/2013, proferido no processo n.º 3381/12.0TJCBR.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Certidão junta ao processo executivo, com o requerimento de 14/12/2009.
[13] Sobre a natureza jurídica da transacção judicial, escreveu o Professor Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, pág. 534: «Que natureza tem a sentença a que nos estamos referindo? É uma sentença de pura homologação do acto da parte ou das partes. O juiz não conhece do mérito da causa, não se pronuncia sobre a relação substancial em litígio; limita-se a verificar a validade do acto praticado pelo autor, pelo réu ou por ambos os litigantes”.
[14] Foi julgada improcedente a excepção de caducidade do direito do Exequente, tendo a sentença transitado em julgado, nessa parte.
[15] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/7/1998, documento nº SJ199807090005161, acessível em www.dgsi.pt
[16] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Coimbra Editora, 4ª ed. revista e actualizada, pág. 223.
[17] Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra Editora, 3ª edição actualizada, 1994, pág. 450.
[18] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Coimbra Editora, Vol. I, 4ª ed. revista e actualizada, pág. 223.
[19] Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil”, Almedina, 7ª ed. actualizada, pág. 140.