Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA MIRANDA | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE CESSAÇÃO ANTECIPADA DA EXONERAÇÃO DOLO CULPA GRAVE | ||
Nº do Documento: | RP202407101016/16.0T8STS.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Durante o designado período da cessão, o devedor, além do mais, fica obrigado a informar o fiduciário sobre os seus rendimentos e património, na forma e no prazo que lhe seja estipulado, e principalmente deve entregar ao fiduciário, mensalmente, o seu rendimento disponível. II - A cessação antecipada da exoneração do passivo restante pressupõe a violação dolosa ou com grave negligência de alguma das obrigações que são impostas ao devedor pelo artigo 239.º, n.º 4 do CIRE, no decurso do período da cessão, prejudicando, por esse facto, a satisfação dos créditos da insolvência. III - A falta de entrega injustificada do rendimento disponível durante um longo período de tempo, apesar das notificações dirigidas ao devedor para esse efeito, consubstancia uma conduta omissiva dolosa ou pelo menos gravemente negligente, causadora de prejuízo no património dos credores que deixaram de receber, parcialmente, o valor que lhes era devido. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1016/16.0T8STS.P1
Relatora: Anabela Andrade Miranda Adjunta: Márcia Portela Adjunto: João Ramos Lopes * Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I—RELATÓRIO AA requereu a declaração de insolvência bem como a exoneração do passivo. Por sentença proferida em foi declarada a insolvência e proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante. O Fiduciário pugnou pela recusa da concessão da exoneração do passivo restante ao Insolvente, nos termos do disposto no n.º 2 do referido artigo, atendendo a que incumpriu com os deveres a que se encontrava adstrito no período de cessão, nomeadamente os determinados nas alíneas a) e c) do n.º 4 do artigo 239.º do CIRE, sendo que, notificado para regularizar o incumprimento, o Insolvente nada disse ou fez. * O tribunal decidiu recusar a exoneração do passivo restante atento o comportamento culposo do requerente, ao longo de todo o período de cessão. * Inconformado com a decisão, o Insolvente interpôs recurso finalizando com as seguintes Conclusões 1.º-Apresentou-se o aqui Recorrente à insolvência, peticionando que lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante, nos termos do artigo 236.º Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante C.I.R.E.). 2.º-Declarando que preenchia todos os requisitos e que se dispunha a observar todas as condições necessárias para que lhe fosse concedida a citada exoneração, tendo-lhe sido diferido o pedido de exoneração do passivo restante, como rendimento indisponível o valor correspondente a 1 salário mínimo e 2/3. 3.º-Porém, vem agora, através de Despacho do qual se recorre, o Tribunal a quo decidir da cessão antecipada da exoneração do passivo restante, por alegada violação do disposto no artigo 243.º e 244.º do CIRE. 4.º-Portanto, e tendo em conta a situação socioeconómica do insolvente, o montante necessário para assegurar o sustento minimamente digno da mesma foi o equivalente a um salário mínimo nacional e dois terços - valor que deverá ser excluído dos rendimentos que o insolvente venha a auferir e que devem ser entregues ao fiduciário, nos termos do artigo 239.º n.º 2 e n.º 3 do C.I.R.E.. 5.º-Ora, vem agora, o Tribunal a quo decidir da cessação antecipada da exoneração do passivo restante por, alegadamente, a insolvente violar o disposto no artigo 243.º e 244.º do CIRE. 6.º-Porém, e conforme resulta dos próprios autos, na verdade, o insolvente sempre colaborou com o Fiduciário, no sentido de fornecer todos os elementos necessários à elaboração dos relatórios anuais e, 7.º-Entregando valores à Massa Insolvente consoante as suas possibilidades. 8.º-Na opinião do aqui recorrente, tal Despacho que agora se recorre não pode proceder, 9.º-Foi declarada a cessão antecipada da exoneração do passivo restante por, alegadamente, o insolvente, ora recorrente, não ter entregue os valores a título de subsídio de férias e de natal. 10.º-Sendo entendimento da maioria dos Tribunais que tais valores têm obrigatoriamente de ser entregues. 11.º-Certo é que o recebimento de tais valores consubstanciam um direito constitucional, consagrado no artigo 59.º, n.º 2 al d) da Constituição da República Portuguesa. 12.º-Refere tal dispositivo legal: “1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;”. 13.º-Não podem assim as disposições do CIRE sobreporem-se à Constituição da República Portuguesa, penalizando ainda mais o insolvente. 14.º-Assim, deve o fiduciário excluir os valores correspondentes aos subsídios e apresentar contas no sentido de apenas constar quantias que ultrapassem um ordenado mínimo e dois terços. 15.º-Porque incluir esses valores para entrega à fidúcia é violar o disposto no artigo 59.º, n. 2 al d) da CRP. 16.º-Não existindo assim, e na opinião do aqui insolvente, qualquer fundamentação para a cessação antecipada da exoneração do passivo restante. 17.º - Em face do exposto, não pode o Recorrente conformar-se com o despacho proferido pelo Tribunal a quo, por entender que o mesmo viola, para além de outros, o disposto nos artigos 239.º n.º 3, 243.º e 244.º do C.I.R.E. e 1.º e 59.º. n.º 2 al. d) da C.R.P., pretendendo assim que aquele despacho seja revogado e substituído por outro que determine a concessão da exoneração do passivo restante. 18.º - O insolvente/recorrente beneficia de apoio judiciário na dispensa total, conforme comprovativo de deferimento junto aos autos principais. * II—Delimitação do Objecto do Recurso A questão principal decidenda, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber se o insolvente violou os deveres que lhe incumbiam e que justificam a cessação antecipada da exoneração do passivo. * III—FUNDAMENTAÇÃO -Em 26.01.2021 (referência 37844924), o Sr. Fiduciário veio informar que: 1. “O Despacho inicial sobre a Exoneração do Passivo Restante foi proferido em 21.07.2016, reportando-se assim o início do período à data do trânsito em julgado. 2. Nas anuidades de 2016/2017 e 2017/2018, não houve lugar à cessão de qualquer valor à Fidúcia. 3. Na anuidade de 2018/2019, foi cessionado á Fidúcia o valor de 150.00€, respeitante a entregas de 50.00€ em 08.11.2018 e 100.00€ em 10.05.2019. 4. Já na anuidade em curso, de 2020/2021, mais precisamente em 14.09.2020, foi cessionado apenas o valor de 50.00€, valor que constará do Relatório a efectuar, a final da presente anuidade. a. Não tem assim razão a Ilustre Mandatária do Devedor, quando refere que aquele cessionou à Fidúcia 200.00€, quando muito bem acaba por referir que a entrega de 50.00€ foi feita em Setembro de 2020 e que assim constará do Relatório da anuidade de 2020/2021, em curso. 5. O arto. 239º. do CIRE, refere-se às obrigações do Devedor a quem tenha sido concedido Despacho Inicial sobre a Exoneração do Passivo Restante, designadamente, dispondo na alínea c) do seu no 4, que é obrigado a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão, sendo que tal não vem sendo cumprido desde início, como referido nos relatórios já apresentados. 6. Mais dispõe o art. 239.º do CIRE, no seu nº 3, que integram o rendimento todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão das situações previstas nas alíneas a) e b), (i), (ii), (iii), verificando-se contudo que: a. Além dos valores antes referidos, num total, até esta data, de 200.00€, não foi feita acessão de qualquer valor respeitante aos subsídios de Férias e de Natal, dos anos de: 2017 (Natal); ii. 2018 (Férias e Natal); iii. 2019 (Férias e Natal); iv. 2020 (Férias e Natal); b. Mais se verifica que, Relativamente a IRS: Relativamente ao ano de 2015, cuja declaração terá sido entregue em data anterior à declaração da insolvência, em 05.05.2016, mas da qual não foi entregue cópia, nem da declaração nem da nota de liquidação, desconhece-se se houve lugar a reembolso ou valor a pagar, sendo que, a ter havido lugar a reembolso após a declaração da insolvência, antes ou depois de proferido o Despacho Inicial sobre a Exoneração do Passivo Restante foi proferido em 21.072016, o valor do mesmo teria que ter sido entregue ao Al. ou ao Fiduciário. ii. Relativamente ao IRS de 2016, foi entregue cópia da nota de liquidação, verificando-se ter havido lugar ao reembolso de 1.479.00€, cujo valor não foi entregue á fidúcia. iii. Relativamente ao ano de 2017, não foi entregue cópia da declaração nem da nota de liquidação, desconhecendo-se se houve lugar a reembolso ou valor a pagar. iv. Relativamente ao ano de 2018, foi entregue cópia da declaração e nota de liquidação, verificando ter havido lugar ao reembolso de 1.887.17€, cujo valor não foi entregue á fidúcia. v. Do ano de 2019 foi recebida cópia da nota de liquidação, da qual consta um valor de reembolso de 1.661.52€, cujo valor igualmente não foi entregue à fidúcia. vi. Relativamente ao ano de 2020, a entrega da declaração de IRS, será realizada de 1 de Abril a 30 de Junho, pelo que, aquando da elaboração do relatório da anuidade em curso, já deverá ter sido recebida a cópia da declaração e da liquidação, verificando-se da existência ou não de valor a reembolsar, sendo que, havendo, deverá ser entregue à fidúcia. 7. Os valores em falta, dizem respeito aos reembolsos de IRS, bem como aos subsídios de Férias e de Natal, até à actualidade, sem deixar de se ter em conta os valores efectivamente cessionados, que totalizam apenas 200.00€. 8. Em face do exposto, e atento ao facto de não terem sido facultados elementos sobre as declarações de rendimento, em sede de IRS, do ano de 2015, entregue em 2016, e do ano de 2017, e por forma a conseguir-se apurar os valores em falta, a. Requer que se digne V. Exa. Mtmo/a. ordenar ao Serviço de Finanças que informe, relativamente ao Insolvente AA, NIF ...: Se foi entregue Declaração de IRS relativamente ao ano de 2015, e em caso afirmativo, seja facultada cópia da mesma e da respectiva nota de liquidação; ii. Se o em causa intervém como beneficiário ou herdeiro em algum processo de Herança, e em caso afirmativo, sejam facultadas informações sobre o processo, designadamente o nome do/a Cabeça de Casal, NIF da herança, cópia da participação à AT e do respectivo Inventário e demais documentos do processo. Sendo o que tem a informar e a requerer, ED.” -Em 19.12.2022 (referência 44193754), o Sr. Fiduciário veio informar que: Em 06.10.2022, em mapa resumo em anexo ao mesmo, àquela data, encontrava-se em falta o valor de 13.231.11€, sem contar com eventual reembolso de IRS relativo à anuidade de 2020/2021. 2. Também como informado, o Devedor tem vindo a efectuar ocasionalmente algumas entregas (Nov./2018=50,00€; Maio/2019=100,00€; Set./2020=50.00€; Fev./2021=80,00€; Meses 3, 4, 5 e 6/2021=50+50+50+50€; meses 1 e 2./2022=50+50€; meses 4, 5 e 6/2022€=50+50+50€), meses 8, 9 e 10, 11 e 12/2022=50+50+50+50+50€), no total de 980.00€. -Em 27.02.2023 (referência 44840807), o Sr. Fiduciário veio informar que: -Em 26.04.2023 (referência 447730994) foi proferido o seguinte despacho: “Atentas as razões invocadas pelo devedor, a posição manifestada pelo Sr. Fiduciário e a não oposição dos credores, face ao despacho proferido em 14.02.2023 (referência 445223037), concedo o prazo adicional de seis meses, sendo o último para o efeito, para proceder ao pagamento da quantia total em divida à fidúcia, sob pena de se mostrarem preenchidos os elementos objetivo e subjetivo para a recusa do benefício de exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artigo 243.º n.º 1, alínea a) do CIRE.” -Em 22.01.2024 (referência 47735867), o Sr. Fiduciário veio informar: “O Insolvente desde a notificação, com a referência 446316884 de 15.03.2023, entregou mais 500,00, ou seja, todos os meses tem cedido 50,00€, encontrando-se assim em falta 11.551,11€, valor que, a ser pago a 50,00€ por mês, só se encontrará liquidado daqui a 19 anos, o que se mostra incompatível com o espírito que levou ao estabelecimento da ...., Motivo pelo qual o Fiduciário, é de entendimento que perante tal situação, deve ser proferido Despacho de cessação da Exoneração do Passivo Restante.” Com cópia da informação do Sr. Fiduciário e na sequência do despacho proferido em 26.04.2023 (referência 447730994), como derradeira oportunidade, com cópia do requerimento do Sr. Fiduciário, notifique o insolvente, por carta simples e registada nas moradas constantes dos autos e a sua mandatária para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias, tendo em conta as obrigações previstas no nº 4 do art. 239º do CIRE. Mais deverá, no mesmo prazo, juntar aos autos comprovativos que atestem do cumprimento das suas obrigações supra aludidas (mormente proceder à entrega do montante de € 11.551,11 (onze mil, quinhentos e cinquenta e um euros e onze cêntimos) por conta dos valores que deveria ter cedido no decorrer dos anos de cessão), sob pena de se mostrem preenchidos os elementos objetivo e subjetivo para a recusa do benefício de exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artigo 243.º n.º 1, alínea a) do CIRE. Prestada pelo insolvente qualquer informação aos autos, notifique os credores e o Fiduciário – art.º 243.º, n.º 3 do CIRE.” O devedor veio informar em 05.03.2024 (referência 48179251) que: tem depositado o valor mensal de 50,00 € (cinquenta euros) conforme refletem os documentos juntos em tal requerimento. É este o valor que o mesmo consegue dispor mensalmente para pagamento dos valores em dívida, contribuindo assim para a diminuição do valor em falta. O insolvente tem consciência do valor que tem de entregar. Contudo, continua em situação económica difícil. Neste momento padece de alguns problemas de saúde aos quais não consegue fazer face uma vez que não tem meios económicos para tal. Requer o insolvente que o Sr. Administrador fixe um valor mensal (razoável) para a entregue dos valores em falta. Foi proferido despacho em 06.03.2024 (referência 457684538), nos seguintes termos: “Referência 48179251: Tomei conhecimento. Considerando as oportunidades concedidas ao devedor, bem patentes no despacho proferido em 26.04.2023 (referência 447730994), indefiro o requerido. Considerando o despacho proferido em 12.02.2024 (referência 456818355), não tendo entregue a quantia em falta, cumpra-se o disposto no art.º 244.º/1 do CIRE. Prazo: cinco dias. Junte CRC atualizado do devedor.” * IV-DIREITO O tribunal a quo decidiu determinar a cessação antecipada da exoneração do passivo restante com fundamento na falta de entrega ao fiduciário, ao longo dos anos do período de cessão, das quantias monetárias referentes ao rendimento disponível. O Recorrente insurgiu-se contra esta decisão que declarou cessada, antecipadamente, a exoneração do passivo por considerar que não está obrigado a entregar os subsídios de férias, invocando, para tanto, a constituição da República Portuguesa. A lei permite ao insolvente, pessoa singular, requerer que lhe seja concedida a exoneração do passivo restante que consiste na desvinculação dos créditos que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste (cfr. art. 235.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas –CIRE-alterado pela Lei n.º 9/2022 de 11/01). Trata-se de uma medida especial de protecção do devedor pessoa singular que não representa grande prejuízo para os credores uma vez que os créditos já representavam um valor insignificante, dada a situação económica do devedor.[1] Não havendo motivo para indeferimento liminar, é proferido despacho inicial a determinar que, no referido período de três anos da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a uma entidade designada por fiduciário (cfr. art. 239.º, n.º 2 do CIRE). Na perspectiva de Catarina Serra[2] “não pode deixar de se associar o despacho inicial e a subsequente abertura do procedimento da cessão à concessão da liberdade condicional por bom comportamento-uma espécie de período experimental em que, se tudo correr bem, terá lugar a libertação definitiva do sujeito.” Ora, se assim não suceder, o juiz deve recusar a exoneração, antes de terminado o período de cessão, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se ainda estiver em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando o devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos da insolvência (art. 243.º, n.º 1, al. a) do CIRE) Durante o período da cessão, segundo as alíneas a) e c) do n.º 4 do art. 239.º do CIRE, o devedor fica obrigado nomeadamente a informar o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que lhe isso lhe seja requisitado e a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão. A obrigação de entrega do rendimento ao fiduciário deve ser cumprida imediatamente, o que não aconteceu até à data em que foi proferida a decisão impugnada, ou seja, após terem decorridos três anos a contar da determinação judicial de exoneração do passivo restante. Nesta matéria, tem sido entendido que é exigida a demonstração de uma situação grave susceptível de conduzir, de forma segura, a um juízo de censura, a título de dolo ou de grave negligência, e à conclusão de que a actuação do devedor em causa prejudicou os interesses dos credores. A lei exige ainda como requisito da cessação antecipada do procedimento de exoneração que a violação das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º do CIRE prejudique a satisfação dos créditos da insolvência. A jurisprudência[3] tem ainda reconhecido que, ao contrário da revogação da exoneração em que se exige a prova de que a violação das obrigações do devedor prejudicou de forma relevante a satisfação dos credores da insolvência (cfr. art.º 246.º), na cessação antecipada basta que cause prejuízo aos credores. No caso em apreciação, afigura-se-nos manifesto que ocorreu uma violação grave do dever de entrega mensal do rendimento disponível ao fiduciário. Logo nos dois primeiros anos, nas anuidades de 2016/2017 e 2017/2018, não foi entregue qualquer valor, na anuidade de 2018/2019, apenas foi recebido pelo fiduciário o valor de 150.00€, respeitante a entregas de 50.00€ em 08.11.2018 e 100.00€ em 10.05.2019. Na anuidade 2020/2021, apenas em 14.09.2020, foi cedido o valor de 50.00€. Não entregou os subsídios de férias e de natal nem os reembolsos de IRS. Recentemente, em 22.01.2024, o fiduciário informou que se encontra em falta o montante total de 11.551,11€. Como se referiu na decisão, o valor em dívida é muito alto (11.551,11 €) e pese embora a advertência clara e expressa para regularizar a situação, no prazo de seis meses, apenas entregou a quantia de 500,00 €., sem apresentar motivos que justificasse esta omissão pois apesar de ter alegado alguns problemas de saúde não juntou documento comprovativo. Deste quadro factual, resulta que o devedor, com a sua conduta omissiva de não entrega do rendimento disponível, violou culposamente, ao longo do período da cessão, o dever previsto na alínea c) do n.º 4 do art. 239.º do CIRE, prejudicando, em consequência dessa situação, a satisfação dos créditos reclamados no processo de insolvência. A circunstância do Insolvente, não ter cumprido com o dever que se encontrava adstrito, sem apresentar justificação plausível, integra um comportamento censurável, pelo menos a título de negligência grave, e consequentemente, determina a cessação antecipada da exoneração do passivo. O argumento no sentido de que não tinha obrigação legal de entregar os subsídios de férias não pode ser agora invocado atendendo a que a decisão que fixou o valor do rendimento indisponível transitou em julgado e mesmo que fosse acolhido, não tinha utilidade para reverter o sentido da decisão porquanto continua patente um comportamento omissivo, qualificável de grave, que se traduziu, ao longo dos anos, no incumprimento de entrega das demais quantias do rendimento disponível. De qualquer modo, sempre se dirá que a integração dos subsídios de férias e de natal no rendimento disponível constitui a orientação predominante da jurisprudência e não viola a Constituição da República Portuguesa, ao contrário do defendido pelo Insolvente uma vez que não está em causa a impossibilidade de recebimento de tais quantias mas sim a entrega da parte considerada disponível pelo tribunal. Em suma, o Insolvente não se esforçou, a nível financeiro, no sentido de diminuir o prejuízo dos credores, revelando, dessa forma, não ser merecedor deste benefício, sendo que tinha o dever de ajustar as despesas ao rendimento indisponível correspondente ao salário mínimo nacional e 2/3. Por todas estas razões, impõe-se a confirmação da decisão. * V-DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, e em consequência, confirmam a decisão. Custas pelo Insolvente sem prejuízo do benefício de apoio económico. Notifique. |