Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
457/16.8GBAGD.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Descritores: RECURSO
COMPETÊNCIA
DISTRIBUIÇÃO
MESMO RELATOR
Nº do Documento: RP20251019457/16.8GBAGD.P2
Data do Acordão: 10/19/2025
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DISTRIBUIÇÃO AO MESMO RELATOR
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Ordenada a devolução dos autos à 1ª instância para cumprimento de algum procedimento tido como omisso, nomeadamente para cumprimento de notificações em falta, uma vez retornado o processo à Relação, deve manter-se o mesmo coletivo – relator e adjuntos – inicialmente sorteado.
II – Desta forma, será assegurado o princípio da plenitude da assistência do juiz que funciona como elemento estruturante do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 457/16.8GBAGD.P2

I - Relatório
Em causa nos autos, um conflito negativo relativo a um alegado erro de distribuição o qual gerou, nesta Relação, decisões de recusa de competência por parte dos dois Relatores a quem o processo foi atribuído em diferentes momentos; a tramitação, assumidamente por analogia, foi a que decorre dos artigos 111º e 112º do CPC.
Procurando, em síntese breve, delimitar o objeto do presente antagonismo em ordem a solucioná-lo, temos que:
Os presentes autos foram inicialmente remetidos a este Tribunal da Relação do Porto e distribuídos a uma Mma. Desembargadora, como relatora.
A mesma, constatando que a remessa fora indevida, uma vez que nem todos os arguidos tinham sido notificados do acórdão e, por conseguinte, não decorrera ainda o prazo legal para a interposição de recurso, proferiu decisão sumária na qual revogou o despacho do tribunal de 1ª instância que determinara a subida dos autos “por se mostrar inquinado pelas referidas omissões e pecar por manifesta antecipação, com a consequente devolução do processo à 1ª instância com vista ao suprimento daquelas e cumprimento dos trâmites legais em falta”.
Recebidos os autos, o tribunal a quo procedeu à separação de processos relativamente a uma arguida que não foi possível notificar e ordenou a subida a este Tribunal da Relação do Porto novamente dos autos, os quais se mantêm, após a dita separação, os mesmos – mesmos recursos pelos mesmos litigantes.
Determinou-se a realização de uma distribuição autónoma, tendo o novo Ex.mo Relator sorteado proferido despacho no sentido de “os autos serem averbados à secção e ao coletivo de Magistrados a quem a primeira distribuição atribuiu competência”, invocando o disposto no art. 218º, do Cód. Proc. Civil.
Regressados os autos à primeira relatora a quem o processo fora distribuído, esta entendeu que o referido artigo 218º se reportaria “à manutenção da competência do relator nos casos de anulação ou revogação da decisão recorrida (…), sendo, pois, o equivalente cível dos arts. 379º, n.º 3 e 426º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal”. Entende que “nenhuma dessas situações se verifica na presente hipótese, sendo o teor e suporte ontológico de qualquer dos normativos indicados totalmente alheio ao caso em apreço”.
Foi colhido parecer do MP o qual se pronunciou no sentido de que “a decisão que foi anulada não foi o acórdão recorrido, mas o despacho que mandou subir os autos a este tribunal sem que tivessem sido notificados todos os arguidos daquele acórdão, despacho que foi anulado por não ter ainda decorrido o prazo legal de recurso em relação a todos os arguidos (...)” Donde, concluiu o MP, não ter aqui aplicação o disposto no artigo 218º do CPC, devendo os autos ser tramitados pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Relator sorteado na segunda distribuição.
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II – Fundamentação
Cumpre apreciar e decidir.
A nosso ver, efetivamente, não está em causa, diretamente, uma situação contemplada pelo artigo 218º do Código do Processo Civil.
Na verdade, este preceito diz respeito à “anulação ou revogação da decisão recorrida”; no caso, porém, a decisão recorrida não foi sequer alvo de escrutínio, mas, sim, o despacho - procedimental e autónomo daquele que apreciou o mérito do conflito - que, indevidamente, admitiu o recurso.
Isto dito, terá interesse perceber a “ratio legis” que esteve na origem deste artº 218º do CPC, introduzido a partir da reforma de 2013.
A medida foi justificada, no Preâmbulo da Proposta de Lei 1132/XII/2, como visando reforçar o princípio da unidade e tendencial concentração do julgador. Nela está em causa, nesta particular vertente, a explicitação do princípio da plenitude do juiz expressamente consagrado no artº 605º do CPC (leia-se Geraldes, Pimenta, Sousa, CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 263).
Tal princípio tem uma ampla cobertura que, sublinhe-se, está longe de se limitar ou restringir ao artigo 218º. Na verdade, nos termos da obra citada, deve aplicar-se àqueles casos “em que o tribunal de recurso determina a remessa do processo ao tribunal “a quo” a fim de apreciar questões que tenham ficado prejudicadas e que não possam ou não devam ser apreciadas por aquele…”.
Em tese geral, apenas deverá encontrar-se um novo relator e novos adjuntos quando esteja definitivamente encerrada a questão sob recurso; ou seja, apenas quando a decisão do tribunal superior tenha decidido a questão central, de mérito, deverá proceder-se a uma nova distribuição.
Neste sentido, leia-se o artigo 213º do CPC na nova redação do mesmo decorrente da Lei nº56/2025, de 24 de julho, com entrada em vigor em poucos dias.
Ora, no nosso caso, a decisão desta Relação nada decidiu sobre o mérito do que lhe foi solicitado.
Nela, constata-se, factualmente, que nem todos os arguidos tinham sido notificados do acórdão final e, por isso, não decorrera ainda o prazo para a interposição de recurso, e, em consequência, face a essas omissões, ordenou-se a devolução do processo à 1ª instância com vista a colmatar aquelas omissões e assegurar o cumprimento dos trâmites legais em falta.
Nada mais do que isso independentemente de ter sido proferida decisão sumária e de ter sido revogado o despacho de admissão de recursos da 1ª instância.
Apenas se tentou notificar uma arguida que se encontra ausente em parte incerta e, face a essa impossibilidade, separou-se o processo a esta concernente, mantendo-se tudo o demais, que regressou à 2ª instância.
Por isso, salvo melhor opinião, deverá manter-se incólume o coletivo de juízes primeiramente sorteado.
Percebe-se que assim seja: o legislador quis consagrar “a ideia de que é vantajoso para a coerência e adequação da decisão final do processo concentrar a apreciação da causa, em cada instância, no mesmo julgador (ou julgadores)” (CPC Anotado, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, volume I, 3ª edição, pág. 408).
Donde, estando em causa o mero cumprimento das notificações em falta, a subida posterior dos autos não implica uma nova distribuição na medida em que se manteve incólume o objeto do recurso, quer na sua dimensão objetiva – mesmas questões de mérito a resolver – quer na sua dimensão subjetiva – mesmos intervenientes, nomeadamente arguidos.
Como resulta do artigo 414º, nº8 do CPP e do artigo 605º do CPP, há, a nosso ver, que privilegiar o julgamento conjunto pelo tribunal de recurso, respeitando, como procuramos explanar acima, o princípio da unidade e da concentração do julgador, estruturante do nosso processo civil e penal.
Esta solução resulta a mais adequada, em particular face ao que se dispõe na nova redação do artigo 213., nº 5 do CPC:
5 - A distribuição dos recursos, com origem no mesmo processo, é feita por atribuição ao coletivo ao qual tenha sido distribuído o primeiro recurso com origem nesse processo que esteja pendente sem inscrição em tabela, para que possam ser tramitados por apenso, nas seguintes situações:
a) Quando se trate de recursos interpostos da mesma decisão, ou de decisões proferidas sobre os mesmos factos (sublinhado nosso).
À luz do expendido, entendemos que os autos devem ser tramitados pela Exma. Sra. Desembargadora (e respetivos adjuntos) a quem os mesmos foram inicialmente sorteados.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se o presente conflito de distribuição, dando como válida e operante a distribuição inicialmente efetuada e anulando-se a operação de distribuição realizada posteriormente.
Notifique.
Envie-se cópia da presente decisão ao secretariado da Presidência para dela dar conhecimento a todos os Srs. Desembargadores.
Publique-se no sítio da dgsi.
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Sumário:
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Porto, 19/10/2025
José Igreja Matos
[Presidente do Tribunal da Relação do Porto]