Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
645/18.2T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
MEDIADOR IMOBILIÁRIO
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP20190710645/18.2T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º179, FLS.293-307)
Área Temática: .
Sumário: I - Existe uma “causa imputável ao cliente” gerador do dever deste remunerar o agente de mediação imobiliária e do direito deste receber, quando o evento criado pelo cliente seja uma causa factual suficientemente forte, remota ou mais próxima, que obste à conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
II - Num contexto de manifesta insuficiência de fundos por parte dos potenciais interessados e em que o cliente do agente de mediação imobiliária desiste da venda àqueles, quando os primeiros já tinham assinado uma ficha de reserva, assume particular relevância saber se os mesmos iriam obter esse financiamento bancário ou estavam em condições de o obter, estando tal ónus de alegação e de prova a cargo da empresa de mediação imobiliária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 645/18.2T8VFR.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes;
Adjuntos: Filipe Caroço; Judite Pires.
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. No processo n.º 645/18.2T8VFR do Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira, J1, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/Ré (R): B…

Recorrida/Autora (A): C… Unipessoal, Lda.

Recorrida/Ré: D…

1.1 Foi proferida sentença em 13/dez./2018 mediante a qual decidiu-se “julgar a presente acção totalmente procedente e em consequência: I – Condenar o 1.º Réu, B…, a pagar à Autora a quantia de €6.750,00 (seis mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal dos juros comerciais, contados desde a data da citação (24-02-2017) até efectivo e integral pagamento. II - Absolver a 2.ª Ré, D…, do pedido”, fixando-se custas para o A. em 1/10 e 1.º R. em 9/10.
1.2 A A. em 19/fev./2018 demandou os RR. invocando que no exercício da sua atividade imobiliária, celebrou com os mesmos em 14/dez./2016 um contrato de mediação imobiliária, mediante as cláusulas de documento que junta, pelo período de 9 meses e no regime de exclusividade, obrigando-se a primeira a promover a venda do imóvel que melhor identificou, sendo o preço pretendido de €120.000,00, recebendo como remuneração a quantia de 5 %, acrescido de IVA legal. Mais sustentou que após a publicitação do negócio surgiram duas pessoas interessadas, que acompanhou numa visita a esse imóvel, tendo os mesmos apresentado uma proposta de compra no valor de €110.000,00, que os RR. aceitaram, tendo o R. B… declarado que pretendia preferir na venda por esse valor, o que foi aceite pela R. D…, sendo tal comunicado àqueles interessados, que cancelaram o processo de financiamento bancário, tendo posteriormente os RR. se desentendido no processo de divórcio, pelo que apenas por culpa destes últimos é que não se realizou a tal compra e venda, invocando o disposto nos artigos 2.º, 19.º, da Lei n.º 15/2013, de 08/fev., terminando pedindo a condenação dos RR. a pagar solidariamente à A. a quantia de €6.765,00, acrescidos de juros à taxa legal dos juros comerciais, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
1.3 A R. D… contestou em 07/abr./2018 aceitando que celebrou o referido contrato de mediação imobiliária datado de 14/dez./2016 em virtude de se ter divorciado do outro R., já não residindo no imóvel em causa desde setembro de 2017, não lhe sendo comunicada qualquer data para a outorga da escritura, desconhecendo o restante alegado. Mais sustentou que foi a própria A. que lhe telefonou a perguntar se aceitava a venda do imóvel ao outro R., não recebendo mais notícias sobre qualquer negócio até dezembro de 2017 ocasião em que enviou um e-mail àquela a indagar sobre o ponto da situação, que lhe respondeu informando que o outro R. tinha preterido na venda, sustentando a improcedência da ação contra si movida.
1.4 O R. B… contestou em 09/abr./2018 aceitando a existência do mencionado contrato de mediação imobiliária, sustentando que ficou a aguardar as iniciativas da A., não tendo havido nenhuma proposta concreta para a aquisição do imóvel, pelo que não havendo negócio, não haverá comissão. Mais referiu que limitou-se a assinar os documentos que lhe foram entregues sem os ter lido ou ficado com uma cópia dos mesmos, sendo uma pessoa de limitada condição escolar, tendo apenas a 4.ª classe, pugnando pela improcedência da ação.
2. O R. B… insurgiu-se contra a anterior sentença, tendo interposto recurso da mesma em 11/fev./2019, pugnando pela sua revogação, apresentando no essencial as seguintes conclusões:
1.º) A decisão de primeira instância, quanto à matéria de facto, padece de incorreções de julgamento e insuficiências, atentos os meios probatórios constantes do processo – documentos e depoimentos das testemunhas, que impunham decisão diversa da recorrida (6)
2.º) A sentença enferma de erro de julgamento e interpreta defeituosamente a factualidade apurada, aplicando erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais. Considera o recorrente que o Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação da lei, dos documentos constantes do autos e dos depoimentos testemunhais, e não atendeu sequer às normas legais aplicáveis à situação sub judice, motivo por que a douta sentença deve ser revogada (7)
3.º) O presente recurso versará a impugnação da matéria de facto dada como provada, uma vez que se conclui que a mesma não tem suporte na prova constante dos autos, bem como da produzida em audiência de julgamento.
4.º) São os seguintes os pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados, que decorrem de uma interpretação da prova errada:
No que respeita aos factos não provados: b) – A Ré ficou convicta que a Autora continuava a promover diligências necessárias com o fim de conseguir interessado que concretize o negócio visado no contrato. c) – A Ré desconhece se o ex-marido preferiu ou não na aquisição do imóvel. d) - O Réu nada acertou, combinou ou contratou com a Autora quanto à alegada “preferência”, ficando apenas a aguardar que fossem diligenciadas as iniciativas com vista à celebração do contrato promessa de compra e venda com potenciais compradores. f) – Foi a co-Ré que tratou de todos os contactos e se relacionou com a Ré (???!!!) (9, 10)
5.º) Entende o recorrente que deve ser alterada a matéria de facto, segundo o depoimento de D…, segundo as declarações de parte do 1º Réu, B…, que deixou transcritas (11)
6.º) A Autora, capciosamente, distorceu a realidade dos factos e de modo a sonegar a comissão ao ora recorrente, inventou o pretexto de ter conseguido um potencial comprador, que terá desistido por ter havido interesse do recorrente em ficar com a casa. Falso, por várias razões: a) Porque o recorrente cedo disse que não podia ficar com a vivenda, nada tendo assinado e nada lhe tendo sido proposto para assinar e formalizar o “negócio”. Vulgo, ficha técnica de interesse, contrato promessa ou outro tipo de documentação formal; b) Porque os potenciais compradores nunca reuniram condições para adquirirem a habitação (12)
7.º) Vide depoimento da testemunha E… que deixou transcrito (13)
8.º) A Autora baseou-se em muitos SES quanto à possibilidade de negócio. Não outorgou qualquer contrato promessa de compra e venda, ou muito menos agendou qualquer escritura de compra e venda, para as quais nunca dispôs de condições de confirmar e/ou realizar (14)
9.º) Sendo certo que nenhum dos Réus mandou interromper a venda aos potenciais compradores (facto inquestionável e que tem de ser dado como provado nos autos). Nem por escrito, nem oralmente. Daí que seja erradamente dado como provado que o recorrente preferiu na compra (15)
10.º) A testemunha F…, cujo depoimento está registado no dia também declara que os potenciais compradores não possuíam, em concreto condições para a aquisição da vivenda (16)
11.º) Ora, com o devido respeito, que é muito pela decisão do Juiz de 1ª instância, é abusivo concluir-se que o recorrente “preferiu” e que tal circunstância afastou outro comprador. Falso: o potencial comprador (casal sem possibilidades económicas, como referiram as testemunhas E… e F…), nunca reuniu condições para comprar a vivenda (17)
12.º) Da conjugação destes factos e da análise crítica da prova, impõe-se a revogação da decisão de facto atinente, devendo ser dada como assente a seguinte matéria de facto: b) – Os Réus ficaram convictos que a Autora continuava a promover diligências necessárias com o fim de conseguir interessado que concretizasse o negócio visado no contrato. c) – A Ré desconhece se o ex-marido preferiu ou não na aquisição do imóvel. d) - O Réu nada acertou, combinou ou contratou com a Autora quanto à alegada “preferência”, tendo apenas tentado junto de instituição bancária financiamento, cedo se apercebendo da impossibilidade de tal e de imediato comunicou à Autora, ficando consciente que esta continuava a diligenciar as iniciativas com vista à celebração do contrato promessa de compra e venda com potenciais compradores (18)
13.º) Acresce que, mutatis mutandis, face ao apresentado, é um erro do tribunal a quo dar como provados os seguintes factos, devendo-se dá-los como NÃO PROVADOS: 11 -No dia 26/06/2016, mediante a intermediação da Imobiliária, a aqui Autora, os ditos Interessados G… e H… apresentaram uma proposta de compra, através do preenchimento da competente “Ficha de Reserva”, pelo valor de 110.000€, que ambos os Réus aceitaram, assinando a mesma “Ficha de Reserva”. 12 - A Autora encetou diligências com vista à marcação da escritura. 13 - Os compradores iniciaram diligências no sentido de obter o competente crédito bancário para financiar a aquisição. 14 - O segundo Réu, B…, veio a declarar pretender “preferir” na venda, pelo referido valor de 110.000€. 15 - O que foi expressamente aceite pela primeira Ré, D…, e comunicado aos ditos Interessados G… e H…. 16 - Tendo estes ficado definitivamente afastados do negócio, tendo cancelado o processo de financiamento bancário. 17 - E o negócio passou a desenvolver-se entre os Réus. 18 - Posteriormente, o extinto casal – os aqui Réus – veio a desentender-se relativamente às contas entre ambos no âmbito da partilha por divórcio do património comum, no qual se incluía o imóvel em causa. 19 - A Ré, após a assinatura da ficha de reserva, procedeu ao arrendamento de um imóvel, estando desde Agosto de 2017 a residir, com os seus filhos, noutra morada, sita em Vila Nova de Gaia. 21 - A Ré quando questionada pela Autora se se opunha a que a venda fosse realizada ao 2.º Réu respondeu que a sua intenção seria a venda do imóvel objeto do contrato a quem estivesse interessado e nas condições acordadas. 22 - Os termos, conteúdo e regime do Contrato foram negociados e explicados aos Réus, que tiveram oportunidade de, calmamente, o analisar e, inclusive, de aconselhar com quem assim o entendessem, antes de o assinarem. 23 - O Réu B… não efetuou o depósito do preço por não dispor de condições económicas (19)
14.º) É incontroverso o regime jurídico que tutela os contratos de mediação imobiliária, Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro: apenas tem direito a ser remunerado quando a sua atuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (cfr. art. 19.º, n.º 1) estando, por isso, dependente de uma circunstância futura, incerta e externa à prestação da mediadora, ainda que com esta relacionada. A aquisição do direito à remuneração está dependente da conclusão do contrato visado (ou do contrato-promessa, se tiver sido prevista a remuneração nessa fase) - como consequência (adequada) da atividade do mediador -, circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração” (20)
15.º) É condição essencial do direito à remuneração que a mediadora seja bem-sucedida na sua tarefa de prospeção e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste. Esta interpretação, não sofre, nem pode sofrer de qualquer excepção. A remuneração, vulgo comissão, só poderá existir se o negócio imobiliário se consumar, isto é, se for gerado trânsito financeiro de compra, subjacente. (21)
16.º) No contrato de mediação imobiliária, o proprietário do imóvel em venda não está obrigado a consumar o negócio e muito menos a pagar uma comissão. Em ultima instancia teria de liquidar as despesas, comprovadas que a agência teve com o desenvolvimento das suas iniciativas de promoção e venda. O direito de venda é sempre um direito de reserva que o vendedor tem sobre a situação em concreto, não sendo a imobiliária plenipotenciária sobre um direito de escolha, ao arrepio da vontade dos vendedores. É um verdadeiro abuso de direito, a obrigação que possa ser imposta pela imobiliária para a realização de qualquer venda ao arrepio da vontade dos vendedores (22)
17.º) Mas, também é certo que no caso em apreciação nos autos, nem disso se trata. O cliente, ou seja, neste caso, o recorrente proprietário do imóvel, só fica obrigado a remunerar a mediadora se esta obtiver um destinatário credível interessado, pronto a celebrar contrato promessa ou contrato de compra, e depois da celebração deste (23)
18.º) Ora, no caso dos autos não se revela que tenha ocorrido uma frustração de um negócio já delineado entre o Réu e um efetivo destinatário angariado pela Autora. O Réu mantém o propósito da venda, assim como a sua ex-mulher, e a Autora não desenvolveu todos os condicionalismos necessários à consumação da venda (outorga de contrato promessa, ou de compra do imóvel, e prova de diligências, com aceitação, de financiamento por entidade bancária). Apenas está assente nos autos que os hipotéticos compradores preencheram uma ficha técnica e que iriam ver se conseguiriam empréstimo bancário, não chegando sequer a abordar o banco (24)
19.º) A Cláusula 5.ª do contrato de mediação constante nos autos, na parte não manuscrita (*), diz o seguinte: “a remuneração será devida à mediadora, se esta conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…) e o pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições: “o total da remuneração aquando da celebração do contrato promessa” (25)
20.º) A Autora jamais apresentou ao Réu, ou aos RR, qualquer contrato promessa de compra e venda. Tanto para o preço estipulado de 120.000,00€, como para o preço de 110.000,00€. Não pode por isso o Réu ser responsável pelo pagamento de uma comissão se a A. jamais apresentou proposta concreta para a aquisição. Não pode a A. obter vantagem ilegítima sem que o negócio seja concretizado. Seria um verdadeiro inadmissível enriquecimento sem causa (artº 473º do CC) (26)
21.º) Nesta conformidade, não pode proceder a presente ação, por violação das normas da Lei n.º 15/2013 e dos art.s 334º, 473º, 799º, 1 do CC, além do artº 155º, nºs e e 2 do Código de Processo Civil (27)
22.º) Resulta do depoimento testemunhal do apelante que a autora não lhe deu conta da exclusividade do contrato de mediação imobiliária. Referiu mesmo, “NÃO SEI O QUE É EXCLUSIVIDADE”. (vide in gravação). Limitou-se a assinar o contrato sem a atenção devida e sem a concessão de informações cabais da Autora sobre a tal exclusividade. Trata-se de cláusula nula, o que face á declaração expressa do Apelante em sede de depoimento se argui e deve revelar no presente recurso. (28)
23.º) Pelo que, pelo disposto no seu teor, a sentença recorrida violou, designadamente, o regime jurídico da mediação imobiliária, os artigos da Lei 15/2013, o Regime Jurídico das Cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25/10) e DL 44/99 (29).
2. A recorrida C… contra-alegou em 13/mar./2019, pugnando pela improcedência do recurso e apresentando as seguintes conclusões:
I. A douta Sentença recorrida faz uma correcta apreciação da prova produzida e a devida aplicação do Direito à factualidade dada como provada, não merecendo por isso qualquer reparo ou censura.
II. A impugnação da matéria de facto não cumpre os requisitos legais, nomeadamente o previsto no art.º 640º/1/c) CPC: indicação precisa dos pontos da matéria de facto que se pretende questionar e a especificação dos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que imponham decisão diversa.
III. Ao contrário do que advoga o Recorrente, a decisão da matéria de facto não carece de qualquer correcção ou modificação.
IV. Na verdade, resulta das alegações da Recorrente que esta, na realidade, se limita a discordar da convicção formada pelo Tribunal “a quo” quanto à apreciação da prova, o que não é admissível por colidir com o princípio da livre apreciação da prova.
V. Toda a prova produzida apontou, com clareza, para a total procedência da acção e o Recorrente não aponta uma única circunstância concreta e devidamente fundamentada da qual decorra a existência de erro na valoração da prova pelo Tribunal “a quo”.
VI. A Mediadora cumpriu o que lhe competia, tal como resulta do Regime Jurídico da Mediação Imobiliária – RJMI (Lei n.º 15/2013): encontrar interessado na celebração do negócio.
VII. Resultaram provados factos que se enquadram no regime excepcional do n.º 2 do art.º 19º da Lei n.º 15/2013, que confere à Mediadora o direito à remuneração e o Réu/Recorrente não foi capaz de afastar a sua culpa, que inclusive se presume nos termos dos artigos 798º e 799º CC.
VIII. Razão pela qual, a douta Sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo.
3. Admitido o recurso foi o mesmo remetido a esta Relação, onde foi autuado em 15/mai./2019, realizando-se o exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
4. Não existem questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso.
5. O objecto do recurso incide no reexame da matéria de facto (a), o contrato de mediação imobiliária e o direito de remuneração (b).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos e a motivação da sentença recorrida
“Factos provados
Da instrução, julgamento e discussão da causa resultaram como provados os seguintes factos com relevância para a decisão da mesma:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de mediação imobiliária estando devidamente inscrita e licenciada para o exercício da actividade pela detentora da Licença n.º ….., emitida pelo IMPIC, I.P.
2. A Autora usa na sua actividade comercial, mediante contrato de franquia, a marca de mediação imobiliária “I…” e tem estabelecimento comercial sito na Av.ª …, …, …. - … ….
3. No âmbito da sua actividade comercial, em 14 de Dezembro de 2016 a Autora celebrou com os Réus um documento escrito que denominaram «Contrato de Mediação Imobiliária» pelo período de 9 meses e no regime de EXCLUSIVIDADE.
4. Por força de tal contrato, a Autora obrigou-se a promover a venda e encontrar Interessado na compra do imóvel, propriedade dos Réus, sito na Rua …, n.º .., freguesia de … [actualmente, União das freguesias de …, … e …], concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 3929º da mencionada União das freguesias de …, … e ….
5. O preço pretendido pelos Réus para o negócio e constante do dito Contrato de Mediação Imobiliária I... de 120.000€.
6. Acordaram, ainda, que a Autora receberia, a título de comissão ou remuneração, a quantia de 5%, acrescida de IVA à taxa legal, calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, no mínimo de 5.000€, acrescida de IVA à taxa legal.
7. Em execução do Contrato, logo após a sua assinatura, a Autora publicitou o negócio pretendido de venda do imóvel, por diversas formas, colocou uma placa no mesmo, com o logótipo da “I…” onde se podia ler o número de telefone do seu contacto; fez uma foto-reportagem da imóvel, que inseriu em diverso material de publicidade, como brochuras e panfletos, com indicação das características e preço, que distribuiu e disponibilizou em diversos locais e colocou-o, igualmente, na montra do estabelecimento comercial e na página da Internet da empresa e da rede de lojas “I…” em que está integrada, indicando as suas características, preço e difundindo fotogramas a ele respeitantes.
8. A Autora encetou diligências para a angariação de interessados na realização do negócio objecto do contrato, cruzando informações de possíveis interessados constantes da base de dados da rede imobiliária da franquia “I…”.
9. Em resultado de tais diligências e acções, os Interessados G… e H… tomaram conhecimento, através da Autora, que o imóvel em causa se encontrava para venda, tendo-a contactado e agendado visita ao imóvel em causa com colaborador da Autora e tendo tomado conhecimento das condições do negócio, designadamente o preço, através da Autora.
10. No dia 24/06/2017 a Autora acompanhou a visita ao imóvel pelos ditos Interessados, que decorreu com o conhecimento e consentimento dos Réus.
11. No dia 26/06/2016, mediante a intermediação da Imobiliária, a aqui Autora, os ditos os Interessados G… e H… apresentaram uma proposta de compra, através do preenchimento da competente “Ficha de Reserva”, pelo valor de 110.000€, que ambos os Réus aceitaram, assinando a mesma “Ficha de Reserva”.
12. A Autora encetou diligências com vista à marcação da escritura.
13. Os compradores iniciaram diligências no sentido de obter o competente crédito bancário para financiar a aquisição.
14. O segundo Réu, B…, veio a declarar pretender “preferir” na venda, pelo referido valor de 110.000€.
15. O que foi expressamente aceite pela primeira Ré, D…, e comunicado aos ditos Interessados G… e H….
16. Tendo estes ficado definitivamente afastados do negócio, tendo cancelado o processo de financiamento bancário.
17. E o negócio passou a desenvolver-se entre os Réus.
18. Posteriormente, o extinto casal – os aqui Réus – veio a desentender-se relativamente às contas entre ambos no âmbito da partilha por divórcio do património comum, no qual se incluía o imóvel em causa.
19. A Ré, após a assinatura da ficha de reserva, procedeu ao arrendamento de um imóvel, estando desde Agosto de 2017 a residir, com os seus filhos, noutra morada, sita em Vila Nova de Gaia.
20. Não foi comunicada à Ré qualquer data para a outorga da escritura.
21. A Ré quando questionada pela Autora se se opunha a que a venda fosse realizada ao 2.º Réu respondeu que a sua intenção seria a venda do imóvel objecto do contrato a quem estivesse interessado e nas condições acordadas.
22. Os termos, conteúdo e regime do Contrato foram negociados e explicados aos Réus, que tiveram oportunidade de, calmamente, o analisar e, inclusive, de aconselhar com quem assim o entendessem, antes de o assinarem.
23. O Réu B… não efectuou o depósito do preço por não dispor de condições económicas.
Factos não provados:
Não resultaram provados os seguintes factos:
a) - A Ré tentou entrar em contacto com a Autora várias vezes telefonicamente para saber o estado do processo, sem sucesso.
b) – A Ré ficou convicta que a Autora continuava a promover diligências necessárias com o fim de conseguir interessado que concretize o negócio visado no contrato.
c) – A Ré desconhece se o ex-marido preferiu ou não na aquisição do imóvel.
d) - O Réu nada acertou, combinou ou contratou com a Autora quanto à alegada “preferência”, ficando apenas a aguardar que fossem diligenciadas as iniciativas com vista à celebração do contrato promessa de compra e venda com potenciais compradores.
e) – A Autora não deu a conhecer ao Réu potenciais compradores.
f) – Foi a co-Ré que tratou de todos os contactos e se relacionou com a Ré.
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A demais matéria alegada pelas partes à qual não fizemos referência assume cariz conclusivo ou de direito, mostra-se prejudicada, seja por se tratar de mera repetição ou estar em contradição com a matéria de facto dada como provada, ou não assume relevância para a boa decisão da causa.
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Motivação:
A convicção do Tribunal resultou da análise crítica de toda a prova produzida no seu conjunto, conjugando-a entre si e com as regras da lógica, da experiência comum e do ónus da prova.
O item 1 dos factos provados teve por base a análise da certidão do registo comercial junta a fls. 8v e 9 (p.p.) e da licença de mediação imobiliária constante de fls. 9v (p.p.), cujo conteúdo não foi impugnado.
O item 2 dos factos provados não foi objecto de impugnação na contestação, considerando-se, por isso, admitido por acordo nos articulados, a que acresce o facto de no contrato de mediação imobiliária junto a fls. 10 a 11v (p.p.) dos autos figurar o logotipo da sociedade «I...» e de nele se mostrar identificado a sede da Autora.
Os itens 3 a 6 resultam da análise do mencionado contrato, junto a fls. 10 a 11v (p.p.), e das cláusulas nela apostas, tendo o seu conteúdo sido transporto para a matéria de facto enunciada nos referidos itens.
Os itens 7 a 18 e 20 tiveram por base a análise crítica dos depoimentos das testemunhas E…, F… e J… – que se afiguraram isentos e verídicos, limitando-se a descrever os factos que vivenciaram -, conjugando-os com os documentos juntos aos autos e confrontando-os com as declarações de parte produzidas pelos Réus.
Neste contexto, a testemunha E…, directora imobiliária da loja da Autora sita em …, descreveu a situação pessoal dos Réus e os termos definidos no contrato de mediação, mormente o preço estipulado para a venda do imóvel e o valor da comissão acordada, nos exactos termos que se mostram exarados no contrato denominado de «Mediação Imobiliária» junto a fls. 10 a 11v (p.p.).
Referiu a metodologia e as diligências adoptadas pela Autora para promover a venda do imóvel, designadamente através da sua difusão na internet, da colocação da placa de venda e de “flyers”.
Mencionou que tais diligências permitiram obter um casal interessado na aquisição do imóvel, o que culminou na assinatura da ficha de reserva junta a fls.13v (p.p.), fixando-se o valor da compra em €110.000,00.
Após historiar estes factos o seu depoimento centrou-se na intervenção que teve no âmbito do presente contrato e que ocorreu após a elaboração da ficha de reserva. Foi, assim, nessa sequência que contactou os compradores para formalizar o negócio com vista à outorga do contrato de compra e venda e porque os mesmos iam recorrer a financiamento bancário entenderam que não iriam avançar para a outorga de contrato promessa, mas, de imediato, para a venda.
Acontece, porém, que lhe é transmitido pelo colega F… a intenção manifestada pelo Réu, B…, de exercer o direito de preferência, o qual veio por essa razão afastar os compradores do negócio estipulado e o negócio atinente à preferência gorou-se por divergências entre os Réus.
Este depoimento é corroborado pelo depoimento da testemunha F…, que descreveu a metodologia adoptada pela “I...”, precisando que, entre outras diligências, foi colocada uma placa no imóvel a sinalizar a venda e foi efectuada a publicitação da venda através da internet.
Vincou também a ideia de que a explicação entre o contrato com cláusula de exclusividade ou de não exclusividade era uma preocupação fundamental da Autora.
Afiançou que foi através da actuação da Autora que surgiu o casal de interessados G… e H…, os quais efectuaram visitas ao imóvel, fazendo-as sempre na presença da Ré, estando uma delas documentada na ficha de visita junta a fls. 13 (p.p.).
Explicou ter sido efectuada uma proposta no valor de €110.000,00, que ficou formalizada na ficha de reserva de fls. 13v (p.p.).
Elucidou a sua intervenção directa no desenrolar do negócio, a qual ocorreu quando, após a assinatura da ficha de reserva, foi contacto pelo co-Réu B…, verbalizando o interesse em exercer o direito de preferência, e tendo, mais tarde, em Agosto de 2017, reforçado essa intenção, motivo pelo qual a venda que estava projectada ficou sem efeito.
Este depoimento, além do teor das fichas de visita e de reserva, é reforçado pelo teor do e-mail, constante de fls. 22v (p.p.), enviado pela ilustre mandatária da Autora, no qual enuncia, de forma cronológica, aspectos relevantes do desenrolar da relação contratual estabelecida pelas partes, mormente a celebração do contrato de mediação, o aparecimento de potenciais compradores, a formalização da ficha de reserva e a constatação da intenção demonstrada pelo co-Réu em exercer o direito de preferência, estando em perfeita consonância com os depoimentos anteriormente mencionados.
Por sua vez do depoimento da testemunha J…, irmão do Réu e ex-cunhado da Ré, apenas ressalta o facto de o Réu B… ter perspectivado adquirir o imóvel, o que não veio a concretizar-se atento o facto de não dispor de condições financeiras que permitissem suportar a aquisição.
Reconhece que o imóvel foi colocado à venda, sendo do seu conhecimento directo o facto de nele ter sido colocada uma placa com a denominação da “I…” a publicitá-la, e tomou igualmente conhecimento da proposta de aquisição no valor de €110.000,00, explicitando que foi já depois de ter sido apresentada essa proposta que o Réu pensou em adquirir o imóvel.
Tal depoimento deu, assim, relevo ao item 23 dos factos provados, que se inclui na fundamentação de facto, atento o disposto no art. 5.º, n.º 2, al.ºs a) e b) do Novo Código de Processo Civil, uma vez que se trata de um mero facto complementar da matéria alegada que resulta da instrução da causa.
A par destes elementos de prova, valoraram-se também as declarações de parte dos Réus.
Neste enquadramento a Ré D… referiu que teve a iniciativa de contactar a agência, a qual efectuou uma prévia visita ao imóvel e subsequentemente definiram o preço base de venda.
Reconheceu a assinatura da ficha de reserva junta a fls. 13v (p.p.), bem como o facto de os Réus terem aceitado reduzir o preço para o montante de €110.000,00, ficando a aguardar pela conclusão do negócio, tendo sido nesse pressuposto que decidiu arrendar uma outra casa sita em Vila Nova de Gaia, em finais de Agosto de 2017.
Afirmou ainda que o Réu mostrou-se interessado em ficar com a habitação, facto de que teve conhecimento através da Autora, atenta a falta de qualquer diálogo com aquele, mantendo desde sempre a intenção de vender a casa, independentemente da pessoa do seu comprador.
Declarou também antes da outorga do contrato com a Autora, o agente imobiliário desta deixou na casa do correio dois envelopes fechados cada um deles contendo uma cópia do contrato. Afiançou que quando contactou a agência, ambos os Réus estavam de acordo na venda do imóvel, tendo ambos estado presentes quando o agente se deslocou pela primeira vez para visitar o imóvel e, posteriormente, comparecido na agência para assinar o contrato constante de fls. 10 a 11v (p.p.).
Tais declarações além de ilustrarem reforçarem o teor dos depoimentos anteriormente prestados, contribuíram para a prova dos itens 19, 21 e 22 dos factos provados, delas se extraindo com especial relevo o facto da Autora ter-lhes dado a conhecer previamente os termos do contrato, facultando a cada um dos Réus um cópia do contrato, dando-lhes oportunidade e tempo para ler as cláusulas nela apostas e de solicitar quaisquer esclarecimentos, de modo que podemos concluir que a Autora deu todas as condições aos Réus para se inteirarem das cláusulas e termos do contrato antes de nele aporem as respectivas assinaturas.
As declarações de parte do co-Réu B… – o qual revelou algum desconforto quando directamente confrontado com os factos que lhe iam sendo apresentados e denotou um relato evasivo - apenas vieram reforçar os factos apurados nos depoimentos anteriormente prestados, delas emergindo, com relevância, a singularidade de que quando estavam a decorrer diligências tendentes à outorga da escritura pública de compra e venda, designadamente quando se aguardava que o casal de compradores interessados obtivesse crédito bancário para formalizar a escritura de compra e venda, veio a manifestar perante a Autora a intenção de exercer o direito de preferência, não tendo conseguido adquirir o imóvel pela circunstância de não ter obtido crédito bancário, imprescindível para inclusive poder liquidar as contas com a Ré em virtude da dissolução do casamento, atestando, assim, o enunciado no item 23 dos factos provados.
Ora, tal situação conduziu ao gorar do negócio, sobressaindo das declarações do Réu que o mesmo continua a habitar o imóvel.
Quanto aos factos não provados os mesmos decorrem da ausência de prova que lograsse convencer o tribunal, com o grau de certeza que se exige, sendo inclusive infirmados pelos depoimentos que foram sendo produzidos nos autos e dos elementos constantes dos autos.
Assim, o alegado nas alíneas a) e b) resultaram da ausência de qualquer prova
sobre a matéria nela alegada.
O constante na alínea c) é infirmado do teor do e-mail constante de fls. 22v (p.p.), a qual teve conhecimento de que o co-Réu manifestou vontade em preferir na
venda.
O constante das alíneas d), e) e f) são claramente contrariadas pelas declarações de parte do próprio Réu e pela assinatura que o mesmo apôs na «ficha de reserva», junta a fls. 13v (p.p.), demonstrativos de que o Réu teve conhecimento dos potenciais compradores e, após conhecer o preço fixado, decidiu exercer o direito de preferência dando nota desse facto à Autora, que se extinguiu por aquele não ter efectuado o depósito do preço por falta de condições económicas.”
*
2. Fundamentos do recurso
a) Reexame da matéria de facto
O Novo Código de Processo Civil (NCPC) estabelece no seu artigo 640.º, n.º 1 que “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados (i), a prova de que se pretende fazer valer (ii), identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova (iii).
Acrescenta-se no seu n.º 2 que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Nesta conformidade e para se proceder ao reexame da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente: i) indicar os factos impugnados; ii) a prova de que se pretende fazer valer; iii) identificar o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.
Assim, tal reexame passa, em primeiro lugar, pela reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente (recurso de apelação limitada). Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação, que formará a sua própria convicção sobre a factualidade impugnada (Ac. STJ de 04/mai./2010, Cons. Paulo Sá; 14/fev./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt). Porém, fica sempre em aberto, quando tal for admissível, a possibilidade do tribunal de recurso, designadamente por sua iniciativa e perante o mesmo, renovar ou produzir novos meios de prova (662.º, n.º 2, al. a) e b)) alargando os meios de prova para o reexame da factualidade impugnada (recurso de apelação ampliada). Mas em ambas as situações e sob pena de excesso de pronúncia e de nulidade do acórdão (666.º, 615.º, n.º 1, al. d) parte final), o tribunal de recurso continua a estar vinculado ao ónus de alegação das partes (5.º) e ao ónus de alegação recursiva (640.º) – de acordo com a primeira consideram-se como não escritos o excesso de factos que venham a ser fixados, face à segunda o tribunal superior não conhece de questões não suscitadas, salvo se tal se impuser oficiosamente (Ac. STJ de 11/dez./2012, Cons. Alves Velho, www.dgsi.pt).
Por sua vez, estipula-se no artigo 607.º, n.º 5 que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. A estes últimos condicionantes legais de prova, seja os de natureza substantiva elencados no Código Civil, seja adjetiva enunciados na mesma lei do processo civil (410.º - 422.º; 444.º - 446.º; 463.º; 446.º, 489.º, 490.º, 516.º NCPC), com destaque para a prova ilícita (417.º, n.º 3 NCPC), acrescem e têm primazia aqueles outros condicionantes resultantes dos direitos humanos e constitucionais que têm desde logo expressão no princípio a um processo justo e equitativo (20.º, n.º 4 Constituição; 10.º, DUDH; n.º 14.º, n.º 1 PIDCP; 6.º, n.º 1 CEDH; 47.º § 2 CDFUE). Nesta conformidade, podemos assentar que o regime da legalidade da prova, enquanto “imperativo de integridade judiciária”, tanto versa sobre os meios de prova, que correspondem aos elementos que servem para formar a convicção judicial dos factos submetidos a julgamento, como sobre os meios de obtenção de prova, que são os instrumentos legais para recolha de prova. Tal regime acaba por comprimir o princípio da livre apreciação da prova, estabelecendo as correspondentes proibições de produção ou valoração de prova. Por tudo isto, o princípio da livre apreciação das provas é constitucional e legalmente vinculado, não tendo carácter arbitrário, nem se circunscrevendo a meras impressões criadas no espírito do julgador. O mesmo está desde logo sujeito aos princípios estruturantes do processo justo e equitativo (a) – como seja o da legalidade das provas –, como ainda condicionado pelos critérios legais que disciplinam a sua instrução (b), estando, por isso, submetido às regras da experiência e da lógica comum (i), e nalguns casos expressamente previstos (v.g. 364.º exigência legal de documentos escrito) subtraído a esse juízo de livre convicção (ii), sendo imprescindível que esse julgamento de factos, incluindo a sua análise crítica, seja motivado (c).
*
O NCPC ao disciplinar o modelo e os requisitos da sentença estabelece no seu artigo 607.º, n.º 3 que ao relatório “Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados ...”. Muito embora ao longo do mesmo código se faça alusão ao ónus de alegação de factos imposto às partes, com mais consistências naqueles que são essenciais (5.º, 1 NCPC) à causa de pedir, através na petição inicial (552.º, n.º 1, al. d) do NCPC) ou à defesa, mediante a contestação (572.º, al. b) e c) NCPC), não nos dá uma noção legal do que é um facto.
No entanto, podemos considerar como factos os acontecimentos ou circunstâncias da realidade, decorrentes tanto da conduta humana, como de ocorrências da natureza ou resultantes de qualquer outra origem (v.g. robótica) – na sintética e lapidar expressão do já esquecido Ac. do STJ de 07/nov./1969 (BMJ 191/219), factos são “fenómenos da natureza ou manifestações concretas dos seres vivos”. Mas no que concerne à conduta humana, esta pode revestir-se de actos ou omissões, os quais são aparentes (vertente objectiva), resultando normalmente da consciência e vontade do seu agente (vertente subjectiva). Daí que muitas vezes se afira essa vontade, que é uma das vertentes essenciais do plano interior, a partir da exteriorização dos actos realizados por uma pessoa.
Deste modo, os factos integram essencialmente descrições da realidade e não valorações, como seja juízos ou conclusões, e muitos menos referências jurídicas, mediante simples transposições enunciativas contidas na lei. Existem, no entanto, os designados factos institucionais, os quais incorporam ou reproduzem a configuração de padrões sociais comuns de designação da realidade, ainda que com conotações jurídicas, que a jurisprudência tem assinalado como expressões de uso corrente, “ligados à concretização de certos factos” (Ac. STJ 02/dez./1982, BMJ 322/308) – tal sucede, por exemplo, com a palavra “emprestar”, como se referiu neste último acórdão, ou “renda” no âmbito de um contrato de arrendamento, para designar a contraprestação monetária a cargo do arrendado. Porém, quando essa descrição institucional reproduz simplesmente a referência legal contida na norma jurídica não pode a mesma ser considerada como uma descrição factual, porquanto contém a apreciação jurídica dos factos que constituem o thema decidendum. Para o efeito, a jurisprudência do STJ tem sido muito clara e firme ao considerar que “As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do acervo factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, e, quando isso não suceda e o tribunal se pronuncie sobre as mesmas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita” (STJ 15/dez./2011, Cons. Pinto Hespanhol, www.dgsi.pt).
No entanto e ao contrário do que sucedia com o anterior Código de Processo Civil, através do seu artigo 646.º, n.º 4, não existe no NCPC qualquer normativo correspondente ao seu pretérito – ali se dizia que “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. A propósito, convém recordar, essa cominação legal foi sendo extensiva a toda a resposta que contivesse um juízo de valor (Ac. STJ 04/dez./1986, BMJ 362/526; 15/jun./1988, BMJ 378/677) ou reproduzisse meras conclusões (Ac. STJ de 23/set./2009, Cons. Bravo Serra, www.dgsi.pt), porquanto essas deduções deveriam resultar de factos concretos integradores do thema decindendum.
Mas mantendo-se a exigência legal de que a sentença na descrição dos factos provados apenas deve consagrar acontecimentos e circunstâncias realidade e nada mais, será de manter o referenciado posicionamento jurisprudencial. Daí que e muito embora o NCPC não contenha uma disposição similar quanto à referida cominação legal, será de considerar como não escritas as respostas sobre questões de direito, juízos de valor, meras conclusões ou que se reportem a “conceitos, proposições normativas e juízos jurídico-conclusivos” (Ac. STJ de 29/04/2015, Cons. Fernandes da Silva, www.dgsi.pt). Foi neste preciso sentido que se expressou o Ac. TRP de 10/jan./2019, www.dgsi.pt cujo sumário foi o seguinte: I. Factos são os acontecimentos ou circunstâncias da realidade, decorrentes tanto da conduta humana, como de ocorrências da natureza ou resultantes de qualquer outra origem (v. g. robótica). II. Mantendo-se a exigência legal de que a sentença apenas deve descrever os factos do seu thema decidendum, será de manter o posicionamento de considerar como não escritas as respostas sobre questões de direito, extensíveis a juízos de valor, meras conclusões ou conceitos, proposições normativas e juízos jurídico-conclusivos que sejam descritos como factualidade, muito embora o NCPC não contenha uma disposição similar ao anterior CPC.”
*
O Réu recorrente no reexame da matéria de facto começa por suscitar a impugnação dos seguintes factos não provados:
b) – A Ré ficou convicta que a Autora continuava a promover diligências necessárias com o fim de conseguir interessado que concretize o negócio visado no contrato. c) – A Ré desconhece se o ex-marido preferiu ou não na aquisição do imóvel. d) - O Réu nada acertou, combinou ou contratou com a Autora quanto à alegada “preferência”, ficando apenas a aguardar que fossem diligenciadas as iniciativas com vista à celebração do contrato promessa de compra e venda com potenciais compradores. f) – Foi a co-Ré que tratou de todos os contactos e se relacionou com a A – existe manifesto lapso na sentença recorrida na identificação desta última porquanto mencionava tratar-se da R. (9, 10)
A propósito convém desde logo considerar que a factualidade descrita em b), c) é totalmente irrelevante para apreciação do mérito deste recurso, porquanto o que está em causa é apenas a responsabilização do R. recorrente e não da outra R., tendo esta sido absolvida. Daí que seria manifestamente inútil para efeito da procedência deste recurso apreciar a factualidade referenciada nestas alíneas, pelo estando proibida a prática de acto inúteis, como decorre do artigo 130.º NCPC – aqui preceitua-se que “Não é lícito realizar no processo a[c]tos inúteis”.
Assim, resta apreciar a impugnação das alíneas d) e f) tendo o recorrente para o efeito convocado as declarações de parte de ambos os RR. No que concerne às declarações de parte da Ré D…, o que aquele salienta e transcreve é o seguinte:
“Diversas vezes tentei contacto com a imobiliária para saber notícias e poucos pormenores me foram dados, quase sempre inconclusivos”; “Sempre pensei que os contactos estavam a ser realizados com vista à venda da casa”; “O meu ex-marido nunca me disse que queria preferir e ficar com a casa”.”
Como se pode constatar esta versão dos acontecimentos, nada tem que ver com a factualidade impugnada.
Por sua vez, as declarações de parte do próprio R. recorrente vão no sentido contrário ao que o mesmo agora pretende demonstrar, sendo de destacar as seguintes passagens, mas que aqui reproduzem bem a globalidade do seu depoimento, em que são marcantes algumas contradições:
Juiz - Estão vai fazer o favor de sentar e me ajudar a compreender. Eu vou mostrar o contrato de mediação imobiliária. Não lhe é preciso mostrar, você conhece. Eu pretendia saber como é que o senhor e a dona D… decidiram recorrer ao serviço de mediação imobiliária?
R. B… - Eu nunca estive muito de acordo, mas pronto assinei.
Juiz - Não estava de acordo por qual razão? Não queria vender a casa ou o quê?
R. B… - Eu não queria porque meus pais deram-me o terreno para construir quando era solteiro e gostava do sítio. Mas pronto, por motivos de economia aceitei pôr à venda.
Juiz - Ainda com alguma relutância o senhor acabou por decidir recorrer aos serviços da mediação imobiliária. E na altura o que lhe explicaram acerca do contrato?
R. B… - Eu assinei um papel em branco que eles fizeram, não sei. A minha assinatura estava num papel em branco.
Juiz - Estava em branco? Não tinha nada?
R. B… - Estava no inicio em 120 mil, e concordei em retirar claro 10 mil euros e foi assim.
Juiz - O valor que inicialmente os senhores acordaram foi de quanto?
R. B… - Estava em 120 mil e passou para 110, tirou os 10 mil para os danos.
Juiz - Essa redução do preço já foi mediado pelo senhor, tem consciência que assinaram uma ficha de reserva? Quando apareceu um comprador que na altura lhe ofereceu esse preço?
R. B… - Foi me facultado (…). Nunca estive a par ao certo.
Juiz - Pelo menos o valor dos 110 o senhor aceitou abaixar o preço para esse valor?
R. B… – Sim, sim.
Juiz - E depois desses 110 mil euros, supostamente já estava encaminhado para ser concluído o negócio e ele acabou de
não ocorrer. E vocês não chegaram a fazer nenhuma escritura?
M - Não
Juiz - E não fizeram porquê? O que é que correu mal? O que é que aconteceu a esse negócio?
R. B… - Tal me foi dito para fazer uma simulação ao banco. Qual foi me dito para me deixar 500 euros de caução.
Juiz - Os interessados iam fazer um crédito bancário. Depois dessa simulação que fizeram?
R. B… - Não houve recibo e nem fatura de venda. E eu estou à espera porque não tenho possibilidades de avançar sem dinheiro. Trabalho para sustentar meus filhos e a minha renda e sobrar um bocadinho para minha casa.
Juiz - Mas nesta altura não questionou a agência do negócio por não ter avançado?
R. B… - Eu estive interessado, mas fui ao banco e era mesmo impossível do valor que estava em questão.
Juiz - Nos momentos em que você estava interessado, você deu conta dos factos à imobiliária?
R. B… - Nós estivemos lá na imobiliária com um ou dois representantes e até hoje nada.
Juiz - Então você disse à imobiliária que por esse preço ficava com a casa?
R. B… - Também próximo do Banco era impossível pelo valor que puseram, não tinha possibilidade para avançar. Nunca mais houve conversa sobre essa venda.
Juiz – Pronto, nunca fizeram a venda. Na altura da agência e o senhor disse que por esse preço fico eu, quando fez essa declaração fez como? Verbalmente?
R. B… - Não. Por telefone.
Juiz - Por telefone?
R. B… – Sim
Advogado R.- O contrato foi-lhe dado em branco para assinar, foram preenchidos posteriormente ou alguma coisa já foi preenchido no local? O que é que aconteceu? No primeiro contrato que o senhor juiz falou há bocadinho.
R. B… – Foi-me facultado uma folha em branco para assinar. Eu assinei, mas foram explicadas umas coisas que…
Advogado R. - O que é que foi explicado? Alguma vez explicaram que esse contrato era um contrato que tinha indicação de exclusividade?
R. B… - Não
Advogado R. - O senhor sabe o que é exclusividade?
R. B… - Não sei.
Advogado R. - Na conversa foi dito alguma coisa no sentido de que esse contrato só seria da agência, esta agência imobiliária que
poderia proceder à venda desta casa? Explicaram o conteúdo do contrato?
R. B… - Não, não.
Advogado R. - Mas o senhor leu o contrato quando o recebeu? Ou não chegou? Ou só leu quando recebeu esta ação?
R. B… - Só li quando recebi esta ação.
Advogado R. - Leu depois o contrato?
R. B… - Sim .
Advogado R. - O senhor diz que em junho já transmitiu à empresa que já não tinha capacidade para comprar a casa. Como o senhor explica um contrato com uma assinatura em junho?
R. B… - Em junho eu nunca assinei nada. Nunca.
Advogado R. - Quando o senhor assinou a ficha técnica o senhor assinou-a com quem? Estava com quem?
R. B… - Estava com a minha ex-mulher. Foi ela que conseguiu isso para assinar.
Advogado R. - Portanto o senhor não teve contacto com a agência quando assinou essa ficha técnica.
R. B… – Jamais.
Advogado R. - Com quem o senhor contactou que disse que poderia eventualmente querer a casa? Contactou com quem na agência?
R. B… - Foi com o chefe.
Advogado R. - O senhor transmitiu para ele continuar com a venda?
R. B… - Não, nunca mais transmiti nada disso.
Advogado R. - Não. O senhor transmitiu que não estava interessado na venda? O que eu queria saber era se o senhor transmitiu à agência que a casa estava à venda e se continuava a venda?
R. B… - Eu não transmiti nada. Isso ai ficou a encargo deles.
Advogado R. - Então o senhor ficou convencido que a casa continuava a venda?
R. B… - Sim
Advogado R. - Como ainda hoje está a venda?
R. B… - Sim, está a venda.
Advogado R. - Pronto, então o senhor ainda hoje mantêm a disposição para vender a casa pelos 110 mil euros, que se comprometeu nessa ficha? O senhor alguma vez assinou algum documento perante a agência imobiliária a dizer que queria comprar a casa?
R. B… – Não.
Advogado R. - Que assumiu alguma responsabilidade de distribuição de valores com a sua ex-mulher, quanto a distribuição desse dinheiro?
R. B… – Não.
Advogado A. -Muito Bom dia Sr B…, o senhor já respondeu aqui às questões que lhe foram colocadas, mas entretanto surgiram aqui alguma outra dúvida em relação a sua ex-mulher. Nos contactos, quando foi para celebrar este contrato de mediação imobiliária, deu a sua cópia do cartão de cidadão?
R. B… - Dei.
Advogado A. - Então estava lá presente no dia da mediação imobiliária?
R. B… -Sim. Isso é o normal. Eu para assinar, para pôr à venda, eu precisava estar lá presente.
Juiz - E uma questão, os senhores da I... quando lá foram, colocaram alguma placa de venda?
R. B… – Colocaram.
Juiz - E essa placa ainda lá está?
R. B… - Não. Ela caiu abaixo e ela está lá guardada.”
Ainda a propósito das declarações de parte da R. D… será de referir que a mesma disse o seguinte (03:10:03:46)
Juiz: E teve conhecimento de ter sido feita alguma proposta para a aquisição da habitação? Se alguém se mostrou interessado....?
R. D…: Sim. Vieram lá várias pessoas ver com vários senhor da agência e houve um casal que disse sim, que gostou da casa, pelo qual assinámos um ficha de reserva”, confirmando tratar-se da ficha de reserva junta aos autos.
Como se pode constatar das próprias declarações de parte do RR. foi o R. B… que manifestou a vontade de ficar com o imóvel para si, desenvolvendo para esse efeito e outros contactos com a A.. Daí que e sem necessidade de mais considerações, será de manter a factualidade impugnada agora em apreciação como não provada.
*
O R. impugna ainda a factualidade adiante referenciada, partindo da prova que iremos precisar para cada um desses factos.
11 -No dia 26/06/2016, mediante a intermediação da Imobiliária, a aqui Autora, os ditos Interessados G… e H… apresentaram uma proposta de compra, através do preenchimento da competente “Ficha de Reserva”, pelo valor de 110.000€, que ambos os Réus aceitaram, assinando a mesma “Ficha de Reserva”.
A impugnação desta factualidade tem por base, se bem percebemos – porquanto algumas passagens do recurso visam a generalidade do suscitado reexame dos factos –, os depoimentos das testemunhas E… e F…, ambos funcionários da A.. Convenhamos que a passagens dos depoimentos destas testemunhas estão em grande parte inaudíveis. No entanto, na sequência da transcrita declarações de parte da própria R., que esta Relação anteriormente transcreveu, resulta precisamente o que se encontra descrito no item em apreço. Aliás, esta versão foi corroborada pelo ficha de reserva junta aos autos pela A. com datas de maio e junho de 2017, subscrita por aqueles interessados, por ambos os RR. e pela A., através de um dos seus representantes. Daí que este facto mantenha-se como provado.
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12 - A Autora encetou diligências com vista à marcação da escritura.
13 - Os compradores iniciaram diligências no sentido de obter o competente crédito bancário para financiar a aquisição.
Mas que diligências foram realizadas??? Tratam-se de conclusões e não de factos, pelo que estes itens vão ser considerados como não escritos.
Mas o que resulta da globalidade da prova produzida é que os interessados na compra tinham de solicitar e obter um empréstimo bancário para pagamento daquele valor de €110.000,00. Daí que o mencionado item 13 passe a ter a seguinte redação:
“Os referidos interessados na compra do mencionado imóvel tinham de solicitar e obter um empréstimo bancário para pagamento daquele valor de €110.000,00”
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14 - O segundo Réu, B…, veio a declarar pretender “preferir” na venda, pelo referido valor de 110.000€.
15 - O que foi expressamente aceite pela primeira Ré, D…, e comunicado aos ditos Interessados G… e H….
16 - Tendo estes ficado definitivamente afastados do negócio, tendo cancelado o processo de financiamento bancário.
Como resulta das próprias declarações de parte dos RR. o mencionado nos itens 14, 15 estão devidamente demonstrados, o mesmo acontecendo em relação à I parte do item 16. No que concerne à II parte deste item 16 a sentença recorrida exprime a seguinte motivação genérica:
“Os itens 7 a 18 e 20 tiveram por base a análise crítica dos depoimentos das testemunhas E…, F… e J… – que se afiguraram isentos e verídicos, limitando-se a descrever os factos que vivenciaram -, conjugando-os com os documentos juntos aos autos e confrontando-os com as declarações de parte produzidas pelos Réus”.
Mas ao precisar este item 16 e a partir do depoimento da testemunha E…, foi mencionado o seguinte:
“Mencionou que tais diligências permitiram obter um casal interessado na aquisição do imóvel, o que culminou na assinatura da ficha de reserva junta a fls. 13v (p.p.), fixando-se o valor da compra em €110.000,00.
Após historiar estes factos o seu depoimento centrou-se na intervenção que teve no âmbito do presente contrato e que ocorreu após a elaboração da ficha de reserva. Foi, assim, nessa sequência que contactou os compradores para formalizar o negócio com vista à outorga do contrato de compra e venda e porque os mesmos iam recorrer a financiamento bancário entenderam que não iriam avançar para a outorga de contrato promessa, mas, de imediato, para a venda.
Acontece, porém, que lhe é transmitido pelo colega F… a intenção manifestada pelo Réu, B…, de exercer o direito de preferência, o qual veio por essa razão afastar os compradores do negócio estipulado e o negócio atinente à preferência gorou-se por divergências entre os Réus.” – sendo nosso o negrito.
E mais à frente, mas agora com base no depoimento da testemunha F…, expressa-se do seguinte modo:
“Elucidou a sua intervenção directa no desenrolar do negócio, a qual ocorreu quando, após a assinatura da ficha de reserva, foi contacto pelo co-Réu B…, verbalizando o interesse em exercer o direito de preferência, e tendo, mais tarde, em Agosto de 2017, reforçado essa intenção, motivo pelo qual a venda que estava projectada ficou sem efeito”.
Como podemos constatar não existe qualquer referência ao processo de financiamento bancário e em que consistiu o mesmo, mas que apenas era necessário esse financiamento para que os potenciais interessados viessem a comprar o imóvel correspondente à ficha de inscrição que subscreveram. Nesta conformidade, o item 16 passará a ter a seguinte redação:
“16. Na sequência daquele interesse do R. B… em ficar com o mencionado imóvel para si, os referidos Interessados G… e H… afastaram-se definitivamente do negócio que pretendiam celebrar sobre esse mesmo imóvel.”
*
A impugnação dos demais factos provados é totalmente genérica e como decorre da sua conclusão 19 é via “mutatis mutandi”. Ora este procedimento para o reexame da matéria de facto não é certamente o mais ajustado para suscitar a impugnação de facto perante a Relação. No entanto e tentando aproveitar ao máximo as alegações de recurso, sempre diremos que resulta das declarações de parte dos RR. a demonstração dos itens 17, 18, 19 e 21.
*
Passemos de seguida para a factualidade correspondente ao item 22, que é a seguinte:
22 - Os termos, conteúdo e regime do Contrato foram negociados e explicados aos Réus, que tiveram oportunidade de, calmamente, o analisar e, inclusive, de aconselhar com quem assim o entendessem, antes de o assinarem.
A propósito desta matéria a motivação da sentença recorrida foi genérica, baseando-se nos procedimentos da A.. No entanto nas declarações de parte da R. D…, a mesma para além de mencionar que o representante da A. na ocasião da assinatura do contrato de mediação imobiliária não foi nenhuma das testemunhas indicadas pela própria A. presente na audiência de julgamento, quando foi indagada e questionada pelo Senhor Juiz sobre esse contrato e sobre a cláusula 4.ª respeitante à exclusividade, mencionou o seguinte:
“O senhor não leu o contrato, preencheu mas não leu o contrato ... (12:56 -13:03).
Mais à frente e sobre quem teria colocado um X na respectiva quadrícula e sobre as contrapartidas, disse o seguinte:
“quem assinalou deve ter sido o senhor mas isso eu não vi ... confesso que não vi ... disse que só eles é que podiam vender a casa, isso disse com estas palavras (13:27 - 13:56).
O que me disse era que após, se conseguissem a venda ... tinham 5% do valor da venda, foi apenas o que ele me disse 14:02 – 14:20)”
Estas declarações de parte, não foram contrariadas por nenhum dos depoimentos testemunhais, pelo que o item 22, passará a ter a seguinte redação:
22 – As cláusulas respeitante à exclusividade, como às contrapartidas da A. foi explicada aos Réus, que tiveram oportunidade de, calmamente, a analisar e, inclusive, de aconselhar com quem assim o entendessem, antes de o assinarem tal contrato.
Resta, por último o item 23, o qual tem a seguinte redação:
23 - O Réu B… não efetuou o depósito do preço por não dispor de condições económicas (19)
Esta factualidade resulta precisamente das declarações de parte do próprio R. B…, pelo que não se percebe o sentido desta impugnação.
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Nesta conformidade e na procedência parcial do reexame da matéria de facto, temos como provada a seguinte factualidade, mantendo-se a numeração originária da sentença recorrida:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade de mediação imobiliária estando devidamente inscrita e licenciada para o exercício da actividade pela detentora da Licença n.º ….., emitida pelo IMPIC, I.P.
2. A Autora usa na sua actividade comercial, mediante contrato de franquia, a marca de mediação imobiliária “I…” e tem estabelecimento comercial sito na Av.ª …, …., …. - … ….
3. No âmbito da sua actividade comercial, em 14 de Dezembro de 2016 a Autora celebrou com os Réus um documento escrito que denominaram «Contrato de Mediação Imobiliária» pelo período de 9 meses e no regime de EXCLUSIVIDADE.
4. Por força de tal contrato, a Autora obrigou-se a promover a venda e encontrar Interessado na compra do imóvel, propriedade dos Réus, sito na Rua …, n.º .., freguesia de … [actualmente, União das freguesias de …, … e …], concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 3929º da mencionada União das freguesias de …, … e ….
5. O preço pretendido pelos Réus para o negócio e constante do dito Contrato de Mediação Imobiliária era de 120.000€.
6. Acordaram, ainda, que a Autora receberia, a título de comissão ou remuneração, a quantia de 5%, acrescida de IVA à taxa legal, calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, no mínimo de 5.000€, acrescida de IVA à taxa legal.
7. Em execução do Contrato, logo após a sua assinatura, a Autora publicitou o negócio pretendido de venda do imóvel, por diversas formas, colocou uma placa no mesmo, com o logótipo da “I…” onde se podia ler o número de telefone do seu contacto; fez uma foto-reportagem da imóvel, que inseriu em diverso material de publicidade, como brochuras e panfletos, com indicação das características e preço, que distribuiu e disponibilizou em diversos locais e colocou-o, igualmente, na montra do estabelecimento comercial e na página da Internet da empresa e da rede de lojas “I…” em que está integrada, indicando as suas características, preço e difundindo fotogramas a ele respeitantes.
8. A Autora encetou diligências para a angariação de interessados na realização do negócio objecto do contrato, cruzando informações de possíveis interessados constantes da base de dados da rede imobiliária da franquia “I…”.
9. Em resultado de tais diligências e acções, os Interessados G… e H… tomaram conhecimento, através da Autora, que o imóvel em causa se encontrava para venda, tendo-a contactado e agendado visita ao imóvel em causa com colaborador da Autora e tendo tomado conhecimento das condições do negócio, designadamente o preço, através da Autora.
10. No dia 24/06/2017 a Autora acompanhou a visita ao imóvel pelos ditos Interessados, que decorreu com o conhecimento e consentimento dos Réus.
11. No dia 26/06/2016, mediante a intermediação da Imobiliária, a aqui Autora, os ditos os Interessados G… e H… apresentaram uma proposta de compra, através do preenchimento da competente “Ficha de Reserva”, pelo valor de 110.000€, que ambos os Réus aceitaram, assinando a mesma “Ficha de Reserva”.
13. Os referidos interessados na compra do mencionado imóvel tinham de solicitar e obter um empréstimo bancário para pagamento daquele valor de €110.000,00.
14. O segundo Réu, B…, veio a declarar pretender “preferir” na venda, pelo referido valor de 110.000€.
15. O que foi expressamente aceite pela primeira Ré, D…, e comunicado aos ditos Interessados G… e H….
16. Na sequência daquele interesse do R. B… em ficar com o mencionado imóvel para si, os referidos Interessados G… e H… afastaram-se definitivamente do negócio que pretendiam celebrar sobre esse mesmo imóvel.
17. E o negócio passou a desenvolver-se entre os Réus.
18. Posteriormente, o extinto casal – os aqui Réus – veio a desentender-se relativamente às contas entre ambos no âmbito da partilha por divórcio do património comum, no qual se incluía o imóvel em causa.
19. A Ré, após a assinatura da ficha de reserva, procedeu ao arrendamento de um imóvel, estando desde Agosto de 2017 a residir, com os seus filhos, noutra morada, sita em Vila Nova de Gaia.
20. Não foi comunicada à Ré qualquer data para a outorga da escritura.
21. A Ré quando questionada pela Autora se se opunha a que a venda fosse realizada ao 2.º Réu respondeu que a sua intenção seria a venda do imóvel objecto do contrato a quem estivesse interessado e nas condições acordadas.
22. As cláusulas respeitante à exclusividade, como às contrapartidas da A. foi explicada aos Réus, que tiveram oportunidade de, calmamente, a analisar e, inclusive, de aconselhar com quem assim o entendessem, antes de o assinarem tal contrato.
23. O Réu B… não efectuou o depósito do preço por não dispor de condições económicas.
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b) O contrato de mediação imobiliária e o direito de remuneração
O regime jurídico do contrato de mediação imobiliária encontra-se estabelecido pela Lei n.º 15/2013, de 8/fev. (DR I, n.º 28), alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23/ago. (DR I, n.º 162), podendo extrair-se da noção legal expressa no seu artigo 1.º, n.º 1 que o contrato de mediação imobiliária corresponde à atividade de procura, em nome dos respectivos clientes, de interessados na realização de negócios, reais ou obrigacionais, que tenham como seu objecto bens imóveis. As funções de imediação imobiliária consistem na prospecção e recolha de informações, assim como na promoção desses bens imóveis, mediante divulgação ou publicitação, incluindo a realização de leilões.
O contrato de mediação imobiliária tem natureza formal, através de mero documento particular (artigo 16.º, n.º 1), devendo nele constar os requisitos legais necessários e exigíveis sob pena de nulidade do respectivo contrato, considerando-se como seis (6) meses, na falta de indicação em contrário, o prazo contratual regra (artigo 16.º, n.º 2, 3 e 5).
A remuneração da agente mediadora imobiliária encontra-se prevista no artigo 19.º, considerando-se no seu n.º 1 que esta “é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”. Acrescenta-se no seu n.º 2 que “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel” – sendo nosso o negrito. Mais adiante no n.º 4 consagra-se que “O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel”. Naturalmente que este conteúdo legal da remuneração não esgota a sua estipulação contratual, podendo esta fixar um quadro distinto, desde que se confine aos parâmetros legais.
No caso de contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade esse direito à remuneração não existe apenas nos casos de “conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, mas também quando o negócio visado não se realize por “causa imputável ao cliente”, estando nesta ação em causa este último pressuposto. Como é com base no mesmo que existe o direito de remuneração, será à agente mediadora que incumbe tanto a respectiva alegação dessa factualidade, como o subsequente ónus de prova, de acordo, respectivamente, com os artigos 5.º, n.º 1 do NCPC e 342.º, n.º 1 do Código Civil – ali estipula-se que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exce[p]ções invocadas”, neste consagra-se que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
A questão que a seguir se coloca é quando ocorre essa “causa imputável ao cliente”. Muito embora se trate de um desvio à regra geral do dever de remuneração decorrente da “conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, não devemos descurar a finalidade da contrapartida da remuneração do mediador que está ínsita naquele artigo 19.º, n.º 1, de dispor de meios para angariar comprador, com vista à realização do negócio mediado. A partir deste segmento normativo podemos estabelecer uma específica relação de causa-efeito entre a conclusão do negócio e o dever do cliente/direito de remuneração da mediadora, porquanto aquela causa é geradora destes efeitos. A propósito do nexo de causalidade propriamente dito o Código Civil estipula no seu artigo 563.º que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A propósito tem sido encontrado neste normativo um nexo de causalidade adequada, ou seja, que os acontecimentos têm a aptidão e a propensão para produzir certo resultado – ainda que tal comando legal possa ser uma “fórmula vazia” para algumas situações mais complexas, a necessitar de uma interpretação integrativa. No entanto, nada impede que o evento inicial se insira com outros eventos sucessivos num processo causal conducente a certo efeito ou resultado correspondente a um prejuízo.
A jurisprudência tem considerado que “Nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada, constante do citado art. 563.º do Código Civil” (Ac. STJ 27/abr./2017, Cons. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, www.dgsi.pt ). Assim, nem todos os acontecimentos serão causa, mas apenas aqueles que forem adequados a gerar o evento. Mas quando é que tal ocorre? Para o efeito consideramos que deve haver uma causa suficientemente forte entre o evento e o efeito produzido, podendo aquela ser remota ou mais próxima deste último. Também não é necessário que existe apenas uma causa factual única, podendo existir uma pluralidade de causas factuais, da responsabilidade de agentes distintos, porquanto o relevante é que cada evento seja uma causa factual constitutiva conexionada com as demais, de modo que a sua conjugação produza certo efeito ou consequência.
Em suma, podemos dizer que existe uma “causa imputável ao cliente” gerador do dever deste remunerar o agente de mediação imobiliária e do direito deste receber, quando o evento criado pelo cliente seja uma causa factual suficientemente forte, remota ou mais próxima, que obste à conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
No caso em apreço o que ocorre é que tendo a A. angariado interessados na compra do imóvel, os quais preencheram uma ficha de reserva para a compra e venda do mencionado imóvel pelo valor de €110.000,00, os segundos teriam que solicitar e obter um empréstimo bancário para pagamento daquele montante, porquanto não dispunham de fundos suficientes para, só por si, pagarem o mencionado preço. E tanto é assim que os mesmos interessados quando subscreveram essa ficha de reserva não “avançaram” com qualquer quantia monetária “como reserva e princípio de pagamento do preço da fracção ... do prédio ...” como se refere nesse mesmo documento. Assim, neste contexto de manifesta insuficiência de fundos por parte dos potenciais interessados, assume particular relevância saber se os mesmos iriam obter esse financiamento bancário ou estavam em condições de o obter. E tal ónus de alegação, como de prova, pois é um facto essencial constitutivo do direito de remuneração da empresa de mediação imobiliária, sempre caberia a esta realizar. Ora, de acordo com a factualidade provada e mesmo atendendo àquela inicialmente alegada – e atendemos apenas aos factos e não a conclusões como são as constantes nos itens 15.º e 16.º da petição inicial – não resulta sequer alegado que os interessados iriam obter esse financiamento bancário ou estavam em condições de o obter, não bastando concluir que os mesmos “iniciaram, ..., diligências no sentido de obter o competente crédito bancário para financiar a aquisição”. Deste modo, não se pode dizer que a desistência do R. B… em querer vender o imóvel ao tais interessados – porquanto a R. D… teve sempre e tem a intenção de vender, seja a quem for – tenha sido a causa da não realização do contrato de compra e venda do imóvel àqueles interessados. Assim, não basta que os interessados preencham um ficha de reserva, é necessário que os mesmos reúnam as condições financeiras para realizar o correspondente negócio e só por causa imputável aos clientes do agente de mediação imobiliária tal negócio não se venha a realizar. Daí que esta ação estivesse sempre condenada ao fracasso, independentemente do reexame dos factos anteriormente suscitados.
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Na procedência do recurso, as custas ficam a cargo da parte vencida, o mesmo sucedendo com as custas da ação – 527.º, n.º 1 do NCPC.
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No cumprimento do disposto no artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, delibera-se conceder provimento ao recurso interposto por B… contra C… Unipessoal, Lda. e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se o réu do pedido formulado pela autora contra aquele.

Custas desta apelação e da ação, na sua totalidade, a cargo da autora.

Notifique

Porto, 10 de julho de 2019
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço
Judite Pires