Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0220428
Nº Convencional: JTRP00033533
Relator: FERNANDO BEÇA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
ACTO DE GESTÃO PÚBLICA
Nº do Documento: RP200204160220428
Data do Acordão: 04/16/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 4 J CV VIANA CASTELO
Processo no Tribunal Recorrido: 310-A/01
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional: ETAF84 ART51 N1 H.
Sumário: I - Para efeito de determinação da competência dos tribunais administrativos, os actos de gestão pública pressupõem uma actuação correspondente ao exercício do poder de autoridade e em que os meios utilizados sejam adequados ao prosseguimento das atribuições conferidas por lei ao agente.
II - É da competência dos tribunais comuns a acção em que se pede a condenação de Junta de Freguesia em indemnização por danos causados, em consequência de obras em caminho público, em prédios particulares confinantes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de António..... intentou, no Tribunal Judicial de....., esta acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Junta de Freguesia de....., pedindo a condenação desta a pagar-lhe determinadas importâncias a título de indemnização por danos causados em prédios de sua propriedade, em consequência de obras que a autarquia ré levou a efeito em certo caminho público que confronta com os prédios da autora.
Na sua contestação, veio a Ré arguir a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, alegando, em síntese, que a relação material controvertida, tal como a configura a Autora, assenta um acto de gestão pública praticado pela Ré - obras de pavimentação de um caminho público. Assim, sendo a Ré uma pessoa colectiva de direito público, o tribunal competente para o pleito seria o Tribunal Administrativo de Círculo, nos termos do disposto no artº. 51, nº.1, al.h) do ETAF, conjugada com o D.L.nº.48051, de 21-11-1977 (artº.1°. e ss.).
Sobre esta matéria excepcional se pronunciou oportunamente o Tribunal no sentido da sua improcedência, com os fundamentos que a seguir se transcrevem:
"No caso presente está em discussão a lesão da propriedade dos prédios da a em virtude da actuação da R. consistente no alargamento e pavimentação de um caminho.
Ora, quando está em causa um direito real, regulado pelo direito privado, o Tribunal comum é o competente para a acção.
No caso presente está em causa a defesa do direito de propriedade da A. E um pedido de indemnização pela lesão, por parte da R., desse mesmo direito.
Estão, pois, em causa direitos privados, logo, o tribunal é o competente”.
Inconformada, vem agora dessa decisão agravar a Ré, que conclui as suas alegações do modo que se transcreve:
1ª - A causa de pedir esgrimida pelos recorridos assenta exclusivamente em factos praticados pela recorrente no exercício das suas funções e por causa desse exercício (alargamento, pavimentação, alteamento, inexistência de drenagem de águas pluviais e insuficiência do aqueduto de "meia cana" para escoamento de águas pluviais, do caminho público da.....);
2ª- Assim, os alegados danos que os recorrentes afirmam ter sofrido, provêm de um claro acto de gestão pública da recorrida o que, para o efeito de dirimir o litígio em causa, remete para o respectivo administrativo de círculo, de acordo com as disposições conjugadas dos artºs.51°., n.1, al.h), do ETAF e artº.1°. e ss, maxime 2°., nº.1, do D.L. nº.48051, de 21.11.77, que foram volados pelo douto despacho recorrido.
3°- Em consequência, deve ser julgado absolutamente incompetente o tribunal comum para dirimir o presente pleito, vingando a excepção dilatória hasteada e absolvendo-se a recorrida da instância.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Tendo-se como suficiente e provada a matéria de facto constante do relatório que antecede, há, pois, que apreciar a questão suscitada nas conclusões do agravo - delimitadoras do objecto do recurso, como por demais é consabido -, a qual se resume a saber e eleger o foro competente em razão da matéria para dirimir o presente litígio.
Deve ponderar-se que a questão em análise se relaciona com os prejuízos causados na esfera dos direitos e interesses privados da Autora por uma determinada actividade desenvolvida pela Ré.
É a natureza desta actividade. que ditará a competência ou incompetência deste foro –artº.51°,1,h) do D.L. nº.129/84, de 29/12).
Ora, quanto aos pedidos indemnizatórios formulados é , seguro que os actos violadores do direito de propriedade e geradores da alegada obrigação de indemnizar se não integram em qualquer relação jurídica administrativa, regulada pejo direito público, embora destinado à execução da obra-arranjo e melhoramentos de caminho público - atribuição da autarquia art.º13 da lei n.º159/99, de 14 de setembro (cfr. Ac. RP, de 7/11/2000, CJ, T.V, 2000, pag.187 ss).
Assim, não pode considerar-se a referida obra, geradora de efeitos danosos como acto de gestão pública.
Esta pressupõe uma actuação correspondente ao exercício do poder de autoridade e exige que os meios utilizados sejam adequados ao prosseguimento das atribuições conferidas por lei ao agente.
No caso dos autos, a Junta actuou sem que para tal estivesse revestida com poder de autoridade, e sem lei atributiva de competência para o efeito, sobre os direitos da recorrida, como mera particular .
A reacção contra essa ofensa tem que ser demandada nos tribunais comuns
É que uma coisa é proceder à abertura ou melhoramento de um caminho público, se necessário expropriando até os terrenos necessários à sua implantação ou melhoramento, realizando a obra por administração directa ou por empreitada, e outra é invadir ou ocupar, destruir ou de algum modo causar danos em imóveis particulares, mesmo em consequência dessas obras (cfr. Ac. RE 2/07/199x, T.IV, 25; Osvaldo Gomes e Alves Correia “Expropriações” , 43 , e “As Garantias” 172, respectivamente ).
Tais ofensas não cabem nas atribuições dessa autarquia, não integram a competência de um ente administrativo, não podendo ser considerado um acto administrativo. Os direitos que a autora revestem natureza privada, não se tratando de direitos ou garantias de natureza publicística.
Pelo que, é da competência dos tribunais comuns a acção em que a autora pede que uma Câmara ou Junta de Freguesia reconheçam o seu direito de propriedade sobre determinado prédio, bem como a condenação no pagamento de uma indemnização por danos causados no mesmo, ainda que originados por acto que em si mesmo deva considerar-se como revestindo a natureza de gestão pública.
Importa ainda ponderar que, embora não expressamente formulado o correspondente pedido de reconhecimento, os pedidos de indemnização pressupõem o direito de propriedade da Autora sobre determinados prédios (adequadamente, aliás, alegada a respectiva factualidade nos artºs.1°.a 9°.da
p.i.), pressuposto este integrador da causa de pedir, que a agravante aceita pacificamente, sem a verificação do qual os pedidos formulados estariam desde logo votados ao insucesso.
Ora, no que tange á apreciação e reconhecimento desse direito, que o tribunal terá necessariamente de ter em conta, estamos claramente cardos em questão de direito privado – artº.1311°. do Código Civil – de direito privado tradicional, cujo conhecimento é expressamente excluído da competência dos tribunais administrativos, nos termos do artº. 4°.,nº.1,al.f) do ETAF, segundo o qual estão excluídos da jurisdição administrativa “...os recursos e acções que tenham por objecto questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja de direito público", em consonância com o estabelecido no arto.18°. da Lei nº.3/99, de 13-1 e arto.66° do C PC, de acordo com os quais são da competência dos Tribunais Judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Como tal, até por esta razão acrescida, cumpre ao Tribunal Judicial da comarca de..... conhecer da presente acção.
Improcedem, assim, todas as conclusões formuladas pela agravante.
Pelo exposto, acordam:
Em negar provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isenta a recorrente –artº.2°. nº.1,al.e),do CCJ.
Port 16 de Abril de 2002
Fernando Augusto Beça
Emídio José da Costa
Maria Fernanda Pereira Soares