Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PINTO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA PRAZO DE ABERTURA DO INCIDENTE | ||
| Nº do Documento: | RP202506047135/22.7T8VNF-I.P1 | ||
| Apenso: | 1 | ||
| Data do Acordão: | 06/04/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
| Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Apesar do prazo de 6 meses previsto no nº 3 do art. 188º do CIRE ser um prazo-limite absoluto para a abertura do incidente de qualificação da insolvência, o tribunal «a quo» acabou por conceder, por despacho proferido depois de esgotado tal prazo [conjugado com os termos do anúncio que o publicitou, assinado pela Sra. Juíza], um novo prazo de 6 meses para os efeitos dos nºs 2 e 3 daquele preceito [contado desde a publicação indicada na parte final do nº 4 do mesmo artigo]. II - Por se tratar de despacho ilegal, os sujeitos processuais por ele afetados podiam/deviam interpor recurso do mesmo, por não funcionar, quanto a ele, a proibição de recurso prevista no nº 4 daquele art. 188º. III - Tendo tal despacho transitado em julgado, já não podiam a insolvente e os requeridos suscitar, com êxito, a exceção perentória da caducidade, na oposição que deduziram no incidente de qualificação da insolvência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 7135/22.7T8VNF-I.P1 – 2ª Sec. (apelação em separado) Relator: Des. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Rui Moreira Des. Alexandra Pelayo * * * Acordam nesta secção cível do tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: No apenso do incidente de qualificação da insolvência de que os presentes autos de recurso são dependência, a devedora insolvente, A..., SA, na oposição que apresentou em 05.11.2024, e os requeridos AA e BB, na oposição que deduziram em 29.11.2024, arguíram a exceção perentória da caducidade do direito exercido em tal apenso pelo credor Estado Português, representado pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil [que, por brevidade, designaremos apenas por ANEPC], alegando, no essencial, que as alegações por este apresentadas em 22.05.2024, ao abrigo do disposto no artigo 188.º n.º 1 do CIRE, e o inerente pedido de abertura do incidente de qualificação da insolvência, são extemporâneos e que, por via disso, o incidente não poderia ser declarada a abertura do incidente. A ANEPC, na resposta, pugnou pela improcedência de tal exceção. No despacho saneador, datado de 04.02.2025, foi apreciada, além do mais, a referida exceção perentória, tendo-se ali concluído pela sua não verificação nos seguintes termos [dispositivo]: «Por tudo o exposto, entende-se que não ocorre a caducidade invocada pela devedora insolvente e pelos requeridos nas respetivas oposições.». Inconformados com tal decisão, os identificados insolvente e requeridos interpuseram o presente recurso de apelação [admitido com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo], cujas alegações apresentam as seguintes conclusões: «a) O segmento decisório de que se recorre na douta decisão, ora recorrida, padece de um claro e notório erro de julgamento, sendo também efetuada no mesmo uma errónea aplicação do Direito, como a seguir se demonstrará; b) Como resulta expressamente de tal disposição legal, é perentório o prazo fixado no artigo 188.º, n.º 1, do CIRE e tal como dispõe o artigo 139.º, n.º 3 do CPC o seu decurso extingue o direito de praticar o ato; c) A douta decisão recorrida não atentou à natureza jurídica de tal prazo, ao seu efeito preclusivo e ainda ao facto de se tratar de um processo urgente, tal como dispõe o artigo 9.º do CIRE; o prazo contemplado no artigo 188.º, n.º 3 do CIRE é o prazo-limite absoluto; d) Tal prazo do artigo 188.º do CIRE corresponde a um prazo adjetivo/processual, pois é fixado por disposição legal expressa e destina-se a disciplinar a prática de um ato no âmbito de um processo; prazo que, tratando-se de processo urgente (conforme dispõe o artigo 9.º do CIRE), decorre continuamente a partir do respetivo termo inicial (conforme dispõe o artigo 138.º do CPC, ex vi artigo 17.º, n.º 1 do CIRE); e) A previsão de caducidade de um prazo visa tutelar a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas, servindo assim para garantir que direitos e obrigações sejam exercidos ou exigidos dentro de um período definido, evitando situações de incerteza prolongada; f) A opção do legislador (Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro) ao prever de forma expressa o caráter perentório do prazo para abertura do incidente de qualificação de insolvência, acabando assim com a discussão doutrinária e jurisprudencial antes existente, visou por um lado, a aceleração dos processos desta natureza, e por outro lado, uma solução de consenso/equilíbrio entre a segurança jurídica e os interesses públicos e privados que são perseguidos; g) Ora, a ANEPC praticou o ato que desencadeou o incidente de qualificação muito para além do prazo legal, pese embora sabendo que o fazia e violando a Lei e os pressupostos acima enunciados que fundamentam o carácter/natureza expressa de tal prazo, que é absoluto e de efeito preclusivo, como se disse e se reitera; h) Com efeito e, contrariamente ao referenciado na douta decisão recorrida, o disposto no artigo 188.º do CIRE não foi previsto apenas para “situações em que tudo corre bem” (mal seria se assim fosse, toda a lógica do mesmo ficaria subvertida), mas sim para todas as situações, não existe em tal disposição legal nenhuma distinção que tenha sido feita pelo Legislador, logo também quem aplica a Lei não a poderá efetuar; mas vejamos, i) Em primeiro lugar, em momento algum a ANEPC arguiu oportunamente (cfr. disposto no artigo 149.º, n.º 1 do CPC) qualquer nulidade processual, o que significa que após a sua intervenção, ainda que existisse ficou definitivamente sanada, conforme dispõe a Lei e a Jurisprudência; j) Em segundo lugar, o despacho datado de 21/11/2023 sob a referência Citius “453906176”, irrecorrível e a proferir no prazo de 24 horas, cfr. dispõe o n.º 4 do artigo 188.º do CIRE, não determinou ou conheceu, em momento algum, sobre a contagem do prazo que deferiu, bem pelo contrário, tal despacho menciona que o requerimento onde é solicitada a prorrogação do prazo para deduzir o incidente de qualificação da insolvência não suspende o prazo em curso; Tal despacho consubstancia uma decisão de prorrogação do prazo para efeito da qualificação da insolvência como culposa, nada mais; Não determinou, nem tinha de o fazer, como bem refere a douta decisão recorrida, o momento a partir do qual o dito prazo se contabilizava, face ao disposto no artigo 188.º, n.º 3, do CIRE, pois (tal como também consta da douta decisão recorrida) prorrogar significa prolongar, somar ao prazo em curso, o qual em curso continua; k) Em terceiro lugar, o acórdão citado na douta decisão recorrida, proferido pela Relação de Guimarães, em 16/02/2023, melhor identificado supra, retrata a situação de um Administrador da Insolvência que, não obstante ter solicitado a prorrogação do prazo, como o mesmo não foi deferido oportunamente, deduziu o incidente de qualificação de insolvência tempestivamente, sem esperar por tal deferimento; Também a ANEPC obteve o chamado deferimento tácito relativamente ao seu pedido de prorrogação do prazo, quando em 27/09/2023 lhe foi notificado o acórdão que lhe julgou procedente o recurso, determinando que estava em tempo quando pediu a dita prorrogação; l) Em quarto lugar, a ANEPC aqui representada por 2 brilhantes causídicos da nossa praça, quando em 26/05/2023 sob a Ref.ª Citius “35745191”, requereu que o douto Tribunal a quo se dignasse “com urgência, conceder uma prorrogação de prazo até ao dia 15 de novembro de 2023” (tal termo respeitava os indicados 6 meses que a Lei concebe, tal como é referido na douta decisão recorrida), a mesma bem SABIA, pois, que esse era o termo do prazo perentório, logo preclusivo, que a Lei lhe concedida para alegar o que tivesse por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que deviam ser afetadas por tal qualificação; m) Em quinto lugar, se a ANEPC sabia que tal prazo terminava em 15/11/2023, logo o despacho judicial que deferiu a prorrogação do prazo datado de 21/11/2023, publicitado na Área de Serviços Digitais dos Tribunais nos termos do facto provado em 20, em 22/11/2023, onde constava que dessa publicitação se contaria a prorrogação do prazo por 6 meses, mais não era que um erro grosseiro praticado pela secretaria, que os mandatários da ANEPC não podiam desconhecer; Aliás, nem se vislumbra como é que tal erro prejudicou a ANEPC, uma vez que, na prática contabilizou ab initio um prazo que já havia terminado, potenciando assim que a mesma efetuasse um aproveitamento processual de um erro da secretaria judicial que, erroneamente, indicou um prazo não coincidente com a lei aplicável; Tal erro não retirou ou reduziu a ANEPC qualquer direito ou garantia processual, bem pelo contrário, beneficiou a mesma e muito, motivo pelo qual não tem aplicação ao caso o disposto no artigo 157.º, n.º 4 do CPC, tal como resulta afirmado no acórdão do STJ, datado de 02/03/2017, melhor identificado supra; n) Em Sexto e último lugar, o que consubstancia uma denegação do direito à tutela jurisdicional efetiva, e seria totalmente inaceitável e consubstanciaria uma violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, seria admitir que a ANEPC pudesse estar acima da Lei e violasse um prazo perentório só porque não atentou o cumprimento do mesmo em devido tempo; Entre o trânsito em julgado do AC do TRP notificado à mesma em 27/09/2023 (cfr. facto provado em 15) e o dia 15/11/2023 (termo do prazo máximo dos 6 meses que a Lei confere e que a mesma bem contabilizou e reconheceu, conforme resulta do facto provado em 9), havia tempo mais que suficiente para deduzir a abertura do incidente de qualificação da insolvência, não necessitava a ANEPC para tal, de nenhum despacho a deferir tal prorrogação, cfr. Jurisprudência acima citada, e não tinha para isso que ter sido “mais cautelosa” ou “ultra cautelosa”, mas somente diligente e prudente, fazer como fazem os “normais”, e conforme consta, aliás, da citada jurisprudência na douta decisão recorrida; o) Ora, como se encontra provado (sob o n.º15), o acórdão da Relação Porto que julgou procedente a apelação e determinou que estava em tempo o pedido de prorrogação do prazo efetuado pela ANEPC, foi notificado à mesma em 27/09/2023, ou seja, muito antes do termo do prazo (15/11/2023) que a Lei lhe concedia para o efeito, e por conseguinte, contrariamente ao defendido na douta decisão recorrida, nenhum interesse há a proteger, a ANEPC está na situação em que a própria se colocou; p) Ademais, e nos termos da Jurisprudência citada e da Lei Processual Civil, a ANEPC deveria ter apresentado as suas alegações dentro do prazo inicial, ou seja, até 30/05/2023, de modo a acautelar o indeferimento do seu pedido de prorrogação do prazo, o qual se veio mesmo a verificar; q) A ANEPC só fica prejudicada pelo seu próprio incumprimento e pela tentativa de aproveitamento processual que efetuou de notificações menos corretas (como são apelidadas na douta decisão recorrida), cuja incorreção a mesma e respetivos mandatários não desconheciam, o que resulta provado do supra exposto, sendo a estes últimos (tal como resulta da acima citada decisão do STJ) a quem cabia contabilizar os prazos; r) Em suma, a ANEPC Interpretou bem o disposto no artigo 188.º, do CIRE, ao identificar o dia “15 de novembro de 2023” como o prazo máximo para dar o impulso processual a que o mesmo se refere, estando assim plenamente consciente de que o prazo para deduzir o incidente de qualificação da insolvência poderia, no máximo, ser prorrogado até ao dia 15/11/2023 e sabendo que o seu pedido de prorrogação do prazo não suspendia, nem interrompia, a contagem do prazo, pelo se queria de facto exercer o seu direito, não deveria nunca ter ficado 1 ano à espera para o fazer; s) É sobre o titular do direito que recai a responsabilidade de não deixar o seu direito caducar, e não sobre o Tribunal, é o titular do direito quem deve estar atento aos prazos de caducidade e agir dentro do período estabelecido para garantir a preservação do seu direito, pelo que, cabia assim à ANEPC a iniciativa de praticar os atos necessários para evitar a perda do seu direito, apresentando o requerimento/alegações tempestivamente; t) Sendo que o disposto n.º 3 do artigo 188.º do CIRE, também não deixa qualquer margem para dúvidas: “a prorrogação prevista no número anterior não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º (…)” (negrito e sublinhado nossos); u) Termos em que deve proceder a exceção perentória extintiva de caducidade do exercício do direito pela ANEPC e serem consideradas extemporâneas as alegações apresentadas pela mesma, em 22/05/2023 sob a Ref.ª Citius “39114531”, e, em consequência, serem os apelantes absolvidos do pedido; v) Pelo que, mal andou assim o douto Tribunal a quo ao decidir como decidiu, numa clara violação do disposto nos artigos 9.º, 188.º, ambos do CIRE, 138.º, 139.º, n.º 3, 157.º, n.º 4, todos do CPC e 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e ainda dos Princípios da Segurança Jurídica e Proteção da Confiança e do Processo Equitativo. Face ao exposto, Deve ser revogada a douta decisão recorrida e, substituída por outra que considere caducado o exercício do direito pela ANEPC, com as legais consequências.». A ANEPC e o Ministério Público apresentaram contra-alegações em que pugnam pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida [no caso do segundo, embora por fundamentos diversos]. A ANEPC requereu, ainda, a ampliação do âmbito do recurso, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 636º do CPC, formulando as seguintes conclusões: «A) Dispõe o n.º 1 do artigo 636.º do CPC, que “[n]o caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.” B) Nas Respostas às Oposições apresentadas pela ANEPC fez-se constar que no dia 22 de novembro de 2023, «(…) foi publicado o Anúncio – o qual foi assinado pela Exma. Sr.ª Dr.ª Juíza de Direito – que confere “Publicidade da decisão de prorrogação do prazo para efeitos da qualificação da insolvência como culposa”, em estrito cumprimento do disposto n.º 4 do artigo 188.º do CIRE (…)» (realce nosso). C) No despacho saneador, o Tribunal a quo, na fixação da matéria de facto, não considerou demonstrado que o Anúncio que confere publicidade da decisão de prorrogação do prazo para efeitos da qualificação da insolvência como culposa, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 188.º, foi assinado pela Exma. Sr.ª Dr.ª Juíza de Direito. D) Porém, conforme resulta expressamente do referido Anúncio, encontra-se o mesmo assinado pela Exma. Sr.ª Dr.ª Juíza de Direito CC. E) Motivo pelo qual deverá o facto supra ser aditado ao ponto 19 dos factos provados pelo Tribunal a quo no despacho saneador, passando o mesmo a ter a seguinte redação: “Em 22.11.2023 a secretaria procedeu à publicitação de anúncio no portal Citius, nos termos do art. 188.º, n.º 4 do CIRE, o qual se encontra assinado pela Exma. Sr.ª Dr.ª Juíza de Direito”. F) Acresce que, tal como consta do respetivo formulário Citius, o Requerimento de Abertura do Incidente de Qualificação da Insolvência foi submetido pela ANEPC no dia 21 de maio de 2024, às 23:07:06 horas, e não, como decidiu o Tribunal a quo no ponto 21 do elenco de factos provados do despacho saneador, no dia 22.5.2024. G) Pelo que deverá, de igual modo, o ponto 21 da matéria de facto assente pelo Tribunal a quo ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “Em 21.5.2024, o credor Estado Português, representado pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, apesentou alegações iniciais, nos termos do art. 188º, n.º 1 do CIRE, requerendo a qualificação da insolvência como culposa e indicando as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação.”. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se a V. Exas. se dignem: (i) Julgar o recurso de apelação integralmente improcedente, por não provado; (ii) Ampliar o âmbito do recurso por forma a ampliar o elenco dos factos provados, nos termos e com os fundamentos supra expostos.». * * * II. Questões a decidir: Face às conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC [salvo o surgimento de questões de conhecimento oficioso] – as questões a decidir consistem em saber: - Se é de admitir a ampliação do âmbito do recurso pretendida pelo recorrido; - Se a decisão recorrida devia ter julgado procedente a exceção perentória da caducidade do direito da ANEPC requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência. Importa esclarecer que o dever de apreciar/decidir todas as questões suscitadas pelas partes, a que se refere o nº 2 do mesmo art. 608º, aqui aplicável ex vi do art. 663º nº2, ambos do CPC, não compreende - nem se confunde com - o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas por elas invocados, pois estes nenhum vínculo comportam para o Tribunal, conforme decorre do estabelecido no nº 3 do art. 5º do CPC [neste sentido, i. a., António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª ediç. atualiz., 2022, Almedina, pg. 136 e Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pgs. 677-688 (neste caso, ao abrigo dos equivalentes arts. 660º nº 2 e 664º do CPC revogado pela Lei nº 41/2013), bem como a unanimidade da jurisprudência dos tribunais superiores, de que são exemplo os Acórdãos do STJ de 03.07.2024, proc. 3832/21.2T8VLG.P1.S2, de 23.11.2023, proc. 779/20.3T8VFR.P1.S1 e de 08.10.2020, proc. 361/14.4T8VLG.P1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj e Acórdão do Tribunal Constitucional de 20.12.2022, proc. 645/2022-1ª S, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc]. * * * III. Matéria de facto provada: Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. Por requerimento de 14.11.2022, a devedora A..., S.A. apresentou-se à insolvência. 2. Por sentença proferida em 20.3.2023, nos autos principais, foi proferida sentença que declarou a insolvência de A..., S.A.. 3. Da indicada sentença consta, ademais, “Por não existirem elementos nos autos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação de insolvência, não se declara o mesmo aberto (art. 36.º, n.º 1, al. i), do CIRE).” 4. Na indicada sentença não foi designada assembleia de credores, tendo sido fixado “o prazo de 45 dias para o Sr. Administrador de Insolvência juntar o relatório a elaborar nos termos do artigo 155.º, do C.I.R.E. e comprovar a sua notificação aos credores e insolvente”, concedendo-se aos credores e insolvente o prazo de 10 dias para sobre o mesmo se pronunciarem. 5. O Sr. Administrador da Insolvência apresentou nos autos principais o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, em 5.5.2023. 6. Por despacho proferido em 8.5.2023, notificado em 9.5.2023, foi o Sr. Administrador da Insolvência instado a juntar aos autos versão legível dos documentos que acompanham o relatório referido em 6, porquanto os com este juntos se mostram ilegíveis. 7. Em 9.5.2023, juntou o Sr. Administrador da Insolvência documentos comprovativos das notificações que efetuou do relatório referido em 5. 8. Em 15.5.2023, o Sr. Administrador da Insolvência apresentou novo relatório elaborado nos termos do art. 155º do CIRE, ora acompanhado de documentos legíveis, esclarecendo ter na mesma data notificado tal relatório e documentos aos credores e insolvente. 9. Por requerimento de 26.5.2023, o credor ESTADO PORTUGUÊS, representado pela AUTORIDADE NACIONAL DE EMERGÊNCIA E PROTEÇÃO CIVIL, requereu a prorrogação do prazo a que alude o art. 188º, n.º 1 do CIRE, até ao dia 15.11.2023. 10. Contra esta pretensão argumentou a devedora insolvente por requerimento de 29.5.2023, tendo por despacho proferido em 30.5.2023 - ponto VI - sido indeferida a pretensão referida em 9. 11. O despacho referido em 10 foi notificado em 31.5.2023. 12. Em 20.6.2023 o credor ESTADO PORTUGUÊS, representado pela AUTORIDADE NACIONAL DE EMERGÊNCIA E PROTEÇÃO CIVIL apresentou alegações de recurso relativamente ao despacho referido em 10, o qual foi admitido por despacho proferido em 18.7.2023, com efeito devolutivo e a subir em separado, depois de a devedora insolvente apresentar resposta às alegações de recurso em 10.7.2023. 13. Autuado por apenso em 18.7.2023, o recurso admitido em 18.7.2023 foi remetido ao Tribunal da Relação do Porto em 23.7.2023. 14. Em 26.9.2023 foi proferido acórdão no Tribunal da Relação do Porto, onde se exarou, ademais: “Assim, é inevitável a conclusão, como já tínhamos adiantado, que, quando, no dia 26/05/2023, o Apelante pediu a prorrogação do prazo para a finalidade já indicada, ainda estava em tempo para o fazer. Deste modo, portanto, o presente recurso não pode deixar de proceder, cabendo ao Tribunal recorrido avaliar a bondade das razões invocadas para fundamentar esse pedido. III – Dispositivo Pelas razões expostas, acorda-se em concede-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido.” 15. O acórdão acabado de referir foi notificado em 27.9.2023. 16. Devolvido o recurso em separado à 1ª Instância, em 6.11.2023, foi objeto de despacho datado de 8.11.2023, determinando-se a abertura de conclusão nos autos principais. 17. Aberta conclusão nos autos principais em 15.11.2023, foi proferida decisão em 21.11.2023, onde se decidiu “(…) entende-se que os fundamentos alegados justificam a prorrogação do prazo requerida, por seis meses, pelo que se determina tal prorrogação. DN, cumprindo-se o disposto no art. 188º, n.º 4 do CIRE.”. 18. O despacho referido em 17 foi notificado em 22.11.2023, por correio eletrónico, e ainda, por contato telefónico, ao Ilustre Mandatário do credor Estado Português, representado pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, Dr. DD, do que disse ficar ciente. 19. Em 22.11.2023 a secretaria procedeu à publicitação de anúncio no portal Citius, nos termos do art. 188º, n.º 4 do CIRE. 20. Desta publicitação consta: “No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 6 de Maia, e nos autos de processo de Insolvência acima identificados em que é insolvente A..., S.A., NIF - ...88, Endereço: Travessa ..., ... ..., tendo sido apresentado requerimento para prorrogação do prazo para qualificação da insolvência como culposa, foi proferida decisão de deferimento, na qual foi determinado o prazo de [6 meses] dias, a contar da presente publicação, para alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação (art. 188º do CIRE).” 21. Em 21.05.2024, o credor Estado Português, representado pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, apresentou alegações iniciais, nos termos do art. 188º, n.º 1 do CIRE, requerendo a qualificação da insolvência como culposa e indicando as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação [consigna-se que procedemos à correção oficiosa da data referida no início deste facto, ao abrigo do disposto nos arts. 607º nº 4 e 663º nº 2 do CPC, por resultar da referência CITIUS constante da 1ª página do formulário das alegações apresentadas pelo credor aqui indicado que estas foram apresentadas no dia 21.05.2024, às 23:07:06 horas]. 22. Em 28.5.2024 foi proferido despacho a declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência. Ao abrigo do disposto nos arts. 607º nº 4 e 663º nº 2 do CPC, por estarem documentalmente provados [históricos do processo principal e do apenso de qualificação da insolvência], aditam-se, ainda, a este elenco, os seguintes factos provados: 23. O anúncio referido em 19 foi assinado eletronicamente pela Mma. Juíza titular do processo. 24. Em 29.05.2024, o despacho indicado em 22, a declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, foi, por anúncio eletronicamente assinado pela Mma. Juíza, publicitado no Portal Citius. 25. O despacho de 21.11.2023, referido em 17, foi notificado à insolvente e aos demais sujeitos e intervenientes processuais em 22.11.2023 [data do envio da notificação]. 26. Por requerimento de 25.02.2024, a insolvente requereu que, em atenção ao estabelecido no nº 3 do art. 188º do CIRE, o tribunal esclarecesse a data do efetivo termo do prazo de seis meses de prorrogação concedido no despacho de 21.11.2023, indicando que, na sua ótica, o mesmo havia terminado em 15.11.2023. 27. Após resposta da ANEPC, de 08.02.2024, o tribunal ‘a quo’ proferiu, em 10.02.2024, o seguinte despacho: «Requerimento de 25.1.2024 Requerimento de 8.2.2024 Sobre a prorrogação do prazo a que alude o art. 188º, n.º 1, nos termos dos números 2 e 3 do CIRE, o Tribunal já proferiu o despacho de 21.11.2023. O qual, devidamente notificado e alvo da publicação a que alude o n.º 3, não mereceu contestação, mormente em sede de recurso, ao contrário do que havia sucedido com a decisão proferida em 30.5.2023. Acresce que, até ao momento, não foram apresentadas quaisquer alegações, nos termos do n.º 1 do art. 188º do CIRE, para que o Tribunal sobre elas se pronuncie, apurando se são tempestivas, admitindo-as e, por via do alegado, declarar (ou não) aberto o incidente de qualificação da insolvência. Por tudo o exposto, o Tribunal nada tem a esclarecer relativamente ao despacho datado de 21.11.2023 (proferido na sequência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 26.9.2023 (apenso B)), onde o indicado prazo foi prorrogado por 6 meses, nem a acrescentar, por se ter esgotado o poder jurisdicional relativamente a tal matéria. Notifique.». 28. Em 14.02.2024, os recorrentes e os recorridos, além de outros, foram notificados do despacho transcrito em 26. 29. Por despacho de 17.10.2024, foi ordenada a citação dos requeridos, ora recorrentes, para deduzirem oposição, no prazo de 15 dias, fazendo acompanhar a citação «das referidas alegações iniciais e pareceres emitidos pelo Sr. Administrador da Insolvência e pelo Ministério Público, bem como dos documentos que os instruem». 30. Os requeridos foram citados em 24.10.2024 [conforme A/Rs juntos aos autos]. * * * IV. Apreciação jurídica: 1. Se é de admitir a ampliação do âmbito do recurso pretendida pelo recorrido. O recorrido requereu, nas contra-alegações, a ampliação do âmbito do recurso, com vista à alteração do facto provado nº 19 e à correção do facto provado nº 21. Independentemente do enquadramento adequado de tal pretensão – se por referência ao nº 1 ou se ao nº 2 do art. 636º do CPC – e da indagação ou não da verificação dos pressupostos de admissão da mesma, a verdade é que a apreciação desta questão deixou de ter qualquer interesse face ao aditamento ora introduzido pelo facto provado nº 23, com referência ao facto provado nº 19, e à correção operada no facto provado nº 21, ambas coincidentes com o que o recorrido pretendia. Como tal, por se tratar de questão que deixou de ter pertinência/relevância e porque no processo não devem ser levados a cabo atos inúteis, como proclama o art. 130º do CPC, não se toma conhecimento da mesma. * 2. Se a decisão recorrida devia ter julgado procedente a exceção perentória da caducidade do direito da ANEPC requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência. Passando ao recurso dos apelantes. Nas conclusões das alegações, sustentam estes que o art. 188º nº 1 do CIRE estabelece um prazo perentório para apresentação do requerimento para abertura do incidente de qualificação da insolvência, que a prorrogação prevista no nº 3 do mesmo normativo contempla um prazo limite absoluto e que a não observância de tais prazos determina a caducidade do direito do administrador da insolvência ou qualquer interessado requererem a abertura de tal incidente. Aquele art. 188º dispõe que: «1 - O administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, no prazo perentório de 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes. 2 - O prazo de 15 dias previsto no número anterior pode ser prorrogado, quando sejam necessárias informações que não possam ser obtidas nesse período, mediante requerimento fundamentado do administrador da insolvência ou de qualquer interessado, e que não suspende o prazo em curso. 3 - A prorrogação prevista no número anterior não pode, em caso algum, exceder os seis meses após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º 4 - O juiz decide sobre o requerimento de prorrogação, sem possibilidade de recurso, no prazo de 24 horas, e a secretaria notifica imediatamente ao requerente o despacho proferido, nos termos da segunda parte do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 172.º do Código de Processo Civil, e publicita a decisão através de publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais. 5 - O despacho que declara aberto o incidente de qualificação da insolvência é irrecorrível, sendo de imediato publicado no portal Citius. 6 - Declarado aberto o incidente, o administrador da insolvência, quando não tenha proposto a qualificação da insolvência como culposa nos termos do n.º 1, apresenta, no prazo de 20 dias, se não for fixado prazo mais longo pelo juiz, parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for caso disso, as pessoas que devem ser afetadas pela qualificação da insolvência como culposa. (…)». Em recente decisão sumária [de 20.03.2025; não publicada] proferida pelo aqui relator em recurso de apelação, no processo nº 2797/24.3T8VNG-D.P1 [desta Relação do Porto], em que estava em causa a abertura do incidente de qualificação da insolvência pelo juiz, ex officio, depois de esgotado o prazo fixado no nº 1, escrevemos o seguinte acerca dos prazos previstos neste número e no nº 3, ambos do art. 188º: «A propósito desta redação e do que ela importou relativamente ao regime anteriormente vigente, escreve Catarina Serra [in O incidente de qualificação da insolvência depois da Lei nº 9/2022 – Algumas observações ao regime com ilustrações de jurisprudência, Julgar nº 48, setembro-dezembro 2022, Almedina, pgs. 13-16] o seguinte: “(…) a alteração nos nºs 1, 2, 3 e 4 do art. 188º prende-se com o prazo para apresentação do requerimento de abertura do incidente de qualificação da insolvência e visa, simultaneamente, esclarecer a natureza do prazo para requerer a abertura do incidente e admitir a sua prorrogação. Corresponde isto como que a uma solução de consenso – entre, por um lado, a segurança jurídica que a natureza perentória ou preclusiva dos prazos sempre assegura e, por outro, a realização dos interesses públicos e privados que o incidente persegue e que estão associados à repressão e à prevenção dos comportamentos antijurídicos e ao ressarcimento dos danos, respetivamente. (…) Fixa-se um prazo máximo para requerer a abertura do incidente: este nunca pode exceder o prazo de seis meses a contar da data da assembleia de apreciação do relatório ou a contar da junção aos autos do relatório referido no art. 155º, consoante os casos. Note-se que este prazo não é o prazo máximo da prorrogação mas sim o prazo máximo total (prazo inicial mais prazo de prorrogação), dado que se conta a partir daqueles factos. A alteração deixou algumas questões por resolver. A primeira e a mais fundamental é, sem dúvida, a de saber se o juiz pode abrir oficiosamente o incidente de qualificação nesta fase ou, indo mais longe, se pode abrir oficiosamente o incidente até ao encerramento do processo de insolvência. A questão não pode ser apreciada à margem dos termos em que se encontra regulada a matéria depois da alteração legislativa de 2012, obrigando a refletir sobre as motivações / o espírito que presidiu à sua alteração. De forma sintética, é possível dizer que a ideia que presidiu à alteração foi a de concentrar ou circunscrever o alcance do incidente tendo em conta a sua utilidade, alegadamente diminuta. Em confronto com isto, a abertura do incidente passou a estar limitada a dois momentos / duas fases: a fase da declaração de insolvência, com o que se visa abranger os casos em que a conveniência da abertura é visível logo de início, e a fase posterior à junção (e à eventual apreciação) do relatório a que se refere o art. 155º, com o que se visa abranger os casos em que a conveniência da abertura apenas se torna visível mais tarde. Presumivelmente, a possibilidade de abertura (ex officio) na primeira fase permitiria cobrir a maioria dos casos em que a lei pretendia que fossem cobertos – aqueles em que, como se disse, a conveniência da abertura do incidente é patente ou manifesta. A possibilidade de abertura do incidente na segunda fase parece ser subsidiária ou residual relativamente àquela. É razoável entender que a letra da lei, colocando a abertura do incidente nesta segunda fase na dependência da iniciativa dos interessados, reflete a intenção do legislador de limitar, em geral, a abertura do incidente: a abertura ulterior justificar-se-ia na estrita medida em que os interessados se movessem. Corresponde isto a uma clara privatização do incidente de qualificação de insolvência. É discutível se a opção legislativa é acertada, se deve privatizar-se um incidente em que pontuam, de facto, significativos interesses públicos. E ainda que, em homenagem a esses interesses, se sustente que o juiz deve poder abrir o incidente oficiosamente nesta fase, parece razoavelmente claro que o incidente não pode ser aberto para lá do prazo de quinze dias fixado no art. 188º. O prazo de quinze dias funciona, ao que tudo indica, como prazo-limite absoluto para a abertura do incidente. Ficam, assim, sem cobertura os casos em que os indícios aparecem mais tarde (por exemplo, na fase da liquidação ou aquando da identificação de atos suscetíveis de resolução em benefício da massa).” [no mesmo sentido da impossibilidade de o juiz declarar oficiosamente aberto o incidente de qualificação depois de decorrido o prazo de 15 dias fixado no nº 1 do art. 188º, veja-se Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito da insolvência, 8ª ed., 2022, Almedina, pg. 177, nota 538, onde diz que “a lei não prevê a admissibilidade de o juiz declarar oficiosamente a abertura ulterior do incidente”]. (…) Atualmente, é inequívoco que o prazo estabelecido no art. 188º nº 1 é perentório [e não meramente ordenador], só admitindo, a título excecional [desde que se verifiquem os pressupostos aí fixados], o alargamento previsto nos seus nºs 2 e 3, (…). Neste sentido [de que o prazo do nº 1 é perentório; o mesmo acontecendo quanto ao prazo do nº 3 quando ocorram os respetivos pressupostos] há hoje unanimidade na jurisprudência dos tribunal superiores [i. a., vide Acórdãos do STJ de 17.10.2024, proc. 40/21.6T8EVR-C.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, desta Relação do Porto de 30.01.2024, proc. 5137/18.7T8VNG-E.P1 e de 07.02.2023, proc. 2084/21.9T8VNG-G.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp, da Relação de Lisboa de 14.11.2023, proc. 619/22.9T8AGH-B.L1-1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl, da Relação de Coimbra de 25.10.2024, proc. 1781/23.9T8GRD-B.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc, da Relação de Guimarães de 04.04.2024, proc. 3618/22.7T8VCT.G1, de 15.02.2024, proc. 2371/21.6T8GMR-B.G1 e de 25.05.2023, proc. 4010/21.6T8VNF-G.G1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrg e da Relação de Évora de 27.06.2024, proc. 40/21.6TBEVR-C.E1, disponível in www.dgsi.pt/jtre, todos proferidos depois da entrada em vigor da Lei nº 9/2022]. Ficou, assim, definitivamente ultrapassada a divisão que, até à entrada em vigor da Lei nº 9/2022, se verificou na doutrina e na jurisprudência acerca da natureza daquele prazo, sustentando uns que se tratava de prazo meramente ordenador [que colhia o aplauso da maioria] e outros [em minoria] que se estava perante prazo perentório. E isto não obstante as sucessivas alterações que, após a versão original do CIRE [DL 53/2004, de 18.03], foram sendo introduzidas naquele normativo [pelos arts. 2º da Lei nº 16/2012, de 20.04 e 3º do DL 79/2017, de 30.06], que, no entanto, foram deixando margem para o avolumar daquela querela, a que só a Lei de 2022 pôs termo. Sendo inquestionável que estamos perante um prazo perentório, há que daí retirar as consequência legais. É sabido que os prazos perentórios [diversamente do que acontece com os dilatórios e os ordenadores] implicam que os atos/direitos a que se reportam têm de ser praticados dentro do período de tempo neles estabelecido, sob pena de preclusão/extinção do direito de praticá-los/exercê-los, tal como prevê o nº 3 do art. 139º do CPC [no dizer de José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil – Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 1996, Coimbra Editora, pg. 146, “[p]or prazo perentório entende-se, precisamente, aquele cujo decurso preclude a possibilidade de praticar o ato (…). As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações”; idem, Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, 1981, Almedina, pgs. 63-64 e Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, vol. I, 3ª ed., reimpres., 1982, Coimbra Editora, pg. 273; cfr., ainda, Acórdão do STJ de 17.10.2024, supracitado, que refere que “[n]ão tendo sido praticado o ato dentro do prazo perentório ou depois de esgotado o prazo de prorrogação deste, o direito extingue-se, o que significa que se verifica a preclusão, ou seja, nas palavras de Emilio Betti «a perda irrevogável de um poder cujo exercício constitua para a parte um ónus coordenado com o seu exclusivo interesse» (Diritto procesuale civile, Edizioni Scientifiche Italiane, ristampe della Università di Camerino, Napoli, 2018:59 (…)”]. O não exercício de determinado ato ou direito dentro do prazo perentório acarreta, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 298º do CCiv., a respetiva caducidade. E a apreciação desta [que constitui uma exceção perentória] é, em princípio, de conhecimento oficioso, como estabelecem os arts. 333º nº 1 do CCiv. e 579º do CPC, exceto se estiver em causa matéria não excluída da disponibilidade das partes - nº 2 daquele art. 333º -, o que não é o caso do(s) prazo(s) do referido art. 188º nº(s) 1 (e 3) [neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 30.01.2024 e da Relação de Lisboa de 14.11.2023, atrás citados]. Relativamente ao caso sub judice, não tendo o incidente de qualificação da insolvência sido aberto no prazo fixado no nº 1 do art. 188º [repete-se, o do nº 3 não está aqui em questão], tal significa que ficou precludida a possibilidade de tal acontecer, mostrando-se caducado o direito do administrador da insolvência ou qualquer interessado requererem a sua abertura. E tal preclusão vincula também o juiz, já que não faria sentido que a lei, por um lado, lhe conferisse o poder/dever de oficiosamente declarar a caducidade do ato, caso a abertura do incidente tivesse ocorrido [por descuido] depois de esgotado o prazo do nº 1 do art. 188º e, por outro, lhe permitisse que, esgotado tal prazo, pudesse declarar ex officio a abertura desse mesmo incidente, caso só então tivessem surgido indícios da verificação dos respetivos pressupostos ou só então se tivesse apercebido deles. Para evitar tal aparente contradição teria o legislador que consagrar expressamente a possibilidade de o juiz, não obstante o esgotamento daquele prazo legal, declarar, excecionalmente, por motivos de relevante interesse público, a abertura do incidente. Mas tal possibilidade não consta do CIRE, o que parece significar que o legislador privilegiou a segurança jurídica [esgotado o referido prazo não é mais possível abrir-se o incidente de qualificação da insolvência, nem mesmo ex officio] em detrimento do interesse público [e mesmo do interesse privado dos credores que poderiam obter benefícios com a abertura, ainda que tardia, deste incidente, em função do que preveem as als. d) e e) do nº 2 do art. 189º]. Por isso, tal como defende Catarina Serra [estudo e pgs. indicados], entendemos que o prazo fixado no art. 188º nº 1 [ou, quando for o caso, no nº 3] funciona como prazo-limite absoluto para a abertura do incidente, ficando “sem cobertura os casos em que os indícios aparecem mais tarde (por exemplo, na fase da liquidação ou aquando da identificação de atos suscetíveis de resolução em benefício da massa)”, como aconteceu no caso destes autos.» Transpondo o que fica transcrito para o que aqui está em questão, não há qualquer dúvida de que o prazo do nº 3 do art. 188º do CIRE funciona como prazo-limite absoluto e que, uma vez decorrido, fica precludido/caduca o direito de o administrador da insolvência ou qualquer interessado requererem a abertura do incidente de qualificação da insolvência. Tendo em conta que o administrador da insolvência apresentou o relatório a que se refere o art. 155º do CIRE em 15.05.2023 [no caso havia sido dispensada a realização da assembleia de apreciação do relatório], como consta do facto provado nº 8, daí resulta que a prorrogação do prazo prevista no nº 3 do citado art. 188º tinha como termo final inultrapassável [prazo-limite absoluto] o dia 15.11.2023. E deste limite estava também o credor ANEPC bem ciente [as contas eram, aliás, fáceis de fazer], como demonstrou no requerimento indicado no facto provado nº 9. O acórdão referido no facto provado nº 14 – a que foi atribuído efeito meramente devolutivo, não tendo, por isso, suspendido, nem, muito menos, interrompido aquele prazo de seis meses que continuou a correr – foi proferido e transitou em julgado antes de esgotado este prazo. Quando os autos de recurso [que subiram em separado à Relação] baixaram à 1ª instância, a Mma. Juíza a quo dispunha de um prazo de 24 horas – nº 4 do citado art. 188º - para, como determinado no acórdão, «avaliar a bondade das razões invocadas para fundamentar esse pedido». Foi-lhe aberta conclusão no apenso do recurso em 08.11.2023, ainda antes, portanto, do término do dito prazo de seis meses. Nesse momento, em vez de ter determinado a abertura de conclusão no processo principal, como fez, até porque aquele prazo se aproximava a passos largos do seu fim, a Mma. Juíza devia ter proferido de imediato o referido despacho no processo principal, sem necessidade de ordenar à secção de processos que lhe abrisse nova conclusão, como permite o nº 1 do art. 153º do CPC. E, se o tivesse feito e considerasse verificados os fundamentos do nº 2 do referido art. 188º [como veio a acontecer no despacho datado de 21.11.2023], bastar-lhe-ia advertir os sujeitos processuais, particularmente a ANEPC, de que o prazo terminava a 15.11.2023, de acordo com o nº 3 do mesmo artigo, sem prejuízo de este credor até poder vir a beneficiar do prolongamento do prazo nos termos previstos nos arts. 139º nºs 4 e 5 als. a) a c) e 140º do CPC [desde que, no caso de justo impedimento, o invocasse em requerimento e, no caso do uso dos três dias previstos nas alíneas do nº 5 do art. 139º, procedesse ao pagamento da multa devida]. Se tivesse sido este o procedimento seguido e a ANEPC não apresentasse [como não apresentou] o seu requerimento no indicado prazo [com ou sem recurso ao prolongamento acabado de mencionar], restaria ao tribunal a quo recusá-lo, por extemporâneo, e declarar a caducidade do direito daquela requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência. Mas não foi isto que aconteceu. O que veio a acontecer foi que o tribunal a quo, já depois de expirado o apontado prazo de seis meses, proferiu o despacho de 21.11.2023 a que se seguiu a respetiva publicitação nos termos do nº 4 do art. 188º do CIRE, cujo anúncio foi assinado pela Mma. Juíza. E, embora do despacho não conste expressamente a indicação do termo inicial e do termo final do prazo de seis meses nele concedido, resulta da sua conjugação com o que se exarou no anúncio acabado de mencionar, que a interpretação feita pela Mma. Juíza foi, inequivocamente, a de conceder à ANEPC um novo prazo de seis meses, «a contar da presente publicação», como se diz expressamente no anúncio que, assim, até porque teve a intervenção da Sra. Juíza, como se disse, tornou explícito o que naquele despacho estava apenas implícito. Com estes despacho e anúncio, a Mma. Juíza acabou por conceder um novo prazo para aquele efeito, já depois de exaurido o prazo legal de seis meses a que alude o nº 3 do dito art. 188º, fazendo, assim, renascer um direito que já havia caducado [o de ser requerida, pelo administrador da insolvência ou por qualquer interessado, a prorrogação daquele prazo e subsequente abertura do incidente de qualificação]. E fê-lo em termos mais benéficos do que se tivesse sido fixado o efeito suspensivo ao recurso que veio a ser decidido em 26.09.2023 [ao qual, como já se disse, foi fixado efeito meramente devolutivo], pois, neste caso, o decurso do referido prazo seria retomado a partir do trânsito em julgado do acórdão. Ora, como o despacho de 21.11.2023 foi proferido já depois de esgotado o prazo previsto no art. 188º nº 3, não poderá entender-se que o mesmo deferiu a prorrogação do prazo até ao limite máximo fixado neste preceito, pois só se prorroga um prazo que ainda esteja em curso [que ainda não tenha atingido o seu termo final] e não já um que se tenha esgotado totalmente [como se diz no Acórdão da Relação de Guimarães de 18.01.2024, proc. 1731/23.2T8GMR-J.G1. disponível in www.dgsi.pt/jtrg, “[c]omo é axiomático, o prazo só pode ser prorrogado enquanto o mesmo não se mostrar expirado, porquanto a prorrogação pressupõe um prolongamento da duração de um prazo que se encontra a correr no momento em que se verifica essa prorrogação. Assim, Marco Carvalho Gonçalves, Prazos Processuais, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2022, p. 50.”]. Por isso, não acompanhamos a decisão recorrida quando diz que «No indicado despacho (de 21.11.2023) não se pronunciou o Tribunal sobre o termo inicial do prazo prorrogado (6 meses). Nem tinha de o fazer, salvo o devido respeito, porquanto quando se prorroga um prazo, a prorrogação inicia-se imediatamente após o termo do prazo inicial, tudo se tratando como se de um único prazo se tratasse (o inicial, acrescido do prorrogado).» Por um lado, porque, como já referimos, embora o despacho não se pronuncie explicitamente sobre os termos inicial e final do prazo nele referido, a verdade é que o pensamento interpretativo da Mma. Julgadora ficou explícito com o que, logo de seguida, se faz constar do anúncio que o publicitou e que foi por si assinado, apresentando-se este, assim, como um prolongamento daquele. Por outro, porque ao proferir aquele despacho não se estava a prorrogar nenhum prazo em curso, pois o prazo de prorrogação permitido pelo nº 3 do art. 188º do CIRE já se tinha esgotado. E, como deflui do que fica exposto, também não acompanhamos a fundamentação explanada na decisão recorrida, que parte do pressuposto de que o despacho de 21.11.2023 prorrogou um prazo em curso e que o mais [a concessão de um prazo novo] se deveu a lapso de ato de secretaria, quando chama à colação o que estabelecem os arts. 157º nº 4, 191º nº 3, 195º e 569º do CPC e doutrina e jurisprudência que invoca em defesa da aplicação ao caso sub judice do que estes preceitos consagram. Retomando a nossa exposição, temos então como inequívoco que não estando em causa a prorrogação do referido prazo, mas sim a concessão à ANEPC de um novo prazo para a apresentação do requerimento com os fundamentos da qualificação da insolvência e pedido de abertura do respetivo incidente, não lhe era aplicável [ao despacho de 21.11.2023] a limitação fixada no nº 4 do mesmo art. 188º, de não admissão de recurso. Tratando-se, como se tratava, de um despacho ilegal, não abrangido por esta limitação recursória, era legítima e legal a interposição de recurso por parte de quem dispusesse de legitimidade para tal. Os sujeitos processuais lesados não estavam, assim, impedidos de interpor recurso do referido despacho, com fundamento na ilegalidade do mesmo [erro de julgamento], a partir do momento em que dele tivessem conhecimento, ou seja, em atenção ao que decorre do disposto na parte final do nº 4 do art. 188º, a partir da publicação do anúncio de 22.11.2023 ou, pelo menos, a partir do momento em que, após a abertura do incidente de qualificação, fossem pela primeira vez citados ou notificados no seu âmbito. No caso, à data da publicação do referido anúncio apenas a insolvente poderia recorrer daquele despacho [com teor complementado pelo que se fez constar do anúncio, repete-se], pois os requeridos [também agora recorrentes] só passaram a ser partes nos autos a partir do momento em que foi aberto o incidente de qualificação, na sequência do requerimento da ANEPC de 21.05.2024, e nele foram citados. Mas a partir da sua citação poderiam recorrer daquele despacho com base na ilegalidade nele cometida. E que fizeram a insolvente e os requeridos. A primeira, em vez de recorrer do despacho de 21.11.2023, com referência ao anúncio que se lhe seguiu, limitou-se a requerer, em 29.05.2024, que o tribunal prestasse os esclarecimentos referenciados no facto provado nº 26. E depois, quando foi notificada do despacho de 10.02.2024, transcrito no facto provado nº 27, continuou sem interpor recurso, tendo-se limitado, em 05.11.2024, muito depois de se ter esgotado o prazo para aquele efeito, a invocar a exceção perentória da caducidade do direito da ANEPC, na oposição que deduziu ao incidente de qualificação [além de ter impugnado a essencialidade da matéria de facto alegada no requerimento inicial do incidente]. Os requeridos, por sua vez, depois de citados no âmbito do incidente de qualificação, também não interpuseram recurso do referido despacho e limitaram-se, igualmente, a invocar aquela exceção perentória na oposição que, em 29.11.2024, deduziram [além de terem impugnado grande parte da factologia alegada no requerimento inicial]. Deixaram, assim, a insolvente e os requeridos, transitar em julgado o despacho de 21.11.2023. E deixaram também transitar em julgado o despacho que declarou aberto o incidente de qualificação, de 28.05.2024, por, igualmente, não terem reagido, quanto a ele, por via recursória, já que sendo o mesmo ilegal, porque estribado no despacho de 21.11.2023 que fez uma errada interpretação do que dispõem os nºs 2 e 3 do art. 188º [transformou uma possível/admissível prorrogação do prazo do nº 1 (prorrogação até seis meses contados, no caso, desde a junção aos autos do relatório previsto no art. 155º do CIRE), numa inadmissível concessão de um prazo novo (cuja contagem passou a ter início com a publicação do anúncio que publicitou o dito despacho)], também não estava, por via disso, sujeito à irrecorribilidade apontada no nº 4 daquele normativo. Tendo transitado em julgado, há muito, aqueles dois despachos já nada pode ser feito com vista à sua reversão. E a caducidade invocada pelos ora recorrentes nas suas oposições não podia, nem pode, ter outra solução senão a que lhe foi dada na decisão recorrida. Como tal, embora com outros fundamentos, chegamos a conclusão igual à que ali foi declarada, de improcedência da exceção perentória da caducidade do direito da ANEPC [diga-se que o Ministério Público, na resposta que apresentou às alegações dos recorrentes, trilha caminho semelhante ao que acabámos de expor, embora com algumas diferenças]. É então tempo de, sucintamente, darmos resposta aos fundamentos apresentados pelos recorrentes [sendo certo que os das als. a) a h) já se mostram apreciados]. O fundamento da al. i) das conclusões apresenta-se irrelevante. Não competia à ANEPC arguir qualquer nulidade processual, particularmente dos despachos atrás apontados, já que dos mesmos não advinha lesão alguma dos seus direitos. Cabia sim aos recorrentes terem lançado mão dos meios legais [no caso, terem interposto recurso] para paralisarem os efeitos ilegais dos referidos despachos. Mas, como se disse, não o fizeram em tempo. O fundamento da al. j) apresenta duas incorreções. A primeira porque, pelos motivos que foram expostos, o despacho de 21.11.2023 não prorrogou qualquer prazo que estivesse em curso, antes concedeu um novo prazo para os efeitos já várias vezes enunciados, fazendo, assim, renascer direitos da ANEPC que já haviam caducado. A segunda porque, como também referido, tal despacho [conjugado com o anúncio que corporizou o que nele estava implícito], sendo ilegal, era recorrível, não se lhe aplicando a limitação do direito de recurso constante do nº 4 do art. 188º. Quanto ao fundamento da al. k) não deixa de ser verdade que a «jurisprudência das cautelas» e uma maior diligência do referido credor teriam implicado, necessariamente, que, sabendo ele quando terminava o prazo [limite e improrrogável] de seis meses, como decorre do exarado no facto provado nº 9, tivesse apresentado o requerimento em questão dentro desse prazo, ou seja, até 15.11.2023. Mas a partir do momento em que o tribunal lhe concedeu um novo prazo, contado a partir da publicação do anúncio que o publicitou, fazendo renascer um direito deste credor que havia caducado, e o referido despacho transitou em julgado, por não ter sido objeto de atempado recurso, torna-se irrelevante a não apresentação do dito requerimento até àquela data. Passou a dispor de um novo prazo para o efeito. E igual argumento vale para o que invocam na conclusão l). Quanto à conclusão m), importa tão só referir que não se tratou de erro grosseiro da secretaria, mas sim de uma ilegalidade do tribunal, pois, como se disse já várias vezes, o anúncio, assinado pela Sra. Juíza, mais não é que a exteriorização do que estava implícito no despacho de 21.11.2023, o que significa que não está em causa uma incorreta atuação da secretaria, mas sim uma incorreta interpretação do tribunal acerca do que dispõe o art. 188º nos seus nºs 1 a 3. No que concerne ao fundamento das als. n) e o), além do que já se disse atrás [a propósito do tempo de que o credor dispunha para apresentar o seu requerimento entre a data em que foi notificado do acórdão de 26.09.2023 e o dia 15.11.2023 e do que a diligência e a «jurisprudência das cautelas» aconselhavam], importa apenas acrescentar que não se coloca a questão de o referido credor estar acima da lei, já que, tendo-lhe sido concedido um novo prazo e não tendo o despacho que o concedeu sido objeto de atempada e adequada impugnação por via recursória, se limitou a atuar ao abrigo do direito que lhe foi conferido por esse despacho, não se vislumbrando em que possa consistir a invocada violação do art. 20º nº 1 da CRP. O alegado nas demais conclusões constitui desenvolvimento dos fundamentos que ficam rebatidos, valendo quanto a eles o que já se deixou enunciado. Em conclusão, há que julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida, embora com diferente fundamentação. Pelo decaimento, as custas deste recurso ficam a cargo dos recorrentes – arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC. * * Síntese conclusiva: ……………………………………. ……………………………………. ……………………………………. * * * V. Decisão: Face ao exposto, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º) Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida, embora com diversa fundamentação. 2º) Condenar os recorrentes nas custas deste recurso. Porto, 2025.06.04 Os Juízes Desembargadores Pinto dos Santos Rui Moreira Alexandra Pelayo [com voto de vencida, que segue] [Voto de vencida: Concordo com o entendimento jurídico vertido no acórdão, discordando apenas da parte onde se afirma: “(...) Deixaram, assim, a insolvente e os requeridos, transitar em julgado o despacho de 21.11.2023. E deixaram também transitar em julgado o despacho que declarou aberto o incidente de qualificação, de 28.05.2024, por, igualmente, não terem reagido, quanto a ele, por via recursória (…)”, extraindo-se do facto de não terem sido interpostos recursos daquelas decisões, a conclusão que aqueles despachos transitaram em julgado, “nada podendo ser feito com vista à sua reversão”, pelo que, “a caducidade invocada pelos ora recorrentes nas suas oposições não podia, nem pode, ter outra solução senão a que lhe foi dada na decisão recorrida.” Com efeito, está em causa o cômputo dum prazo processual – prazo estabelecido no artº 188º do CIRE para ser requerida a qualificação de insolvência – tendo em vista decidir a exceção da caducidade que foi arguida na Oposição ao Incidente de Qualificação da Insolvência. Tal como resulta da fundamentação do acórdão, tal prazo, desde a alteração da Lei 9/2022 de 11.1, tem inequivocamente natureza de prazo perentório, havendo por isso, que daí retirar as consequências legais, ou seja, de acordo com o artº 298º nº 2 do CPC, a não observância do prazo acarreta a respetiva caducidade do direito. Ora, como se afirma no acórdão e pelas razões aí apontadas, o despacho proferido a 21.11.2023, foi proferido após o decurso do prazo máximo de seis meses previsto no art 188º nº 3 do CIRE. Portanto, o despacho proferido a 21.11.2023, que determinou a prorrogação do prazo, não pôde produzir esse efeito, o de prorrogar o prazo, porque o mesmo já estava esgotado. Apenas é possível prorrogar-se um prazo que estivesse a decorrer, o que não ocorreu, para além de se ter esgotado o prazo máximo previsto para eventual prorrogação (artº 188º nº 3 do CIRE). Mesmo a entender-se que tal despacho transitou em julgado, não pode entender-se que o mesmo produziu o efeito que lhe foi atribuído no acórdão de prorrogar o prazo para ser requerida a qualificação da insolvência, porque tal prazo já se esgotara em data anterior. Tratar-se-ia quando muito da concessão de um novo prazo, o que seria inadmissível em face do regime do prazo estabelecido no art. 188º nº 3 do CIRE. Acresce que, a nosso ver, também nenhuma consequência pode ser retirada do facto de não ter sido interposto recurso do despacho que declarou aberto o incidente pela simples razão de que tal despacho é irrecorrível, nos termos do disposto no artigo 188º nº 5 do CIRE. A meu ver o único argumento que poderia ser ponderado seria o de que os erros da secretaria e os erros judiciais não podem prejudicar as partes, pelo que teria de ser atendido o prazo “erroneamente” concedido pelo tribunal aos interessados para requerer a qualificação a insolvência. Acontece que, se é verdade que aqueles erros não podem prejudicar as partes, é igualmente certo que não podem fazer renascer direitos já extintos. Ora, no caso em apreço, quando o Tribunal a quo proferiu o despacho de 21.11.2023, já o prazo estabelecido no art. 188º nº 1 do CIRE tinha terminado encontrando-se por isso, precludido dessa forma o direito de qualquer interessado requerer a qualificação da insolvência. Daí que, em contrário ao decidido no acórdão, teria decidido no sentido da procedência da exceção da caducidade.] |