Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00044121 | ||
Relator: | MARIA CATARINA GONÇALVES | ||
Descritores: | TRANSACÇÃO JUDICIAL ANULAÇÃO EFICÁCIA | ||
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Nº do Documento: | RP201005272820/07.6TBGDM.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/27/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | PROVIDO. | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A transacção – seja ela judicial ou extrajudicial – é um negócio jurídico (contrato) que, naturalmente, está submetido às normas substantivas que regulam essa matéria. II – Como qualquer negócio jurídico, a nulidade da transacção pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado (art. 286º do CC) e determina a destruição dos efeitos dela emergentes e a sua anulabilidade pode ser arguída pelas pessoas a quem a lei confere essa legitimidade e dentro de determinado prazo, legalmente estabelecido. III – Estando em causa uma transacção judicial, a sentença de homologação confere ao negócio determinados efeitos processuais, atribuindo-lhe eficácia executiva e autoridade de caso julgado. IV – A autoridade do caso julgado determinaria, em princípio, que os direitos e obrigações das partes fixados na transacção (judicialmente homologada) ficassem definidos em termos definitivos, ficando as partes vinculadas às obrigações ali fixadas; mas essa autoridade do caso julgado é expressamente afastada pelo art. 301º, nº/s 1 e 2 do CC, ao permitir que, não obstante o trânsito em julgado da sentença, possa vir a ser decretada, em nova acção, a nulidade ou anulabilidade dessa transacção. V – Essa acção – por via da qual se pretende obter a declaração de nulidade ou a anulação da transacção – destina-se a atacar os efeitos negociais da transacção, enquanto contrato, pelo que a sentença que declare tal nulidade ou anulabilidade pode decretar os efeitos substantivos daí emergentes, destruindo os efeitos negociais dela emergentes, sendo certo que, por força de disposição legal expressa (o citado art. 301º, nº2), o caso julgado anteriormente formado com a sentença que homologou a transacção não constitui obstáculo à produção desses efeitos. VI – Anulada a transacção – seja por via de acção (art. 301º, nº2), seja por via de oposição à execução (art. 814º, al. h), do CPC) – a sentença que a havia homologado perde a sua eficácia, enquanto título executivo e enquanto acto que determina os direitos e obrigações das partes, já que, nesta parte, se deve considerar eliminada ou inutilizada e substituída pela decisão posterior que, em conformidade com a lei, declara nula ou anula a transacção que aquela havia julgado válida. VII – A destruição dos efeitos negociais da transacção e a reposição da situação anterior ocorre por efeito da procedência da acção que declara a nulidade ou anula a transacção e independentemente da interposição de recurso de revisão da sentença que a havia homologado. VIII – Não obstante a declaração de nulidade ou anulação da transacção e a consequente destruição dos efeitos negociais dela decorrentes, a sentença que a havia homologado conserva a sua eficácia enquantro acto processual que, dterminando a extinção da instância, impede a sua reabertura e a apreciação do litígio que nela estava em discussão e é esta eficácia processual da sentença que o recurso de revisão visa eliminar, já que, por via deste recurso, o que se pretende é que seja julgada a causa e resolvido o litígio que, por força da declaração da nulidade ou anulação da transacção, acabou por ficar sem efectiva resolução. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 2820/07.6TBGDM.P1 Reg. nº 126. Tribunal recorrido: 1º Juízo Cível de Gondomar. Relatora: Maria Catarina Ramalho Gonçalves Adjuntos Des.: Dr. Filipe Manuel Nunes Caroço Dr. Manuel de Sousa Teixeira Ribeiro Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B………. e C………, residentes na Rua ….., nº …, …., …., Lisboa, intentaram a presente acção contra D………, residente na Rua ….., nº .., …., Gondomar; E…….., residente na mesma morada, e F…….., residente na ….., nº …, …., Gondomar. Alegavam, em síntese, que, no âmbito do processo que correu termos no Tribunal Judicial de Gondomar, sob o nº 1420/2001 – instaurado pela 2ª Ré contra os seus avós (a 1ª Ré e seu marido – pais do Autor) com vista ao reconhecimento da aquisição do direito de propriedade, por acessão, de um prédio a estes pertencente – as partes celebraram transacção, nos termos da qual declararam e reconheceram que a 2ª Ré havia construído uma casa num prédio pertencente aos seus avós; que essa casa tinha um valor superior ao valor do terreno, reconhecendo, consequentemente, à segunda Ré o direito de propriedade respectivo; apesar de ter sido judicialmente homologada, tal transacção foi simulada e resultou de conluio entre os respectivos intervenientes que, por essa via tentaram contornar o facto de as compras e vendas entre filhos, pais, avós e netos serem anuláveis; com efeito, a casa de habitação em causa foi construída pela 1ª Ré e seu marido e não pela 2ª Ré e o recurso à mencionada acção e subsequente transacção foi um mero expediente para evitar aquela anulabilidade; em consequência desse facto, a 2ª Ré logrou proceder à desanexação e destaque da casa e área onde foi implantada e, tendo ficado integrado no património comum da 2ª e 3º Réus (à data casados), veio a ser adjudicada ao 3º Réu, na sequência de partilha por divórcio. Com estes fundamentos, pediam que fosse declarada nula a aquisição do prédio 3168-S. Pedro da Cova, Gondomar, por via de acessão imobiliária. O 3º Réu, F………., contestou, invocando a falta de interesse processual dos Autores em intentar a presente acção, dado que, para alcançarem os seus objectivos, teriam que obter êxito na presente acção e teriam que revogar a sentença homologatória de transacção através de recurso de revisão, sendo certo, porém, que, tendo decorrido o prazo a que alude o art. 772º do Código de Processo Civil, os Autores estão impedidos de obter a revisão daquela sentença. De qualquer forma, impugna os factos alegados, referindo que a casa de habitação em causa foi construída pela 2ª Ré e pelo 3º Réu que pagaram a respectiva mão-de-obra e os materiais. Com estes fundamentos, conclui pela improcedência da acção. Os Autores responderam, concluindo como na petição inicial. Posteriormente, os Autores vieram requerer a alteração do pedido, pedindo agora que seja declarada nula a aquisição do prédio 3168-S. Pedro da Cova, Gondomar e consequente termo de transacção efectuado no processo n.º 1420/2001 no 1º juízo cível deste Tribunal. Na sequência desse facto, foi proferido despacho saneador, onde se decidiu absolver os Réus da instância, por falta de um pressuposto insanável: interesse em agir, por parte dos Autores. Discordando dessa decisão, os Autores interpuseram recurso – admitido como apelação – formulando as seguintes conclusões: ………….. ………….. ………….. ………….. ………….. ………….. Não foram apresentadas contra-alegações. ///// II. Questão a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações dos Recorrentes – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste apenas em saber se os Autores têm ou não interesse em agir na presente acção, dada a circunstância de ter decorrido o prazo de cinco anos que a lei estabelece para a interposição de recurso de revisão da sentença homologatória da transacção, cuja nulidade os Autores invocam nos presentes autos. ///// III.Questão prévia. O presente recurso foi interposto, admitido e tramitado (até ao momento) como apelação. Certo é, porém, que o recurso próprio é o de agravo (arts. 733º e 691º do Código de Processo Civil) na medida em que a decisão recorrida não conheceu do mérito da causa, tendo apenas absolvido os Réus da instância, por considerar procedente uma excepção dilatória. As partes foram notificadas, nos termos do art. 702º, nº 1, do citado diploma, para se pronunciar sobre a questão e nada disseram. Assim, deverá ser alterada a espécie do recurso, corrigindo-se a distribuição. ///// IV.Conforme resulta da certidão junta aos autos, correu termos, no Tribunal Judicial de Gondomar, uma acção, com o nº …./2001, em que era autora E………. (ré nestes autos) e em que eram réus G……… (já falecido) e C……… (ré na presente acção). Nessa acção, as partes celebraram transacção, por via da qual os ali réus reconheceram que a autora, de boa fé, havia construído uma casa de habitação em determinado prédio (identificado nos autos), mais reconhecendo que aquela edificação tinha valor superior ao terreno onde havia sido implantada e que, nessa medida, a autora gozava do direito de acessão, reconhecendo-lhe, por isso, o direito de propriedade sobre o referido terreno (adquirido pela autora, com fundamento na acessão imobiliária, mediante o pagamento do respectivo valor – 150.000$00). Tal transacção foi homologada por sentença, proferida em 18/10/2001 e transitada em julgado (cfr. certidão junta a fls. 148 e segs.). Alegando que a referida transacção foi um negócio simulado, na medida em que correspondeu apenas a um acordo entre as partes (baseado na mentira), com o intuito de enganar terceiros (nomeadamente, o aqui Autor marido que é herdeiro da 1ª Ré e seu finado marido), os Autores pretendem, através desta acção, que, por força da nulidade daquela transacção, se declare nula a referida aquisição do prédio, por via de acessão imobiliária. Considerou, porém, a decisão recorrida que não havia interesse em agir por parte dos Autores e, para o efeito, baseou-se nos seguintes pressupostos: • Estando em causa uma transacção judicial, passam a coexistir duas realidades: a transacção em si e a sentença que a homologou; • Ainda que se provem os factos articulados pelos Autores, a decisão a proferir na presente acção apenas poderia declarar a nulidade da transacção, sendo certo, porém, que tal não conduzia à declaração de nulidade da aquisição do prédio em causa; • Para que os Autores pudessem alcançar o seu intuito teriam, necessariamente, de obter êxito na presente demanda e, posteriormente, revogar a sentença homologatória da transacção através do recurso de revisão previsto nos arts. 771º e segs. do Código de Processo Civil; • Estando ultrapassado o prazo em que esse recurso podia ser interposto – art. 772º do C.P.C. – os Autores já não poderão revogar a sentença que homologou a transacção e, como tal, não têm qualquer interesse em agir, na medida em que a decisão a proferir nesta acção seria irrelevante para alcançar os objectivos pretendidos pelos Autores. Consideram, porém, os Apelantes – e daí o presente recurso – que, estando em causa um negócio absolutamente nulo e podendo essa nulidade ser invocada e conhecida a todo o tempo (art. 286º do Código Civil), não é aplicável o referido prazo de caducidade, podendo o recurso de revisão ser intentado a todo o tempo. Apreciemos, pois, a questão. Embora a lei não lhe faça referência directa, o interesse processual ou interesse em agir – podendo ser definido, em linhas gerais, como a necessidade de usar do processo judicial – constitui um pressuposto processual respeitante às partes, configurando-se a sua falta como uma excepção dilatória inominada. No que respeita ao autor, tem sido entendido que essa necessidade de recorrer às vias judiciais não tem de ser uma necessidade absoluta, ou seja, não tem que ser a única forma de realização da sua pretensão; mas também não bastará a necessidade de satisfazer um mero capricho ou o puro interesse subjectivo (moral, cientifico ou académico) de obter um pronunciamento judicial (cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., págs. 180 e 181). Como refere o citado Autor (ob. cit., pág. 181), “o interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção – mas não mais do que isso”. Assim definido o interesse processual, poderemos dizer, encarando a situação pelo lado negativo, que não existe interesse processual ou interesse em agir quando a acção é totalmente inútil, ou seja, quando a propositura e procedência da acção não é idónea para satisfazer uma qualquer necessidade relevante do autor. Na perspectiva da decisão recorrida, é isso que acontece no caso sub júdice, na medida em que a eventual procedência desta acção só teria utilidade para os Autores, caso os mesmos pudessem, posteriormente, interpor recurso de revisão da sentença que homologou a transacção (cuja nulidade invocam), pelo que, estando ultrapassado o prazo em que esse recurso podia ser interposto, carecem de qualquer interesse processual nesta acção. E a primeira questão que se coloca é a de saber se já ocorreu ou não a caducidade do direito de interpor recurso de revisão, já que, discordando da decisão recorrida, consideram os Apelantes que, estando em causa uma transacção absolutamente nula, não ocorre a caducidade daquele direito, podendo o recurso de revisão ser interposto a todo o tempo. Conforme dispõe o art. 771º do Código de Processo Civil[1], na redacção introduzida pelo Dec. Lei 38/2003, de 08/03 (aplicável aos recursos a interpor, depois de 15/03/2003, de decisões proferidas nos processos pendentes ou findos nessa data – cfr. art. 21º, nº 4), a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando se verifique a nulidade ou anulabilidade da confissão, desistência ou transacção em que a decisão se fundasse – alínea d). E, dispõe o art. 772º, nº 2, “o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão…”. A decisão em causa – relativamente à qual se colocaria a necessidade de ser objecto de revisão – transitou em julgado há mais de cinco anos, pelo que, face ao disposto no citado art. 772º, nº 2, já não poderia ser objecto de revisão. Mas, fundando-se essa decisão (sentença homologatória) em transacção absolutamente nula – como alegam os Recorrentes – estará a respectiva revisão sujeita ao prazo de caducidade acima mencionado? A questão é pertinente, na medida em que, padecendo a transacção de nulidade que pode ser invocada e conhecida a todo o tempo, parece não fazer sentido que a sentença – baseada em acto nulo – não possa ser revista, continuando a produzir os seus efeitos. E, na realidade, há quem considere que, nesse caso, não é aplicável o referido prazo de caducidade, podendo ver-se, nesse sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 24/02/1994[2], em cujo sumário se lê: “Não ocorre a caducidade do direito de interpor recurso de revisão de sentença homologatória de transacção, mesmo que tenha decorrido mais de cinco anos depois de ter sido proferida, quando tal transacção seja absolutamente nula”. Consideramos, porém, não ser esse o melhor entendimento, na medida que não tem qualquer acolhimento na letra da lei, onde se estabelece, sem qualquer excepção, o prazo de cinco anos para a interposição do recurso de revisão. A solução até pode parecer violenta e incompreensível, na medida em que dela resulta a possibilidade de sobrevivência de uma decisão que está ferida de um vício ou anomalia grave e assenta em negócio, cuja nulidade pode ser conhecida a todo o tempo. Mas, a verdade é que todas as situações previstas no art. 771º - que constituem fundamento para a revisão da sentença – correspondem a vícios de gravidade equiparável e, não obstante esse facto, o legislador entendeu estabelecer um prazo de caducidade de cinco anos. E, apesar de tudo, compreende-se que assim seja. De facto, pondo em causa a autoridade do caso julgado, o recurso de revisão encontra o seu fundamento no facto de o caso julgado se ter formado em condições anormais, por terem ocorrido circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa e é esta injustiça que o recurso de revisão visa eliminar, fazendo sobrepor o interesse da justiça ao interesse da segurança e da certeza[3]. Todavia, não obstante as razões de justiça que estão subjacentes ao recurso de revisão, a verdade é que os interesses da segurança e da certeza emergente do caso julgado não são menos importantes e, como tal, não podem ser, pura e simplesmente, esquecidos. Daí que o legislador tenha tentado conciliar esses interesses, permitindo – não obstante a formação do caso julgado – a revisão da sentença, mas colocando um limite temporal ao exercício desse direito, já que, se assim não fosse, o caso julgado ficaria indefinidamente na iminência de ser destruído, esvanecendo-se a segurança e a certeza do direito determinado pelos tribunais e desprestigiando-se o Estado face à fluidez da sua autoridade judicial[4]. Afigura-se-nos, pois, perante o exposto, que, ainda que a transacção seja nula – como alegam os Autores – a revisão da sentença que a homologou apenas seria possível no prazo de cinco anos a contar do respectivo trânsito em julgado, prazo esse que já decorreu. Assim, e tal como se considerou na decisão recorrida, também nós entendemos que a sentença que homologou a sentença já não poderá ser objecto de recurso de revisão. Não deixaremos, todavia, de notar que a questão é discutível, sendo certo que, como se referiu, existem decisões que apontam para a possibilidade de, nesta situação, o recurso de revisão poder ser intentado a todo o tempo, o que, na nossa perspectiva, inviabilizaria a procedência da excepção de falta de interesse em agir. De facto, a tempestividade ou caducidade do direito de interpor recurso de revisão é questão que, naturalmente, teria que ser apreciada e decidida no âmbito do recurso de revisão que viesse a ser interposto e, não sendo garantida – porque discutível – a solução que, aí, viesse a ser dada à questão, não nos parece possível afirmar que os Autores não têm interesse processual na presente acção. Mas, será que, mesmo não sendo possível a revisão da sentença, os Autores não têm interesse processual na presente acção? Vejamos. Segundo dispõe o art. 301º, nº 1, a confissão, a desistência e a transacção podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros actos da mesma natureza e, segundo dispõe o nº 2, o trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, desistência ou transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação. Antes da reforma introduzida pelo Dec. Lei nº 38/2003, de 08/03, o recurso de revisão pressupunha que a confissão, desistência ou transacção em que a sentença se fundava tivesse sido previamente declarada nula ou anulada, por sentença transitada, o que significava que, para obter a revisão da sentença, era necessário instaurar previamente uma acção destinada a obter a declaração de nulidade ou anulabilidade da confissão, desistência ou transacção. Essa duplicidade de procedimentos foi eliminada pelo citado Dec. Lei 38/2003, passando, desde então, a ser desnecessária a prévia declaração de nulidade ou anulabilidade da confissão, desistência ou transacção, podendo essa nulidade ou anulabilidade ser invocada e declarada no próprio recurso de revisão. Mas, não obstante essa desnecessidade, o art. 301º, nº 2, continuou a permitir a propositura de acção destinada à declaração de nulidade ou anulação daqueles actos (embora se determine que, nessa situação e caso o réu não conteste, o autor suporte as custas da acção – art. 449º, nºs 1 e 2, alínea d)), o que significa que o legislador terá admitido a existência de interesse processual na anulação daqueles actos, independentemente da revisão da sentença que os homologou. Mas, será assim? Ou seja, a declaração de nulidade ou anulabilidade daqueles actos (confissão, desistência ou transacção) poderá mesmo produzir algum efeito relevante, caso a sentença que o homologou não seja revista? É o que vamos ver. Segundo dispõe o art. 1248º do Código Civil, “transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminem um litígio mediante recíprocas concessões”. A transacção é, pois, um negócio jurídico (contrato) que pode ser celebrado judicial ou extrajudicialmente. Quando celebrada judicialmente, a transacção carece de intervenção do juiz que, proferindo a sentença homologatória (arts. 300º, nºs 3 e 4), confere ao acto os efeitos processuais dele decorrentes, passando a coexistir duas realidades: a transacção – que, enquanto contrato, produz os efeitos negociais que lhe são próprios – e a sentença que a homologa – que produz os efeitos processuais que lhe estão associados. E, como resulta do disposto no art. 301º, quer a transacção, quer a sentença que a homologou, podem ser atacadas. A transacção, enquanto negócio jurídico, pode ser atacada através de acção judicial, que, por via da declaração da respectiva nulidade ou anulabilidade, visa a destruição dos seus efeitos negociais; a sentença pode ser atacada por via de recurso extraordinário de revisão que visa a destruição dos seus efeitos processuais. A declaração de nulidade ou a anulação da transacção, destruindo os seus efeitos negociais, têm efeito retroactivo, em conformidade com o disposto no art. 289º do Código Civil, e produzem os demais efeitos previstos nesta disposição legal, determinando, por isso, a restituição de tudo o que tiver sido prestado. Certo é que a declaração de nulidade ou a anulação da transacção não são idóneas para destruir a sentença que a homologou, já que este efeito só pode ser obtido através do recurso extraordinário de revisão. Daí que, não sendo revista a sentença, esta mantém-se e produz os seus efeitos, ainda que tenha sido declarada a nulidade ou anulada a transacção em que se fundou. Mas, mantendo-se a sentença (porque já não é possível o recurso de revisão), a declaração de nulidade poderá produzir algum efeito relevante que possa justificar a propositura de uma acção judicial, com essa finalidade? A decisão recorrida entendeu que não e, como tal, considerou que os Autores não tinham interesse em agir. Afigura-se-nos, porém, que não será assim. De facto, os efeitos negociais inerentes ao negócio jurídico (transacção) celebrado entre as partes são destruídos pela declaração de nulidade ou anulação do negócio, o que implica, em conformidade com o disposto no art. 289º do Código Civil, a reposição da situação anterior e a restituição de tudo o que tiver sido prestado. Mas, como conciliar a produção desses efeitos, com a força de caso julgado que é inerente à sentença que homologou a transacção? A sentença que homologa a transacção – embora seja considerada como sentença de mérito – não conhece da substância da causa e a sua função é apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acto (art. 300º, nº 3), de tal forma que, como refere o Prof. Alberto dos Reis[5], “…a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz”. Ou seja, a sentença que homologa a transacção limita-se a apreciar e validade e regularidade do negócio celebrado pelas partes e, concluindo pela sua validade, confirma os termos e efeitos desse contrato, absolvendo ou condenando nos termos que resultam da transacção. Homologada a transacção, a sentença faz caso julgado material, relativamente à matéria do litígio e dentro dos limites fixados pelos arts. 497º, 498º e 671º, nº 1, determina a extinção da instância – art. 287º, d) – e, sendo condenatória, constitui título executivo – art. 46º, nº 1, alínea a). Mas, como acima se mencionou, a sentença que homologa a transacção apenas decide – com força de caso julgado – que a transacção é válida e regular e que, como tal, tem condições para produzir os efeitos negociais e processuais que lhe são inerentes, conferindo à transacção a eficácia necessária para terminar o litígio, mediante a atribuição dos direitos e deveres nela consignados e conferindo-lhe a autoridade emergente do caso julgado. Em princípio, a autoridade do caso julgado impediria que tornasse a ser apreciada a validade e regularidade da transacção. Certo é que essa autoridade do caso julgado é, aqui, expressamente afastada pelo art. 301º, nº 2, quando preceitua que o trânsito em julgado da sentença que homologa a transacção não obsta a que se intente acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação da transacção. Ou seja, apesar de existir uma sentença que decidiu – com força de caso julgado – que uma determinada transacção era válida e regular e que, como tal, era idónea para produzir os efeitos negociais e processuais que lhe são inerentes, o legislador permitiu a reapreciação dessa questão através de nova acção, permitindo que seja proferida uma nova sentença que, contrariando a primeira, venha declarar que, afinal, a transacção não era válida e que, como tal, não é idónea a produzir os efeitos negociais que dela decorriam. E, permitindo-se – como resulta do citado art. 301º, nº 2 – que a questão seja reapreciada e que se declare a nulidade ou a anulação da transacção, afigura-se-nos manifesto que também poderão ser declarados os efeitos emergentes dessa nulidade ou anulabilidade, sem que a tal obste o trânsito em julgado da anterior sentença homologatória que, nessa parte, cai por terra. E nem se compreenderia, de outra forma, que o legislador tivesse permitido a interposição de acção destinada a obter a declaração de nulidade ou anulação de transacção, independentemente da interposição do recurso de revisão. De facto, a entender-se que essa declaração de nulidade ou anulabilidade nunca poderiam produzir qualquer efeito, caso a sentença não fosse objecto de revisão, não se vislumbram as razões que determinaram o legislador a prever e admitir a propositura de uma acção com essa finalidade, ao invés de prever apenas o recurso de revisão, em cujo âmbito também cabe a apreciação e declaração de nulidade ou anulação daquele acto. Note-se, aliás, que, conforme resulta do disposto no art. 814º, alínea h), a nulidade ou anulabilidade da transacção constituem fundamento para deduzir oposição à execução baseada na sentença homologatória dessa transacção, o que significa que a mera declaração de nulidade ou a anulação dessa transacção (em sede de oposição à execução) são suficientes para, independentemente da interposição de recurso de revisão, destruir a eficácia dessa sentença, enquanto título executivo. Mas, perguntar-se-á, se é assim, qual a necessidade do recurso extraordinário de revisão, quando já existe decisão a declarar a nulidade ou a anulação da transacção? O recurso de revisão destina-se, essencialmente, a eliminar a sentença homologatória, enquanto causa de extinção da instância, e a permitir o seu prosseguimento com vista à apreciação e decisão do litígio que havia terminado pela transacção (declarada nula ou anulada). Atentemos, a propósito, nas palavras do Prof. Alberto dos Reis[6], quando afirma: “…revogada a confissão, a desistência ou a transacção, fica sem suporte nem base a sentença homologatória. Se o acto que a sentença julgara válido e a que imprimira eficácia executiva é destruído pela revogação, a sentença deixa de ter conteúdo e alcance. Mas isto não quere dizer que se dispense a interposição do recurso de revisão. Obtida a revogação, há-de, a seguir, fazer-se uso do recurso para se conseguir que siga os seus termos e venha a ser proferida sentença de mérito na causa em que se realizou a confissão, a desistência ou a transacção”. Podemos, pois, concluir em face do exposto: • A transacção – seja ela judicial ou extrajudicial – é um negócio jurídico (contrato) que, naturalmente, está submetido às normas substantivas que regulam essa matéria. • Como qualquer negócio jurídico, a nulidade da transacção pode ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado (art. 286º do Código Civil) e determina a destruição dos efeitos dela emergentes e a sua anulabilidade pode ser arguida pelas pessoas a quem a lei confere essa legitimidade e dentro de determinado prazo, legalmente estabelecido. • Estando em causa uma transacção judicial, a sentença de homologação confere ao negócio determinados efeitos processuais, atribuindo-lhe eficácia executiva e autoridade de caso julgado. • A autoridade do caso julgado determinaria, em princípio, que os direitos e obrigações das partes fixados na transacção (judicialmente homologada) ficassem definidos em termos definitivos, ficando as partes vinculadas às obrigações ali fixadas; mas essa autoridade do caso julgado é expressamente afastada pelo citado art. 301º, nº 1 e 2, ao permitir que, não obstante o trânsito em julgado da sentença, possa vir a ser decretada, em nova acção, a nulidade ou anulabilidade dessa transacção. • Essa acção – por via da qual se pretende obter a declaração de nulidade ou a anulação da transacção – destina-se a atacar os efeitos negociais da transacção, enquanto contrato, pelo que a sentença que declare tal nulidade ou anulabilidade pode decretar os efeitos substantivos daí emergentes, destruindo os efeitos negociais dela emergentes, sendo certo que, por força de disposição legal expressa (o citado art. 301º, nº 2), o caso julgado anteriormente formado com a sentença que homologou a transacção não constitui obstáculo à produção desses efeitos; • Anulada a transacção – seja por via de acção (art. 301º, nº 2), seja por via de oposição à execução (art. 814º, alínea h) – a sentença que a havia homologado perde a sua eficácia, enquanto título executivo e enquanto acto que determina os direitos e obrigações das partes, já que, nesta parte, se deve considerar eliminada ou inutilizada e substituída pela decisão posterior que, em conformidade com a lei, declara nula ou anula a transacção que aquela havia julgado válida; • A destruição dos efeitos negociais da transacção e a reposição da situação anterior ocorre por efeito da procedência da acção que declara a nulidade ou anula a transacção e independentemente da interposição de recurso de revisão da sentença que a havia homologado; • Não obstante a declaração de nulidade ou anulação da transacção e a consequente destruição dos efeitos negociais dela decorrentes, a sentença que a havia homologado conserva a sua eficácia enquanto acto processual que, determinando a extinção da instância, impede a sua reabertura e a apreciação do litígio que nela estava em discussão e é esta eficácia processual da sentença que o recurso de revisão visa eliminar, já que, por via deste recurso, o que se pretende é que seja julgada a causa e resolvido o litigio que, por força da declaração da nulidade ou anulação da transacção, acabou por ficar sem efectiva resolução. E o que resulta do exposto é que a circunstância de não ser possível a interposição do recurso de revisão – porque, eventualmente, já caducou o direito de o interpor – não permite concluir pela inexistência de interesse em ver declarada a nulidade ou a anulabilidade da transacção, na medida em que, apesar de não ser possível destruir os efeitos processuais da sentença que homologou a transacção (o que só seria possível através do recurso de revisão), a declaração de nulidade ou a anulação da transacção permitem atacar e destruir os efeitos negociais que dela emergiam[7]. Concluímos, pois, em face do exposto, não ser possível afirmar que os Autores não têm qualquer interesse relevante na presente acção e que, como tal, não têm interesse em agir, o que conduz à procedência do recurso e consequente revogação da decisão recorrida. ///// V.Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, revogando-se a decisão recorrida (que, por falta de interesse em agir dos Autores, absolveu os Réus da instância), determina-se que os autos sigam os seus trâmites se a tal nada mais obstar. Rectifique-se a distribuição, como acima mencionado, passando a seguir-se os termos do agravo. Custas a cargo do Recorrido. Notifique. Porto, 2010/05/27 Maria Catarina Ramalho Gonçalves Filipe Manuel Nunes Caroço Manuel de Sousa Teixeira Ribeiro ___________ [1] Diploma a que se referem as demais disposições legais que venham a ser citadas sem menção de origem. [2] Publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XIX, tomo 1º, pág. 244. [3] Cfr. Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 404. [4] Cfr. Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, pág. 200. [5] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 499. [6] Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 555. [7] Cfr. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 2ª ed., pág. 580. |