Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
379/23.6GAMCN.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO PEDRO PEREIRA CARDOSO
Descritores: PENA DE PRISÃO
CUMPRIMENTO
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
CRITÉRIOS
Nº do Documento: RP20240110379/23.6GAMCN.P1
Data do Acordão: 01/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A opção pelo cumprimento da pena de prisão em meio prisional ou a sua substituição por pena não privativa da liberdade depende unicamente de considerações ligadas à necessidade e proporcionalidade das restrições dos direitos em contraponto com as exigências de prevenção verificadas no caso concreto.
II - São finalidades exclusivamente preventivas, sobretudo de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva ou de ressocialização, que devem presidir à operação de substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.
III - Em reflexo dos antecedentes criminais do arguido pode ser decisiva a consideração de que o mesmo denota elevadas carências de socialização, no que concerne à prevenção da reincidência de crimes em geral, especialmente manifestada pela sua evidente incapacidade de se deixar influenciar pelas penas previamente aplicadas, subsistindo um elevado risco de repetição deste tipo de crimes e outros.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 379/23.6GAMCN.P1

Relator:
João Pedro Pereira Cardoso

Adjuntos:
1º - Maria Deolinda Dionísio
2º - Paula Cristina Jorge Pires


Sumário:
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Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do processo sumário nº379/23.6GAMCN, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Marco de Canaveses, foi realizada audiência de discussão e julgamento e proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Condenar o arguido AA como autor material e na forma consumada da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1 al. b) do Código Penal e, em consequência, na pena de 6 (seis) meses de prisão efetiva.
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Inconformado com a decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
CONCLUSÕES
i) vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou o arguido pela prática de um crime de desobediência, p.p. pelo art.º 348.º, n.º 1, alínea b) do c. penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão efetiva;
ii) face à factualidade apurada o arguido não se conforma com a douta sentença e dela recorre pois entende que a não substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade é injustificado e injusto.
iii) na prossecução das finalidades da punição e na determinação em concreto da pena, o juiz deve orientar-se pelos critérios do artigo 71° do código penal que lhe fornecem módulos de vinculação na escolha da medida da pena, de forma a alcançar a medida adequada à finalidade de prevenção geral.
iv- como decorre do disposto no art.º 58.º, n.º 1, do código penal, a pena de prisão (não superior a dois anos - pressuposto formal -) pode ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que seja de concluir que, por este meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição plasmadas no art.º 40.º do código penal (pressuposto material).
v- não há notícia do incumprimento ou revogação de nenhuma das penas anteriores aplicadas;
vi- o cumprimento da pena de prisão efetiva extravasa o limite da culpa concreta do arguido, razão pela qual não se pode considerar que a mesma é quantitativamente justa, nem o meio adequado à prossecução dos interesses públicos;
vii) a douta sentença a quo não teve em consideração, na análise da substituição da pena de prisão efetiva aplicada, os critérios legais para a sua aplicação;
vii) no entendimento do arguido é suficiente para promover a sua recuperação social e satisfazer as exigências de reprovação e prevenção a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade;
xviii) a douta sentença do tribunal ad quo violou o disposto nos artigos 40.º, 50.º, 58.º, 71.º e 72.º do código penal, artigos 375.º, n.º 2 do código de processo penal, artigos 18.º, 20.º, 27.º, 32.º, n.º 1, da C.R.P. e artigo 1.º do protocolo n.º4 da CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM.
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O recurso foi admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.
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O Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos da resposta do Ministério Público na 1ª instância, pronunciou-se pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto.
Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do Código Processo Penal.
A questão a apreciar é a seguinte:
- a pena de prisão deverá ser substituída por trabalho a favor da comunidade, por se verificarem os requisitos da respetiva substituição.
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Conhecendo a factualidade em que assenta a condenação proferida, temos o seguinte:
“1 - Factos Provados:
1. No dia 23.01.2023 foi apreendido pela GNR do Posto Territorial de Alpendurada, o veículo a motor, ligeiro de mercadorias, da marca Renault, de matrícula ..-..-JD, por não ter seguro de responsabilidade civil obrigatória, no âmbito do processo de contraordenação com o auto n.º ...82.
2. Na sequência de tal apreensão, foi o arguido AA nomeado fiel depositário daquele veículo, ficando o mesmo depositado na Rua ..., ..., Marco de Canaveses.
3. Nesse ato, foi o arguido advertido expressamente pelo Senhor militar da GNR dos deveres que lhe incumbiam nessa qualidade, designadamente, que não podia «remover, alterar o estado, utilizar, alienar, destruir, danificar ou inutilizar, total ou parcialmente, ou, por qualquer outra forma, subtrair ao poder público a que está sujeito, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência e/ou de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, previstos e puníveis nos termos dos artigos 348.º e 355.º do Código Penal».
4. No dia 13.07.2023, pelas 01:45 horas, o arguido AA conduziu o veículo de matrícula ..-..-JD, pela Avenida ... – ..., Marco de Canaveses.
5. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção, aliás conseguida, de faltar à obediência devida à ordem regularmente emanada por autoridade competente, devidamente identificada e uniformizada.
6. Tendo perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
7. O agregado de origem do arguido era constituído pelos progenitores e uma fratria de quatro, sendo o arguido o mais novo e um já falecido.
8. A manutenção económica era assegurada pelo progenitor, como operário da construção civil enquanto a progenitora era doméstica.
9. Frequentou a escolaridade em idade própria, concluindo o 6º ano de escolaridade aos 12 anos de idade, não continuando os estudos por desmotivação para a frequência escolar.
10. Aos 15 anos de idade iniciou o percurso profissional numa serração, onde permaneceu até aos 18 anos, altura em que passou para a atividade de manobrador de máquinas e gruísta.
11. Iniciou o consumo de estupefacientes aos 22 anos, em contexto de pares, agudizando a problemática com o decorrer dos anos em que esteve emigrado, traduzida em desinvestimento laboral e confrontos com o sistema de justiça.
12. À data dos factos, AA vivia sozinho, em habitação arrendada com um custo mensal de 125€ por mês, a que acrescem os gastos com eletricidade, gás e telecomunicações no valor médio mensal de 150€.
13. Os pais faleceram, a mãe por último em 2019, e o arguido não apresenta retaguarda familiar, tendo sido apoiado por uma amiga e vizinha, que se disponibilizou para fazer as refeições ao arguido pelo troco de 100€ mensais.
14. O arguido está desempregado desde agosto de 2021, beneficiando de subsídio de desemprego subsequente, atribuído em 02-03-2023, no valor diário de 12,81€.
15. O quotidiano de AA é desestruturado e regista associação a pares consumidores de estupefacientes e atualmente a vizinha deixou de o apoiar.
16. O arguido é acompanhado pelo Centro de Respostas Integradas do Porto – Equipa de Tratamento Porto Ocidental, desde 08-02-2022, estando integrado em Programas de Manutenção com Metadona e a beneficiar de acompanhamento na Unidade de Saúde da área de residência, onde se desloca para efetuar o levantamento da dose semanal.
17. No meio social o arguido é referenciado e associado ao consumo de estupefacientes, e à desvinculação laboral.
18. AA afirma avaliar negativamente as perdas decorrentes da sua problemática, designadamente o prejuízo no seu percurso laboral e os custos económicos para sustentar a sua adição e tem consciência da forma como esta concorre para o seu desajustamento social.
19. No entanto, o arguido mantém o consumo de estupefacientes.
20. O arguido demonstra reduzida censurabilidade e subavaliação da gravidade da conduta em causa, bem como do bem lesado.
21. Atualmente reside sozinho, em casa arrendada, pela qual paga a quantia mensal de €120,00.
22. O arguido interage essencialmente com pares associados ao consumo de estupefacientes.
23. Por decisão de 26.7.2023, ainda não transitada em julgado foi o arguido condenado no proc n.º 316/23.8 GAMCN deste Juízo Local Criminal do Marco de Canaveses pela prática do crime de desobediência p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1 al. b) do Código Penal na pena de 6 meses de prisão, a ser cumprida em obrigação de permanência na habitação.
24. Do certificado de registo criminal do arguido constam as seguintes condenações:
a) pelo Tribunal Criminal de Paris, por sentença transitada a 24.04.2007, pela prática de um crime de furto em associação criminosa, na pena de 1 mês de prisão, com execução suspensa, por factos praticados a 18.02.2007;
b) no processo n.º 612/06.9 TAMCN, por sentença transitada a 22.07.2009, pela prática de um crime de furto simples, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de €4,00, extinta a 23.01.2013, por factos praticados a 26.06.2006;
c) no processo n.º 16/09.1 TAMCN, por sentença transitada a 23.03.2011, pela prática de um crime de falsas declarações, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de €5,00, extinta a 25.03.2013, por factos praticados a 02.10.2008;
d) no processo n.º 427/11.2 GAMCN, por acórdão transitado a 18.09.2012, pela prática de dois crimes de roubo qualificado, na pena de 5 anos de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, com obrigação de efectuar tratamento à dependência de produtos estupefacientes, extinta a 09.01.2018, por factos praticados a 25.06.2011;
e) no processo n.º 103/11.6 GAMCN, por acórdão transitado a 01.07.2013, pela prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, extinta a 11.06.2015, por factos praticados a 08.02.2011;
f) no processo n.º 681/21.1 PIPRT, por sentença transitada a 30.09.2021, pela prática de um crime de consumo de produtos estupefacientes, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €6,00, extinta a 28.11.2022, por factos praticados a 21.05.2021;
g) no processo n.º 151/22.0 PDPRT, por sentença transitada a 08.06.2022, pela prática de um crime de desobediência, na pena de 6 meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, sujeita a regime de prova, por factos praticados a 17.04.2022.
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Analisando os fundamentos do recurso.
O arguido foi condenado como autor material e na forma consumada da prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348.º, n.º 1 al. b) do Código Penal e, em consequência, na pena de 6 (seis) meses de prisão efetiva.
O arguido não discorda da pena em que foi condenado.
Entende, isso sim, que a pena de prisão deveria ser substituída por trabalho a favor da comunidade.
Como é sabido, são finalidades exclusivamente preventivas que devem presidir à operação da escolha da espécie de pena a aplicar ao agente, devendo o tribunal dar preferência à pena não detentiva, a não ser que razões ligadas à socialização do delinquente (no seu conteúdo mínimo, traduzido na prevenção da reincidência) ou de preservação do limite mínimo da prevenção geral positiva, no sentido de "defesa do ordenamento jurídico", imponham a pena de prisão.
Em caso de conflito entre os vetores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral [1].
Como escreve André Lamas Leite [2], “ a comunidade só é capaz de voltar a acreditar no bem jurídico em que se baseia a regra jurídico-penal infringida se o sistema que a suporta for capaz de demonstrar ao comum dos indivíduos que tal se fará, também, no respeito pela sua segurança. Na verdade, o direito à segurança é um direito fundamental clássico. Mais do que funcionar como limite da prevenção geral positiva, entendemo-lo como verdadeiro fundamento dessa teoria, dado inexistir confiança sem segurança”.
As referidas finalidades da punição são sobretudo de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva ou de ressocialização, reconhecido que a culpa não tem aqui qualquer papel e que também não relevam aqui finalidades de retribuição, como é consensual na doutrina e jurisprudência portuguesas, nomeadamente face à atual versão do art. 40º do C. Penal.
Significa isto, aplicado às medidas de substituição em geral e em particular ao trabalho a favor da comunidade que são razões de prevenção especial e geral que estão na base da opção por pena desta natureza ou pela efectividade da pena principal privativa da liberdade, sendo os casos de finalidades antinómicas presentes num dado caso concreto decididos de acordo com as necessidades de prevenção geral positiva, critério que, em abstracto, a nossa lei impõe para decidir o conflito, operando aquelas finalidades de carácter geral como um verdadeiro limite à substituição.
Isto é, nas hipóteses em que a pena de substituição se mostra mais adequada à satisfação de necessidades de prevenção especial, mas a tal se oponha a perspetiva da prevenção geral ou de defesa do ordenamento jurídico, “…em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral positiva hão de funcionar como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial podia ser aconselhável (...) sendo um orientamento de prevenção agora de prevenção geral no seu grau mínimo o único que pode (deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial. Que assim é, quanto à prevenção geral, resulta do facto de nenhum ordenamento jurídico suportar pôr-se a si próprio em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal.
A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral - isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas quando a sua aplicação possa ser entendida pela sociedade, no caso concreto, como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza face ao crime, quaisquer razões de prevenção especial que aconselhassem a substituição cedem, devendo aplicar-se a prisão cfr. Anabela Rodrigues, Critério de escolha das penas de substituição in Estudos em Homenagem ao “Prof. Eduardo Correia, I, Número especial do BFD, Coimbra1984 p. 40 e 41.
Analisada a decisão recorrida, verificamos que o tribunal de primeira instância fundou em razões de prevenção geral e especial, ligadas à necessidade de reafirmação da confiança comunitária na validade da norma violada e de ressocialização do recorrente, a opção pela aplicação de uma pena de prisão, em detrimento de uma pena de substituição.
Nos termos do art.58º, nº1, do Código Penal, “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição”.
Depois de ter optado, fundadamente, pela pena de prisão aplicada, o tribunal terá de ponderar se é necessário ou não aplicar a pena de prisão efetiva e, portanto, a cumprir em meio prisional, tendo o poder dever de dar preferência à pena de substituição, com a consequência de fundamentar a decisão que opte pelo cumprimento da pena no estabelecimento prisional em detrimento daquela [3].
Na verdade, sempre que as finalidades do art. 40.º puderem satisfazer-se com uma reação cumprida na comunidade, é essa que o julgador deve aplicar.
A opção pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade depende, além dos pressupostos formais do consentimento do condenado e da duração da pena de prisão, da verificação de pressupostos materiais, ou seja, o juízo de que, por meio dela, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso, fixada a pena de prisão, em medida e escolha não impugnadas pelo recorrente, argumentou o tribunal a quo nos seguintes termos quanto à sua (não) substituição por trabalho a favor da comunidade:
“4.1.1. Da substituição da pena de prisão:
Considerando a aplicação de pena de prisão inferior a dois anos de prisão, há que aferir da possibilidade substituição da mesma nos termos dos arts.43.º, 44º, , 50.º, e 58º do C. Penal.
Urge começar por relembrar que o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena de substituição sempre que, verificados os referidos pressupostos de aplicação, a pena de substituição se revele adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
Na medida em que a aplicação da pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal) são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, que justificam a aplicação de uma pena de substituição. Não existe em abstrato uma hierarquia legal das penas de substituição, pelo que a escolha da concreta pena de substituição a aplicar é feita em função das exigências de prevenção especial que se façam sentir e da forma mais adequada de as satisfazer.
Quanto à substituição da pena de prisão por multa ou por trabalho a favor da comunidade consideramos que tal substituição não é suficiente para acautelar as finalidades de punição uma vez consideramos que a execução da pena de prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes, tendo presente que o arguido já sofreu condenações em tais penas substitutivas não tendo as mesmas impedido que o arguido voltasse a delinquir, sendo certo que a última condenação foi também pelo mesmo tipo legal de crime, em prisão suspensa. Sendo o trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, entendemos que, em princípio, será de aplicar a crimes de pouca gravidade, mas não quando o agente vem reiteradamente praticando crimes de diversa natureza e mesmo o crime em causa com grande frequência.
Em síntese, substituir a pena de prisão aplicada por trabalho a favor da comunidade, seria permitir ao arguido acreditar que existe sempre mais uma oportunidade para continuar a delinquir, embora sujeito durante algum tempo aos inconvenientes das penas não detentivas.
Com efeito, não pode escamotear-se o facto de o esforço das anteriores condenações no sentido de socialização do arguido ter sido mal sucedido, na medida em que não constrangeram o arguido a não voltar a delinquir.”
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Apreciando, desde já se adianta que se afiguram inteiramente justificadas as considerações expendidas pelo tribunal recorrido a propósito da negação da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.
O arguido já sofreu várias condenações pela prática de crimes idênticos e diversos ao destes autos, tendo-lhe sido aplicadas várias penas de multa, penas de substituição e efetivas, não tendo as penas de substituição logrado afastar o arguido da prática de novos crimes.
Neste cenário, a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A prisão efetiva não só é a única capaz de assegurar as finalidades de prevenção especial e geral que o presente caso impõe, como o seu cumprimento em meio prisional, em detrimento da sua substituição por trabalho a favor da comunidade, se mostra adequado, proporcional e indispensável para as assegurar.
Se é verdade que se devem evitar as consequências criminógenas do cumprimento das penas de prisão, em ambiente prisional, sobretudo quando de curtas duração, não é menos certo que a sua substituição pressupõe que, desse modo, sejam asseguradas as finalidades da punição.
No presente caso, importa salientar que o arguido já sofreu várias condenações e as penas aplicadas não tiveram a virtualidade de dissuadi-lo da prática de novos crimes, cometendo o arguido o ilícito em apreço nos presentes autos.
Não se vislumbram nos factos provados circunstâncias atenuantes que permitam a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro, não sendo de esperar que o cumprimento da pena de prisão mediante a prestação de trabalho a favor da comunidade seja suficiente para afastá-lo da criminalidade.
A opção pelo cumprimento da pena de prisão em meio prisional ou a sua substituição por pena não privativa da liberdade depende unicamente de considerações ligadas à necessidade e proporcionalidade das restrições dos direitos em contraponto com as exigências de prevenção verificadas no caso concreto.
Contudo, no presente caso, o que se afigura decisiva é a consideração de que o recorrente denota elevadas carências de socialização, no que à prevenção da reincidência de crimes em geral concerne, especialmente manifestada pela sua evidente incapacidade de se deixar influenciar pelas penas previamente aplicadas, subsistindo um elevado risco de repetição deste tipo de crimes e outros.
Para além das exigências de prevenção especial, também as exigências de prevenção geral “sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico", pelas quais se limita sempre o valor da socialização, se revelam elevadas no caso dos autos.
A comunidade dificilmente compreenderia que alguém que pratica factos da natureza dos que o arguido praticou, de forma repetida e revelando uma personalidade avessa à observância das normas jurídico-penais, juízo de perigosidade associado à sua personalidade, fosse, mais uma vez, punido com uma pena diversa da pena de prisão efetiva, a cumprir em meio prisional, verificada a total ausência de capacidade intimidatória e dissuasora das restantes medidas alternativas de que sucessivamente beneficiou e mesmo daquela que pouco tempo antes cumpriu na cadeia.
Mostra-se, assim, necessária a aplicação ao recorrente de uma pena de prisão, a cumprir em meio prisional, por só aquela se mostrar adequada para dissuadir o arguido/recorrente da prática de novos crimes e reforçar a confiança comunitária na validade das normas violadas.
Pese embora, as desvantagens (mesmo em sede de socialização) da pena de prisão em meio prisional, especialmente da pena curta de prisão, nos casos de pequena e mesmo média criminalidade, não pode, quanto ao concreto arguido nestes autos deixar de constatar-se que estamos perante um caso em que a prestação de trabalho a favor da comunidade não realiza de forma adequada as finalidades da punição.
É que o arguido revela um quadro de antecedentes criminais que dá nota de uma incontornável propensão para a prática de crimes pluriofensivos.
Por outro lado, nada aponta para que pretenda pôr cobro ao cometimento de novos crimes, pois nem o facto de ter cumprido cadeia e ter sido julgado pouco tempo antes por crimes, o determinou a agir por forma a conformar-se com os valores ético-jurídicos que violou com a sua conduta.
Assim, independentemente da verificação dos requisitos formais do quantum da pena e do consentimento que pudesse vir a ser conseguido do arguido, nenhuma censura merece, assim, neste aspeto, a decisão recorrida, ao negar a substituição da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, não se vislumbrando a alegada violação violou dos artigos 40.º, 50.º, 58.º, 71.º e 72.º do Código Penal, artigos 375.º, n.º 2 do Código Processo Penal, artigos 18.º, 20.º, 27.º, 32.º, n.º 1, da C.R.P. e artigo 1.º do protocolo n.º4 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Tratando-se de recurso de direito, a lei impõe que sejam indicadas, além das “normas jurídicas violadas”, “o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada” (als. a) e b) do n.º 2 do art. 412.º do CPP).
Na sua alegação, o recorrente não aponta o sentido em que as normas que diz violadas foram e deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.
Também nesta parte a motivação do recurso é vaga, desconsiderando totalmente os factos que foram dados como provados e a ponderação sobre eles efetuada pelo tribunal a quo sobre a negação da pena de prisão por trabalho a favor da comunidade.
Assim, improcede o fundamento do recurso.
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3. DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência confirmar integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs (artigos 513º, nº 1, do CPP, 1º, nº 2 e 8º, nº 9, do RCP e tabela III anexa).

Notifique.


(Elaborado e revisto pelo relator – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).
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Porto, 10.01.2024
João Pedro Pereira Cardoso
Maria Deolinda Dionísio
Paula Cristina Jorge Pires
_______________
[1] Cfr. RL 28/10/2009 in www.dgsi.pt.
[2] André Lamas Leite, in Contributo para a evolução histórica das penas substitutivas, RJLB, Ano 5 (2019), nº 3, pg. 256 (disponível https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/121982/2/347608.pdf).
[3] Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, 2017, Almedina, pg.92 e 93