Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
901/22.5T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Nº do Documento: RP20240404901/22.5T8VCD.P1
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito do mediador imobiliário à remuneração constitui-se quando em resultado da sua actuação é obtido um interessado no negócio que apresenta uma proposta no valor pedido e assina mesmo um contrato-promessa, o cliente comunica que desistiu do negócio e recusa-se a assinar esse contrato-promessa, mas depois celebra o negócio com o mesmo interessado em data próxima da que tinha informado o mediador, tendo recebido do interessado parte do preço pouco dias após ter comunicado que desistia do negócio.
II - Litiga de má fé a parte que para evitar o pagamento da remuneração do mediador falseia a verdade, inventando que as pessoas com as quais concretizou o negócio visado pela mediação se interessaram pelo negócio através de outra empresa de mediação que não aquela que eles sabem que fez essas pessoas conhecerem e interessarem-se pelo negócio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO DE APELAÇÃO
ECLI:PT:TRP:2024:901.22.5T8VCD.P1
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SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. Relatório:
A..., Lda., sociedade comercial com o NIPC ... e sede em Vila Nova de Famalicão, instaurou a presente acção declarativa contra AA e BB, casados, contribuintes fiscais ns.º ... e ..., respectivamente, residentes na ..., Vila de Conde, pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe €7.380, acrescidos de juros vencidos e vincendos contados desde a data de emissão da factura até à data do pagamento; ou, caso assim não se entenda, que os réus sejam condenados a pagar uma indemnização à autora, no valor de €6.000, por violação das regras da boa-fé pré-contratual.
Para fundamentar o seu pedido alegou, em súmula, que em 01.07.2021 celebrou com os réus um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, mediante o qual se obrigou a diligenciar para conseguir interessado na compra das fracções dos réus pelo preço de €99.500, mediante a remuneração de 5% sobre o valor do negócio, mas não inferior a €6.000, o que a autora cumpriu tendo conseguido interessados nas fracções que apresentaram proposta de aquisição. No dia 05.07.2021, a autora recolheu a assinatura dos interessados que angariou no contrato promessa de compra e venda, tendo aqueles pago no mesmo dia €5.000 a título de sinal. O contrato previa o pagamento da remuneração aquando da assinatura do contrato-promessa a autora. No dia 06.07.2021, a autora comunicou à ré mulher que o contrato-promessa tinha sido assinado pelos promitentes compradores e que parte do sinal estava depositado. Porém, a ré comunicou à autora que a venda fica sem efeito, vindo mais tarde a denunciar o contrato de mediação imobiliária. Em 16.09.2021, a autora teve conhecimento que os réus celebraram escritura de compra e venda das ditas fracções com os clientes angariados pela autora, tendo sido pago o valor total de €98.500.
Os réus congeminaram um plano para defraudar o direito à remuneração da autora e depois de a autora conseguir interessados no negócio denunciaram o contrato de mediação imobiliária, como se tivessem perdido o interesse na venda e mais tarde argumentando que as cláusulas não lhes tinham sido explicadas. As condições essenciais invocadas pela ré para fundamentar o não pagamento da remuneração à autora - data do contrato definitivo - não eram essenciais pois os réus acabaram por celebrar a escritura definitiva apenas depois de tal data. Tendo os réus vendido as fracções aos clientes angariados pela autora, têm de pagar a remuneração acordada. Caso assim não se entenda, os réus são responsáveis a título de responsabilidade pré-contratual, porquanto quebraram a confiança da autora quando denunciaram o contrato de mediação imobiliária celebrado, depois de a autora ter encontrado interessados na compra das fracções, frustrando assim as legitimas expectativas da autora de receber a retribuição acordada pelo trabalho desenvolvido.
Os réus foram citados e apresentaram contestação, defendendo a improcedência da acção e alegando para o efeito que o réu é parte ilegítima por não ter celebrado com a autora o contrato de mediação imobiliária, que a ré mulher elucidou a autora da urgência que tinha na venda da casa, da necessidade de proceder à venda até 04.09.2021 e que o contrato só vigorasse até tal data, que informou a autora de que tinha celebrado outro contrato de mediação imobiliária, que parte das cláusulas não foram dadas a conhecer à ré mulher, a qual só teve conhecimento delas depois de ter assinado o contrato, que o contrato foi assinado por preencher, que a ré informou a autora que não tinha interesse na continuação do contrato e que aceitaria a proposta apresentada pelos primeiros interessados que a outra imobiliária lhe apresentara e que tinham visitado a fracção no mês de Junho, pelo que não autorizava a continuação da angariação de compradores ou a celebração de qualquer negócio, que a ré na posse dessa informação contactou os interessados angariados pela outra imobiliária e no mesmo dia levou-os a visitar as fracções e convenceu-os a assinar um contrato-promessa que levaram consigo, que logo no dia da visita a ré disse que não assinaria o contrato promessa e que já se tinha comprometido a vender através de outra imobiliária.
Realizado julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada procedente e os réus condenados a pagarem à autora €7.380, acrescidos de juros de mora desde 31.08.2021 e até integral pagamento, e ainda em multa no valor de 10 UC por litigância de má fé.
Do assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A- Dos factos elencados dados como não provados na douta sentença em crise, consta da alínea n): «(…) n) a autora persuadiu CC e DD a assinar um contrato promessa de compra e venda referido em 15) que levaram consigo, assegurando-lhes que tinham instruções da ré mulher para o fazer.(…)
B- Contudo face ao depoimento prestado em sede de audiência de julgamento de CC, promitente comprador, cuja transcrição da gravação consta da fundamentação deste recurso dúvidas não restam que a recorrida pretendia o contrato promessa assinado nesse dia, só assim se justifica a insistência da desta. Assim sendo, houve erro na apreciação da prova, devendo ser dado como provado que ...: A autora persuadiu CC e DD a assinar um contrato promessa de compra e venda referido em 15) que levaram consigo, assegurando-lhes que tinham instruções da ré mulher para o fazer.
E- Também por força da mesma argumentação e do depoimento transcrito o facto n.º 38 da matéria de facto dada como provado: “(…) Só após a autora ter enviado para a ré cópia do contrato promessa de compra e venda assinado tal como referido em 18) e 19) é que esta informou que o contrato de compra e venda ficava sem efeito (…)”
F- Assim, deverá ser eliminado dos factos dados como provados e ser acrescentado aos factos dados como não provados da seguinte forma: s) Só após a autora ter enviado para a ré cópia do contrato promessa de compra e venda assinado tal como referido em 18) e 19) é que esta informou que o contrato de compra e venda ficava sem efeito.
G- O facto dado como provado no ponto “(…) 36 Aquando da outorga do contrato de mediação referido em 2), a ré AA informou a autora, que tinha urgência na venda da casa e da necessidade de proceder à venda da mesma até início do mês de Setembro de 2021(…)”
H- O mesmo facto consta da matéria dos factos dados como não provados que diz o seguinte na alínea “(…) f) A ré elucidou os funcionários que trabalham na empresa da autora ou por conta da autora, da urgência de proceder à venda até ao dia 4 de Setembro seguinte (…)”
I- Ora, parece-nos que se trata do mesmo facto, embora escrito de forma diferente “urgência na venda até ao inicio do mês de Setembro” e “urgência de proceder à venda até ao dia 4 de Setembro…”.
J- Numa primeira abordagem parece não ter grande relevância, mas é muito importante que seja esclarecido pois era essa urgência que determinava a validade e eficácia do contrato de mediação imobiliária celebrado entre a A e os réus.
Do direito:
K- A recorrida entende ser-lhe devida a Remuneração pelos recorrentes na sequência do contrato de mediação imobiliária com esta celebrado em 1/07/2021, tendo o petitório merecido provimento.
L- Dos autos constam elementos suficientes nomeadamente o contrato promessa ferido de nulidade que só por si impunha que a sentença nunca culminasse na condenação dos recorrentes.
M- O contrato-promessa junto aos autos que só se encontra assinado pelos promitentes-compradores, os promitentes vendedores não se encontravam presentes no acto da assinatura do contrato, os promitentes-vendedores só tiveram conhecimento do mesmo no seguinte, através de email enviado pela recorrida no dia seguinte ao da assinatura pelo promitente comprador, 6 de Julho de 2021.
N- A lei estabeleceu, por razões de segurança jurídica, normas específicas quanto à forma do contrato-promessa, as quais estão necessariamente ligadas à validade do mesmo.
O- O artigo 410.º do Código Civil consagra o seguinte: 1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. 2. Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.
P- Exigindo o contrato prometido documento, autêntico ou particular, a promessa só é válida se constar de escrito assinado pelo promitente ou promitentes, consoante uma ou mais partes se vinculem à celebração do contrato definitivo.
Q-O contrato de compra e venda que tenha por objecto imóveis tem de ser formalizado por escritura pública, como prescreve o artigo 875.º do Código Civil.
R- O contrato-promessa de compra e venda de imóveis está, por conseguinte, sujeito a forma escrita, constituindo esta forma um requisito de validade, tratando-se, mais do que uma formalidade “ad probationem”, de uma verdadeira formalidade “ad substantiam.
S- Assim, estando em causa nos autos a celebração de contrato de compra e venda de imóvel [contrato prometido], para o qual a lei exige documento autêntico [escritura pública], a promessa só tem valor legal se constar de documento assinado pelas parte que se vinculam, nos termos do n.º 2 do citado artigo 410.º.
T- Embora sendo bilateral a promessa corporizada no documento junto aos autos denominado contrato promessa de compra e venda, este apenas se encontrar assinado pelos promitentes-compradores não contendo a assinatura dos promitentes vendedores, aqui recorrentes.
U- O contrato-promessa, nos termos do artigo 220.º do Código Civil, é um contrato bilateral e sinalagmático, sendo certo, que a doutrina e jurisprudência são pacíficas no sentido da falta de assinatura de um dos contraentes em contrato-promessa de compra e venda de imóveis gera a nulidade do contrato sendo esta de conhecimento oficioso.
V- Não se encontrando o contrato assinado pelos aqui recorrentes o contrato é nulo, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais.
W- Veja-se neste sentido Ana Prata, “O Contrato Promessa e seu Regime Civil”, 2ª reimpressão da edição de 1994, pág. 500 e ss, bem como os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2003 e do Tribunal da Relação do Porto de 6.11.2012 e 7.04.2014, Ac. Tribunal da Relação do Porto Proc. n.º 519/16.1T8PVZ.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
X- O regime legal da mediação imobiliária é regulado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro. De acordo com o n.º 1 do artigo 2.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro,“(…) actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis”, acrescentando-se no n.º 2, que esta actividade consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes acções: “a) Prospecção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes; b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões. (…)
Z- No que à remuneração diz respeito, dispõe a cláusula 5.ª do contrato celebrado pelas partes o seguinte: “1) A remuneração é devida se a Mediadora conseguir destinatário que celebra com o segundo contraente o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no n.º 1 e 2 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro. (…)”. Por sua vez, a cláusula 4.ª da mesma fonte contratual dispõe “3) No que respeita ao pagamento da remuneração, caso o negócio visado tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou ao arrendatário trespassante do bem imóvel, é devida à empresa a remuneração acordada.”
AA- O art. 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro refere: “1- A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2- É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”
BB- Dos preceitos legais supra citados, verifica-se que a recorrida, enquanto mediadora, comprometeu-se, perante os seus clientes, os recorrentes, a desenvolver uma série de acções com vista à venda do seu imóvel e em troca a receber, de acordo com a cláusula 4.ª do contrato do contrato de mediação imobiliária uma remuneração de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, sendo o pagamento da remuneração apenas efectuado aquando da celebração do contrato promessa de mediação imobiliária.
CC- De acordo com o disposto no art.º 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, só seria devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
DD- No dizer do acórdão do STJ de 28.04.2009, in www.dgsi.pt, cuja doutrina se acompanha, “O comitente só fica constituído na obrigação de remunerar o mediador se o negócio tido em vista pelo incumbente for concretizado em virtude da actividade do mediador, ou seja, a obrigação de meios que lhe incumbe há-de desembocar no resultado pretendido – a celebração do negócio para que foi mandatado o mediador – sob pena de se considerar que o contrato não almejou a perfeição e, não surtindo efeito útil a actividade do mediador – o risco, a álea negocial – não há lugar à remuneração (comissão), nem ao pagamento de despesas se o contrato for celebrado pelo incumbente com terceiro, que não se interessou pelo negócio por causa da actuação do mediador.”
EE- Note-se que a conclusão e perfeição do negócio não seria pressuposto necessário ao recebimento da remuneração pela recorrida, caso o contrato tivesse sido celebrado em regime de exclusividade.
FF- Aqui, a não concretização do negócio por causa imputável ao cliente seria suficiente para gerar na esfera jurídica da requerente, o direito à remuneração (conforme art.º 19.º/2 da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro).
GG- Contudo, no caso em apreço, tal circunstância não é suficiente para gerar na recorrida o direito à contraprestação pelos serviços de mediação prestados aos recorrentes, na medida em que o negócio visado pela mediação não se concluiu, porque nenhum contrato promessa de compra e venda foi validamente celebrado entre os recorrentes e os compradores.
GG- No presente caso, o contrato de mediação imobiliária celebrado entre recorrida e recorrentes fixou o regime de não exclusividade ao que acresce estarmos na presença de um contrato promessa ferido de nulidade.
HH- Em face do exposto, assente que está a não exclusividade do contrato de mediação celebrado entre as partes e a circunstância do negócio proposto não se ter realizado com o interessado conseguido por intermédio da autora, dado tratar-se de um contrato nulo por falta da assinatura dos recorrentes a recorrida não tem esta direito a receber a remuneração convencionada.
HH- No mesmo sentido vai o Ac. do S.T.J de 27/05/2010, in www.dgsi.pt no processo n.º 9934/03.TVLSB.L1.S1 – “(…) A contraprestação a pagar pelo comitente à entidade mediadora depende da conclusão e perfeição do negócio a celebrar entre aquele e o terceiro angariado, devendo a actividade mediadora ser causal do resultado produzido, de modo a integrar-se de forma, idoneamente, determinada na cadeia dos factos que deram origem ao negócio.
II - Tendo sido contratado entre as partes um regime de não exclusividade, com a faculdade da não renovação do contrato, e celebrando-se este com uma entidade terceira, por iniciativa dos comitentes, inexiste o reclamado direito de remuneração pela comissão de mediação, nem o direito de indemnização pelo incumprimento contratual ou pela revogação unilateral tácita do contrato ou, finalmente, a título de responsabilidade pré-contratual, por «culpa in contrahendo» (…)”.
D- Nessa linha de raciocínio diz Carlos Lacerda Barata: “(…) Carlos Lacerda Barata, no estudo “Contrato de Mediação”, publicado no volume I da obra “Estudos do Instituto de Direito do Consumo” - Julho de 2002 - pág. 192 – define contrato de mediação como o “contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a aproximação de duas ou mais pessoas, com vista à celebração de certo negócio, mediante retribuição”. Afirmando ainda: “Da noção proposta, decorrem cinco elementos, caracterizadores do contrato: - obrigação de aproximação de sujeitos; - actividade tendente à celebração de negócio; - ocasionalidade; - retribuição”. Mais adiante, págs. 202/203: “O direito à retribuição depende da celebração do contrato prometido embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificação de um “resultado útil” – a realização do negócio – da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata. Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio. Naturalmente, que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro…”
II- Isto é, em matéria de direito à retribuição, o momento relevante é o da constituição do contrato promovido, pelo que as ocorrências supervenientes que incidam sobre a execução ou o conteúdo do contrato serão, em regra, indiferentes.
JJ- Os recorrentes não se conformam com a douta sentença em crise os condenou como litigantes de má fé em multa no valor de 10 (dez)unidades de conta e ainda os condenou na indemnização a pagar ao mandatário da Recorrida no valor de 1995,00€ (mil novecentos e noventa e cinco euros) conforme douto despacho proferido nos autos ref.ª n.º 454197646.
KK- No caso presente, temos como assente que o contrato de mediação imobiliária celebrado entre os recorrentes e a recorrida foi sujeito ao regime de não exclusividade.
LL- Por força desse regime nada impedia os recorrentes de celebrarem outros contratos em condições idênticas também com outras imobiliárias e colocarem o imóvel aí à venda.
MM- Até à data da formalização do negócio os recorrentes eram livres por optar pela imobiliária que melhor defendesse os seus interesses e menores custos acarretassem.
NN- E, na verdade foi o que aconteceu neste negócio, os recorrentes em momento algum tiveram conhecimento das condições constantes do contrato promessa elaborado pela autora, não assinaram o contrato promessa, no dia 5/07/2021, assinado apenas pelo promitente-comprador.
OO- A recorrente mulher transmitiu às funcionárias da recorrida que já não estava interessada em fazer o negócio;
PP- A Recorrida depois destes contactos, apressadamente contactou o promitente comprador, foi a casa deste à noite para o mesmo assinar o CPCV;
QQ- A Recorrida acompanhou o promitente comprador a uma caixa multibanco para fazer as transferências do valor relativo ao sinal de pagamento;
RR- A Recorrida na ânsia de receber a comissão do negócio, negligentemente se colocou em risco, não tomando as devidas precauções a fim de evitar as consequências que aqui se discutem.
SS- Não ditam as regras da experiência comum, que os contratos promessa de compra e venda de imóveis sejam primeiramente assinados pelo comprador, sendo este a parte mais frágil nas negociações, não é normal, nem diligente da parte das imobiliárias normalmente assessoradas por juristas, que celebrem um contrato promessa sem estarem presentes todos os promitentes e muito menos normal é uma imobiliária dirigir-se à casa do promitente-comprador, à noite, para lhe “sacar” a assinatura. Isto sim, é má-fé!
TT- Por força deste contexto e tendo sempre em consideração que estamos na presença de um contrato nulo por falta de assinatura dos promitentes vendedores e de um contrato de mediação imobiliária não sujeito ao regime de exclusividade, seriam só por si condições suficientes para arredar a condenação dos recorrentes como litigantes de má-fé.
UU- Acresce que os recorrentes são pessoas muito humildes com pouco instrução, o cônjuge marido é pescador e a mulher trabalha numa fábrica de peixe, no entender deles nada fizeram de errado, estando sempre convictos que o facto de não terem contratado nenhuma imobiliária em regime de exclusividade poderiam optar no momento por fazer o negócio com aquela que lhe proporcionasse melhores condições no negócio.
VV- Na previsão da lei a condenação em litigância de má-fé prevê condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da actividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
WW- Mas, os recorrentes apresentaram-se somente a exercer um direito com tutela legal e não decorre dos factos apurados que tenham agido no convencimento da falta de fundamento da sua pretensão.
XX- Por isso, conclui-se que não estão reunidos os pressupostos para condenar os recorrentes, com fundamento em litigância de má-fé no montante de exorbitante de multa em 10 unidades de conta e de indemnização de €1995,00 a entregar ao mandatário da recorrida.
YY- No que concerne à condenação por litigância de má fé chamamos aqui à colação a fundamentação que consta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 22656/18.8T8PRT.P1, in www.dgsi.pt “ (…)Na análise da questão não podemos deixar de ter presente o enquadramento e inserção no sistema do instituto em causa - litigância de má-fé -, no sentido de conseguir conciliar a faculdade de usar dos meios judiciais para fazer valer os “supostos“ direitos, com a responsabilidade por lide temerária.(…)” no mesmo sentido cita-se o Ac. Do STJ proferido no processo n.º 914/18.1T8EPS.G1.S1- in www.dgsi.pt“(…)3º - A sanção por litigância de má fé apenas pode e deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo.4º - Para tal, exige-se que o julgador seja prudente e cuidadoso, só devendo proferir decisão condenatória por litigância de má-fé no caso de se estar perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte.(…).
ZZ- O Professor Alberto dos Reis referia a este respeito: “Dizemos “supostos“ [direitos], porque nunca se pôs, nem poderia pôr, como condição para o exercício do direito de acção ou de defesa que o autor ou o réu seja realmente titular do direito substancial que se arroga. Seria, na verdade, absurdo que se enunciasse esta regra: só pode demandar ou defender-se em juízo “quem tem razão “; ou, por outras palavras, só é lícito deduzir no tribunal pedidos ou contestações objectivamente fundados. Só na altura em que o tribunal emite a sentença, é que vem a saber-se se a pretensão do autor é fundada, se a defesa do réu é conforme ao direito. De modo que exigir, como requisito prévio para a admissibilidade da acção ou da defesa, a demonstração da existência do direito substancial, equivalia, ou a cair numa petição de princípio, ou a fechar a porta a todos os interessados: aos que não têm razão e aos que a têm. O Estado tem, pois, de abrir o pretório a toda a gente, tem de pôr os seus órgãos jurisdicionais à disposição de quem quer que se arrogue um direito, corresponda ou não a pretensão à verdade e à justiça”.
AAA- E na análise do instituto, nas considerações gerais, referia ainda, com mais propriedade: “(…) uma coisa é o direito abstracto de acção ou de defesa, outra o direito concreto de exercer actividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão (…)”.
BBB- Pedro de Albuquerque no seu estudo sobre litigância de má fé, salienta que: “(…) proibição de litigância de má fé apresenta-se, assim, como um instituto destinado a assegurar a moralidade e eficácia processual, porquanto com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça. O dolo ou má fé processual não vicia vontades privadas nem ofende meramente interesses particulares das partes envolvidas. Também não se circunscreve a uma violação sem mais do dever geral de actuar de boa-fé. A virtualidade específica da má-fé processual é outra diversa e mais grave: a de transformar a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial (…)”.
CCC- A lei enuncia no art. 542º CPC as situações que qualifica como litigância de má-fé, considerando para esse efeito que litiga de má-fé, quem com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
DDD- A lei específica, assim, os comportamentos processuais susceptíveis de infringir os deveres de boa-fé processual e de cooperação. Integram-se na previsão da lei condutas que digam respeito a ofensas cometidas no exercício da actividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo.
EEE- Trata-se de uma ilicitude baseada na violação de posições e deveres processuais que, a serem atingidos, geram de imediato uma ilicitude sancionável independentemente da existência ou lesão de qualquer ilícito de direito substantivo.
FFF- Os comportamentos processuais são sancionados quer sejam dolosos, quer se devam a negligência grave da parte ou do seu representante ou mandatário, podendo por isso fundar-se em erro grosseiro ou culpa grave.
GGG- Repetidamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que “a litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta”, porque a lei impõe que a parte tenha actuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
HHH- Decidindo como decidiu, a douta sentença em crise violou o disposto no artº 410.º do Código Civil, o art. 19.º/2 da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro e o art.º 542.º do CPC.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, a matéria de facto não provada e provada alterada nos termos propostos e considerando todos elementos invocados a douta sentença recorrida ser substituída por outra que julgue totalmente improcedente a acção e absolva os Recorrentes de todos os pedidos contra si incluindo a absolvição dos réus no que concerne à litigância de má fé, sendo assim feita a mais sã e serena Justiça.
A recorrida não respondeu a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i. Se a matéria de facto deve ser alterada.
ii. Se a questão da (in)validade formal do contrato-promessa releva para o conhecimento do mérito.
iii. Se se verificaram as circunstâncias geradoras do direito da mediadora à remuneração.

III. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Os recorrentes impugnam a decisão de julgar não provado um facto que, defendem, dever ser julgado provado.
Trata-se do facto da alínea n) do respectivo elenco cuja redacção é a seguinte: «A autora persuadiu CC e DD a assinar um contrato promessa de compra e venda referido em 15) que levaram consigo, assegurando-lhes que tinham instruções da ré mulher para o fazer».
Esta decisão é inteiramente conforme à prova produzida.
O depoimento citado pelos recorrentes, aliás, só confirma essa decisão, porque a testemunha em causa, o comprador dos imóveis, é peremptório na afirmação de que assim que visitaram os imóveis ele e a mulher decidiram comprá-lo pelo preço que era pedido, razão pela qual a subscrição do contrato-promessa vem de encontro a essa sua vontade.
A testemunha também afirma que lhe chamou a atenção o facto de os donos dos imóveis não estarem lá para assinarem também o contrato-promessa e que lhe foi respondido que eles assinariam depois, não acusando ter sido alvo de qualquer artimanha ou subterfúgio da autora.
Afirma ainda que durante o dia a mediadora da autora que tratava do assunto lhe disse primeiro que a ré já não queria fazer o negócio e pouco tempo depois o contactou novamente a dizer que ela afinal já queria fazer o negócio, tendo o contrato-promessa sido assinado por ele depois disso, o que revela que a autora parecia estar a acolher a vontade que a ré lhe manifestava e não a desprezá-la.
Portanto, tendo sido com base neste depoimento que os recorrentes defendem a alteração da decisão, é evidente que essa pretensão não poder ser acolhida.
Refira-se, aliás, que em absoluta oposição com a impugnação que deduziram os recorrentes não impugnam a decisão de julgar provados os seguintes factos dos quais resulta claro o conhecimento e a aceitação por parte da ré da celebração do contrato-promessa com os clientes da autora: «13) ... no dia 03.07.2021, a autora ... levou a visitar as fracções ... CC e DD que gostaram dos imóveis e apresentaram proposta de aquisição pelo valor de €99.500,00 ... . 14) No próprio dia, após a visita, a autora comunicou à ré ... que CC e DD estavam interessados na aquisição das fracções pelo preço pretendido pelos réus, informando que iria recolher os dados dos interessados para ser elaborado o contrato promessa de compra e venda. 15) Nessa data, confrontada com a proposta e com o valor que ficaria de remanescente de sinal depois de paga a remuneração da imobiliária, a ré ... contactou ... a agência onde ia comprar o seu imóvel e depois deu instruções para avançar com o negócio e com a elaboração do contrato promessa de compra e venda.»
Os recorrentes impugnam igualmente a decisão de julgar provado o facto do ponto 38, defendendo a sua não prova.
Os recorrentes equivocam-se ao citar o mesmo depoimento para justificar a alteração da decisão, uma vez que, desde logo, estamos perante um facto totalmente distinto do anterior. O anterior refere-se ao que a autora pode ter dito à testemunha para justificar que este assinasse o contrato-promessa, no segundo se e quando a ré disse à autora que a venda das fracções ficava sem efeito.
Por outro lado, é manifesto que a testemunha em causa não tem conhecimento do que foi falado entre a autora e a ré e que do seu depoimento nenhuma prova resulta do teor dessas conversas. Os factos referem-se a contratos distintos e interlocutores diferentes, pelo que eram indispensáveis outros meios de prova para justificar a alteração. E como eles não vêem sequer mencionados pelos recorrentes, a impugnação da decisão naturalmente não procede.
Os recorrentes sustentam que o mesmo facto teria sido julgado provado [ponto 36: aquando da outorga do contrato de mediação referido em 2), a ré AA informou a autora, que tinha urgência na venda da casa e da necessidade de proceder à venda da mesma até início do mês de Setembro de 2021] e não provado [alínea f): a ré elucidou os funcionários que trabalham na empresa da autora ou por conta da autora, da urgência de proceder à venda até ao dia 4 de Setembro seguinte].
Curiosamente, as rés não indicam como deve ser decidida a contradição que alegam existir, como é suposto de uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
De todo o modo, como a sanação das contradições que existam na decisão sobre pontos da matéria de facto é oficiosa [cf. artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil], devemos analisar se ela existe mesmo. Da forma que interpretamos tais factos essa contradição não existe.
Deu-se como provado que a ré tinha alguma urgência na venda dos imóveis e a necessidade de os vender até ao início do mês de Setembro, e não provado que essa urgência e necessidade fosse mesmo até ao dia 4, o que não importa contradição porque a expressão «início do mês» não só não equivale necessariamente ao primeiro dia do mês, como pode ser compatível com uma data posterior ao quarto dos trinta dias do mês de Setembro.
Afinal de contas, tendo sido julgado provado, sem merecer dos recorrentes impugnação que (31) «no dia 16.09.2021, foi outorgada escritura pública de compra e venda, onde os réus ..., na qualidade de vendedores e CC e DD, na qualidade de compradores, acordaram na venda das fracções ... pelo preço global de €98.500,00» (note-se, preço inferior em mil euros ao que antes os mesmos interessados lhe haviam apresentado ... e sinalizado!), não se vislumbra como podem os recorrentes defender uma urgência ou necessidade que impusesse, como pretendem, a obrigação de a compra e venda ser celebrada até ao dia 4 desse mês.
Essa decisão deve, pois, ser mantida.

IV. Fundamentação de facto:
Encontram-se julgados provados em definitivo os seguintes factos:
1) A autora é uma sociedade por quotas que se dedica à actividade de mediação imobiliária e é titular da licença AMI n.º ..., emitida pelo IMPIC, I.P.
2) No âmbito dessa actividade, 01.07.2021, autora e a ré AA celebraram o “contrato de mediação imobiliária” com o n.º ..., no qual acordaram, para além do mais, que: «….
B..., Lda. (…) designada por mediadora, e AA (…) casada, sob o regime da comunhão de adquiridos, com BB (…) designado como Segundo(s) Contratante(s) na qualidade de proprietária … é celebrado o presente Contrato de Mediação Imobiliária que se rege pelas cláusulas e condições seguintes:
Primeira – O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra “CU”…destinada a habitação, (…) descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob a ficha n.º ... (…)e inscrito na matriz predial … sob o artigo n.º ... (…).
Segunda 1 – A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra ….,pelo preço de 99.500 euros …, desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis. (…)
Terceira 1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em Regime de Não Exclusividade.
Quarta 1 – A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.
2 – O Segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: a quantia 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, nunca podendo esse valor ser inferior a 6.000€. (…) 3 – O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa. (…)
Sexta – O presente contrato tem uma validade de 9 meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das Partes Outorgantes através de carta registada com aviso de recepção ou via e-mail, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo. Neste período incluem-se os negócios iniciados e concluídos com a celebração da escritura, bem como, todos aqueles que, tendo sido iniciados …. dentro dos 9 meses, só são concluídos até ao prazo de 6(seis) meses após a cessação do contrato. (…)»
3) No dia 02.06.2021, no Cartório Notarial do Sr. Notário, EE, BB … casado com AA sob o regime da comunhão de adquiridos, declarou que:
«…constitui bastante procuradora a sua referida esposa AA (…) a quem confere os poderes necessários para:
Vender e ou prometer vender, pelos preços e condições que entender convenientes, quaisquer bens imóveis sitos no concelho da Póvoa de Varzim, podendo assinar escritura pública ou documento particular autenticado, rectificando-os se necessário for, podendo para o efeito receber o respectivo preço, e dar correspondente quitação, podendo assinar e outorgar contrato-promessa, escritura pública ou documento particular autenticado
Comprar e ou prometer comprar, quaisquer bens móveis e ou imóveis, no todo e em parte, silos no concelho de Vila do Conde, podendo assinar e outorgar contrato-promessa, escritura pública ou documento particular autenticado, e procedimento casa pronta, e pagar o respectivo preço;
junto de quaisquer- instituições bancárias, nomeadamente junto do Banco 1..., S.A. contrair empréstimos até o montante máximo de duzentos mil euros, acrescido dos respectivos juros e demais encargos ate ao montante máximo legalmente, estipulando quaisquer quantias relativas a indemnizações, praticando e assinando que necessário for aos indicados fins; junto da Segurança Social o representar em todos os assuntos em que seja interessado, podendo requerer informações, certificadas ou não, quanto à situação contributiva do aqui mandante, podendo solicitar que lhe sejam fornecidas fotocópias ou passadas certidões de documentos relativos aos mesmos;
junto de quaisquer Repartições públicas, particulares ou administrativas, designadamente no Serviço de Finanças, onde poderá praticar quaisquer actos de natureza fiscal, fazer averbamentos, liquidar impostos ou contribuições, reclamar dos indevidos ou excessivos, receber títulos de anulação e as suas correspondentes importâncias, requerer os códigos de acesso à internet, requerer avaliações fiscais, incluindo IMI, inscrições matriciais, rectificações de áreas e confrontações;
na competente Conservatória do Registo Predial, fazer quaisquer registos provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, rectificações de áreas, prestar declarações complementares, requerer certidões. praticando, requerendo e assinando tudo quanto seja necessário aos indicados fins.
nas Câmaras Municipais. requerer licenças, alvarás, vistorias, certidões, praticar e assinar tudo o mais se torne necessário;
nos Serviços Municipalizados. C..., D..., E..., F..., ou qualquer empresa de telecomunicações, requerer ligações de água, gás e saneamento, luz, telefone, assinando os respectivos contratos ou rescindi-los, requerer e assinar quaisquer documentos; o representar junto dos CTT ou qualquer outra empresa de distribuição postal e ou de encomendas, onde poderá levantar quaisquer cartas, encomendas e registos que lhe sejam dirigidos, assinando os competentes avisos e quaisquer documentos que se tornem necessários, praticando e assinando tudo o mais que se mostre necessário ao cumprimento do presente mandato.»
4) Pela apresentação n.º ... de 2019/10/25, estavam averbados na Conservatória do Registo Predial, a favor de BB e AA, casados no regime da comunhão de adquiridos, as fracções autónomas descritas sob o n.º ..., freguesia de Póvoa de Varzim, letras “AF”, “AG” e CU” do prédio sito na Rua ..., n.º ..., 3.º Esq, freguesia e concelho da Póvoa de Varzim e inscritas na matriz sob o artigo n.º ... da união das freguesias ..., ... e ....
5) Através do contrato referido em 2), a autora obrigou-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra das fracções de que os réus eram donos e legítimos proprietários.
6) Para cumprimento da diligência no sentido de conseguir interessado na compra das referidas fracções, a autora obrigou-se a desenvolver acções de promoção, publicidade e recolha de informação sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.
7) Previamente à celebração do indicado contrato, todas as cláusulas constantes do mesmo foram comunicadas e explicadas pela autora à ré AA.
8) A autora e ré acordaram nos termos constantes em 2), seja quanto ao preço de venda, prazo de celebração do contrato de mediação, valor da comissão a pagar, tipo de contrato a celebrar (sem exclusividade), identificação da mediadora e identificação do prédio.
9) A autora explicou à ré AA, o teor das referidas cláusulas, concretamente, as condições de pagamento da comissão acordada e o prazo de duração do contrato de mediação.
10) No dia 01.07.2021, a ré AA assinou o escrito intitulado «Declaração» com o seguinte teor:
«O Cliente declara expressa e irrevogavelmente que lhe foram prestadas todas as informações tidas por relevantes para a celebração do contrato, bem como explicadas todas as cláusulas que o compõem, não tendo quaisquer dúvidas acerca do seu teor. Declara ainda que se encontra totalmente esclarecido e que por isso e de sua livre vontade que assina o contrato.»
11) No cumprimento do contrato de mediação imobiliária, a autora desenvolveu acções de promoção das fracções autónomas dos réus e divulgou a vontade dos réus em vender as ditas fracções e as condições do negócio que pretendiam realizar.
12) A autora divulgou as fracções dos réus e a venda que estes queriam realizar em sítios da internet e divulgou as características dos imóveis, através da colocação de uma folha na montra dos seus estabelecimentos comerciais.
13) Assim, no dia 03.07.2021, a autora representada pela comercial FF, levou a visitar as fracções acima indicadas os Srs. CC e DD que gostaram dos imóveis e apresentaram proposta de aquisição pelo valor de €99.500,00 e de alguns bens móveis.
14) No próprio dia, após a visita, a autora comunicou à ré AA que CC e DD estavam interessados na aquisição das fracções pelo preço pretendido pelos réus, informando que iria recolher os dados dos interessados para ser elaborado o contrato promessa de compra e venda.
15) Nessa data, confrontada com a proposta e com o valor que ficaria de remanescente de sinal depois de paga a remuneração da imobiliária, a ré AA contactou o comercial da agência onde ia comprar o seu imóvel e depois deu instruções para avançar com o negócio e com a elaboração do contrato promessa de compra e venda.
16) No dia 05.07.2021 a autora recolheu a assinatura dos promitentes compradores no contrato-promessa de compra e venda relativo às fracções de que os réus eram proprietários e que se encontra junto como documento n.º 8 da petição inicial.
17) No mesmo dia foi paga a quantia de €5.000,00 a título de sinal, por transferência bancária para o IBAN da autora.
18) No dia 06.07.2021, pelas 13 horas, foi enviado para o email da ré, cópia do contrato promessa assinado e cópia do comprovativo de pagamento de sinal no valor de €5.000,00, e aí se informou ainda que
«Segue abaixo o Contrata de Promessa Compra e Venda, do negócio fechado pelo valor de venda de 99.500€, bem como, os respectivos documentos do imóvel em questão, devidamente assinados pelos clientes compradores.
Envio também os comprovativos das transferências feitas pelo Sr. CC no valor de 5.000€, os restantes 5.000€ será feita transferência hoje.
Junto envio o Contrato de Mediação.
Peço que analise os documentos e qualquer dúvida que surja entre em contacto comigo (..)»
19) No mesmo dia, pelas 14h26m foi enviado um email pela comercial FF a anexar o comprovativo do pagamento do sinal em falta.
20) A ré AA, pelas 15h30m envia um SMS para o telemóvel da comercial FF, a solicitar que informasse “ao senhor que venda fica sem efeito e para anular o contrato da venda do apartamento obrigado pela atenção”.
21) No dia 07.07.2021, a Directora Processual da autora, GG, envia email para a ré a informar que:
(…) Exma. Sra. AA
Serve o presente para informar V. Exa. os procedimentos para a realização do negócio: Valor venda: 99.500,00€ (valor acordado no contrato de mediação) Sinal 10.000,00€ que será transferido para a sua conta aquando a assinatura do contrato promessa de compra e venda.
Informamos que de acordo com o contrato de mediação a comissão é cobrada quando da celebração do contrato promessa de compra e venda, que nessa data entregamos a respectiva factura.
Deste modo solicitamos indicação de data e hora para vir assinar o contrato promessa e dar seguimento ao negócio. (…)»
22) Pouco tempo depois, a ré AA envia SMS(s) para a comercial FF a pedir que esta informasse a Directora Processual da autora que o negócio ficava sem efeito (doc. n.º 14).
23) No dia 07.07.2021, a ré envia um email para a autora com o seguinte teor:
«Denúncia do Contrato de Mediação Imobiliária
AA NIF ..., casado com BB, contribuinte n.º ..., residentes em Rua ..., ..., 3º esquerdo, freguesia e concelho de Póvoa de Varzim, vêm por este meio denunciar o fim do contrato de Mediação Imobiliária estabelecido entre eles e a empresa A..., Lda., sito na Praça ..., R/C nº ..., freguesia e concelho de Vila Nova de Famalicão, NIPC ..., detentora da licença AM1 n.º ..., o seguinte contrato em regime de não exclusividade, ao qual denuncia o fim do contrato, que foi celebrado em 01 de Julho, 2021, com validade de 9 meses, a rescisão é efectuada dentro do prazo legal de 10 dias de reflexão.
Sendo assim, o término do contrato terá efeitos práticos a partir de 07 de Julho de 2021. (…)».
24) No dia 08.07.2021, a ré AA enviou carta com a mesma comunicação referida em 23).
25) A Directora Processual, GG, no dia 08.07.2022, envia email à ré com o seguinte teor:
«Após recepção do seu E-mail informamos que o nosso trabalho foi feito tal como acordado que acarreta responsabilidades para a senhora.
No entanto referente ao contrato promessa de compra e venda só nos resta informar os compradores que perdeu interesse na venda e iremos devolver o sinal por eles entregue.».
26) No dia 10.08.2021 a ré AA, envia uma carta à autora informando que:
«Na sequência de vossas solicitações para pagamento da quantia de €7.380,00, sou a esclarecer o seguinte:
Não vos devo nada, uma vez que o contrato-promessa por vós alegadamente angariado não satisfazia os termos por mim pretendidos, pois não previa que a escritura e o recebimento do remanescente preço fosse realizada impreterivelmente até 04 de Setembro, condição que era para mim essencial para a concretização do negócio. As vossas angariadoras sabiam da pressa que eu tinha em vender o meu apartamento por estar comprometida na aquisição de outro e, ao mesmo tempo, da necessidade em realizar rapidamente dinheiro para pagar o sinal daquele (pois tinha dado apenas um cheque caução), o que só era possível através do recebimento do sinal. Por isso considero que fui enganada quando me deram a assinar o contrato de mediação imobiliária, pois não fui avisada de que dele constava que total de remuneração da comissão pela venda seria devida com a celebração do contrato-promessa. Por isso, na tarde do dia 05/07 em que vieram a minha casa com o contrato-promessa para eu assinar, recusei fundadamente fazê-lo por não me interessar o negócio nesses termos. Por último, foi depois de eu recusar o negócio que não me interessava, que, de má-fé, foram nesse mesmo dia, à noite, colher as assinaturas dos interessados na compra e força-los a transferir o valor do sinal para a conta bancária dessa imobiliária, bem sabendo isso ser contra a minha vontade e instruções, para além de ilegal. Tudo isto para concluir ser completamente falso que o negócio por mim visado e pretendido tenha sido concretizado por essa ¡mobiliaria, donde não é vos devida qualquer remuneração. (... )»
27) No dia 17 de Agosto de 2021, a autora responde à ré, por carta com o seguinte teor:
«(…) Tudo o que alega na vossa carta não faz qualquer sentido, e o pagamento da comissão que reclamamos é devido. A sua postura faz com que a n/ empresa reclame em tribunal o pagamento da quantia de 7380,00€, pois cumprimos com aquilo que rios comprometemos quando assinamos o contrato de mediação imobiliária. Conseguimos encontrar interessado para a compra do seu apartamento pelo preço que pretendia e celebramos contrato promessa de forma a garantir este seu interesse. Todas as cláusulas do contrato de mediação imobiliária foram-lhe transmitidas e explicadas, e a Sra. assinou uma declaração que atesta isso mesmo. A Sra. bem sabia em que momento deveria ser paga a comissão, que era na assinatura do CPCV. Não conseguimos perceber o que causou a sua mudança de opinião, mas somos alheios a isso. Foi a Sra. que incumpriu o contrato de mediação imobiliária, e não a nossa empresa. Lamentamos todas as acusadas infundadas que faz á nossa empresa e que colocam em causa o nosso bom nome no mercado, e que em local próprio serão devidamente esclarecidas. Esperamos que pondere a vossa posição e faça o pagamento da quantia em divida no prazo de 3 dias para a conta bancária que lhe foi informada. (…)».
28) Em 31.08.2021, a autora emitiu a factura n.º ..., no valor de €.7380,00 em nome da ré AA, com o descritivo «comissões venda» e com vencimento na mesma data.
29) No dia 03.09.2021 a autora através da Directora Processual GG envia email para ré, com a factura n.º ... no valor de €.7.380,00, solicitando o seu pagamento no prazo de 3 dias.
30) No dia 06.09.2021, a ré envia carta à autora com a devolução da factura e de onde consta que:
«Junto devolvo a factura que indevidamente me remeteram. O indicado valor não é devido, tal como oportunamente transmiti na carta remetida à agência da Póvoa de Varzim de que anexo cópia.»
31) No dia 16.09.2021, foi outorgada escritura pública de compra e venda, onde os réus, AA e AA, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, na qualidade de vendedores e CC e DD, na qualidade de compradores, acordaram na venda das fracções “AF”, “AG” e “CU” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., freguesia da Póvoa de Varzim pelo preço global de €98.500,00.
32) Da referida escritura consta também que «A quantia relativa ao preço foi paga da seguinte forma: A quantia de €10.000,00 foi paga, em no dia 10 e 11 de Julho, através de quatro transferências bancárias, no valor de €2500,00 (…). E o remanescente de €88.500,00 foi pago no dia de hoje (…)».
33) De tal documento consta ainda que «Declararam, ainda, os outorgantes, depois de advertidos de que, se omitirem a declaração, incorrem na pena prevista para o crime de desobediência, que a presente compra e venda foi objecto de intervenção de mediador imobiliário através da “G..., Lda.”, com a licença ....»
34) Em 10.07.2021, os réus outorgaram contrato-promessa de compra e venda com CC e DD, no qual aqueles prometeram vender e estes prometeram comprar as fracções identificadas em 31) pelo preço global de €98.500,00.
35) Os réus celebraram o contrato de compra e venda referido em 31) a 33) com os interessados CC e DD angariados pela autora e adquiriram os móveis referidos em 13).
36) Aquando da outorga do contrato de mediação referido em 2), a ré AA informou a autora, que tinha urgência na venda da casa e da necessidade de proceder à venda da mesma até ao início do mês de Setembro de 2021.
37) Aquando da outorga do contrato de mediação referido em 2), a ré AA informou a autora que tinha celebrado contrato de mediação imobiliária com outra agência imobiliária, também sem exclusividade.
38) Só após a autora ter enviado para a ré cópia do contrato-promessa de compra e venda assinado tal como referido em 18) e 19) é que esta informou que o contrato de compra e venda ficava sem efeito.

V. Matéria de Direito:
A] Da validade formal do contrato-promessa:
Nas conclusões K) a W) as recorrentes defendem que o contrato-promessa de compra e venda assinado pelos interessados na compra angariados pela autora padece de invalidade formal.
Salvo melhor opinião, trata-se de um argumento sem qualquer repercussão na presente acção.
A causa de pedir desta acção é constituída por um contrato de mediação imobiliária celebrado entra a autora e a ré, não pelo contrato-promessa. Este apenas vem alegado por ser a circunstância que gera a constituição do direito à remuneração da autora.
Pode aceitar-se que se a mediadora for igualmente incumbida de diligenciar pela celebração de um contrato-promessa com os clientes que consigam angariar, o contrato-promessa for inválido e os promitentes-compradores desistirem da compra invocando essa invalidade, os clientes possam opor à mediadora imobiliária essa invalidade, caso a mesma lhe seja imputável, para defender que o contrato objecto da mediação não se chegou a celebrar por razões imputáveis à mediadora, não lhe sendo por isso, apesar da existência desse contrato-promessa, devida a remuneração
Ora, o caso não tem esses contornos.
O contrato de compra e venda não chegou a ser celebrado (inicialmente, porque de facto acabou mesmo por ser celebrado) apenas porque os próprios autores, depois de os clientes da mediadora terem decidido comprar os imóveis, aceitado as condições do negócio, assinado o contrato-promessa e pago o sinal, desistiram do negócio e recusaram-se a celebrar o contrato-promessa de compra e venda e o contrato de compra e venda.
Portanto, a eventual invalidade formal do contrato-promessa por falta de reconhecimento das assinaturas não teve qualquer repercussão no cumprimento ou não cumprimento do contrato de mediação imobiliária ou na concretização ou não do contrato objecto da mediação, razão pela qual essa circunstância não pode ser invocada como fundamento de recusa do pagamento da remuneração.
B] Do direito à remuneração:
Nas conclusões X) a II) as recorrentes defendem que a remuneração fixada no contrato de mediação imobiliária celebrado com a autora não lhe é devida porque tal só ocorreria se o contrato objecto dessa mediação (a compra e venda) tivesse sido celebrado e isso não sucedeu.
Vejamos se assim é, sendo certo que a qualificação jurídica do contrato como contrato de mediação imobiliária não só não é questionada nos autos como parece igualmente incontroversa atenta a circunstância de se tratar de um contrato vertido para um documento escrito que apresenta uma redacção típica e normalizada dos contratos de mediação imobiliária regidos pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, conforme o texto do contrato assinala, o que é consentâneo com o facto de a autora ser à data, segundo o contrato, detentora da licença AMI ..., emitida pelo IMPIC, I.P., o qual tem competência legal para atribuir as licenças para o exercício dessa actividade e para a validação dos contratos de mediação imobiliária com cláusulas contratuais gerais.
Refira-se que na acção está assente que a autora realizou diligências para a obtenção de interessados na compra dos imóveis dos recorrentes, que fruto dessas diligências um casal interessou-se pela compra, que casal tomou a decisão de fazer a compra, aceitou o preço pretendido pelos recorrentes para a celebração do negócio, e, inclusivamente, vinculou-se a essa celebração através da assinatura de um contrato-promessa de compra e venda dos imóveis e da prestação de um sinal.
O que se discute é somente se, não obstante isso, a autora não tem direito à remuneração porque a ré, que celebrou com ela o contrato de mediação imobiliária, quando foi chamada a assinar o contrato-promessa já assinado pelo casal interessado na compra manifestou que desistia do negócio e inclusivamente comunicou à autora que denunciava o contrato de mediação imobiliária.
A remuneração do mediador encontra-se regulada no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, que, na parte que aqui interessa, dispõe no n.º 1 o seguinte:
«A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.»
Esta norma estabelece que em regra a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado; quando muito, se o contrato de mediação o estipular, pode haver lugar ao pagamento de remuneração quando estiver celebrado contrato-promessa do negócio visado.
Assim, se o negócio visado não chegar a ser concluído de forma eficaz (perfeita), a remuneração não é devida, independentemente das razões desse desfecho, ou seja, mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam as suas exigências a fazer frustrar as negociações com o interessado proporcionado pelo mediador.
Logo, mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado activamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial.
Isso é assim porque com a celebração do contrato de mediação o proprietário do bem não se vincula a celebrar o negócio visado pela mediação, ele continua a gozar do direito discricionário de aceitar a proposta do interessado que o mediador lhe apresente ou de não a aceitar, isto é, de concluir o negócio proposto ou desistir da sua celebração.
Como afirma Higina Castelo, in Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, Revista de Direito Comercial, Julho de 2020, pág. 1415, «a conclusão do contrato visado não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração (..). Não sendo celebrado o contrato visado (ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), a mediadora não tem direito a ser remunerada. Isto torna-se claro com a leitura do n.º 2 do art. 19, que introduz uma excepção nesta regra, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: ter sido convencionada a exclusividade da mediadora; tratar-se de contrato de mediação celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; e não se concretizar o negócio visado por causa imputável ao cliente (..). Fora deste circunstancialismo, o direito à remuneração apenas nasce com a conclusão e perfeição do contrato visado (ou do liminar, quando assim acordado).» (in www.revistadedireitocomercial.com.; em nota esta autora cita Lacerda Barata, Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, I, Coimbra, Almedina, 2002, págs. 202: «[e]stá em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata»).
No caso, o contrato de mediação estipula na cláusula 4.ª que «a remuneração só será devida se a mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro» (n.º 1) e ainda que «o pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: o total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa» (n.º 3).
Muito embora a norma use a expressão «ser devido», em bom rigor o pagamento da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa não significa que baste a celebração desse contrato para que se preencham os pressupostos do direito à remuneração, ou seja, para que esse direito se constitua.
Em qualquer caso, a constituição desse direito continua dependente da conclusão e perfeição do negócio visado e só se esta circunstância se verificar é que a remuneração se torna juridicamente exigível (devida). Se o negócio visado não chegar a ser concluído de forma eficaz (perfeita), a remuneração não é devida, independentemente das razões desse desfecho, ou seja, mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam as suas exigências a fazer frustrar as negociações com o interessado proporcionado pelo mediador.
Mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado activamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial.
O que a norma em causa estabelece por referência a um momento em que o negócio ainda não se concretizou é apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa (um contrato cujo efeito jurídico é a constituição da obrigação de celebração do negócio visado) e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase.
Na expectativa de que em condições normais e com grande probabilidade ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido, as partes no contrato de mediação imobiliária podem indexar o pagamento da remuneração (o vencimento) ao momento da celebração do contrato-promessa, apesar do que, se o contrato prometido não vier a ser celebrado, haver casos em que o direito à remuneração se constitui e casos em que ele não chega sequer a constituir-se, daí resultando que o pagamento antecipado se torna supervenientemente inexigível e dever ser repetido.
Curiosamente, no caso é a própria cláusula 4.ª do contrato que reforça esta interpretação. Como vimos, o n.º 3 da cláusula em apreço não se refere à constituição do direito à remuneração, ela reporta-se sim às condições em que o pagamento da remuneração terá lugar, mais especificamente ao tempo (ao momento) em que esse pagamento pode ser exigido; não propriamente aos pressupostos da constituição do direito à remuneração porque estes estão fixados no regime jurídico do contrato de mediação imobiliária e, conforme se assinalou, não prescindem da celebração válida do contrato visado pela mediação.
Pareceria assim que a autora não tinha direito à remuneração porque a ré desistiu do negócio, recusando-se a assinar o contrato-promessa já assinado pelos promitentes-compradores. Não é assim, contudo.
Com efeito, embora tenha manifestado à autora que desistira do negócio, a ré não só não desistiu dele como, conjuntamente com o marido, veio mesmo a concretizá-lo com os interessados que a autora havia angariado e que logo na altura tomaram a decisão de comprar os imóveis, assinando o contrato-promessa de compra e venda e entregando um sinal.
O casal comprador dos imóveis interessou-se pelos imóveis em resultado das diligências de divulgação da venda dos imóveis realizada pela autora e da apresentação dos imóveis que as representantes da autora lhe fizeram na visita que lhes proporcionaram e em que os acompanharam. A decisão de comprar os imóveis foi formulada por esse casal logo na ocasião e, portanto, necessariamente, em resultado da actuação da autora, tanto assim, repete-se, que em resultado das diligências desta assinaram o contrato-promessa e prestaram um sinal.
A concretização do negócio deu-se no mesmo mês que o contrato-promessa previa (Setembro), apenas 1 dia depois do prazo que naquele se indicava como limite (sem que se sabia a que se deveu a ultrapassagem em 1 dia daquele limite). O negócio fez-se praticamente quase pelo mesmo preço (apenas menos €1.000, sem que se saiba o motivo para a diferença). Inclusivamente, parte do preço foi pago antes da data da celebração da escritura pública de compra e venda e mais especificamente nos dias 10 e 11 de Julho, isto é, apenas 4 ou 5 dias depois de a ré ter enviado um mail à autora a informar que desistia do negócio.
Esta materialidade não consente qualquer dúvida de que o negócio visado pelo contrato de mediação foi concretizado com as pessoas que a autora havia angariado e em resultado da sua actividade de mediação imobiliária. O comportamento da ré de manifestar que desistia do negócio, mas depois o concretizar com a menção de que este foi celebrado com a intervenção de outra empresa de mediação não passou de um pretexto, de uma estratégia, de uma simulação para não pagar à autora a remuneração devida.
Na verdade, nem passou tempo (nem foram, aliás, alegadas circunstâncias que o justificassem) para haver uma cessação da vontade negocial que esteve na génese da celebração do contrato de mediação e a posterior mas distinta formação de outra vontade negocial que viesse a estar na origem do contrato de compra e venda concretizado, nem as pessoas que já antes se haviam interessado pelo negócio podem ter sido depois disso angariadas por qualquer outra empresa de mediação (se já estavam interessadas e não foi alegado que deixaram de o estar, mas não podem depois ter ...passado a estar ... de novo por ... outra causa, qualquer que ela seja!).
Nessa medida a questão de o contrato-promessa ter sido ou não validamente celebrado acaba por ser irrelevante porque mesmo que se viesse a considerar que não tendo a ré chegado a assinar esse contrato não se verificou a circunstância a que se refere o n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro, certo é que tendo o contrato visado pela mediação sido efectivamente concretizado (nos moldes assinalados) a remuneração é devida à autora.
O recurso é, nesta parte, por isso mesmo, improcedente.
C] Da litigância de má fé:
A partir da conclusão JJ) e até a final os recorrentes impugnam a decisão de os condenar como litigantes de má fé em multa e indemnização.
Fazem-no, essencialmente, argumentando com factos atinentes à celebração do contrato de mediação imobiliária e aos passos que se lhe seguiram, alguns dos quais nem sequer se provaram e, portanto, não podem ser levados em consideração, e depois sustentando que são pessoas humildes e com poucos conhecimentos, tendo actuando com a convicção de que podiam fazer o que fizeram.
Ao assim argumentarem os recorrentes confundem o essencial: a litigância de má fé tem por objecto e fundamento o seu comportamento no processo, não o comportamento anterior que gerou o conflito que está na origem do processo, razão pela qual aqueles factos são totalmente anódinos para o efeito. Os réus não foram condenados como litigantes de má fé por antes terem actuado bem ou mal, respeitando as obrigações contratuais que assumiram ou em violação delas. Foram condenados com fundamento nos actos que praticaram no processo, no que nele alegaram e que se veio a mostrar ser falso.
Por esse motivo é igualmente insusceptível de afastar a litigância de má fé a circunstância de os réus serem pessoas com pouca escolaridade ou conhecimento. Com efeito, no processo estão representados por mandatário judicial, tendo sido este a subscrever as peças processuais, razão pela qual aquela falta foi superada pelas indicações, informações e conselhos que seguramente este lhe deu.
A Constituição de República Portuguesa consagra no seu artigo 20.º o direito de acesso aos tribunais, dizendo que a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente. O mesmo consagra o legislador ordinário no artigo 2.º do Código de Processo Civil.
O direito de acesso à justiça é um direito constitucionalmente garantido, dotado da tutela que é própria dos direitos fundamentais. Essa circunstância obsta desde logo a que da simples perda da demanda se possa concluir pela ilegitimidade da iniciativa processual e pelo dever de indemnizar a parte contrária dos prejuízos sofridos em consequência da demanda
Porém, nos processos judiciais as partes estão vinculadas ao dever de boa-fé processual que emana do princípio da cooperação, do qual decorre um verdadeiro dever jurídico de verdade, isto é, de apresentar os factos tal como, em sua opinião, eles ocorreram. A litigância de má-fé sanciona a violação desse dever de verdade, de estar no processo seguindo padrões de probidade e de verdade.
Nos termos do artigo 542.º do Código de Processo Civil, litiga de má-fé a parte que, com dolo ou negligência grave: a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A litigância de má-fé apenas se preenche em caso de dolo ou culpa grave. Só a imprudência grosseira, que é manifesta aos olhos de qualquer um, que foi resultado da não adopção daquele mínimo de diligência que era possível e que permitiria dar conta da falta de fundamento para o acto. A negligência comum, desculpável, não basta para qualificar a litigância.
Na avaliação e graduação dessa culpa atende-se ao padrão de conduta exigível a uma pessoa razoável, normalmente cuidadosa e prudente, mas também às circunstâncias do caso concreto. O uso reprovável do processo ou dos meios processuais com um dos objectivos descritos no nº 2 do art. 456º do Código de Processo Civil tem de advir de comportamentos dolosos ou gravemente negligentes da parte, cabendo aqui as situações em que se detecta a inobservância das mais elementares regras de prudência, diligência e sensatez, aconselhadas pelas mais elementares regras do proceder corrente e normal da vida.
A mera perda da demanda nunca é suficiente para permitir concluir pela ilegitimidade da iniciativa processual e pela litigância de má-fé. O que importa é que as circunstâncias permitam ao tribunal concluir que a parte apresentou pretensão ou fez oposição conscientemente infundada. Só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente negligente a parte pode ser censurada como litigante de má fé.
Por outro lado, entende-se que a litigância de má-fé exige que a parte tenha a consciência de não ter razão. A conduta do agente deve ser desvaliosa e intencional. A sua postura processual pode ser temerária e contrária a uma realidade objectiva e não consistir em litigância de má-fé. Só usa de má-fé aquele que sabe que usa um meio processual para atingir um fim contrário a um fim licito e desconforme ao direito e o faz de forma intencional.
Ora no caso é manifesto que os réus falsearam a verdade. Para evitar pagar à autora a remuneração inventaram que os compradores aos quais vieram de facto a vender os imóveis tomaram conhecimento da sua intenção de celebração da compra e venda através de outra empresa de mediação que não a autora.
Os compradores, ouvidos como testemunhas, afirmaram ambos que que souberam que os imóveis estavam à venda através da autora que anunciava esse facto, tendo sido à autora que se dirigiram e sido com as funcionárias dela que visitaram os imóveis da única vez que o fizeram antes da celebração da escritura de compra e venda, que assinaram o contrato-promessa e que entregaram o sinal.
Porque a ré esteve presente na visita aos imóveis acabada de referir e receberam da autora a comunicação da intenção destes interessados na compra, da assinatura do contrato-promessa e da prestação do sinal, os réus só tinham pleno conhecimento destes factos, razão pela qual a alegação duma realidade diferente constitui de facto uma alteração da realidade dos factos dolosa ou, pelo menos gravemente negligente.
Basta ver os documentos juntos aos autos e as mensagens enviadas pela própria ré para concluir sem margem para dúvidas de que os réus sabiam como se tinham passado os factos. Se depois foram eles a congeminar esta tese baseada em factos falsos ou foram aconselhados por outrem a sustentá-la, é coisa que desconhecemos e que de todo o modo não releva para a qualificação requerida.
Aplicando estes dados ao caso concreto parece forçoso concluir que os réus litigam de má fé.
De todo o modo, afigura-se-nos que atentos os interesses materiais que estão em jogo e o posicionamento sócio-económico dos réus, o montante da multa fixado em 1.ª instância (10 UC) é excessivo e deve antes ser fixado no limite mínimo legal (2 UC).
No que concerne ao valor da indemnização e não vindo propriamente questionado no recurso o seu montante fixado pela 1.ª instância, entendemos por bem anotar que na parcela dos honorários haverá que descontar o montante que por via das custas de parte a parte vencedora receber com o mesmo título.

VI. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, alteram a decisão recorrida apenas quanto ao montante da multa por litigância de má fé, que reduzem para 2 (duas) UC’s, mantendo-a no mais.
Custas do recurso pelos recorrentes (a questão da litigância de má fé não tem autonomia tributária), restritas à taxa de justiça já paga por a parte contrária não ter respondido ao recurso e não ter direito a custas de parte.
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Porto, 4 de Abril de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 810)
Ana Márcia Vieira
Isabel Peixoto Pereira

[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]