Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2003/17.7T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: PROCESSO EXECUTIVO
NULIDADE PROCESSUAL
ANULAÇÃO DA VENDA
Nº do Documento: RP202403182003/17.7T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em matéria de recursos, ao processo executivo são aplicáveis os artigos 853º e 854º, e, subsidiariamente, o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração, por força do art. 852º, sendo que as decisões que ponham termo a procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridas na tramitação da ação executiva - art. 852º e n.º 1, do art. 853º - bem como as decisões tipificadas nos n.ºs 2 e 3, deste último artigo, todos do CPC, são passíveis apelação autónoma (interposição imediata de recurso);
II - O recurso de apelação da decisão do pedido de anulação da venda, não se subsumindo aos casos de “decisões do n.º 2, daquele art. 644º”, ex vi da salvaguarda da al. a), do n.º 2 do art. 853º, o mesmo acontecendo quanto a considerar-se não ser de subsumir ao nº1 deste artigo, por consagrada tramitação específica e autónoma relativamente à da causa, não se enquadrando no nº 1, do artigo 644º, subsume-se, por expressa referência, à al. c), do nº2, do art. 853º, todos do CPC;
III - Ficando a venda sem efeito se ocorrer invalidade processual nos termos da al. b) e c), do nº1, do art. 839º, do CPC, para que seja admissível anulação do ato da venda, nos termos do art. 195º (cfr. a referida al. c)), é necessário que o vício seja tempestivamente arguido pelos interessados na anulação, sanando-se se o não for (cfr. arts. 196º, 197º, 199º e 200º, nº3, todos do CPC).
IV - As nulidades processuais são apreciadas após ser facultado o contraditório (art. 201º e nº3, do art. 3º, do CPC), para exercício do direito de influência, não sendo legalmente admissível resposta a pronúncia apresentada em materialização do contraditório.
V - A retoma do contrato de crédito à habitação própria é um incidente, previsto em legislação avulsa, a poder ser deduzido na execução, até à venda do imóvel e na verificação dos pressupostos consagrados no art. 28º, do DL 74-A/2017 de 23 de junho, cabendo aos executados que pretendam exercer o direito à retoma do contrato de crédito, com vista à extinção da execução, o ónus de alegar e comprovar (nº1, do art. 342º, do CC), que reúnem as condições impostas, designadamente, o, efetivo, pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como, os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2003/17.7T8PRT-C.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso:  Juízo de execução do Porto – Juiz 6


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Anabela Mendes
2º Adjunto: Des. Ana Olívia Loureiro




Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA e BB

Recorrida: A... STC, S.A


Nos autos de ação executiva para pagamento de quantia certa em que é exequente A... – STC, S.A., e executados, AA e BB, apresentaram-se, estes, a requerer:
i) seja dada sem efeito e anulada a venda do imóvel, por verificação de nulidade processual, que invocam; e
ii) seja julgada extinta a execução, por terem direito de retomar os contratos de crédito, nos termos e para os efeitos do artigo 28.º, do DL n.º 74-A/2017, de 23 de junho.
Alegam, para tanto e resumidamente, que o Senhor Agente de Execução não afixou o edital na porta do imóvel, propriedade dos executados, e terem direito de retoma dos contratos de crédito[1].

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O Senhor Agente de Execução pronunciou-se pela não verificação das invocadas nulidades.
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Por despacho proferido em 17/11/2023, foi ordenada a notificação da exequente para se pronunciar, o que a mesma fez sustentando encontrar-se sanada nulidade processual que se pudesse verificar e sempre tendo a execução de prosseguir por inexistir o direito invocado pelos executados[2].
Os executados apresentaram-se, em 15/12/2021, a responder solicitando ao Tribunal:
 “se digne extinguir a presente execução e ser chamado o EX exequente Banco 1... S.A. ou em alternativa ser a atual exequente obrigada a iniciar o direito de retoma dos contratos de crédito celebrados indicando para o efeito qual o montante das prestações vencidas, juros vencidos e despesas com a execução.
Mais se peticiona a anulação do leilão eletrónico por ocorrer a NULIDADE, por violação de formalidades essenciais, designadamente pela falta de afixação de edital pelo Sr. A. E. na porta do imóvel após ser conhecida a modalidade da venda.
Em 19/12/2023, foi proferida a seguinte
“ DECISÃO:
Pelo exposto, decido:
1. julgar improcedente a nulidade invocada pelos executados;
2. julgar improcedente o seu requerimento de retoma do contrato de crédito;
3. julgar improcedente a invocada fraude à lei na cessão de créditos;
4. julgar improcedente o abuso de direito e a litigância de má fé invocados pela exequente”.

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Notificados de tal decisão, apresentaram os executados recurso de apelação, pugnando por que a referida decisão seja revogada e substituída por outra, a julgar procedente a pretensão deduzida pelos recorrentes, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:

“I – O Despacho proferido pelo Tribunal “a quo” é Nulo e de nenhum efeito, porquanto violou o disposto no artigo 615.º, Nº 1, als. d), c) e b) do C.P.C.

II – Ocorreu Omissão de Pronuncia e “DECISÃO SURPRESA”, porquanto o Tribunal “a quo” não se pronunciou relativamente ao requerimento apresentado pelos recorrentes em 15.12.2023 e também não fundamentou os motivos para o não ter feito.

III – O Sr. Agente de Execução assumidamente não afixou o edital na porta do prédio casa morada de família dos recorrentes logo após concretizar a penhora do imóvel violando o disposto no artigo 755.º, Nº 3 do C.P.C.

IV - E NUNCA O FEZ, após decidir a modalidade da venda até à presente data violando o disposto no artigo 817.º N.º 1, al. b) do C.P.C.

V – A penhora do imóvel foi realizada em 15.02.2017 e o edital de penhora segundo informação do Sr. A. E., terá sido afixado em 17.04.2023 decorrendo, entretanto, mais de 6 anos.

VI – O edital de penhora junto aos autos em 16.04.2023 não prova que o Sr. A. E. tenha efetivamente praticado tal acto, porquanto aquele e respetiva certidão não estão preenchidos e assinados.

VII – O Sr. A. E. apenas prestou esclarecimentos sobre este assunto após 16.10.2023, quando os recorrentes suscitaram tal questão.

VIII – A afixação de um edital na porta do prédio não depende da autorização do proprietário ou da realização de visitas de terceiros interessados.

IX – O legislador diz que “DEVENDO ser afixado o edital “e não, “PODE afixar-se o edital.”.

(Artigo 817.º N.º 1, als. a) e b) do C.P.C.)

X – A publicidade da venda é efetuada mediante anúncio em página informática de acesso público “E” da afixação do edital e não “OU” afixação de edital.

(Artigo 817.º N.º 1, als. a) e b) do C.P.C.)    

XI – A afixação de tais editais não decorre de um poder discricionário do Sr. Agente de Execução, mas de imposição legal.

XII – O C.P.C. não prevê que a afixação do edital de penhora e da venda seja dispensado com a realização de visitas ao imóvel ou notificações da venda aos mandatários.

XIII – A omissão de tais formalidades essenciais violou direitos e garantias de defesa fundamentais dos recorrentes tornando nulos os actos praticados.

XIV - O Tribunal “a quo” errou porquanto devia dar como provados tais factos e não o fez.

XV – Devem ser declarados nulos e anulados todos os actos praticados após a sua verificação incluindo a venda do imóvel nos termos do disposto no artigo 195.º do C.P.C.

XVI – Em 16.10.2023 os recorrentes invocaram perante o Tribunal “a quo” e do Sr. A. E. que pretendiam exercer o “Direito de Retoma dos Contratos de Crédito”

XVII – Para o efeito solicitaram ao Sr. A. E. que procedesse à elaboração de nota justificativa e discriminativa dos montantes devidos e que teriam de liquidar (prestações vencidas, juros, honorários e despesas com o A.E. e outras despesas da execução suportadas pela recorrida).

XVIII - O Sr. Agente de Execução não respondeu a tal solicitação alheando-se e inviabilizando o exercício de tal direito sem o fundamentar.

XIX – “Confrontado” pelo Tribunal “a quo” apenas se pronunciou sobre a falta de afixação dos editais confirmando que não deu cumprimento a tais formalidades.

XX – Incumbe ao Sr. A. E. (e recorrida) e não aos recorrentes calcularem as prestações em dívida, juros vencidos, despesas da recorrida e seus honorários e despesas.

XXI – Os recorrentes foram impedidos pelo Sr. A. E. e pela recorrida, de liquidar quaisquer quantias e exercer legitimamente o direito de retoma.

XXII - A recorrida notificada pelos recorrentes de tal pretensão nunca se pronunciou relativamente às quantias devidas e de outras despesas a que legalmente teria direito.

XXIII – A recorrida aceitou perentoriamente a existência do “Direito de Retoma dos Contratos de Crédito” a favor dos recorrentes, contudo inviabilizou tal exercício de forma ilegal.

XXIV - O Tribunal “a quo” ERROU quando deu como assente que não foi efetuada prova do pagamento pelos recorrentes para o exercício do direito de retoma.

XXV – Quando na verdade devia ter dado como provado que os recorrentes não liquidaram tais quantias porquanto não foram informados pelo Sr. A. E. do valor das mesmas.

XXVI – O “Direito de Retoma” não pode ser inviabilizado sob pretexto de ocorrer uma cessão de créditos, ou pelo facto da recorrida não ser uma instituição bancária ou ainda por se dedicar à titularização de créditos.

XXVII – A cessão de créditos atribui ao cessionário um conjunto de direitos e obrigações e não apenas direitos, estando a recorrida obrigada nos mesmos termos que o cedente “Banco 1... S.A.”

XXVIII – Os recorrentes só por uma ocasião manifestaram formalmente a sua vontade expressa de exercer o direito de retoma comunicando-o nos autos em 16.10.2023

XXIX – Não pode o Tribunal “a quo” dar como assente que antes de 16.10.2023 os recorrentes já teriam exercido formalmente tal direito, por não corresponder à verdade.

XXX – O Tribunal “a quo”, não concretizou quando, onde, como e em que circunstâncias teriam os recorrentes exercido o Direito de Retoma.

XXXI - Inexiste nos autos qualquer expressão, alusão direta ou indireta relativamente à invocação de tal direito antes do dia 16.10.2023.

XXXII – O Tribunal “a quo” errou porquanto ignorou que o direito de retoma e o direito a renegociar o contrato de crédito são realidades jurídicas distintas.

XXXIII - O DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, diferencia-as ao prever no seu artigo 25.º a “RENEGOCIAÇÃO DO CONTRATO DE CRÉDITO” e no artigo 28.º, a “RETOMA DO CONTRATO DE CRÉDITO”.    

XXXIV– Errou o Tribunal “a quo” porquanto deixou implícito que os recorrentes se encontrariam simultaneamente nas duas situações, o que nunca se verificou.

XXXV – Nos e-mails trocados entre a Mandatária do Banco 1... e o Agente de Execução, “juntos com o Documento: ...”, não é identificada qualquer expressão ou termo que aluda ao exercício do direito de retoma por parte dos recorrentes.

XXXVI – Deveria ter sido dado como provado que apenas existiram negociações.

XXXVII – A recorrida confirma tal facto na comunicação que efetuou com o Sr. A. E. nos autos em 17.10.2022 ao dizer o seguinte:

“não existe qualquer acordo com a exequente pelo que os autos devem prosseguir os seus termos.”

XXXVIII – O Tribunal “a quo” estava obrigado a conhecer que se tratava de meras negociações efetuadas no âmbito do “PERSI” e não no exercício do direito de retoma conforme resulta do despacho proferido em 13.02.2023 (Ref.ª Citius 444894502).

XXXIX – Só se pode retomar algo que já foi extinto conforme se depreende do disposto no artigo 28.º, nº 2:“Caso o consumidor exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução”.

XL – Inexiste qualquer prova nos autos da resolução dos contratos de crédito e a mesma não opera OPE LEGIS.

XLI – Mal andou o Tribunal “a quo” ao considerar já ter ocorrido o direito de retoma porquanto não fundamentou devidamente tal facto.

XLII - Inexiste prova documental, testemunhal ou outra nos autos que permita dar como assente ou provado tal facto.

XLIII - Tal inconsistência, indeterminabilidade e incerteza, conduzem à nulidade do douto despacho por não especificar devidamente os fundamentos de facto e direito que justificam tal decisão nos termos do disposto no Artigo 615.º, N.º 1, al. b) do C.P.C.)

XLIV – A violação do direito de retoma nos moldes exarados consubstanciou “FRAUDE À LEI”, por derrogação dos direitos dos recorrentes enquanto consumidores, atento o disposto nos artigos 28.º, 35º e 37º do DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho.

XLV – Os recorrentes invocaram o direito de retoma de forma correta e atempada porquanto tal direito pode ser exercido na fase da venda do imóvel, terminando o leilão eletrónico em 14.02.2024.

XLVI – À presente data inexistem credores reclamantes de créditos nos autos porquanto o Ex credor “Fazenda Nacional” desde 15.06.2018 (Ref.ª Citius 393988287) que se encontra ressarcido das quantias reclamadas e custas de parte peticionadas.

XLVII – O direito de retoma é imperativo, irrenunciável, inalienável e de Interesse Público, sendo nulas e de nenhum efeito quaisquer limitações ao exercício do mesmo.

XLVIII - Ao ser inviabilizado o direito de retoma, os direitos de crédito do cedente “Banco 1... S.A.”, NÃO SE TRANSMITIRAM PARA A RECORRIDA cessionária.

XLIX - A presente execução devia ter sido extinta por falta de legitimidade da recorrida, a qual é uma exceção dilatória do conhecimento oficioso do Tribunal, devendo os recorrentes ser absolvidos da instância e dando-se sem efeito a venda do imóvel.

L – O despacho recorrido padece de Nulidade, porquanto violou o disposto no artigo 615.º, Nº 1, Als. b), c) e d) do C.P.C.

LI - A pretensão deduzida pelos recorrentes deverá ser julgada totalmente procedente e totalmente deferida.

LII - Deverá ainda a penhora que onera o imóvel casa morada de família dos recorrentes, ser cancelada, com todas as consequências legais.

LIII – Verifica-se omissão de pronuncia e erro notório na apreciação dos factos e do direito aplicável, devendo em consequência tal despacho ser revogado, julgado procedente o presente recurso e substituído por outro que defira o peticionado pelos recorrentes.

LIV - Devem ser declarados NULOS e de nenhuns efeitos todos os actos praticados na presente execução nos termos do disposto nos artigos 187.º, al. a), 195.º, 196.º, 198.º, n.º 2, e artigo 200.º, n.º 1 do C.P.C. nos moldes peticionados pelos recorrentes.

O douto despacho proferido pelo Tribunal “a quo” padece de NULIDADE violando o disposto nos artigos:

154.º, n.ºs 1 e 2, 187.º, al. a), 188.º, n.º 1 als. a) e e), 191.º, n.ºs 1, 2 e 4, 195.º, n.º 2, 196.º, 198.º, n.º 2, 199.º, n.º 1, 200.º, n.º 1, 219.º, n.º 1, 221.º, n.º 1, 225.º, n.º 4, 228.º, n.ºs 1 e 2, 230.º, n.º 1, 233.º, 247.º, 249.º, 255.º, 567.º, n.ºs 1 e 2, 568.º, 609.º, n.º 1, 615.º, n.º1, als. b), c), d) e e) , 696.º, al. e) e ii, 715.º, 755.º, Nº 3 e Nº 1, al. b) do N.º 3º do 817.º todos do C.P.C.

Violando ainda o disposto nos Artigos 2.º, 25.º, 28.º, 35.º e 37.º do DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho “REGIME DOS CONTRATOS DE CRÉDITO RELATIVOS A IMÓVEIS”.

E o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”.

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         Apresentou a exequente contra-alegações pugnando por que seja proferida decisão de não admissão do recurso e, caso venha a ser admitido, lhe seja negado provimento e, em consequência, confirmada a decisão recorrida, formulando as seguintes
conclusões:
“A. A douta sentença em apreço veio julgar, de forma imaculada, improcedentes a (1) nulidade invocada pelos executados, (2) a improcedência do pedido de retoma do contrato de crédito e (3) a invocada fraude à lei na cessão de créditos alegadas pelos executados, ora recorrentes e determinou, em consequência, o prosseguimento da execução, o que não merece qualquer reparo ou censura, devendo ser mantida na íntegra, porque nela – mais uma vez – se faz a correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, pelo que as alegações dos recorrentes, carecem de total fundamento fáctico e jurídico.
B. Ainda assim, e por mero dever de patrocínio, impõe-se a apresentação das presentes contra-alegações pois a aqui recorrida considera que o recurso apresentado além de inadmissível, está votado ao insucesso, conforme infra se explicitará.
Da inadmissibilidade do recurso interposto pelos recorrentes:
C. Conforme resulta da decisão singular proferida já no âmbito dos presentes autos, “Os executados, apesar de devidamente citados para a execução e, notificados da penhora do imóvel, não vieram oportunamente e utilizando os articulados devidamente previstos na lei para o efeito, suscitar as questões apresentadas cerca de 5 anos depois em requerimento avulso, pretendendo com esse requerimento obstar ao prosseguimento da execução. Não tendo sido atendida a sua pretensão, recorreram da decisão que julgou improcedentes as questões suscitadas naquele requerimento.”
D. A lei veio expressamente delimitar nos n.os 2 e 3 do artigo 853.º quais os despachos do procedimento executivo stricto sensu que admitem apelação e, por outra banda, não cabe apelação de despacho que não se possa subsumir a estes números.
E. Os recorrentes sustentam o seu recurso no art. 853.º, n.º1 e 2 als. b e c) que se reconduzem a decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução e decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda.
F. Ora, salvo melhor e mais douta opinião não está em causa nenhuma das situações a que aludem os respectivos normativos uma vez que nenhuma decisão foi proferida sobre a venda, tendo tão só, sido determinado o prosseguimento dos autos.
G. Os recorrentes é que – erradamente – pedem a anulação da venda – que não ocorreu – e pedem ainda a extinção da execução tendo por base as nulidades arguidas e doutamente decididas: a anulação da venda é, assim, pedida como consequência da procedência das nulidades, o que não se verificou.
H. Desta feita o que os recorrentes pretendem é recorrer da decisão que indeferiu as apontadas nulidades, o que não tem sustento legal como apelação autónoma.
I. Consubstanciando a decisão recorrida uma decisão intercalar atípica proferida no decurso da execução, que não se enquadra em nenhuma das hipóteses consagradas no art. 853.º n.º 2 e 3 do CPC, dela não é admissível recurso de apelação autónoma, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
J. Não comportam recurso de apelação despachos interlocutórios que se não subsumam aos n.º 1 a 3, do art. 853.º nem integram o objeto do expressamente referido recurso da decisão da anulação da venda, questões que se não prendam com o pedido de anulação da venda e respetiva causa de pedir nem com matéria de exceção, concreta e especificadamente, deduzida.
K. Assim, não deverá ser admitido o recurso interposto pelos recorrentes, de apelação autónoma, por não se integrar no art. 853.º n.º 2 e 3 do CPC, mais especificamente nas al. d) e h) do art. 644.º n.º 2 ex vi do art. 853.º n.º 2 al. a) do CPC, não se conhecendo do objecto deste recurso, ficando prejudicado o seu conhecimento de mérito, o que se requer.
Da nulidade invocada pelos recorrentes por inobservância do disposto no art. 755.º, n.º 3 e 817.º do CPC:
L. Entendem os recorrentes ter-se verificado a inobservância do disposto no art. 755.º, n.º 3 e 817.º do CPC mas não lhes assiste qualquer razão nem de facto nem de direito pois cumpridas todas as formalidades legalmente exigíveis.
M. O douto despacho que julgou improcedente a apontada nulidade dispõe, a este título que “Não existe a invocada nulidade porque o edital foi afixado e só não o foi antes a pedido dos próprios. Ainda que existisse a nulidade pelo mero atraso – e não existe – não foi invocada no prazo legal, que é de 10 dias a partir do seu conhecimento, e não é de conhecimento oficioso – artigos 195º, 197º e 199º do Código de Processo Civil. Não se compreende sequer que digam que Tomaram conhecimento da venda da sua casa em leilão de forma fortuita já que por mera coincidência foi um vizinho, que os questionou se estariam a vender o imóvel no site e-leilões. 9º Facto que os aterrorizou, atendendo à iminente consumação da venda, sabendo-se agora que um terceiro venceu o leilão e terá o direito a fazer sua a propriedade do imóvel. Atenta a tramitação dos autos, pois dos mesmos se vê que não só sabiam da venda como até contribuíram e se pronunciaram sobre a mesma.”
N. Além disso, todas as diligências de pré-venda foram realizadas com a colaboração dos recorrentes, que se pronunciaram quanto ao valor mínimo de venda, participaram da diligência de verificação do estado do imóvel, abriram a porta do imóvel penhorado, pediram para que não fosse fotografado o interior do imóvel, pretensão que foi aceite e foi vertida no auto efetuado no local e foram agendadas e realizadas visitas ao imóvel, com a colaboração dos recorrentes.
O. A penhora encontra-se registada pela AP. ...85 de 2017/02/13 cfr. edital junto aos autos, nos termos do disposto no art. 755.º, n.º 3 do CPC.
P. Os recorrentes foram notificados da venda ocorrida em sede de leilão, bem como da data de término do mesmo, através da Sua Ilustre Mandatária, em 14.08.2023.
Q. Insistem e persistem no erro, os recorrentes, por não atentarem com a devida prudência na modalidade de venda uma vez que foi decidida a venda mediante leilão electrónico e não mediante propostas em carta fechada: aliás, modalidade de venda que os próprios, até antes do exequente, indicaram.
R. Desta feita, o anúncio de venda encontra-se regulado no 19.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, tendo sido cumpridas, pelo Sr. Agente de Execução, todas as exigências do indicado normativo, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeitos.
Do regime da retoma dos contratos previsto no DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho:
S. Antes de mais uma nota prévia para o entendimento que é feito no ponto 59.º e seguintes do recurso interposto pelos recorrentes em que pretendem fazer crer e retirar ilações erróneas de algo que a recorrida nunca afirmou: a recorrida, no requerimento que apresentou em 30.11.2023 aceitou o alegado no ponto. 20.º do requerimento apresentado pelos executados pois o ponto 20 limita-se a proceder à transcrição de um normativo legal que existe no ordenamento jurídico.
T. Por esse motivo é que expressamente se indica “a exequente aceita a transcrição feita (…)” - (destaque nosso) - nunca, em momento algum, a recorrida aceitou o sentido, o alcance e a consequência jurídica da aludida norma, o que se demonstra pela simples leitura dos números seguinte do requerimento em causa.
U. O regime legal previsto no DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho não é aplicável aos presentes autos uma vez que o Banco 1... não é titular do crédito objeto de execução e o direito de retoma não é aplicável à cessionária/ exequente por ser uma instituição de titularização de créditos.
V. A cessão de todos estes créditos – executados– ocorreu em 7 de Abril de 2022 motivo pelo qual, a partir dessa data, não mais é possível operar-se a retoma à estrutura comercial prevista no referido Decreto-Lei.
W. Com a cessão de créditos, a aqui recorrida assumiu todos os direitos e garantias decorrentes da titularidade desse crédito, designadamente, o direito de receber, exigir e recuperar quaisquer montantes acessórios ou principais, como decorre do art. 577.º, n.º 1 e 582.º Código Civil.
X. Além disso veja-se que a oposição à cessão de créditos feita pelos executados – ainda que inadmissível – já se mostra julgada, por decisão proferida em 13.02.2023, há muito transitada em julgado.
Y. O direito de retoma coloca-se, conforme referido, perante o mutuante conforme previsto no art. 28.º do referido diploma legal e a cessionária não é a entidade mutuante.
Z. O incidente de retoma não foi suscitado nos autos até à data da cessão motivo pelo qual nem se coloca qualquer questão quanto à validade da cessão nem quanto à posição da aqui recorrida como tal, pelo que nem em teoria se pode abordar tal questão.
AA. O Decreto-Lei n.º 453/99 que foi alterado e republicado com o Decreto-Lei n.º 82/2002, de 5/4 não impede a cessão atentas as qualidades de cedente e cessionário, nomeadamente sendo a cessionária uma instituição de titularização de créditos, como se verifica.
BB. A cessão é válida nos termos do art. 577.º do CC e dos arts. 1.º n.º 2, 2.º n.º 1 e 4.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 453/99.
CC. Atente-se no que diz o art. 6.º, n.º 6 “- Dos meios de defesa que lhes seria lícito invocar contra o cedente, os devedores dos créditos objecto de cessão só podem opor ao cessionário aqueles que provenham de facto anterior ao momento em que a cessão se torne eficaz entre o cedente e o cessionário.”
DD. Esta norma conjuga-se com o disposto no art. 585.º do CC e diz respeito às exceções que obstam ao nascimento do crédito ou produzem a sua extinção.
EE. No que ao direito de retoma concerne, terá de conjugar-se também como disposto nos seus números seguintes:“7 – A cessão de créditos para titularização respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objecto de cessão e todos os direitos e garantias dos devedores oponíveis ao cedente dos créditos ou o estipulado nos contratos celebrados com os devedores dos créditos, designadamente quanto ao exercício dos respectivos direitos em matéria de reembolso antecipado, de renegociação das condições do crédito, cessão da posição contratual e sub-rogação, mantendo estes todas as relações exclusivamente com o cedente, caso este seja uma das entidades referidas no nº 4. 8 - No caso de cessão para titularização de quaisquer créditos hipotecários concedidos ao abrigo de qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei nº 349/98, de 11 de Novembro, as entidades cessionárias passarão, por efeito da cessão, a ter também direito a receber quaisquer subsídios aplicáveis, não sendo os regimes de crédito previstos naquele decreto-lei de forma alguma afectados pela titularização dos créditos em causa.” (novo - redação introduzida pelo Decreto-Lei nº. 82/2002, de 5 de Abril).
FF. Há, assim, um impedimento legal, superveniente, por falta de verificação dos pressupostos para o exercício do direito de retoma dos contratos.
GG. A cessão do crédito exequendo ocorreu em 7 de Abril de 2022 motivo pelo qual, a partir dessa data, não mais é possível operar-se a retoma à estrutura comercial prevista no referido Decreto-Lei.
HH. Assim, repisa-se por ser verdade: verifica-se uma impossibilidade superveniente de retoma à estrutura comercial motivo pelo qual o regime legal do indicado Decreto-Lei tem, necessariamente, de ser harmonizado com a possibilidade legal de ocorrência de cessões de créditos, uma vez que estas não estão impedidas.
II. Conforme já tivemos oportunidade de alegar o DL 74-A/2017 de 23 de Junho e, em concreto, nos dispostos nos artigos 28.º e 29.º do mesmo não se aplica à cessionária, titular dos créditos.
JJ. Mesmo junto do Banco Cedente, os executados não preenchiam, sequer, os pressupostos do art. 28.º, n.º 1 do indicado DL 74-A/2017 de 23 de Junho, uma vez que a retoma pressuporia, entre outros, a inexistência de créditos reclamados e foram reclamados créditos pelo Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional.
KK. Repisa-se por se verdade: além de o direito à retoma não ter aplicabilidade à cessionária, nem sequer estão verificados os pressupostos para que tal pudesse ocorrer junto do Banco Cedente.
LL. O Banco 1... já não é exequente nem titular dos créditos, pelo que tal regime legal já não tem aplicação, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeito.
MM. A alegação de que impossibilidade de retoma dos contratos deve ser considerada uma fraude à lei, encontra-se desprovida de sentido e tanto não o tem que os recorrentes não lograram fazer prova dos termos em que a mesma se teria verificado.
NN. Se assim fosse o entendimento, não haveria cessões de créditos e, neste caso, cada exequente/credor reclamante seria obrigado a manter-se nessa posição processual até findarem os respectivos processos executivos.
OO. A fraude invocada é o incumprimento do dever de retoma, que tal como resulta do disposto no artº. 29.º, bd) do Decreto-Lei nº. 74-A/2017 constitui contraordenação punível nos termos da alínea m) do artigo 210.º do RGICSF.
PP. Ora, a violação do dever não está demonstrada nos autos e não tem efeitos sobre a validade do contrato de cessão.
QQ. A contraordenação incide sobre a entidade mutuante e os seus efeitos esgotam-se nessa sua posição pois ou violou o dever de retoma ou não violou, e se violou sujeita-se à punição.
RR. Isto nada tem que ver nem colide com a o contrato de cessão, logo nada tem que ver com a sua validade substancial, pelo que não pode a mesma ser atacada, como tentam os executados.
SS. Tal alegação de “querer retomar à estrutura comercial” constitui apenas mais uma manobra dilatória: simplesmente, com esta alegação, viram um escape para se furtarem às responsabilidades que sabem ter e que não pretendem assumir.
TT. O direito á retoma foi exercido, várias vezes, pelos executados, em face do Banco 1... enquanto exequente e titular dos créditos em execução, conforme resulta dos autos.
UU. Dispõe o n.º 3 do art. 28.º do DL 74-A/2017 de 23 de Junho que “O mutuante apenas está obrigado a aceitar a retoma do contrato duas vezes durante a respetiva vigência”.
VV. É por demais evidente que ocorreram várias incidências desde a instauração da acção executiva até à presente data e, inclusive, resulta da exposição feita pelo Sr. Agente de Execução, em 26.10.2023 “Aliás o signatário agendou a visita ao imóvel penhorado (para atestar o estado de conservação e afixar edital penhorado) a 13-03-2018,16-11-2020,17-03-2021,18-06-2021,19-10-2022,17-02-2023 e 07-04-2023. As mesmas não se realizaram dado os pagamentos em atraso pelos executados OU dado existirem recursos pendentes.” (destaque nosso).
Da apontada nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC:
WW. Não se verifica qualquer nulidade nos termos alegados pelos recorrentes e não podem os mesmos crer que os autos se compadeçam com sucessivos exercícios de contraditório.
XX. Os recorrentes alegaram o que entenderam e tiveram por conveniente no requerimento de 16.10.2023 e, por despacho de 17.11.2023 foi concedido o contraditório à recorrida e que esta exerceu em 30.11.2023: após isto, naturalmente não tinha de ser dado novo contraditório sob pena de eternização dos autos: impunha-se, isso sim, uma decisão como aconteceu.
YY.A discordância dos recorrentes, das decisões tomadas pelo Tribunal, não geram de per si nulidade e a resposta à alegação, feita pelos recorrentes, em 15.12.2023 é manifestamente dilatória e repetitiva pelo que deveria, inclusive, ter sido ordenado o seu desentranhamento.
ZZ. Por tudo quanto foi alegado, deve o recurso interposto pelos recorrentes ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra, a sentença proferida pela Meritíssima Juiz a quo”.
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            Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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            II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Da inadmissibilidade do recurso.
2ª- Da decisão surpresa e dos vícios da decisão recorrida;
3º - Da anulação da venda, por “nulidade processual”, dada a falta de afixação de editais na porta do imóvel;
4º- Da extinção da ação executiva, dado o direito dos executados à retoma dos contratos.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além do que consta do relatório que antecede, cumpre considerar os seguintes factos considerados provados pelo Tribunal a quo, vicissitudes processuais, e, por isso, plenamente provados pelo que dos próprios autos resulta (transcrição):
1. A presente ação executiva sob a forma sumária foi deduzida em 27 de janeiro de 2017 por Banco 1... S.A. contra AA e BB, com base em quatros escrituras públicas de mútuo com hipoteca, pedindo o exequente o pagamento de 211 537,56 € (Duzentos e Onze Mil Quinhentos e Trinta e Sete Euros e Cinquenta e Seis Cêntimos), dívida essa garantida por hipoteca sobre bem imóvel.
2. Os Executados não efetuaram o pagamento das prestações vencidas em 05/04/2016 (quanto ao primeiro contrato), 05/10/2016 (quanto ao segundo), 05/01/2016 (quanto ao terceiro) e 02/01/2016 (quanto ao quarto contrato), nem de qualquer das prestações subsequentes.
3. O imóvel dado em hipoteca foi penhorado em 2017/02/15.
4. Os executados foram citados após a penhora em 20-02-2017.
5. Os executados não deduziram oposição à execução, nem à penhora.
6. Os executados constituíram mandatário em 31-05-2022.
7. O Agente de Execução agendou a visita ao imóvel penhorado com os executados para atestar o estado de conservação e afixar edital penhorado a 13-03-2018, 16-11-2020, 17-03-2021, 18-06-2021,19-10-2022, 17-02-2023 e 07-04-2023.
8. As mesmas não se realizaram porque os executados, durante esse período, encetaram negociações com o Banco primitivo exequente que incluíam a retoma e/ou reestruturação do contrato e pagamento das prestações – cfr. emails trocados entre a I. Mandatária do Banco 1... e o Agente de Execução, juntos com o Documento: ....
9. E também porque interpuseram recurso (REFª: 44875630) e o Agente de Execução decidiu suspender as diligências de venda (Documento: ...).
10. O edital a que alude o artigo 755.º, nº3 foi afixado no imóvel penhorado em 17/04/2023.
11. Os executados participaram da diligência de verificação do estado do imóvel, abriram a porta do imóvel penhorado, pediram para que não fosse fotografado o interior do imóvel, pretensão que foi aceite e foi vertida no auto efetuado no local.
12. O Sr. Agente de Execução notificou os executados para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda em 18-04-2023.
13. O que fizeram, requerendo que a venda fosse feita, por leilão eletrónico e pelo valor de 400.000,00€ - REFª: 45433818.
14. O Sr. Agente de Execução proferiu decisão sobre a modalidade – leilão eletrónico - e valor da venda - 470.588,23€ (mínimo de 400.000,00 €) - em 09-06-2023 e nesse mesmo dia notificou os executados, que nada disseram.
15. O Sr. Agente de Execução notificou os executados da data e local do leilão em 14-08-2023.
16. Realizou-se leilão eletrónico, que se encerrou no dia 26-09-2023, tendo sido apresentadas 57 propostas, sendo a melhor proposta no valor de 416.241,60 €.
17. No dia 27-09-2023 o Sr. Agente de Execução proferiu decisão no sentido da aceitação dessa proposta e notificou as partes dessa decisão.
18. O requerimento ora em apreciação foi apresentado em 16/10/2023.
19. A fazenda Nacional reclamou créditos garantidos por privilégio sobre o imóvel penhorado, que foram graduados por sentença de 27-04-2018.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª - Da inadmissibilidade legal do recurso.
Afirmando os executados não se conformarem com o despacho que indeferiu a sua pretensão - explanada no seu Requerimento de 16.10.2023 e Resposta que apresentou em 15.12.2023, em que requereram a anulação da venda do imóvel “Casa Morada de Família” e a Extinção do Processo, arguindo nulidades e invocando o “DIREITO DE RETOMA” dos contratos de crédito, plasmado no artigo 28.º do DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho – do mesmo se apresentaram a recorrer para este tribunal, afirmando fazê-lo nos termos dos arts “… 852.º, 853.º n.ºs 1, 2 als. b), c), e 4…”, do Código de Processo Civil, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência.
Foi, assim, interposto recurso do despacho que decidiu:
i) da “anulação da venda”;
ii) do referido incidente da “retoma” do contratos.
Estamos, pois, perante o recurso de uma decisão que se pronuncia sobre a anulação da venda e sobre um incidente, de natureza declaratória inserido na tramitação da própria execução e com relevância para a mesma.
Vejamos da admissibilidade do recurso interposto.
No processo executivo, em matéria de recursos, regem os arts. 852º a 854º, consagrando aquele preceito que “Aos recursos de apelação … de decisões proferidas no processo executivo são aplicáveis as disposições reguladoras do processo de declaração e o disposto nos artigos seguintes”.
Assim, ao processo executivo aplicam-se, por força do art. 852º, os artigos 853º e 854º e, subsidiariamente, as disposições que regulam o processo de declaração.
Tal, até, já decorria do nº1, do art. 551º, que consagra as “disposições reguladoras” aplicáveis em termos gerais ao processo de execução, mas “a insistência relativamente à matéria dos recursos encontra justificação, atenta a conveniência que decorre de uma regulação clara destes aspectos que resultavam algo nebulosos do CPC de 1961”[3].
Afirma Abrantes Geraldes “A maior utilidade prática da norma remissiva revela-se através da aplicação subsidiária aos recursos de apelação… da acção executiva das regras referentes aos pressupostos e tramitação dos recursos da acção declarativa, quer das disposições gerais sobre recursos, quer as normas sobre os recursos de apelação … que se ajustem ao processo de execução e que não obtenham regulamentação específica nos arts. 853º e 854º.
Tal aplicação subsidiária legitima designadamente a transposição para a acção executiva do preceituado nos nºs 3 e 4 do 644º (já que a aplicabilidade do nº2 é expressamente salvaguardada no art. 853º, nº2, al. a))”[4].
Estatui o artigo 853º, do CPC, que:
 “1 - É aplicável o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva.
2 - Cabe ainda recurso de apelação, nos termos gerais:
a) Das decisões previstas no n.º 2 do artigo 644.º, quando aplicável à ação executiva;
b) Da decisão que determine a suspensão, a extinção ou a anulação da execução;
c) Da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda;
d) Da decisão que se pronuncie sobre o exercício do direito de preferência ou de remição.
3 - Cabe sempre recurso do despacho de indeferimento liminar, ainda que parcial, do requerimento executivo, bem como do despacho de rejeição do requerimento executivo proferido ao abrigo do disposto do artigo 734.º.
4 - Sobem imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, os recursos interpostos nos termos dos n.ºs 2 e 3 de decisões que não ponham termo à execução nem suspendam a instância”.
Conforme decorre do estatuído no referido artigo, as decisões que ponham termo aos procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva (n.º 1), bem como as decisões tipificadas nos n.ºs 2 e 3 daquele art. 853º, são passíveis de interposição imediata de recurso – apelação autónoma – e, consequentemente, se este não for interposto, forma-se caso julgado material ou formal em relação a essas concretas decisões nos termos do disposto nos arts. 619º e 620º.
Outrossim, as decisões interlocutórias proferidas nos procedimentos ou incidente de natureza declaratória não constantes dos n.ºs 2 e 3 daquele art. 853º, proferidas no processo de execução só podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final (arts. 852º e 644º, n.º 3 do CPC), sendo que não havendo recurso dessa decisão final, aquelas podem ser autonomamente impugnadas em recurso único, a interpor após o trânsito da decisão final, desde que tenham interesse para o apelante e independentemente dela (arts. 852º e 644º, n.º 4 CPC)[5].
Neste conspecto, desde logo, por força do estatuído no nº1, do art. 853º, aos recursos de apelação interpostos de decisões proferidas em procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridos na tramitação da ação executiva é aplicável, logo por força dessa salvaguarda, o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração e o recurso da decisão que se pronunciou sobre a anulação da venda insere-se na al al. c), do n.º 2, do referido art. 853º, do CPC, sendo admissível o recurso, bem tendo, por isso, sido admitido.
*
2ª- Da “decisão surpresa” (nº3, do art. 3º e 195º) e dos vícios da decisão recorrida (os consagrados no nº1, do art. 615º).
Insurgem-se os apelantes contra a decisão recorrida, que entendem constituir “decisão surpresa” por falta de apreciação da resposta que apresentaram em 15/12/2023 à pronúncia (resposta) da parte contrária.
Tal não sucede, desde logo, por, na verdade, terem sido apreciadas, na decisão recorrida, as pretensões formuladas pelos executados, ora apelantes, tendo o Tribunal a quo conhecido as questões que lhe foram colocadas pelos requerentes, quer no referido articulado quer no anterior, por eles apresentado em 16/10/2023.
Vejamos.  
Cabe ao juiz fazer observar o contraditório (ao longo de todo o processo), não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões-surpresa, sendo que com o aditamento do nº 3, do art. 3º e a proibição de “decisões-surpresa”, se pretendeu assegurar uma maior eficácia do sistema, colocando, com maior utilidade prática, a contraditoriedade ao serviço da boa administração da justiça, intensificando-se a colaboração e o contributo das partes para a satisfação dos seus próprios interesses, com vista à justa composição dos litígios.
O dever de audição prévia existe sempre que estejam em causa factos ou questões de direito, mesmo que meramente adjetivas, suscetíveis de virem a integrar a base de decisão.
Constitui decisão-surpresa o, inopinado, conhecimento de questão deduzida por uma parte sem respeito pelo direito de pronúncia da parte contrária.
Contudo, concedido à parte contrária direito de pronúncia e exercido tal direito não nasce, sem mais, para a parte primitiva um direito de “responder à resposta” e de apresentar articulados “anómalos”.
No caso, e quanto à questão que passamos a apreciar, arguida nulidade processual e conferido à parte contrária direito de exercer o contraditório, estava o Tribunal devidamente habilitado a proferir decisão sobre a questão, que de decisão surpresa se não trata, antes decisão que, no confronto das partes, se pronunciou sobre os requerimentos apresentados e pretensões formuladas, que julgou improcedentes, sendo o Tribunal livre na subsunção jurídica do caso.  
E as nulidades da sentença, vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com eventuais ou hipotéticos erros de julgamento.
Fundamentada estando a decisão, de facto e de direito, como da própria decisão resulta, pois que indicados se mostram os factos considerados provados e as razões de direito conducentes à decisão, temos também a referir que nulidade por omissão ou excesso de pronúncia há de resultar da violação do dever prescrito no n.º 2, do referido artigo 608º, do qual resulta o dever do juiz de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Na verdade, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras[6] e o dever de pronúncia obrigatória mostra-se delimitado pelo pedido e causa de pedir[7].
O dever imposto no nº2, do artigo 608º diz respeito ao conhecimento, de todas as questões que a apreciação do pedido e da causa de pedir suscitam e já não os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e da lei. Para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir e a questão resolvida pelo juiz[8].
Orienta-se a jurisprudência uniformemente no sentido de a nulidade por omissão de pronúncia supor o silenciar por parte do tribunal sobre qualquer questão de cognição obrigatória, isto é, que a questão tenha passado despercebida ao tribunal, já não preenchendo esta concreta nulidade a decisão escassamente fundamentada a propósito dessa questão[9] ou decisão que não acolha os argumentos do apelante e decida em sentido oposto ao que o mesmo se apresentou a propugnar, sendo esta a situação que se verifica no caso concreto.
In casu, nenhuma nulidade, seja processual por violação do contraditório, seja nulidade da decisão, por vícios tipificados nas alíneas b) a e), do nº1, do art. 615º, se verifica, estando na decisão especificados os fundamentos de facto e de direito que a justificam, são eles consequentes em termos lógicos com a decisão clara, inequívoca e ininteligível e conhecidas foram as questões apreciadas, bem tendo o Tribunal a quo considerado ter-se já verificado venda do imóvel à data em que os executados se apresentaram a requerer (v. fps provados 16 e 17 –16. Realizou-se leilão eletrónico, que se encerrou no dia 26-09-2023, tendo sido apresentadas 57 propostas, sendo a melhor proposta no valor de 416.241,60 €”.”17. No dia 27-09-2023 o Sr. Agente de Execução proferiu decisão no sentido da aceitação dessa proposta e notificou as partes dessa decisão) não tendo o Tribunal deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar nem conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento.
Não padece, pois, a decisão de qualquer dos apontados vícios formais, que improcedem.
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3º- Da nulidade processual (por falta de afixação de editais na porta do imóvel a vender) conducente a anulação da venda.
Cumpre começar por referir que, quanto à vertente da decisão de facto, apesar de os apelantes manifestarem discordâncias, não se apresentaram os mesmos a impugnar a decisão de facto, mostrando-se, desde logo, inobservados os ónus, para tanto, impostos.
Encontram-se os ónus de impugnação da decisão de facto enunciados nos nº1, do art. 639º e nos nº1 e 2, a), do art. 640º, decorrendo eles dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, visando garantir a seriedade e a consistência do recurso e assegurar o exercício do contraditório.
Comecemos por referir que, na verdade, os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer de impugnação.
Na verdade, a lei adjetiva, que no nº1, do art. 639º, consagra o ónus de alegar e de formular conclusões, estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que:
 “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Verifica-se, no caso, que não vem pedida a “alteração ou anulação da decisão”, mas sim a revogação da decisão proferida, que julgou improcedente a pretensão dos executados de anulação da venda e de extinção da execução pelo exercício do direito de retoma dos contratos.
Ora, não estão preenchidos os pressupostos de ordem formal da impugnação da decisão da matéria de facto, não vindo formulada pretensão recursória no sentido de alteração ou anulação da decisão de facto, passando-se à análise de mérito.
E entrando na reapreciação de mérito da decisão recorrida, cumpre referir que as nulidades processuais respeitam à própria existência de atos processuais.
E quanto às regras gerais sobre a nulidade dos atos, estatui, para estas nulidades, o nº1, do art. 195º, que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Consagra-se, assim, um sistema que remete para uma análise casuística, em que se invalida apenas o ato que não possa ser aproveitado, sendo que invalidado um ato tal acarreta que se invalidem todos os subsequentes que se lhe sigam que daquele dependam absolutamente.
Constitui exemplo de omissão de ato prescrito na lei a falta de cumprimento do dever jurídico do juiz de realizar determinada diligência.
Contrariamente ao que concluem os apelantes, quanto ao regime e meio de arguição, a regra é a de que o juiz só conhece destas nulidades mediante arguição da parte e o meio processual próprio para o fazer é a reclamação (v. parte final do art. 196º e 197º), no momento em que ocorrer a nulidade, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário e, no caso de o não estar, o prazo geral de arguição, de dez dias, conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando se deva presumir que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (cfr. arts. 199º, n.º 1 e 149º, n.º 1, do C. P. Civil).
Apresentaram-se os executados a reclamar, arguindo nulidade embora o tenham feito muito para lá do prazo, pois que tendo tido conhecimento de todos os atos praticados no processo, onde, há anos, se encontram representados por advogado, só se apresentara a arguir meses depois de poderem conhecer de nulidade que existisse agindo com a diligência devida.
Ora, objeto do presente recurso é, desde logo, a decisão que, na sequência do requerido pelos executados, apreciou a arguida nulidade processual e da, peticionada, anulação da venda.
Cumpre, pois, analisar da procedência da arguida nulidade processual e se deve ser anulada a venda realizada nos autos.
O artigo 839º, do CPC, prevê casos em que a venda fica sem efeito entre eles se contando o de isso suceder por invalidade processual (als. b) e c), do nº1). Esta última alínea reporta-se à situação de anulação do ato da venda, nos termos do art. 195º.
Assim, “A venda fica sem efeito se for anulado o ato de venda (art. 195º), designadamente por verificação dos seguintes vícios: omissão da notificação da decisão do agente de execução sobre a venda (art. 812º, nº 6); omissão da publicidade da venda ou publicação sem a antecedência devida, …”[10].
E como António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa bem chamam a atenção “estas nulidades não são de conhecimento oficioso, devendo ser arguidas pelos interessados (arts. 196º, 197º, 199º e 200º, nº3) sendo apreciadas após ser facultado o contraditório a quem possa vir a ser afetado pela procedência da arguição (arts. 201º e 3º, nº3)”[11].
Não são, pois, como resulta da lei e da interpretação que dela é efetuada, insanáveis como pretendem os apelantes. Se não arguidas no referido prazo, estabelecido por lei, sanam-se e a venda mantém-se, pois que a venda efetuada só pode ser anulada e ficar sem efeito nas específicas situações consagradas no art. 838º e 839º, nº1.  
Não podemos, pois, deixar de manifestar inteira concordância com as razões apresentadas pelo tribunal a quo ao considerar não se verificar a invocada nulidade, pois que a nulidade não foi invocada, como impõe a lei, no prazo de 10 dias a contar do momento do seu conhecimento, e não o tendo sido,  sanada se mostra – artigos 195º, 197º e 199º do Código de Processo Civil.
Bem resulta dos factos provados o conhecimento que os executados tinham da venda do imóvel em causa (até indicando valor – inferior ao da venda), e de toda a tramitação processual, estando, mesmo representados por advogado, bem tendo sido julgada sanada nulidade processual que pudesse existir e improcedente a arguição arguida, não sendo, pois, de anular o ato da venda nos termos do art. 195º.
Com efeito, bem resulta que o Sr. Agente de Execução notificou os executados para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda em 18-04-2023, o que fizeram, requerendo que a venda fosse feita, por leilão eletrónico e pelo valor de 400.000,00€ - REFª: 45433818. O Sr. Agente de Execução proferiu decisão sobre a modalidade – leilão eletrónico - e valor da venda - 470.588,23€ (mínimo de 400.000,00 €) - em 09-06-2023 e nesse mesmo dia notificou os executados, que nada disseram. O Sr. Agente de Execução notificou os executados da data e local do leilão em 14-08-2023. Realizou-se leilão eletrónico, que se encerrou no dia 26-09-2023, tendo sido apresentadas 57 propostas, sendo a melhor proposta no valor de 416.241,60 € e no dia 27-09-2023 o Sr. Agente de Execução proferiu decisão no sentido da aceitação dessa proposta e notificou as partes dessa decisão e o requerimento ora em apreciação foi apresentado em 16/10/2023.
Sanada se encontrando, à data da apresentação do requerimento, nulidade que pudesse ter existido, por falta de afixação de editais, não pode ser anulado o ato de venda como solicitado pelos executados, bem tendo, assim, sido julgada improcedente a arguição de nulidade.
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4º. Da extinção da execução, pela procedência do requerido exercício do direito de retoma dos contratos.

Fundam os executados a extinção da execução, que pretendem, num direito que afirmam ter de retoma dos contratos, consagrado no artigo 28.º, Decreto-lei n.º 74-A/2017, de 23/6, que dispõe:
“1 - O consumidor tem direito à retoma do contrato no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo presente decreto-lei ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos por outros credores, e desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas.
2 - Caso o consumidor exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições iniciais, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento.
3 - O mutuante apenas está obrigado a aceitar a retoma do contrato duas vezes durante a respetiva vigência” (negrito nosso).
Constata-se, assim, que, sendo incidentes da instância os nominados, consagrados no Código de Processo Civil e, outros, existindo, quer no referido código quer em legislação avulsa, não pode deixar de se considerar, em processo executivo, como tal, o procedimento previsto no art.º 28º do DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, relativo ao Regime dos Contratos de Crédito Relativos a Imóveis, que tem a epígrafe “Retoma do Contrato de Crédito”.
Tal incidente pode ser deduzido por meio de embargos à execução, no seu prazo, e pode sê-lo, como um incidente inominado, no próprio processo executivo, até à venda do imóvel. E, na verdade, a retoma do contrato pode ocorrer, por força da citada legislação, quando se verifiquem os seus pressupostos legais, vindo o executado ao processo, nos embargos de executado ou posteriormente, até à venda do imóvel, por via incidental, desde que verificados se mostrem os respetivos requisitos, retomando o contrato todos os seus efeitos e extinguindo-se a execução[12].
 Contudo, a retoma do contrato de crédito à habitação própria, por meio do incidente previsto em legislação avulsa, enxertado no processo executivo, só pode ter lugar até à venda do imóvel[13] e desde que preenchidos os demais pressupostos previstos no referido art.º 28.º, de verificação necessária, entre eles o, efetivo, “pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas e que seja possível manter o contrato de crédito em vigor nos exactos termos e condições iniciais, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento”[14].
Como quem invoca um direito tem de alegar e provar os factos constitutivos do mesmo (nº1, do art. 342º, do Código Civil), constitui “ónus do executado comprovar o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como, os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas, se pretende obter o reconhecimento do direito à retoma do contrato de crédito, ao abrigo do art. 28º DL 74-A/2017 de 23 de junho[15].
Ora, tal direito, com características e pressupostos específicos, não pode ser reconhecido aos executados, desde logo atenta a fase em que o processo se encontra, com venda já realizada.
Assim, sendo de indeferir a nulidade arguida, não se anulando a venda, como solicitado, atento o estado dos autos e, mesmo, a falta de pagamento, resultando não estarem os executados em tempo de exercerem o direito em causa e inverificados se mostrando, também, os pressupostos específicos estatuídos no referido art. 28º, do DL 74-A/2017, de 23 de junho, não pode o incidente merecer outra decisão senão a improcedência.
Não se verificando os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito à retoma, não pode o mesmo ser reconhecido, prejudicado ficando o conhecimento de outras questões e não cabe ao Tribunal de recurso apreciar, como referido, questões novas, não suscitadas e apreciadas pelo Tribunal a quo.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelos apelantes, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*


            III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelos apelantes, pois que ficaram vencidos – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.







Porto, 18 de março de 2024

Assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Desembargadores

Eugénia Cunha
Anabela Mendes
Ana Olívia Loureiro
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[1] Alegado vem:
(…) 3º O Sr. Agente de Execução não afixou o edital na porta do imóvel propriedade dos executados quando efetivou a penhora, in casu no dia 15.02.2017, estando a isso legalmente obrigado.
Com efeito,
4º Na referida data os executados ainda se encontravam em revelia e sem profissional do foro que os representasse condignamente.
Sucede que,
5º Após ter sido determinada a modalidade da venda no dia 09.06.2023, não foi afixado pelo A. E. qualquer edital na porta do imóvel dos executados e publicitada a venda em leilão eletrónico in sítio “E- leilões”, estando a isso legalmente obrigado.
Deste modo,
6º Não foram identificados os intervenientes, o dia, local, hora, o tipo de bem e o seu valor, não dando cumprimento ao disposto no Nº 1, al. b) e 3º do citado artigo 817.º do C.P.C., não podendo ignorar da sua obrigatoriedade.
Assim,
7º Ficaram os executados em ignorância, desconhecendo a venda da sua “casa de morada de família”, facto que se revelava de importância crucial nas suas vidas.
Sucede que,
8º Tomaram conhecimento da venda da sua casa em leilão de forma fortuita já que por mera coincidência foi um vizinho, que os questionou se estariam a vender o imóvel no site e-leilões.
9º Facto que os aterrorizou, atendendo à iminente consumação da venda, sabendo-se agora que um terceiro venceu o leilão e terá o direito a fazer sua a propriedade do imóvel.
Não obstante,
10º A preterição dessas formalidades essenciais, configura a existência de NULIDADES INSANAVEIS (artigo 195.º do C.P.C.) e consequentemente deverão ser anulados todos os actos praticados após a sua verificação.
11º Importando a anulação da venda do imóvel realizada no “sítio e- leilões” dando-se a mesma sem efeito, o que desde já se requer. (…)
II DO INCIDENTE:
EXERCICIO DO DIREITO DE RETOMA
(DIREITOS DOS EXECUTADOS/CONSUMIDORES)
20º Dispõe o artigo 28.º, Nºs 1 e 2, do DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho, “Regime dos contratos de crédito relativos a imóveis”, sob epígrafe, “Retoma do contrato de crédito”, o seguinte:
1- O consumidor tem direito à retoma do contrato no prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação abrangidos pelo presente decreto-lei ou até à venda executiva do imóvel sobre o qual incide a hipoteca…
e desde que se verifique o pagamento das prestações vencidas e não pagas, bem como os juros de mora e as despesas em que o mutuante tenha incorrido, quando documentalmente justificadas.
2 - Caso o consumidor exerça o direito à retoma do contrato, considera-se sem efeito a sua resolução, mantendo-se o contrato de crédito em vigor nos exatos termos e condições iniciais, com eventuais alterações, não se verificando qualquer novação do contrato ou das garantias que asseguram o seu cumprimento.
21º Tal regime legal é aplicável aos presentes autos atento o disposto no seu artigo 2º, já que foram celebrados com o “Banco 1..., SA” 4 contratos de crédito ao consumo (habitação) garantidos por hipoteca, sendo tal regime jurídico imperativo.
Na verdade,
22º A ora exequente é a única credora nos autos, inexistindo outros credores ou créditos vencidos.
23ºA atual exequente“A... STC SA” ao adquirir os 4 créditos ao Banco 1... SA- CEDENTE, ficou vinculada nos mesmos termos que o seu antecessor, facto aceite unanimemente pela jurisprudência dos tribunais portugueses.
24º Sendo entendido inclusivamente pelos Tribunais Superiores que pese embora a atual exequente não seja uma instituição bancária, nada obsta a que tal direito possa ser exercido livremente pelos consumidores, sob pena de “Fraude à lei” e violação grosseira das normas instituídas pelo “DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho”, em vigor.
Deste modo,
25º A atual exequente, salvo melhor opinião, está obrigada a aceitar o exercício do direito de retoma dos contratos de crédito pelos executados.
26ºOs quais assumem todos os ónus inerentes, retomando os contratos de crédito celebrados nos precisos termos em que se encontravam antes da interposição da presente ação.
27ºPara o efeito comprometem-se a liquidar numa única prestação, as quantias vencidas, os juros vencidos e as despesas com o A.E. ou outras documentalmente comprovadas tal como previsto no artigo 28.º do citado diploma legal.
28ºTermos em que para todos os efeitos legais invocam “O DIREITO DE RETOMA DOS CRÉDITOS” requerendo o seu deferimento com todas as consequências legais.
29ºPelo que irão na presente data comunicar tal pretensão ao Sr. A.E., solicitando-lhe a elaboração da nota justificativa e discriminativa de honorários e despesas, a fim de serem discriminadas todas as quantias a liquidar para o efeito”.
[2] Sustenta a exequente:
- quanto à “apontada nulidade”: “…foram cumpridas todas as formalidades legalmente exigíveis.
7. Além disso, todas as diligências de pré-venda foram realizadas com a colaboração dos executados.
8. Os executados pronunciaram-se quanto ao valor mínimo de venda, participaram da diligência de verificação do estado do imóvel, abriram a porta do imóvel penhorado, pediram para que não fosse fotografado o interior do imóvel, pretensão que foi aceite e foi vertida no auto efetuado no local.
9. Além disto, foram agendadas e realizadas visitas ao imóvel, com a colaboração dos executados.
10. De notar que a penhora encontra-se registada pela AP. ...85 de 2017/02/13 cfr. edital junto aos autos, nos termos do disposto no art. 755.º, n.º 3 do CPC.
11. Os executados foram notificados da venda ocorrida em sede de leilão, bem como da data de término do mesmo, através da Sua Ilustre Mandatária, em 14.08.2023.
12. Seguramente os executados não atentaram com a devida prudência na modalidade de venda uma vez que foi decidida a venda mediante leilão electrónico e não mediante propostas em carta fechada.
13. Aliás, modalidade de venda que os próprios, até antes do exequente, indicaram.
14. Desta feita, o anúncio de venda encontra-se regulado no 19.º da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, tendo sido cumpridas, pelo Sr. Agente de Execução, todas as exigências do indicado normativo (…)”.
- e quanto ao “direito à retoma”:
17. A exequente aceita a transcrição feita, pelos executados, no ponto 20 do seu requerimento.
18. No entanto, e ao contrário do indicado no ponto 21.º tal regime legal já não é aplicável aos presentes autos uma vez que o Banco 1... não é titular do crédito objeto de execução. (…) 22. Além disso veja-se que a oposição à cessão de créditos feita pelos executados – ainda que inadmissível – já se mostra julgada, por decisão proferida em 13.02.2023, há muito transitada em julgado. (…) 24. O direito á retoma foi exercido, mais do que uma vez, pelos executados, em face do Banco 1... enquanto exequente e titular dos créditos em execução.
25. Ora, como indicado, o mesmo já não é exequente nem titular dos créditos, pelo que tal regime legal já não tem aplicação, o que desde já se alega e argui para todos os devidos e legais efeito.
Continuando:
26. A alegação de que impossibilidade de retoma dos contratos deve ser considerada uma fraude à lei, encontra-se desprovida de sentido e tanto não o tem que os executados não lograram fazer prova dos termos em que a mesma se teria verificado.
27. Se assim fosse o entendimento, não haveria cessões de créditos e, neste caso, cada exequente/credor reclamante seria obrigado a manter-se nessa posição processual até findarem os respectivos processos executivos.
28. A fraude invocada é o incumprimento do dever de retoma, que tal como resulta do disposto no artº. 29.º, bd) do Decreto-Lei nº. 74-A/2017 constitui contraordenação punível nos termos da alínea m) do artigo 210.º do RGICSF.
29. Ora, a violação do dever não está demonstrada nos autos e não tem efeitos sobre a validade do contrato de cessão.
30. São matérias distintas, e como tal com reflexos distintos.
31. A contraordenação incide sobre a entidade mutuante e os seus efeitos esgotam-se nessa sua posição pois ou violou o dever de retoma ou não violou, e se violou sujeita-se à punição.
32. Isto nada tem que ver nem colide com a o contrato de cessão, logo nada tem que ver com a sua validade substancial, pelo que não pode a mesma ser atacada, como tentam os executados.
33. Tal alegação de “querer retomar à estrutura comercial” constitui apenas mais uma manobra dilatória.
34. Simplesmente, com esta alegação, viram um escape para se furtarem às responsabilidades que sabem ter e que não pretendem assumir.
35. Assim, improcede in totum a tentativa de alegação formulada pelos executados, indeferindo-se o peticionado pelos executados, o que se requer, (…)”.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª edição, 2017, Almedina, pág 508
[4] Ibidem, pág 508
[5] Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à Luz do Código Civil de 2013”, 6ª ed., Coimbra Editora, pág. 423.
[6] Ac. do STJ, de 30/9/2014, proc. 2868/03: Sumários, setembro 2014, pág 39.
[7] Cfr. Ac. da RL de 17/3/2016, proc. 218/10: dgsi.net.
[8] Ac. do STJ, de 20/10/2015, proc. 372/10: Sumários, 2015, p. 555.
[9] Acs. STJ. de 01/03/2007, proc. 07A091; 14/11/2006, proc. 06A1986; 20/06/2006 e proc. 06A1443, in dgsi.pt.
[10] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, II vol. Almedina, pág. 260
[11] Ibidem, pág. 260.
[12] Ac. RG de 3/10/2019, proc. 2149/13.0TBGMR-B.G1, acessível in dgsi.pt
[13] Ac. RC de 28/3/2023, proc. 2194/20.0T8SRE.C1, acessível in dgsi.pt
[14] Ac. RP de 11/1/2022, proc. 2900/16.7T8LOU-B.P1, acessível in dgsi.pt
[15] Ac. RP de 10/2/2020, proc. 664/17.6T8LOU.P1, acessível in dgsi.pt.