Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
155/23.6T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUÍSA LOUREIRO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
CUSTO DA CONSTRUÇÃO
Nº do Documento: RP20251023155/23.6T8VLG.P1
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito da aplicação do critério estabelecido no art. 26.º, n.º 5, do Cód. das Expropriações, a consideração dos valores decorrentes da aplicação da Portaria n.º 65/2019, de 17/04, alterada pela Portaria n.º 281/2021, de 03/12, em detrimento da consideração (efetuada no relatório pericial maioritário) dos preços previstos na Portaria n.º 353/2013, de 04/12, atualizados até ao ano de 2022, não configura, sem mais, uma questão eminentemente técnica da área de conhecimento especializado dos peritos, antes respeitando à interpretação e aplicação jurídicas da norma enunciada no referido art. 26.º, n.º 5, do Cód. das Expropriações, nomeadamente, quanto à determinação da legislação que estabelece os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
II - A aplicação pela decisão recorrida dos valores fixados pela Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, nos moldes efetuados no relatório maioritário, pressupunha que do mesmo constasse a justificação do recurso a tais valores, em detrimento dos valores resultantes da aplicação da legislação vigente à data da DUP que prevê “os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada” – no caso, a referida Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro –, em moldes de permitir aferir do acerto de tal consideração, designadamente, no âmbito da aplicação do disposto no n.º 5 do art. 23.º do Cód. das Expropriações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 155/23.6T8VLG.P1

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Sumário:

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

No processo de expropriação em que é expropriante Município ... e expropriados AA, BB e CC, DD e EE, foi, a pedido da Câmara Municipal ..., por despacho de 11 de janeiro de 2022 do Sr. Secretário de Estado da Descentralização e da Administração Local, declarada a utilidade pública da expropriação com caráter de urgência e autorizada a tomada de posse administrativa da parcela n.º ..., com a área de 7193 m2, a destacar do prédio rústico inscrito a matriz sob o artigo ... que integra o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia e concelho de Valongo, destinada à execução da obra «...», no Município ..., conforme Declaração (extrato) n.º 16/2022, publicado no DR II Série, Parte C, n.º 16, de 24/01/2022.

Em 24-03-2022 foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam (Auto datado de 07-06-2022).

Em 14-07-2022 a entidade expropriante tomou posse administrativa da referida parcela, conforme Auto de Posse junto aos autos.

Por acórdão de 24-11-2022 os árbitros, por unanimidade, atribuíram como justa indemnização pela expropriação da parcela à data da DUP, o valor de € 600.975,00, considerando a área da parcela de 7,193 m2 e o valor de € 83,55/m2.

Por despacho de 19-01-2023 (ref. 444093158) foi adjudicada à entidade expropriante, a propriedade da parcela expropriada (parcela de terreno com a área de 7.193,00m2, correspondente ao prédio sito na Freguesia e Município ..., com a área constante da matriz de 7.229,90m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...).

A entidade expropriante interpôs recurso do acórdão arbitral, defendendo a fixação da justa indemnização pela expropriação da parcela no valor de € 304.623,99.

Os expropriados interpuseram igualmente recurso do acórdão arbitral, defendendo a fixação da justa indemnização pela expropriação da parcela no valor de € 805.772,36 (incluindo indemnização pela desvalorização da parcela sobrante, requerendo a expropriação total).

Em 01-07-2023 foi retificado o despacho de adjudicação, consignando-se que «(…) a adjudicação a que se refere o despacho de 19/01/2023, tem por objeto: Parcela de terreno com a área de 7.193,00m2, a destacar do prédio sito na Freguesia e Município ..., com a área constante da matriz de 7.229,90m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ....».

Foi realizada avaliação pericial colegial, tendo no relatório pericial junto aos autos em 18-04-2024:

– os peritos nomeados pelo Tribunal e o indicado pela expropriante avaliado em € 453.806,37 a indemnização referente à parcela expropriada, considerando a área de 7.193,00 m2 e o valor de € 63,09/m2, e em € 456.134,39 a indemnização, considerando o mesmo valor de € 63,09/m2 e a área de 7.229,90 m2 do prédio de onde é destacada a parcela expropriada;

– o perito indicado pelos expropriados avaliado em € 815.182,69 a indemnização referente à parcela expropriada, considerando a área de 7.193,00 m2 e o valor de € 113,33/m2.

Após alegações das partes, foi proferida em 07-04-2025 sentença que decidiu nos seguintes termos:

I - Fixar em € 565.362,44 (quinhentos e sessenta e cinco mil, trezentos e sessenta e dois euros e quarenta e quatro cêntimos) a indemnização pela expropriação da parcela ...;

II - Indeferir o pedido de expropriação total.


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O montante referido é a atualizar nos termos do disposto no artigo 24º, nº 1, do Código das Expropriações.

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Custas na proporção dos respetivos decaimentos (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), fixando o valor da causa em € 501.148,37 (artigo 38º, nº 2 al. b) do CE).

Inconformada, a expropriante apelou desta decisão, concluindo, no essencial:

«(…)

3.º - A Os Senhores Peritos maioritários, tal como já o tinham feito os Senhores Árbitros, consideraram, de acordo com o seu juízo especializado, que a utilização dos valores constantes da Portaria n.º 315/2013 [1], de 4 de dezembro, que fixou, para vigorar no ano de 2014, os preços da habitação por metro quadrado, consoante as zonas do País, para efeitos de cálculo da renda condicionada, com os valores devidamente atualizados à data da DUP, para o cálculo do custo da construção, era a solução que permitia alcançar o valor real e corrente do bem numa situação normal de mercado, não existindo fundamento válido para que o Tribunal a quo se tivesse afastado deste entendimento.

4º - Ao adotar a Portaria n.º 65/2019, de 17 de abril, na redação atualmente em vigor, que procedeu à revisão do regime da habitação de custos controlados, a sentença a quo padece de erro de julgamento, dado que esta Portaria não tem o mesmo objeto da Portaria utilizada pelos Senhores Peritos maioritário, nem procede à sua atualização.

5º - Estando perante uma questão técnica e que envolve um mercado do qual os Senhores Peritos são muito mais conhecedores do que o Tribunal a quo, devia a Meritíssima Juíza ter seguido o parecer dos peritos maioritários, nos quais estão incluídos os peritos indicados pelo Tribunal, que são garante da maior objetividade e imparcialidade. (…)

7º - Por se estar perante prova pericial, que comporta juízos eminentemente técnicos, o Tribunal apenas deve afastar o juízo dos peritos em caso de erro manifesto destes, o que não é o caso dos presentes autos.

8º - Mantendo-se os restantes parâmetros da avaliação, a mera alteração do custo de construção promovido pela Meritíssima Juíza implicou um aumento do valor da indemnização de € 111.556,07, o que corresponde a um acréscimo de quase 25% do valor da indemnização proposta pelos Senhores Peritos maioritários, em violação do princípio da justa indemnização.

9º - O valor do m2 para o cálculo da indemnização de € 78,59 adotado na sentença a quo é manifestamente elevado e desajustado face ao valor de mercado, que os Senhores Peritos maioritários tinham fixado em € 63,09.

10º - As condições da parcela, desde logo a existência de uma linha de água cujo leito e margem do curso de água, integrada nos recursos hídricos, numa faixa com área com 1.840m2, que impede a construção nessa área, a orografia do terreno e a frente reduzida face à via pública, constituem condicionantes ao aproveitamento do terreno, o que reduz o seu valor de mercado e tornam desajustada a indemnização fixada, por desproporcional. (…)

12º - A decisão de utilização do custo de construção de € 930,62/m2 resulta de uma interpretação inconstitucional dos n.º 5 do art.º 23.º e n.º 5 do art.º 26.º do CE, por violação do princípio da proporcionalidade, contido no n.º 2 do art.º 18.º e da justa indemnização, previsto no n.º 2 do art.º 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, na medida em que utilizou um critério de avaliação que tem como consequência a fixação de uma indemnização que não está ajustada ao valor da justa indemnização, não correspondendo ao valor real e de mercado do bem expropriado, sendo muito superior ao montante que os peritos maioritários consideraram, sendo a um valor desadequado e sem racionalidade. (…)

14º - O valor de € 565,362,44 fixado na sentença a quo para a indemnização pela parcela expropriada não corresponde ao valor real e corrente do bem a expropriar, numa situação normal de mercado e atendendo ao seu destino efetivo possível numa utilização económica normal, como demonstraram os Senhores Peritos maioritários.

15.º - A sentença a quo violou os n.ºs 1 e 5 do art.º 23.º, o art.º 24.º, e o n.º 5 do art.º 26.º todos do CE; o art.º 413.º do CPC; o n.º 2 do art.º 18.º e o n.º 2 do art.º 62.º da CRP.»

Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Objeto do recurso:

Sendo as conclusões das alegações de recurso que – exceto quanto a questões de conhecimento oficioso – delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil, cumpre apreciar se existe (ou não) erro de julgamento da decisão recorrida na consideração dos valores da Portaria n.º 65/2019, de 17 de abril, para o cálculo do custo de construção a considerar na determinação do valor da indemnização.

Acresce a responsabilidade quanto a custas.

III – Fundamentação:

A apreciação do mérito do recurso implica que se tenha em consideração a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, que se passa a elencar.

Factos provados

1. Por despacho de 11 de janeiro de 2022, a pedido da Câmara Municipal ..., foi declarada a utilidade pública da expropriação com caráter de urgência e autorizada a tomada de posse administrativa da parcela n.º ..., com a área de 7193 m2, a destacar do prédio rústico inscrito a matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., da freguesia e concelho de Valongo, destinada à execução da obra «...», no Município ..., conforme Declaração (extrato) nº 16/2022, publicado no DR II Série, Parte C, nº 16, de 24/01/2022.

2. Em 24/03/2022, foi realizada vistoria ad perpetuam rei memoriam e, em 06/06/2022, apresentado o respetivo relatório.

3. Em 14/07/2022, foi elaborado auto de posse administrativa da parcela expropriada.

4. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Valongo, sob o nº ..., da Freguesia de Valongo, o prédio misto composto de casa do rés-do-chão e andar, dependência e quintal e terra de cultura e vinha, com área coberta da casa de 132 m2; da dependência de 96 m2; do quintal de 100 m2 e da terra de cultura e vinha de 7.229 m2, inscrita na matriz urbana sob o artigo ... e rústico ....

5. Pela Ap. ... de ... foi registada a aquisição do prédio identificado em 4, a favor de AA, viúva; BB, casado com CC sob o regime da comunhão de adquiridos e DD, casada com EE sob o regime da comunhão de adquiridos; em comum e sem determinação de parte ou direito, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de FF.

6. De acordo com o PDM de Valongo à data da DUP, o prédio e a parcela inserem-se em solo urbano, na categoria de Espaços de Uso Especial.

7. A totalidade da parcela integra-se em área de interesse paisagístico e parte dela em zona de proteção do imóvel de interesse público arquitetónico e arqueológico V.04 Igreja Matriz ....

8. Conforme a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela situa-se na freguesia de Valongo e confronta a norte com o artigo urbano ... dos expropriados, a sul com Rua ..., a nascente com cemitério paroquial e poente com GG, HH e II.

9. De acordo com a caderneta predial o artigo rústico nº ... tem a área total de terreno de 7.229,90 m2 e a descrição Quinta ... – Cultura e vinha.

10. À data da v.a.p.r.m. a parcela era constituída por terrenos agrícolas e cultura de vinha em ramada, sendo o seu estado atual de abandono em termos de culturas, encontrava-se coberta por vegetação natural de crescimento espontâneo com predominância para ervas e silvas.

11. A parcela a expropriar tem configuração próxima de retangular, desenvolve-se a poente do atual cemitério, com um comprimento e largura aproximados de 90 m de 80 m, respetivamente.

12. Desenvolve-se essencialmente em três planos separados por muros de suporte de terras executados em pedras de xisto colocadas a seco.

13. A parcela é vedada a norte por muro em pedra de granito com juntas argamassadas na sua confrontação com o terreno onde se encontra construção pertencente à Paróquia, pela construção destinada a anexo dos proprietários e não tinha qualquer tipo de divisão física numa extensão de cerca de 28 metros desde a construção mencionada até ao limite poente.

14. Na sua confrontação poente e sul a parcela é limitada por muros de suporte de terras, executados em pedras de xisto, colocadas a seco.

15. Na sua confrontação nascente, a parcela confronta com muro do atual cemitério executado em bloco de cimento com 1,20 m de altura.

16. O acesso à parcela é feito através de prédio urbano a norte da parcela e através do caminho existente a sul não pavimentado e com cerca de 4 m de largura e sem infraestruturas.

17. A parcela é atravessada por uma linha de água no sentido sul – norte/nascente.

18. A parcela confronta a sul com a Rua ..., com as seguintes infraestruturas: acesso rodoviário principal, com pavimentação a betuminoso; existência de passeios; com rede de abastecimento de água; com rede de saneamento; com rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão e iluminação pública; com drenagem de águas pluviais; sem rede de gás; com rede telefónica.

19. Existiam na parcela: construção a sul, encostada ao muro que serve de suporte à Rua ..., com duas divisões, uma destinada a gado bovino e outra destinada a arrumos, com as dimensões aproximadas de 4,5 m de largura por 10 me de comprimento e 3 m de altura; uma antiga construção de galinheiro, tomada pela vegetação, com 4 me por 3m e altura de 2,5 m; construção a sul usada anteriormente para curtir peles de animais e guarda de alfaias agrícolas, com 12 m por 6 m e altura em 4 m.

20. Existia um poço e um tanque.

21. E ainda 5 laranjeiras, 1 limoeiro; 2 sobreiros; 2 acácias e 7 macieiras.

22. A zona onde se insere o prédio e parcela é uma zona urbana central na Cidade de Valongo, junto à ..., em que a parcela confronta com a Rua ....

23. A envolvente é constituída por um misto de habitação e comércio/serviços, maioritariamente habitação unifamiliar de rés-do-chão e andar. Existem ainda alguns terrenos onde é praticada agricultura em pequena escala.

24. Nas proximidades existem acessos viários, com proximidade à EN ... e distando cerca de 800 me do nó de acesso à ....

25. Na envolvente existem equipamentos públicos, nomeadamente hospital, Tribunal, escolas, centro de saúde, bem como hipermercados e outros estabelecimentos comerciais proximidade.

26. A zona é servida por linhas de transportes públicos rodoviários.

27. A cércea dominante num raio de 300 m é de dois pisos.

28. A cota na extrema norte junto à construção existente é de 158 m e a cota na extrema sul à entrada existente da parcela é de 165 m.

29. A parcela confronta com a Rua ... em cerca de 30 m e com o caminho de acesso a sul em cerca de 30 m.

30. Na parcela existe um leito e margem de curso de água, integrada nos recursos hídricos, numa faixa de 1840 m2.

Análise dos factos e aplicação da lei

1. Fundamentos do recurso

A única questão suscitada no recurso respeita à discordância da apelante quanto à consideração, na decisão recorrida, no âmbito da aplicação do critério do n.º 5 do art. 26.º do CE (não havendo discordância nem impugnação relativamente à aplicação deste n,º 5 do art. 26.º do Cód. das Expropriações), do valor de custo de construção (área bruta de construção) de € 930,65/m2, por ter o tribunal a quo entendido aplicar a Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro (regulamentação da habitação a custos controlados) em vez de ter considerado o valor de € 830,03/m2 (área útil), correspondente a um custo de construção (área bruta de construção) de € 747,03/m2, adotado no relatório pericial maioritário, obtido mediante a aplicação do valor base do m2 de construção fixado pela Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, atualizado até ao ano da DUP – 2022.

Fundamenta a apelante a pretendida existência de erro de julgamento da decisão recorrida na adoção do referido valor de custo de construção nos seguintes argumentos:

a) diferentemente do afirmado pelo tribunal a quo, a Portaria n.º 65/2019, de 17 de abril, não atualiza os valores constantes da Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, sendo esta Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro a que é comummente utilizada nos processos de expropriação, antes tratando-se de portarias com diferente objeto;

b) a opção pelos valores decorrentes da aplicação da Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, atualizados até à data da DUP, constitui uma questão eminentemente técnica, exigindo conhecimentos especializados que o tribunal não possui, tendo os Srs. peritos maioritários fundamentado a adoção da mesma por considerarem ser tal valor resultante da sua aplicação o que permite a obtenção do valor real e corrente do imóvel;

c) não obstante o princípio da livre apreciação da prova, estando em causa “uma questão técnica e que envolve um mercado do qual os peritos são mais conhecedores do que o Tribunal a quo”, deveria ter sido seguido o parecer dos peritos maioritário, uma vez que, estando em causa prova pericial, o tribunal apenas se pode afastar do juízo dos peritos em caso de erro manifesto, que não se verifica;

d) a adoção na decisão recorrida do valor de custo de construção de € 930,62/m2 [2] em detrimento do custo defendido pelos Srs. peritos subscritores do relatório maioritário (e que também foi o considerado pelos Srs. árbitros) acarreta um aumento do valor da indemnização de € 453.806,37, que os senhores peritos subscritores do relatório maioritário consideraram ser a do valor de mercado do bem expropriado, para o valor de € 565.362,44 fixado na decisão recorrida, ou seja, um aumento de cerca de 25% sem que na decisão recorrida se aponte a existência de erro grosseiro dos peritos na sua avaliação, acarretando tal aumento exponencial uma indemnização injusta e desproporcional, para mais considerando o apurado nos pontos 17 e 30 e a diferença de cotas do terreno, com uma altimetria muito irregular e a confrontação com a via pública através de frente bastante estreita para a Rua ..., acarretando a decisão recorrida uma interpretação inconstitucional do n.º 5 do art.º 23.º do CE, por violação do princípio da proporcionalidade, contido no n.º 2 do art.º 18.º e da justa indemnização, prevista no n.º 2 do art.º 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, na medida em que utilizou um critério de avaliação que tem como consequência a fixação de uma indemnização que não está ajustada ao valor da justa indemnização, como não corresponde ao valor real e de mercado do bem expropriado, sendo muito superior ao montante que os peritos maioritários consideraram.

2. Fundamentação da decisão recorrida

O tribunal a quo fundamentou nos seguintes termos a sua decisão de atender, no âmbito da aplicação do critério estabelecido no art. 26.º, n.º 5, do Cód. das Expropriações, ao previsto na Portaria n.º 65/2019, de 17/04, alterada pela Portaria n.º 281/2021, de 03/12, que veio rever o regime de habitação de custos controlados (como foi feito pelo perito indicado pelos expropriados, no relatório minoritário), em detrimento da consideração, efetuada pelos peritos subscritores do relatório maioritário, dos preços previstos na Portaria n.º 353/2013, de 04/12, atualizados até ao ano de 2022:

«(…) No que respeita ao custo de construção, dispõe o citado nº 5 do artigo 26º do CE que “na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.”

Na decisão arbitral foi atendido um valor de € 833,10 conforme a Portaria 353/2013, de 04/12, de 4/12, com a devida atualização para vigorar no ano de 2022, para a zona I que, engloba Valongo.

No laudo maioritário considerou-se para 2022 que o valor era de € 830,03, também pela Portaria nº 353/2013.

Por sua vez, o perito dos expropriados optou pela Portaria mais recente, concretamente, a Portaria nº 65/2019, de 19/02.

De acordo com os artigos 8º e 9º do Anexo a que se refere o artigo 5º da Portaria nº 281/2021, de 03/12, que alterou a Portaria nº 65/2019, de 19/02, a qual, por sua vez, procedeu à revisão do regime de habitação de custos controlados, o custo de promoção calcula-se de acordo com a seguinte fórmula:

“8.º O CP por metro quadrado de área bruta das habitações de custos controlados nos termos da presente portaria é calculado de acordo com a seguinte fórmula:

CP = CS * 1,30 * CR * CO + VT * CT VT = (CL * 270 - 230) * CA/100, com o valor mínimo de 40

em que:

CS - é o custo de referência por metro quadrado de área bruta estabelecido de acordo com o n.º 9.º;

CR - é o coeficiente regional, sendo igual a 1 para empreendimentos situados no Continente e 1,20 para empreendimentos situados nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores;

CO - é o coeficiente operacional, sendo fixado entre 1 e 1,12, pelo IHRU, I. P., caso a caso, de acordo com critérios definidos por despacho do membro do Governo responsável pela área da habitação;

VT - é o valor do terreno;

CT - é o coeficiente relativo à titularidade do terreno, sendo 1 no caso de terreno em propriedade plena, ou, no caso de terreno em direito de superfície, variável entre 0 e 0,8, conforme definido nas alíneas f), g) e h) do artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, na redação atual;

CL - é o coeficiente de localização definido no artigo 42.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, na redação atual;

CA - é o coeficiente de atualização do valor do terreno, sendo igual ao Índice de Preços da Habitação para Portugal, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística.

9.º O CS é atualizado mensalmente com base no índice de custo de construção de habitação nova, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística, correspondendo a base 100 a 670 euros.”

No caso, o senhor perito dos expropriados procede a este cálculo e considera um valor de € 960,53 por metro quadrado.

Resta, então, determinar se se deve optar pelos preços previstos na Portaria nº 353/2013, atualizando-os, ou se se deve atender ao diploma mais recente, concretamente a Portaria nº 65/2019, de 17/04, alterada pela Portaria nº 281/2021, de 03/12, que veio rever o regime de habitação de custos controlados.

Com efeito, podemos ler no preâmbulo desta última que “a experiência entretanto colhida com a aplicação das referidas portarias, a significativa evolução do setor da habitação e a necessidade de adequar os parâmetros nelas estabelecidos à realidade apontam para uma clara necessidade de atualização.”

E de acordo com o artigo 1º da referida Portaria, são considerados como habitação de custos controlados os seguintes imóveis:

a) As habitações e as unidades residenciais que sejam construídas ou reabilitadas com apoio do Estado, que obedeçam aos limites de área e de preços de venda ou de renda estabelecidos nos termos da presente portaria; e

b) As habitações construídas ou reabilitadas para arrendamento acessível nos termos do Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio, na sua redação atual, incluindo os programas referidos no artigo 23.º desse diploma, e que cumpram os requisitos previstos nos artigos 15.º-A a 16.º-A da presente portaria; e

c) As habitações construídas ou reabilitadas para arrendamento acessível com recurso à linha de financiamento prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro.

Salvo o devido respeito por outro entendimento, consideramos que assiste razão ao senhor perito dos expropriados ao atender à Portaria mais recente e não à Portaria nº 353/2013, ainda que atualizando os preços.

Com efeito, no preâmbulo da Portaria nº 65/2019 alude-se à necessidade de atualização dos valores devido à significativa evolução do setor da habitação.

Ora, se essa necessidade justificou a publicação da Portaria nº 65/2019, também no âmbito da indemnização pela expropriação – que se pretende justa e atual – se deve levar em linha de conta essa evolução do setor da habitação e, assim, optar pela Portaria mais recente, cuja publicação se encontra mais próxima da data da DUP.

Por essa razão, iremos atender à Portaria nº 65/2019.

Assim, o custo de promoção (CP) será igual a CS * 1,30 * CR * CO + VT * CT

Por sua vez, o VT = (CL * 270 - 230) * CA/100, com o valor mínimo de 40.

CS - é o custo de referência por metro quadrado de área bruta estabelecido de acordo com o n.º 9.º - é atualizado mensalmente com base no índice de custo de construção de habitação nova, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística, correspondendo a base 100 a 670 euros. No mês de janeiro de 2022 (data da DUP), o índice total (materiais e mão-de-obra) era € 104,58 (https://www.gee.gov.pt/pt/indicadores-diarios/ultimos-indicadores/34191-indice-de-custo-de-construcao-de-habitacao-nova-ine). Portanto o CS é igual a € 700,686 (1,0458*670) – neste tocante o senhor perito dos expropriados atendeu a € 104,53, mas no quadro de cálculo menciona o índice para agosto de 2023 e não janeiro de 2022, pelo que iremos atender ao valor referente à data da DUP.

Por sua vez, o CR no continente é igual a 1.

O CO é o coeficiente operacional, sendo fixado entre 1 e 1,12, pelo IHRU, I. P., caso a caso, de acordo com critérios definidos por despacho do membro do Governo responsável pela área da habitação. No caso, o Despacho nº 6417/2019, de 16/07, que estabelece os critérios para fixar o coeficiente operacional, sendo que o Nível de Qualidade é um dos critérios para determinação deste coeficiente e, para efeitos do seu apuramento, o IHRU, I. P. estabeleceu o método de cálculo disponível em https://www.portaldahabitacao.pt/habitacao-a-custos-controlados, de acordo com o qual o senhor perito dos expropriados alcançou o valor de 1,055, o qual se aceita, tanto mais que é um valor intermédio entre o mínimo de 1 e o máximo de 1,12.

Já o VT (valor do terreno) = (CL* 270 - 230) * CA/100, com o valor mínimo de 40.

Em que CL é o coeficiente de localização definido no artigo 42º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro na redação atual. Os valores do coeficiente de localização podem ser consultados no SIGIMI (https://zonamentopf.portaldasfinancas.gov.pt/simulador/default.jsp), neste caso, para a localização da parcela é igual a 1.

E CA é o coeficiente de atualização do valor do terreno, sendo igual ao Índice de Preços da Habitação para Portugal, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0009201&contexto=bd&selTab=tab2). Para o primeiro trimestre de 2022, foi de 182,64 (o senhor perito dos expropriados utilizou novamente o índice de custo de construção de habitação nova, divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística, mas cremos que deverá ser atendido o critério previsto na lei, ou seja, o Índice de Preços da Habitação para Portugal e não da habitação construção de habitação nova).

Pelo que o VT = (1*270-230)*182,62/100. Ou seja, VT é de 73,056.

O CT é o coeficiente relativo à titularidade do terreno, sendo 1 no caso de terreno em propriedade plena, ou, no caso de terreno em direito de superfície, variável entre 0 e 0,8, conforme definido nas alíneas f), g) e h) do artigo 13º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, na redação atual.

Assim, o CP = 700,686*1,30*1*1,055 + 73,056*1. Ou seja, o CP é de € 1.034,05 (o senhor perito dos expropriados considera que a mediana dos valores dos custos de construção cumprindo o disposto no regime de Habitação a Custos Controlados (HCC) foi de 1.105€/m2 de área bruta de construção, para o ano de 2022 e que este valor acompanha o valor previsto para os custos de construção obtidos para o processo expropriativo em estudo).

Todavia, este valor reporta-se à área útil de construção.

Na decisão arbitral foi considerado um fator de conversão em área bruta de 0,85.

Já no laudo maioritário considerou-se um fator de 0.9 (1,0-0.1).

E no laudo minoritário não se considerou qualquer valor.

Todavia, atendendo a que os custos de construção a que se refere o artigo 26º, nº 5 do CE, constituem um referencial e que os custos obtidos dizem respeito a área útil (ou seja, a soma apenas dos espaços habitáveis, incluindo vestíbulos, circulações interiores, instalações sanitárias, arrumos, outros compartimentos de função similar e armários nas paredes, e mede-se pelo perímetro interior das paredes que limitam o fogo, descontando encalços até 30cm, paredes interiores, divisórias e conduta – cfr. artigo 67º, nº 2, al. b) do RGEU) e não área bruta (ou seja, superfície total do fogo, medida pelo perímetro exterior das paredes exteriores – cfr. artigo 67º, nº 2 al. a) do RGEU), entendemos que se justifica a conversão, pois o custo de construção não pode excluir a construção das paredes, interiores e exteriores, e demais espaços excluídos da área útil.

Porque não dispomos de quaisquer elementos que nos permitam discordar do fator utilizado pelos senhores peritos do Tribunal e da expropriante em detrimento do fator utilizado na decisão arbitral (sendo certo que não acompanhamos o laudo minoritário quanto à ausência do fator), será a este fator que iremos atender.

O custo de construção será, pois de € 930,65 (1.034,05*0,9). (…)».

3. Fundamentos da discordância da apelante

3.1. Questão eminentemente técnica

Defende a apelante que a aplicação, efetuada pelos Srs. Peritos subscritores do relatório maioritário, da Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, que fixou, para vigorar no ano de 2014, os preços da habitação por metro quadrado, consoante as zonas do País, para efeitos de cálculo da renda condicionada, com os valores devidamente atualizados à data da DUP, integra um juízo técnico de avaliação do terreno, tendo os Srs. peritos fundamentado sua decisão «(…) no âmbito do seu juízo estritamente técnico com a referência ao n.º 5 do art.º 23.º do CE, de que estavam particularmente conscientes e do qual resulta que:

Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do presente artigo, o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos artigos 26.º e seguintes deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.” (…)».

Com base em tal premissa, defende que, estando em causa um «(…) tema eminentemente técnico, exigindo especiais conhecimentos sobre o mercado imobiliário, impunha-se que que o Tribunal a quo tivesse dado particular relevo à posição dos senhores peritos maioritários, porque são peritos indicados pelo tribunal que apreciam e avaliam com maior objetividade e imparcialidade (…)» e que, «[n]ão obstante o princípio da livre apreciação da prova de que o juiz está dotado (…) [impunha-se] que, numa circunstância como esta, em que estamos perante uma questão técnica e que envolve um mercado do qual os peritos são mais conhecedores do que o Tribunal a quo, [o tribunal tivesse] seguido o parecer dos peritos maioritários.»

É inequívoco que, quer a consideração da Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro (relatório pericial maioritário), quer a consideração da Portaria n.º 65/2019, de 17/04, alterada pela Portaria n.º 281/2021, de 03/12 (relatório pericial minoritário), foram efetuadas no âmbito da aplicação do disposto no n.º 5 do art. 26.º do Cód. das Expropriações, que dispõe nos seguintes termos: “Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.

Remete esta norma – para consideração como mero referencial – para a legislação que fixa os valores do custo de construção no âmbito dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.

A Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, que fixou, para vigorar no ano de 2014, os preços da habitação por metro quadrado, consoante as zonas do País, para efeitos de cálculo da renda condicionada, foi publicada no âmbito da vigência do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro, que alterou o regime de renda condicionada constante do Decreto-Lei n.º 13/86, de 23 de janeiro (diploma que definia o regime jurídico dos contratos de arrendamento de renda condicionada, revogado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro).

Tal Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro, considerando o regime de renda condicionada previsto nos arts. 77.º, 79.º e 80.º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro e o regime transitório do art. 10.º do referido Decreto-Lei n.º 321-B/90, estabelecia no seu artigo 4.º (Preço da habitação por metro quadrado) o seguinte:

1 - O Governo, por portaria do Ministro do Equipamento Social, fixará, no mês de Outubro de cada ano, para vigorar no ano seguinte, os preços de construção da habitação por metro quadrado, para efeitos de cálculo da renda condicionada.

2 - Os valores referidos no número anterior serão fixados por zonas do País e aglomerados urbanos, tendo em conta os diferentes custos da construção e do solo.

A Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, foi a última Portaria publicada, uma vez que a Lei n.º 80/2014, de 19 de dezembro – que estabeleceu o novo regime de renda condicionada dos contratos de arrendamento para fim habitacional –, revogou o referido Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro, ao abrigo do qual eram publicadas anualmente as Portarias a fixarem os preços de construção da habitação por metro quadrado, para efeitos de cálculo da renda condicionada.

Daqui resulta que a partir da revogação do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro, cessou a fixação administrativa pelo Governo dos preços de construção da habitação por metro quadrado, para efeitos de cálculo da renda condicionada, até então feita mediante a publicação das Portarias referidas no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro.

Ou seja, no relatório pericial maioritário teve-se em consideração o preço de construção fixado para o ano de 2014, no âmbito de legislação reguladora do regime de renda condicionada revogada a partir de 1 de janeiro de 2015 (arts. 7.º e 8.º da Lei n.º 80/2014, de 19 de dezembro).

À data da DUP – janeiro de 2022 – encontrava-se em vigor a Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro. Esta Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, procedeu à revisão do regime de habitação de custos controlados, revogando a Portaria n.º 500/97, de 21 de julho (que estabelecia os conceitos e os parâmetros de área, custo de construção e valor máximos de venda das habitações de custos controlados) e a Portaria n.º 371/97, de 6 de junho (que, em parte, regulava os conceitos e os parâmetros aplicáveis às áreas não habitacionais funcionalmente complementares das habitações de custos controlados). Como é referido no seu preâmbulo, a revisão do regime de habitação de custos controlados pela referida Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, justifica-se pela «(…) clara necessidade de atualização (…)», decorrente da «(…) experiência entretanto colhida com a aplicação das referidas portarias [Portarias n.º 500/97, de 21 de julho e n.º 371/97, de 6 de junho], a significativa evolução do setor da habitação e a necessidade de adequar os parâmetros nelas estabelecidos à realidade (…)». De igual modo, o legislador justificou a necessidade da alteração operada pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro, considerando que desde a publicação da Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, «(…) não só se verificaram novas exigências ao nível do desempenho energético dos edifícios, como as consequências negativas da situação pandémica na economia global também foram sentidas no setor da construção, confrontado, entre outros efeitos, com notórias e rápidas variações dos preços dos materiais e, nessa medida, dos valores finais de promoção. Importa, desse modo, assegurar que o cálculo do custo de promoção da habitação de custos controlados é suficientemente flexível para absorver esse tipo de alterações. (…)» - cfr. preâmbulo da referida Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro.

Neste âmbito, estabeleceu o legislador os limites máximos do Custo de Promoção das habitações de custos controlados, nos termos dos seus arts. 7.º a 11.º, bem como o preço máximo de venda das habitações construídas ou reabilitadas nos termos da presente portaria (art. 12.º), o preço máximo de venda dos equipamentos complementares (art. 13.º), o preço máximo de venda dos espaços de comércio e serviços (art. 14.º), estabelecendo ainda o seu art. 15.º que «(…) As habitações construídas ou reabilitadas para arrendamento cujos limites de área e de custo de promoção sejam certificados nos termos da presente portaria estão sujeitas aos preços máximos de renda estabelecidos nos termos do Decreto-Lei n.º 68/2019, de 22 de maio [3], sendo, porém, o respetivo CP aplicado apenas à área construída ou reabilitada. (…)».

Determinando o n.º 5 do art. 26.º do Cód. das Expropriações que a determinação do custo de construção [4] se faça atendendo “como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada”, há que ter em consideração a legislação que fixa tais montantes vigente à data da DUP.

Está-se aqui perante uma interpretação e aplicação jurídicas desta disposição legal – na determinação da legislação que estabelece os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada – e não perante matéria de índole técnica da área de conhecimento especializado dos peritos.

Deste modo, não colhe a argumentação da apelante de que a opção pela aplicação dos valores fixados pela Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro – ainda que atualizados até à data da DUP –, constitui uma questão eminentemente técnica, exigindo conhecimentos especializados que o tribunal não possui. Está em causa a determinação da legislação que, na data da DUP, dispunha sobre os “montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.

Para se poder considerar, como referencial, os valores fixados pela Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, em detrimento dos valores resultantes da aplicação da legislação vigente à data da DUP que prevê “os montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada” – no caso, a referida Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro, que no âmbito da regulação do regime de habitação de custos controlados, estabelece os custos da construção no regime de habitação a custos controlados, designadamente, nos seus arts. 7.º a 11.º – era necessária (nomeadamente, no relatório maioritário) a justificação do afastamento da aplicação da legislação em vigor, pois só assim se poderia aferir do acerto de tal consideração no âmbito do disposto no n.º 5 do art. 23.º do Cód. das Expropriações.

Tal não foi feito, designadamente, no relatório maioritário.

Assim, não se estando aqui, nesta concreta apreciação, perante matéria do âmbito da esfera dos conhecimentos técnicos especializados dos Srs. Peritos, mas antes perante questão atinente à determinação da legislação que estabelece os “montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada”, está afastada a bondade das considerações expendidas na apelação quanto à valoração da prova pericial e ao princípio da livre apreciação da prova, por falhar o alvo.

Ainda que assim não fosse, dado que o relatório maioritário não justifica porque razão afasta a ponderação do referencial dado pela legislação vigente, antes recorrendo a legislação já revogada, sempre seria de concluir pela ocorrência de um erro do relatório maioritário na determinação do referencial considerado no âmbito do critério previsto no n.º 5 do art. 26.º do Cód. das Expropriações – a justificar e legitimar a adoção, pelo tribunal a quo, dos valores referenciais decorrentes da aplicação da Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021.

4. Erro da decisão recorrida na fundamentação da aplicação da Portaria n.º 65/2019

Invoca a apelante que, diferentemente do afirmado pelo tribunal a quo, a Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, não atualiza os valores constantes da Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, o que vicia o raciocínio do tribunal quanto à adoção de uma portaria em detrimento da outra, uma vez que as portarias não têm o mesmo objeto.

Sendo corretas as afirmações de que a Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, não atualiza os valores constantes da Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, e de que tais portarias não têm o mesmo objeto, são as mesmas inócuas para afastarem a justeza da decisão do tribunal a quo quanto à consideração, no âmbito da aplicação do disposto no n.º 5 do art. 26.º do Cód. das Expropriações, da referida Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro, por três ordens de razões.

Em primeiro lugar, nunca foi afirmado na decisão recorrida que a Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, atualiza os valores constantes da Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro. O que o tribunal a quo afirmou foi que a Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, era “a portaria/diploma mais recente”. O que é correto.

Em segundo lugar, o tribunal a quo também não afirmou que a Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, e a Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro, tinham o mesmo objeto.

Em terceiro lugar, porque o que o tribunal a quo fez – e fundamentou – foi a aplicação da Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, por ser uma Portaria que se encontrava em vigor e era aplicável na data da DUP, estando expressamente previsto no n.º 5 do art. 26.º do Cód. das Expropriações a possibilidade da sua consideração, como referencial, por nela se fixarem limites de preço máximo para o regime de habitação a custos controlados.

Como acima ficou dito, a Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro, fixou para vigorar no ano de 2014 os preços da habitação por metro quadrado, consoante as zonas do País, para efeitos de cálculo da renda condicionada – tendo sido revogado, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2015, a disposição legal que previa a fixação pelo Governo, por Portaria do Ministro do Equipamento Social, “no mês de Outubro de cada ano, para vigorar no ano seguinte, os preços de construção da habitação por metro quadrado, para efeitos de cálculo da renda condicionada.” – n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro (diploma revogado pela Lei n.º 80/2014, de 19 de dezembro, que estabeleceu o novo regime de renda condicionada dos contratos de arrendamento para fim habitacional). Portanto, não foi efetuada qualquer fixação dos preços de construção da habitação por metro quadrado, para efeitos de cálculo da renda condicionada, para vigorar em 2022.

À data da DUP, o regime de renda condicionada dos contratos de arrendamento para fim habitacional em vigor era o previsto e regulado pela Lei n.º 80/2014, de 19 de dezembro – e não o resultante da alteração efetuada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/2000, de 22 de dezembro.

Já a Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro – legislação em vigor à data da DUP –, regula o regime de habitação de custos controlados, que é um regime distinto do regime de renda condicionada dos contratos de arrendamento para fim habitacional.

Ora, o n.º 5 do art. 26.º do Cód. das Expropriações permite que na determinação do custo da construção se atenda, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para efeitos de aplicação do regime de habitação a custos controlados ou do regime de renda condicionada.

Portanto, enquanto no relatório pericial maioritário foi considerado, como referencial para a determinação do custo de construção, um montante fixado para vigorar no ano de 2014, por uma Portaria emitida ao abrigo de um regime de renda condicionada que, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2015, foi revogado e substituído por outro, o tribunal a quo considerou, como referencial para a determinação de tal custo, o valor decorrente da aplicação do limite de preço máximo fixado no regime de habitação a custos controlados, em vigor na data da DUP.

Tudo para concluir pelo inexistência de erro da decisão recorrida quando refere ser de optar pela aplicação da Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 281/2021, de 3 de dezembro, por ser a Portaria ‘mais recente’, e pelo afastamento do imputado – mas inexistente – erro do tribunal na consideração de que as Portarias tinham o mesmo objeto.

5. Violação do princípio da proporcionalidade e da justa indemnização

Sustenta, por fim, a apelante que a decisão recorrida, em consequência da adoção do valor de custo de construção de € 930,65/m2, acarreta um aumento do valor da indemnização fixada no relatório pericial maioritário (€ 453.806,37) de cerca de 25% (para € 565.362,44), implicando tal aumento da indemnização que os Srs. Peritos subscritores do relatório maioritário consideraram ser a do valor de mercado do bem expropriado uma indemnização injusta e desproporcional, acarretando a decisão recorrida uma interpretação inconstitucional do n.º 5 do art.º 23.º do CE, por violação do princípio da proporcionalidade, contido no n.º 2 do art.º 18.º e da justa indemnização, prevista no n.º 2 do art.º 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, na medida em que utilizou um critério de avaliação que tem como consequência a fixação de uma indemnização que não está ajustada ao valor da justa indemnização, como não corresponde ao valor real e de mercado do bem expropriado, sendo muito superior ao montante que os peritos maioritários consideraram.

Sustenta a apelante que a indemnização fixada na decisão recorrida não corresponde ao valor real e corrente do bem expropriado num único fundamento: ser o valor fixado no relatório pericial maioritário o que corresponde ao valor de mercado do imóvel expropriado. Quod erat demonstrandum.

Com efeito, os autos não contêm qualquer elemento que permita afirmar ou que sustente tal conclusão. Veja-se, aliás, que no acórdão arbitral – a que a apelante fez várias vezes referência, ao longo da sua apelação, para fundamentar o pretendido acerto da consideração, no âmbito da determinação do custo de construção, do valor fixado pela Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro –, os Srs. árbitros atribuíram como justa indemnização pela expropriação da parcela à data da DUP, o valor de € 600.975,00, considerando a área da parcela de 7,193 m2 e o valor de € 83,55/m2 (ou seja, um valor superior ao de € 78,59/m2 que foi atribuído na sentença recorrida).

A sentença recorrida, de forma fundamentada quanto ao afastamento da consideração efetuada pelos Srs. Peritos subscritores do relatório maioritário dos valores decorrentes da aplicação da Portaria n.º 353/2013, de 4 de dezembro – conforme acima ficou explicitado – e, diga-se, não deixando de seguir, na parte em que estão em causa juízos eminentemente técnicos, o relatório pericial maioritário, fixou a indemnização devida pela expropriação em € 565.362,44. Não há, pois, qualquer fundamento que suporte a invocada interpretação inconstitucional do n.º 5 do art.º 23.º do CE – que, de resto, a apelante não esclarece qual tenha sido. Nem há, sequer, alegação que explicite em que medida tal (não alegada) interpretação do n.º 5 do art. 23.º do CE efetuada pelo tribunal recorrido viola o princípio da proporcionalidade, contido no n.º 2 do art.º 18.º e da justa indemnização, prevista no n.º 2 do art.º 62.º, ambos da Constituição da República Portuguesa. Veja-se que a decisão recorrida teve em devida consideração – de resto, nesta parte, seguindo o relatório pericial subscrito pela maioria dos peritos – “o apurado nos pontos 17 e 30 e a diferença de cotas do terreno, com uma altimetria muito irregular e a confrontação com a via pública através de frente bastante estreita para a Rua ...” – aplicando, no âmbito dos fatores previstos o n.º 8 do art. 26.º do CE, um agravamento do custo de construção de 25%.

Improcede o recurso.

6. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Regulamento das Custas Processuais).

A responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe à apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

IV – Dispositivo:

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.

Custas a cargo da apelante.

Notifique.


***
Porto, 23/10/2025 (data constante da assinatura eletrónica)
Ana Luísa Loureiro
Isabel Ferreira
Carlos Cunha Rodrigues Carvalho
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[1] Existe lapso na identificação da Portaria – é a Portaria n.º 353/2013, de 4-12.
[2] Há lapso no valor indicado pela apelante: o valor considerado na decisão recorrida foi de € 930,65.
[3] Diploma que cria o Programa de Arrendamento Acessível, estabelecendo o art. 10.º os Limites do preço de renda.
[4] Um dos critérios a ter em conta para o cálculo do valor do solo apto para construção.