Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
644/09.5TYVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
LIQUIDAÇÃO DOS BENS DA MASSA INSOLVENTE
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
IVA
DÍVIDAS DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RP20241008644/09.5TYVNG-A.P1
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A cessão da posição contratual, feita em sede de liquidação da massa insolvente, consubstanciou uma verdadeira transmissão de bem, “in casu”, a transmissão do imóvel cuja construção se encontrava em curso na decorrência do direito de superfície de que a insolvente era titular.
II - Para a construção da fábrica, a insolvente adquiriu bens e serviços no mercado interno (nomeadamente, os serviços de empreitada na construção do edifício designado por ...) e mercado comunitário, que contabilizou em imobilizações em curso e relativamente aos quais deduziu IVA, integralmente, por si, suportado, mormente por força do preceituado no n.º 30 .º do art.º 9.º e na al. a) do n.º1 do art.º 20.º, do CIVA.
III - E assim, desde 2008, a insolvente deduziu todo o IVA suportado na construção do imóvel sobre o prédio de que era superficiária, até ao mês de dezembro de 2010 (mesmo após a declaração da sua insolvência).
IV - Á data da outorga da escritura de 28.10.2010, no âmbito da liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente de A..., Ld.ª, não tendo a massa insolvente renunciado à isenção do IVA, como o poderia ter feito por força do disposto no art.º 9.º n.º 30 do CIVA, e tendo sido transmitido o imóvel que na sua contabilidade integrava o imobilizado em curso e cujo valor corresponde aos custos suportados com a sua construção, sem que tenha procedido a qualquer liquidação de IVA, em virtude da operação se encontrar isenta por força do disposto no aludido art.º 9, n.º 30, do CIVA e art.º13.º-C, da 6.ª Diretiva do Conselho, de 24.07, não se encontram preenchidos os pressupostos que decorrem do art.º 20.ºdo CIVA, e que conferem o direito à dedução do tributo.
V – Impunha-se, assim, à massa insolvente que procedesse à regularização do IVA deduzido relativo à aquisição de bens e serviços para a construção do imóvel e de outras despesas de investimento com ele relacionadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 644/09.5TYVNG-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1
Recorrente – Massa insolvente de A..., Ld.ª
Recorrido - Autoridade Tributária, representada pelo Ministério Público.
Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. João Proença
Desemb. Maria Eiró

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – No apenso de apreensão de bens aos autos de insolvência (por apresentação) da sociedade A..., Ld.ª, com sede na Avenida ..., ..., ..., Vila do Conde, declarada por sentença de 12.08.2009 e, devidamente transitada em julgado, que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 1, e em sede de liquidação do ativo foi, em 28.12.2010, outorgada escritura de “Cessão de posição contratual de superficiário e compra e venda” entre AA, que outorga na qualidade de administradora da insolvência da A..., Ld.ª, sociedade em liquidação como 1.ª outorgante e BB e CC, que outorgam na qualidade de administradores e em representação da B... SA, como 2.º outorgante, DD, que outorga na qualidade de Presidente e Vogal do Conselho de administração executivo da C... SA (anteriormente designada D... SA), como 3.º outorgante, pela qual a 1.ª outorgante cede à representada dos segundos outorgantes a sua posição contratual no contrato de constituição do direito de superfície sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ... e sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ..., tendo os terceiros outorgantes prestado o consentimento à cessão da posição contratual no contrato de superfície sobre os prédios de onde decorre o seguinte:
“(…) CINCO: Que a cessão da posição contratual no contrato de constituição do direito de superfície é feita pelo preço de três milhões setenta e três mil, trezentos e vinte e cinco euros e noventa e sete cêntimos, que na presente data se considera liquidado, através da compensação dos créditos da Segunda OUTORGANTE perante a sua representada, no mesmo valor, correspondentes aos créditos reclamados pela SEGUNDA OUTORGANTE no processo de insolvência da representada da SEGUNDA OUTORGANTE e aí reconhecidos, emergentes de contrato de empreitada celebrado entre ambas em vinte e dois de Julho de dois mil e oito e vinte e nove de Outubro de dois mil e oito, ficando a presente cessão da posição contratual sujeita ainda nos termos e condições que constam do documento complementar elaborado ao abrigo do número um do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado (…)” .
Da escritura referida faz parte integrante, documento complementar com a denominação “Cláusulas acessórias do contrato de cessão de posição contratual de superficiário entre a A..., Ld.ª (A...), a B..., SA (B...) a C... S.A. (C...)”.
Em 23.01.2012 os Serviços da Inspeção Tributária da Direção de Finanças do
Porto remeteram a A..., Ld.ª – em liquidação - carta aviso. E no cumprimento da Ordem de Serviço n.º ..., os Serviços da Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto efetuaram procedimento inspetivo à sociedade A..., Ld.ª – em liquidação, tendo sido apurado IVA em falta no montante de €2.021.092,34, relativo ao ano de 2010.
Em 4.03.2012 foi elaborado o relatório do procedimento inspetivo de onde decorre o seguinte: “(…) B. Motivo, âmbito e incidência temporal.
A presente ordem de serviço foi emitida inicialmente para informação externa do pedido de reembolso do período 1108, por proposta de análise interna.
Tal proposta foi apresentada por se ter constatado que a empresa deduziu o IVA suportado na construção de um imóvel, tendo solicitado reembolsos, sem que tenha procedido à regularização do IVA, quando transmitiu o imóvel (…)”.
Mais, consta de tal relatório que:
A A..., Ld.ª (…) encontra-se coletada pela atividade de fabricação de componentes eletrónicas desde 2008/05/27. Era sua intenção fabricar painéis solares.
Para o efeito deu início à construção das instalações fabris, em terreno alheio na qualidade de superficiária.
O direito de superfície foi constituído em 2008/10/29, conforme escritura outorgada nessa data entre a C..., SA anteriormente designada por E..., SA e a A.... Este direito foi constituído pelo prazo de 12 anos, com início em 2008/10/29 e teve por objeto a construção de uma fábrica e logradouro da mesma.
Para a construção da fábrica, a A... adquiriu bens e serviços no mercado interno e mercado comunitário, que contabilizou em imobilizações em curso e relativamente aos quais deduziu IVA suportado. Entre as aquisições no mercado interno encontram-se os serviços de empreitada na construção do edifício designado por ... prestados pela empresa (…).
À faturação das empresas B..., F... e G... aplicava-se para efeitos de IVA a regra de inversão do sujeito passivo, em cumprimento da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, tendo a A... liquidado o IVA que também deduziu na íntegra.
Também no que respeita às aquisições intracomunitárias de Bens (H...) procedeu à liquidação do IVA que também deduziu na íntegra.
A A... esteve permanentemente na situação de crédito de imposto, tendo solicitado reembolsos, o 1.º dos quais em julho de 2009 no valor de € 878.177,19, que foi deferido na totalidade (pediu reembolsos em períodos anteriores mas que foram indeferidos por falta de apresentação de garantia, tendo o crédito desses períodos sido reportado para Julho de 2009. Não chegou a iniciar a atividade.
(…)
Em 2009/08/12, a A... entrou em liquidação no âmbito do processo de insolvência n.º 3644/09.5TUVNG
(…)
Em 2010/10/28, foi celebrada escritura (…) de cessão de posição contratual de superficiário e compra e venda, em que foram outorgantes a administradora da insolvência da A... (superficiária), o representante da B... e o representante da C... (titular do direito de propriedade de raiz). De acordo com essa escritura, a A... cedeu a sua posição contratual de superficiária à empresa B..., pelo valor de € 3.073.325,97, correspondente ao crédito que a cessionária tinha para com a cedente, referente aos serviços prestados e não pagos na construção da fábrica, e a C... vendeu à B... o direito de propriedade.
Deste modo a B... passou a deter a propriedade plena do imóvel. Em documento complementar que faz parte integrante da citada escritura de cessão da posição contratual de superficiário, a B... comprometeu-se a requerer o averbamento do edifício, bem como a emissão do respetivo alvará de licença de construção e a requerer a libertação da garantia bancária prestada pela A... aquando do requerimento de licença parcial para a construção da fábrica. Refere-se ainda no documento complementar citado que “Atenta a cessão da posição contratual do direito de superfície, a A... entrega à B... todos os documentos relativos ao contrato de empreitada, designadamente, todos os projetos de execução e especialidades, contratos de fornecimento, empreitada e prestação de serviços (v.g. de fiscalização, coordenação de segurança, etc.) e livro de obra.
Constata-se assim, que a cedência da posição contratual do direito de superfície, se traduziu efetivamente na transmissão do imóvel cuja construção se encontrava em curso.
A cedência do direito de superfície efetuada a título oneroso configura uma operação sujeita a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IMT, sendo que no caso beneficia de isenção por se tratar de transmissão integrada no âmbito da liquidação da massa insolvente (artigo 270.º n.º 2 do DL 53/2004).
Na respetiva liquidação de IMT n.º ... – isenta, de 2010/12/20, é feita referência ao edifício industrial em fase de construção incluído na parcela de terreno. Assim, para efeitos do IVA, por força do n.º 30 do artigo 9.º do CIVA que estabelece que se encontram isentas “as operações sujeitas a imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis”, aquela operação de cedência do direito de superfície consubstancia uma operação isenta sem direito a dedução.
B – Conclusão
No âmbito da cedência do direito de superfície que tinha como objeto a construção de uma fábrica e logradouro da mesma e que à data da cedência desse direito se encontrava em fase de construção, a A... transmitiu o imóvel que na sua contabilidade integrava o imobilizado em curso e cujo valor corresponde aos custos suportados com a sua construção, sem que tenha procedido a qualquer liquidação de IVA, em virtude da operação se encontrar isenta por força do disposto no n.º 30 do artigo 9.º do CIVA, nem a qualquer regularização do imposto deduzido.
Por sua vez, ao longo de 2008 a 2010, deduziu todo o IVA suportado na construção desse imóvel (…)”.
Em resultado das correções a que se alude em 8), foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º ..., respeitante ao período de 1012 no montante de €2.021.192,34, dela decorrendo o seguinte: “FUNDAMENTAÇÃO Liquidação adicional feita com base em correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária”.
Foi emitida a respetiva liquidação de juros compensatórios n.º ..., no montante de €92.808,72 de onde decorre o seguinte: “FUNDAMENTAÇÃO: Juros compensatórios liquidados nos termos do n.º 1 do art.º 96.º* do Código do IVA e do art.º 35.º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo.
- Imposto em falta sobre o qual incidem os juros 2.021.192,34
- Período a que se aplica a taxa de juro de 2011/02/10 a 2012/04/04
- Taxa de juro aplicável ao período - a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do n.º 1 do art.º 559.º do código civil.
- Valor dos juros --- 92.808,72”.
A notificação das liquidações descritas foi efetuada por Via CTT, constando do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Dessas liquidações foi apresentada reclamação graciosa e por despacho de 24.09.2013 foi indeferida a reclamação graciosa.
Do indeferimento da reclamação graciosa foi interposto recurso hierárquico e por despacho de 14.10.2014 o recurso hierárquico foi indeferido.
Por sentença do T.A.F. do Porto foi julgada improcedente a impugnação que a A..., Ld.ª aí interpôs.
A A..., Ld.ª interpôs depois recurso para o S.T.A. que, por acórdão de 11.10.2023, confirmou a decisão recorrida.

Perante esta factualidade, o M.ºP.º junto do tribunal recorrido entendeu que “… o crédito em causa não é um crédito sobre a insolvência (inexistia à data da declaração de insolvência) mas antes uma despesa da liquidação que deve ser paga de acordo com a regra da precipuicidade das custas do processo e das despesas de liquidação”, ou seja “… que o crédito em causa tem por fundamento um ato de liquidação da massa insolvente, e consubstancia uma despesa da liquidação que deve ser paga de acordo com a regra da precipuicidade das custas do processo e das despesas de liquidação, não relevando a posição da Comissão de Credores e de credores da insolvência ao quererem classifica-la como dívida sobre a insolvência”.

Posição contrária, expressaram nos autos a Comissão de Credores e a Sr.ª AI.

Em 15.03.2024 foi proferido o seguinte despacho, ora recorrido: “Em 31.10.2023 veio a A.I. juntar aos autos Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do processo judicial n.º 411/15.7BEPRT, que confirmou a sentença proferida em 1.ª instâncias solicitando a abertura de vista ao M.ºP.º para reclamar créditos.
Mais informou a A.I em 04.12.2023 que, em 23.10.2023 após a notificação do Acórdão supra referido, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 11.10.2023, a A.I., enviou email dirigido ao Serviço de Finanças, a questionar a existência de dívidas da massa insolvente A..., Ld.ª, tendo o SF, no mesmo dia, informado que não existem dividas da massa insolvente A..., Ld.ª.
Com vista nos autos, em 17.11.2023, o M.ºP.º, foi de entendimento de que, o crédito não é um crédito sobre a insolvência, pois o seu fundamento não é anterior à data da declaração da insolvência de A..., Ld.ª; é um crédito que tem por fundamento um ato de liquidação da massa insolvente, e consubstancia uma despesa da liquidação que deve ser paga de acordo com a regra da precipuicidade das custas do processo e das despesas de liquidação.
A comissão de credores pronunciou-se em 06.02.2024 concluindo que o crédito tributário titulado pela AT, reporta-se a IVA e juros compensatórios referentes à tributação da cessão da posição contratual do direito de superfície constituído em 29.10.2009, cuja cessão entre a insolvente, a B..., S.A e a C..., S.A., ocorreu em 28.12.2010.
Vejamos.
A questão que se coloca é saber se o crédito em causa de IVA e juros compensatórios, é dívida da massa insolvente ou sobre a insolvência.
Em 12.08.2009 foi proferida sentença a declarar a insolvência da A..., Ld.ª, já transitada em julgado.
A constituição do direito de superfície em causa ocorreu por escritura outorgada em 29.10.2008 entre EE e FF, na qualidade de administradores e em representação da D..., S.A. e DD e GG, na qualidade de gerentes e em representação da A..., Ld.ª, pela qual aqueles constituem a favor destes o direito de superfície sobre o prédio inscrito na matriz urbana sob o art.º ... e sobre o prédio inscrito na matriz sob o art.º ....
Em 28.12.2010 foi outorgada escritura de cessão de posição contratual de superficiário e compra e venda entre AA, na qualidade da A.I. da A..., Ld.ª, sociedade em liquidação e BB e CC, na qualidade de administradores da B..., S.A., DD na qualidade de Presidente da C..., S.A. (ex. D...), pela a 1.ª cede à 2.ª a sua posição contratual no contrato de constituição do direito de superfície sob os prédios inscritos na matriz sob os art.ºs ... e ..., tendo os 3ºs. prestado o seu consentimento à cessão.
Em 23.10.2023 o Serviço de Finanças, informou a A.I. de que não existem dívidas da massa insolvente A..., Ld.ª.
Com a declaração da insolvência e a consequente apresentação e verificação de todos os créditos devidos, distinguindo dois troncos principais: créditos da massa insolvente, fartamente elencados no artigo 51.º do CIRE, e créditos da insolvência nos termos do artigo art.º 47.º n.º4) do mesmo código, estes divididos em classes: a) «Garantidos» e» privilegiados» os créditos que beneficiem, respetivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios da massa insolvente, até o montante correspondente ao valor dos bens objetos das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes; b) «Subordinados» os créditos enumerados no artigo 48.º exceto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não extingam por efeito da declaração de insolvência; c) «Comuns» os demais créditos. Especificamente sobre os créditos tributários, estes, têm seu vencimento a partir do fim do prazo de seu pagamento voluntário, fixados nos códigos de cada imposto.
São créditos tributários sobre a insolvência, as obrigações tributárias, com fundamentos existentes antes da declaração de insolvência, bem como, os créditos que forem liquidados depois de proferida a sentença.
Os créditos tributários classificados como créditos da massa insolvente, são constituídos pelas dívidas relativas as obrigações, geradas pelos atos praticados após a declaração da insolvência, sejam em virtude da liquidação dos bens existentes na massa, ou da continuidade da atividade do insolvente (art.º 51.º n.º 1 do CIRE).
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.10.2023, proferido no Proc. 411/15.7BEPRT, manteve a decisão do T.A.F. do Porto, que julgara improcedente a impugnação do ato de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do período de 2010, no montante de €2.144.001,06,
O ato de liquidação adicional de IVA em causa incidiu sobre o contrato de cessão de posição contratual de superficiário e compra e venda celebrado em 28.12.2010, entre a massa insolvente de A..., Ld.ª e a sociedade B..., S.A., no âmbito da liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente.
É um crédito que tem por fundamento um ato de liquidação que não é anterior à data da declaração de insolvência (12.08.2009) da A..., Ld.ª, mas posterior a esta e por ato praticado pela A.I. – cessão da posição contratual -, enquadrável no art.º 51.º do CIRE.
Deste modo, entendemos que o crédito em causa não é um crédito sobre a insolvência, mas uma dívida da massa insolvente, consubstanciando uma despesa da liquidação, que deve ser paga de acordo com a regra da precipuicidade das custas do processo e despesas de liquidação.
Notifique”.

Inconformada com esta decisão, dela veio a massa insolvente de A..., Ld.ª recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra de que passe a constar que o crédito da Autoridade Tributária ora reconhecido no processo judicial que correu termos sob o n.º 411/15.7BEPRT é um crédito da devedora insolvente nos termos do disposto no artigo 47.º do CIRE e não da massa insolvente.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto do Douto despacho proferido de fls., que decidiu reconhecer o crédito da Autoridade Tributária, decorrente da ação judicial que correu termos sob o n.º 411/15.7BEPR, como sendo da massa insolvente, em vez de ser um crédito da devedora insolvente.
2. Salvo o devido respeito mal andou o Douto Tribunal “a quo”, pelo que seremos concisos e breves, dada a relativa simplicidade das matérias, as quais se resumem a uma questão “Decidenda”: -Saber se os créditos tributários agora em causa nos autos, decorrentes da ação judicial 411/15.7BEPRT, (liquidação adicional de IVA), no montante de €2.144.001,06 (dois milhões cento e quarenta e quatro mil um euro e seis cêntimos), são créditos tributários sobre a insolvente ou se são créditos da massa insolvente.
3. O douto despacho proferido em 18.03.2024, salvo o devido respeito, deve ser reformado, porquanto, cfr, consta de fls. a própria credora Autoridade Tributária em 23.10.2023, depois do transito em julgado do Acórdão proferido no processo 411/15.7BEPR, confessa e confirma à Administradora de Insolvência nomeada nos autos que a massa insolvente não tem dívidas à Autoridade Tributária.
4. Ao contrário do que é defendido pelo Tribunal a quo, o fundamento da dívida, não se trata do ato de liquidação da massa insolvente – tendo o fundamento da dívida a regularização de IVA de faturas que foram passadas pela devedora insolvente no âmbito da sua atividade.
5. O que foi decidido pela Comissão de Credores, em sede de liquidação, foi unicamente a cessão da posição contratual atinente a um direito de superfície.
6. A cessão da posição contratual consubstancia-se num ato de liquidação dos ativos apreendidos a favor da massa, na posição de património autónomo em relação à insolvente.
7. Pelo que, dúvidas não restam de que, a regularização das deduções de IVA efetuadas pela devedora insolvente, porque apenas aproveitaram a esta (e esta não pode confundir-se com a massa insolvente), é responsabilidade da sociedade devedora insolvente.
8. Pretende, assim, a recorrente massa insolvente da A... que o Venerando Tribunal revogue o Douto despacho ora em crise proferido pelo Tribunal “a quo”, em virtude do mesmo ter feito uma errada aplicação do disposto no artigo 51º do CIRE.
9. Em 23.10.2023 a própria credora Autoridade Tributária informou que a massa insolvente da A... não tinha dívidas à Autoridade Tributária;
10. Pelo que, mal andou o Douto Tribunal a quo, quando fundamentou considerou que o crédito da Autoridade Tributária agora em causa, o caso nos autos se enquadrava nos termos do disposto do artigo 51.º do CIRE.
11. Mal andou o Douto Tribunal quando refere que o fundamento, é o ato adicional de IVA em causa incidiu sobre o contrato de cessão de posição contratual de superficiário celebrado em 28.12.2010, entre a massa insolvente da A..., Ld.ª e a sociedade B..., S.A. no âmbito da liquidação.
12. O IVA em causa, não resulta de qualquer ato de liquidação, resulta sim, de faturas emitidas antes da A... ser declarada insolvente – trata-se de regularizações de IVA de faturas da devedora insolvente.
13. Quem beneficiou com a dedução do IVA no montante de €2.144.001,06 foi tão só a devedora insolvente, e não a massa insolvente.
14. A Administradora de Insolvência em conjunto com a Comissão de Credores (constituída por trabalhadores e outros credores), cumpriu com o disposto no artigo 169.º do CIRE, procurando, liquidar o património da devedora insolvente de forma que os credores fossem ressarcidos dos seus créditos.
15. Sucede que, segundo a lógica agora do Tribunal a quo, a Administradora de Insolvência e a Comissão de Credores, para que, não existisse dívida da massa não poderia ter cedido a posição contratual do direito de superfície, não poderia liquidar o ativo.
16. Nenhum credor e mais propriamente a Comissão de Credores, poderia aceitar liquidar o património e não haver qualquer retorno para a massa insolvente, ou melhor, liquidar património para ainda assim ficar com dívidas – ainda para mais quando neste caso, a B... havia invocado o direito de retenção.
17. Segundo o entendimento do Douto Tribunal, qualquer ato de liquidação (do direito de superfície) iria gerar uma dívida à massa insolvente – o que é subverter o regime jurídico do direito insolvencial e a proteção dos credores.
18. A aceitar a decisão/despacho proferido pelo Tribunal a quo, levaria a que as massas insolventes e os seus administradores e credores uma opção insustentável e contrária à natureza do processo de insolvência:
-Ou aceitam fazer regularizações para as quais for força da situação, não haverá meios (ou provavelmente não haveria insolvência…)
-Ou então, em vez de liquidarem celeremente o património, por não terem meios para a regularização, esperam 20 anos para fazer a liquidação.
19. Já como sucede in casu, o crédito aqui em causa, da regularização de IVA, se for considerado um encargo fiscal com a liquidação do património, ato obrigatório no processo de insolvência, consomem a totalidade do produto apurado com a venda dos bens, e por consequência, inexiste produto para distribuir pelos credores, designadamente os trabalhadores.
20. O ato de liquidação em sede de Insolvência cujo propósito é realizar dinheiro para distribuir pelos credores, neste caso, e segundo o entendimento do Tribunal a quo, apenas serviu para criar mais passivo, deixando de haver dinheiro para distribuir pelos Credores – o que é desvirtuar por completo o regime jurídico contemplado no CIRE.
21. Pelo que chegados aqui, teremos de nos questionar, se para os credores, não teria sido preferível que nos presentes autos, não se tivesse procedido à liquidação nos termos do disposto no artigo __ do CIRE, e se tivesse esperado os 20 anos para fazerem a liquidação.
22. Aliás, segundo o entendimento do Douto Tribunal a quo a resposta deveria ser afirmativa, até porque, já decorreram 14 anos, e caso os credores, designadamente os trabalhadores, esperassem mais 6 anos para proceder á liquidação do ativo, poderiam ser ressarcidos dos seus créditos, chegados aqui, segundo o Tribunal a quo, não serão ressarcidos de nada.
23. A tributação da massa insolvente por IVA, cuja responsabilidade é da devedora insolvente que o Douto Tribunal a quo defende, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa.
24. A massa insolvente cedeu o direito de superfície que incidem sobre os terrenos, ao passo que as deduções de IVA realizadas pela devedora insolvente antes da insolvência foram relativas a umas obras que não é nem pode ser o objeto do negócio pelo qual se transmitiu a superfície.
25. Ao aceitar-se que as regularizações do IVA (de faturas emitidas pela sociedade antes da insolvência) passem a ser dívidas da massa insolvente, é estar a atribuir ao IVA, um privilégio que a lei não contempla.
26. Tenta a Administração Fiscal obter dividendos de tributação e, no rateio/distribuição do produto da liquidação, ainda obter pagamentos preferenciais constituiria um duplo ónus que recairia sobre os restantes credores em benefício apenas de uma entidade;
27. As correções ao IVA deduzido e têm lugar em liquidações oficiosamente elaboradas pela AT e que, invariavelmente apresentam valores de imposto a pagar.
28. Parece-nos evidente que tais créditos não poderão ser qualificados como créditos sobre a massa insolvente apesar de o facto tributário (a correção do IVA) ser posterior à declaração de Insolvência.
29. Nesta medida, não se vislumbra como tal crédito poderá ser considerado divida da massa insolvente como o Douto Tribunal a quo defendeu inclusivamente contrariando a posição tomada pela Autoridade Tributária, que atestou que a massa insolvente da A... não tinha dívidas à Autoridade Tributária.
30. Pelo que, mal andou o Douto Tribunal a quo, quando fundamentou considerou que o Crédito da Autoridade Tributária agora em causa, o caso nos autos se enquadrava nos termos do disposto do artigo 51.º do CIRE.
31. Sendo também o despacho ilegal, uma vez que viola o disposto nos artigos 465.º do CPC, porquanto a Autoridade Tributária, informou, já depois de transitada em julgado a decisão pelo Supremo Tribunal Administrativo que a massa insolvente não detinha dívidas à Autoridade Tributária, e ainda assim o Douto Tribunal entendeu que as dívidas seriam da massa insolvente.
32. Ora, temos a Confissão junta aos autos por parte da própria credora Autoridade Tributária (Serviço de Finanças) de que a massa insolvente não tem dívidas à Autoridade Tributária – pelo que, sibi imputet.
33. Pelo que ao Douto Despacho de fls. violou o disposto nos artigos 47.º e 51.º do CIRE, fazendo uma incorreta interpretação do conceito de dívidas da massa insolvente.
34. Devendo o Douto Despacho de fls. ser revogado e substituído por uma decisão que reconheça o crédito da Autoridade Tributária decorrente do processo judicial 411/15.7BEPRT, como sendo dívida da devedora insolvente, e em consequência seja reclamado no âmbito da ação de verificação de créditos a intentar pela Autoridade Tributária.

O M.ºP.º junto do Tribunal recorrido juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.

II – Os factos relevantes para a decisão do presente recurso são os que estão enunciados no supra elaborado relatório, pelo que, por razões de economia processual, nos dispensamos de os reproduzir aqui.

III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da massa insolvente/apelante (e como bem assinalam as partes) é questão a apreciar no presente recurso:
- Saber se os créditos tributários em causa nos autos, decorrentes da ação judicial n.º 411/15.7BEPRT, (liquidação adicional de IVA), no montante de €2.144.001,06, a que acrescem juros vencidos desde dezembro de 2010, são créditos sobre a insolvência ou se são dívidas da massa insolvente.

Como é sabido, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, cfr. art.º 1º, nº 1 do CIRE.
Nos termos do n.º 1 do art.º 46.º do CIRE a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas. E de acordo com o preceituado no art.º 90º do CIRE “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência”.
E segundo o disposto no art.º 47.º do CIRE
“1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respetivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4 – (…)”
Em suma, os créditos da insolvência ou sobre a insolvência são os que, tendo natureza patrimonial ou tendo como garantia bens pertencentes à massa insolvente tenham fundamento anterior à data da declaração da insolvência. E tal distinção tem, como objetivo primordial, assegurar que primeiramente se paguem as dívidas relativas a atos sem os quais a própria liquidação não teria lugar e que redundam afinal em proveito comum dos credores. Ou dito de outra forma, os encargos com a liquidação da massa insolvente são ainda encargos do próprio devedor porque era sobre ele que recaia o dever jurídico de cumprir as suas obrigações, suportando os encargos inerentes a esse cumprimento juridicamente exigível. Ao assumir obrigações e contrair dívidas exigíveis, o devedor passa a responder com todo o seu património suscetível de penhora pelo cumprimento das suas obrigações, cfr. art.º 601.º do C.Civil e, nessa medida, torna-se juridicamente responsável pelas despesas que o cumprimento possa demandar.
Relativamente às dívidas da insolvência, geradas pelos créditos da insolvência elas têm de ser reclamadas nos autos pelos respetivos credores junto do AI dentro do prazo fixado na sentença declaratória da insolvência (ou, caso não o façam, então, dentro do prazo e limites fixados pelo art.º 146.º do CIRE, em ação instaurada contra a massa insolvente, os credores e o devedor), ainda que beneficiem de sentença transitada em julgado, que lhes reconheça os créditos (e respetivas garantias) que reclamam, cabendo ao AI reconhecer ou não esses créditos sobre a insolvência.
Daí que o n.º 1 do art.º 172.º do CIRE estabeleça o regime de pagamento das dívidas da massa, prescrevendo que antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo. O n.º 3 do mesmo preceito dispõe ainda que o pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.
E assim, o AI só tem de pagar as dívidas sobre a massa que o próprio reconhecer ou considerar ser previsível que se constituam até ao encerramento do processo. Pelo que, se o AI não reconhecer uma determinada dívida sobre a massa, a pessoa que se apresenta como credor terá de intentar ação destinada a obter a condenação da massa no pagamento. Sendo que tal é o que decorre do preceituado no art.º 89.º do CIRE, que apenas consagra um período de tréguas de três meses seguintes à declaração de insolvência dentro do qual tais ações não poderão ser instauradas. E segundo o n.º 2 de tal preceito, as ações, declarativas ou executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência. Todavia, o preceito exceciona precisamente as execuções por dívidas de natureza tributária, as quais têm de ser instauradas no tribunal competente que é o Tribunal Administrativo e Fiscal.
Daqui resulta, portanto, que não reconhecendo o administrador de insolvência o crédito e pretendendo discutir a obrigação de pagamento do mesmo pela massa, o administrador não deve atender a esse crédito nos rateios e nos pagamentos subsequentes e o credor terá de instaurar a competente ação para obter a condenação da massa no pagamento. Sendo o credor o Estado e a dívida de natureza tributária, a ação terá de correr termos no Tribunal Administrativo e Fiscal, sendo que a legitimidade para a instaurar pertence naturalmente ao credor Estado.
Ora, “in casu” como se viu o AI não reconheceu o crédito da AT em apreço nos autos, e impugnou-o junto dos tribunais competentes, sendo que, por via da Ac. do STA de 11.10.2023, proferido no Proc. n.º 411/15.7BEPRT, foi mantida a decisão do T.A.F. do Porto, que julgara improcedente a impugnação do ato de liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do período de 2010, no montante de €2.144.001,06.
Portanto o crédito resultante da liquidação adicional de IVA e juros compensatórios do período de 2010, no montante de €2.144.001,06 existe, resta apenas saber se o mesmo é um crédito sobre a insolvência ou se é um crédito sobre a massa insolvente.
Importa assim apurar quando se constituiu esse mesmo crédito.
Como resulta dos autos, está em causa uma dívida de IVA, referente ao período de julho de 2008 e dezembro de 2009, e respetivos juros de mora vencidos.
Vejamos a razão da existência de tal dívida.
A ora insolvente estava coletada pela atividade de fabricação de componentes eletrónicas desde 27.05.2008, concretamente, fabrico de painéis solares e para tanto deu início à construção de instalações fabris, em terreno alheio, na qualidade de superficiária, tendo o respetivo direito de superfície sido constituído em 29.10.2008, pelo prazo de 12 anos, sendo a outra parte outorgante (proprietária do terreno) a C..., SA, anteriormente designada por E..., SA.
Para a construção da fábrica, a insolvente adquiriu bens e serviços no mercado interno (nomeadamente, os serviços de empreitada na construção do edifício designado por ...) e mercado comunitário, que contabilizou em imobilizações em curso e relativamente aos quais deduziu IVA, integralmente, por si, suportado, mormente por força do preceituado no n.º 30 .º do art.º 9.º e na al. a) do n.º1 do art.º 20.º, do CIVA. E assim, desde 2008 a insolvente deduziu todo o IVA suportado na construção do imóvel sobre o prédio de que era superficiária, até ao mês de dezembro de 2010 (mesmo após a declaração da sua insolvência).
Esta situação, mantêm-se não obstante a declaração de insolvência, ou seja, nessa data a insolvente não era devedora de qualquer quantia relativa às deduções de IVA efetuadas, já que elas reportavam-se à construção de um imóvel, pertencente ao seu ativo imobilizado que, finda a construção, seria afeto ao normal desenvolvimento de uma atividade sujeita a imposto, e o mesmo, apesar da insolvência mantinha-se na respetiva massa insolvente.
Mas, como se viu, em 28.10.2010, no âmbito da liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente da A..., SA “foi outorgada escritura de “Cessão de posição contratual de superficiário e compra e venda” entre AA, que outorga na qualidade de administradora da insolvência da A..., Lda., sociedade em liquidação como 1.ª outorgante e BB e CC, que outorgam na qualidade de administradores e em representação da B... SA, como 2.º outorgante, DD, que outorga na qualidade de Presidente e Vogal do Conselho de administração executivo da C... SA (anteriormente designada D... SA), como 3.º outorgante, pela qual a 1.ª outorgante cede à representada dos segundos outorgantes a sua posição contratual no contrato de constituição do direito de superfície sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ... e sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ..., tendo os terceiros outorgantes prestado o consentimento à cessão da posição contratual no contrato de superfície sobre os prédios de onde decorre o seguinte:
“(…) CINCO: Que a cessão da posição contratual no contrato de constituição do direito de superfície é feita pelo preço de três milhões setenta e três mil, trezentos e vinte e cinco euros e noventa e sete cêntimos, que na presente data se considera liquidado, através da compensação dos créditos da Segunda OUTORGANTE perante a sua representada, no mesmo valor, correspondentes aos créditos reclamados pela SEGUNDA OUTORGANTE no processo de insolvência da representada da SEGUNDA OUTORGANTE e aí reconhecidos, emergentes de contrato de empreitada celebrado entre ambas em vinte e dois de Julho de dois mil e oito e vinte e nove de Outubro de dois mil e oito, ficando a presente cessão da posição contratual sujeita ainda nos termos e condições que constam do documento complementar elaborado ao abrigo do número um do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado”
Resultou assim que em 28.10.2010, foi outorgada escritura de cessão da posição contratual de superficiário e compra e venda, em que foram outorgantes a AI da insolvente (superficiária), o representante da sociedade “B...” e o representante da “C...”, titular da propriedade de raiz, e consequentemente, verifica-se que a insolvente cedeu a sua posição contratual de superficiária à empresa “B...”, pelo valor de €3.073.325,97, a qual tinha por objeto as citadas construções acima referidas (uma fábrica e logradouro da mesma). Na verdade, do respetivo documento complementar que faz parte integrante da citada escritura de cessão da posição contratual de superficiário, resulta que a “B...” se comprometeu a requerer o averbamento do edifício, bem como a emissão do respetivo alvará de licença de construção e a requerer a libertação da garantia bancária prestada pela insolvente, aquando do requerimento de licença parcial para a construção da fábrica, e ainda que esta entregou todos os projetos de execução e especialidades, contratos de fornecimento, empreitada e prestação de serviços (v.g. de fiscalização, coordenação de segurança, etc.) e livro de obra, esclarece que efetivamente o direito de superfície cedido corresponde também à edificação cuja construção se encontrava em curso. E aquando da liquidação do respetivo IMT, faz-se referência a edifício industrial em fase de construção, incluído na parcela de terreno.
Em suma, é manifesto que a cessão da posição contratual, feita em sede de liquidação da massa insolvente, consubstanciou uma verdadeira transmissão de bem, “in casu”, a transmissão do imóvel cuja construção se encontrava em curso na decorrência do direito de superfície que a insolvente havia adquirido, pois que, sem dúvidas, o direito de superfície que foi cedido tem por objeto (até na sua essência) a construção já existente no terreno.
Como já se aflorou acima, tal operação - cedência do direito de superfície efetuada a título oneroso e objeto dos autos configura uma operação sujeita a IMT, cfr. art.º 2.º n.º1 do CIMT, mas por ter sido efetuada no âmbito da liquidação da massa falida e por força do preceituado no art.º 270.º n.º2 do CIRE, dele está isenta a massa insolvente.
Mas no que concerne ao IVA, (deduzido), em apreço nos autos, dir-se-á que não tendo a massa insolvente renunciado à isenção do IVA, como o poderia ter feito por força do disposto no art.º 9.º n.º 30 do CIVA, e tendo sido transmitido o imóvel que na sua contabilidade integrava o imobilizado em curso e cujo valor corresponde aos custos suportados com a sua construção, sem que tenha procedido a qualquer liquidação de IVA, em virtude da operação se encontrar isenta por força do disposto no aludido art.º 9, n.º 30, do CIVA e art.º13.º-C, da 6.ª Diretiva do Conselho, de 24.07, não se encontram preenchidos os pressupostos que decorrem do art.º 20.ºdo CIVA, e que conferem o direito à dedução do tributo, assim se impondo que a massa insolvente tivesse procedido à regularização do IVA deduzido relativo à aquisição de bens e serviços para a construção do imóvel e de outras despesas de investimento com ele relacionadas.
Em suma, a dívida em apreço nos autos constituiu-se à data da outorga da escritura de 28.10.2010, no âmbito da liquidação dos bens apreendidos para a massa insolvente de A..., Ld.ª
Dúvidas não restam, pois, que o crédito em apreço nos autos, tem por fundamento um ato de liquidação da massa insolvente, e consubstancia uma despesa da liquidação que deve ser paga de acordo com a regra da precipuicidade das custas do processo e das despesas de liquidação.
Por fim dir-se-á ainda que, como decorre do que acima ficou exposto que, contrariamente ao defendido pela apelante a dívida de IVA, em apreço, não se trata de “regularizações de IVA de faturas da Devedora Insolvente”, resultando sim, de um ato de liquidação da massa insolvente levado a cabo pela respetiva AI.
E ainda que relativamente ao e-mail de 23.10.2023 a que alude a apelante, remetido pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde à AI, como defende a Exm.ª Procuradora do M.º P.º junto do Tribunal recorrido, é nossa convicção de que “a informação prestada por e-mail naquela data corresponde a erro de perceção do que foi questionado, não podendo dai retirar-se qualquer consequência, pois que essa informação não representa qualquer documento de quitação de dívida nem o lapso ocorrido altera a natureza e o tipo da dívida e por quem deve a mesma ser satisfeita”. Mais referindo ainda que “…nem a própria Ex.ma Administradora da Insolvência lhe atribuiu credibilidade já que, logo a 30/11/2023, pelas 10:13, questionou novamente o mesmo serviço de finanças via email sobre a existência de dívidas da massa insolvente, tendo no mesmo dia sido respondido afirmativamente e enviada a guia para pagamento no processo de execução fiscal n.º ..., da quantia de € 2.021.192,34, acrescida de juros contados até final de novembro de 2023 no valor de € 1.200.243,80, emails que a Ex.ma Administradora não juntou aos autos. Antes, no dia seguinte, 31/10/2023, juntou aos autos cópia do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/10/2023, requerendo a notificação do Ministério Público para que “possa vir reclamar créditos”.
Ou seja, vem agora a apelante tentar “agarrar-se a uma tábua de salvação, em cuja resistência nunca acreditou...”.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, improcedem todas as conclusões da apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida.

Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar as presentes apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante/massa insolvente.

Porto, 2024.10.08
Anabela Dias da Silva
João Proença
Maria Eiró