Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
875/18.7TXPRT-H.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA NATÉRCIA ROCHA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
RECORRIBILIDADE PELO RECLUSO DA DECISÃO SOBRE O PEDIDO DE CONCESSÃO DE SAÍDA JURISDICIONAL
Nº do Documento: RP20250226875/18.7TXPRT-H.P1
Data do Acordão: 02/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA ARGUIDA.
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A partir dos elementos de ordem literal e sistemática, somos levados a concluir que o CEP não prevê a recorribilidade pelo recluso da decisão que defira ou indefira o pedido de concessão de saída jurisdicional, pois parece-nos não poder entender-se que aquela decisão se encontra abrangida pela previsão da norma do artigo 179.º, dada a autonomia substantiva e processual da adaptação à liberdade condicional.
II - Do ponto de vista substantivo, a licença de saída jurisdicional não se reconduz à figura da liberdade condicional. A licença de saída jurisdicional é uma medida individual de reinserção social exequível em fase de execução da pena de prisão, que visa a manutenção e promoção de laços familiares e sociais e a preparação do recluso para a vida em liberdade.
III - Ora, não havendo norma expressa no CEP que preveja o recurso pelo recluso– de forma direta ou por remissão – da decisão que conhece do pedido de concessão de licença de saída jurisdicional, temos que concluir que aquela decisão é irrecorrível por força da regra ou princípio geral previsto no CEP em matéria de recursos.
IV - Embora se reconheça que o recluso tem um interesse juridicamente protegido na concessão da licença, o direito ao recurso expressamente referido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa não exige a possibilidade de impugnação de toda e qualquer decisão proferida ao longo do processo, impondo apenas que necessariamente se assegure um segundo grau de jurisdição, relativamente às decisões condenatórias e àquelas que afetem direitos fundamentais do arguido, designadamente a sua liberdade.
V - Na situação vertente, o direito de impugnação por via jurisdicional não é suprimido, apenas assume a particularidade de o mesmo estar deferido ao Ministério Público, que, por força do seu estatuto legal, está vinculado a agir em nome do arguido sempre que a natureza e as circunstâncias próprias do caso assim o imponham, a pedido deste ou por iniciativa própria.

(Sumário da inteira responsabilidade da relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 875/18.7TXPRT.P1

Tribunal de origem: Tribunal de Execução de Penas do Porto– Juiz 5 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto







Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:



I. Relatório:

Por decisão proferida no Tribunal de Execução das Penas do Porto – Juízo de Execução das Penas do Porto – Juiz 5, foi indeferido o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional requerido pela recorrente condenada AA.

Não se conformando com a decisão recorreu a condenada AA para o Tribunal da Relação do Porto, nos termos e com os fundamentos que constam dos autos, que se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos, terminando com a formulação das seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida nos presentes autos por Ata de 04ABR2024, que, de forma tabelar e por escolha de frases pré inscritas, selecionou e assinalou «Não conceder a requerida licença de saída jurisdicional por, dadas as evidenciadas circunstâncias do caso, (…) a sua situação jurídico-penal não se mostrar ainda totalmente definida, em função da existência de processo(s) pendente(s) de decisão final; carecer de inverter/consolidar o seu percurso pessoal/prisional atenta a sua apurada evolução no decurso da execução da pena.»
II. A decisão, contraditória em si mesma por não permitir ao intérprete compreender o seu teor nem o percurso lógico efetuado para ali chegar, padece de vício de nulidade que vai invocado.
III. A Recorrente encontra-se em Regime Aberto há mais de 26 meses, tem contrato de trabalho e trabalha na cozinha da messe da Guarda Prisional, cargo que dispensa apresentações.
IV. Pelo que não vislumbra, nem a decisão lhe transmite, o que inverter/consolidar nos seus percursos, seja o pessoal seja o prisional.
V. Pelo Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional n.º652/2023 foi declarada «inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, n.º2, e 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade do despacho que indefira liminarmente o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional com fundamento na verificação de que a situação jurídico-penal do recluso não se encontra estabilizada; »
VI. Quanto à existência de um processo pendente, louvamo-nos com a devida vénia do referido Acórdão do TC, que a este respeito diz muito acertadamente: «entende-se que a falta de estabilização da situação jurídico-penal do recluso – situação que pode perdurar durante um período significativo – não implica, sempre e só por si, a impossibilidade de apreciação das condições legalmente previstas. Poderá projetar-se nelas com maior ou menos intensidade, poderá até inviabilizá-las, mas trata-se de um juízo casuístico, a ponderar perante as incidências concretas, e não de forma a transformar a falta de estabilização da situação jurídico-penal do recluso numa cláusula geral de indeferimento (ainda que sob as vestes de a decisão de “ficar a aguardar” sem prazo) que a lei não previu, no que substancialmente se aproxima de uma abstenção de decisão, gerando uma situação de desproteção do recluso especialmente carecida de tutela por via de recurso. »
VII. No referido processo pendente, a Arguida não foi sujeita a qualquer medida de coação para além do Termo de Identidade e Residência.
VIII. Pelo que se impõe o controlo desta decisão tabelar por Tribunal Superior.
Disposições legais violadas
• Artigo 78.º do CEPMPL
• Artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa
Termina pedindo seja concedido provimento ao recurso, e em consequência, seja o despacho recorrido revogado.

O recurso não foi admitido por despacho de 08.05.2024 com fundamento de se tratar de uma decisão irrecorrível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 235º, n.º 1 e 196.º, n.º 1 e 2, ambos do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

A condenada/reclusa AA reclamou da não admissão do recurso nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, invocando, em síntese, que está em causa a sua liberdade ao ponto de reclamar um reforço de tutela jurisdicional no plano do direito ao recurso e que a norma contida no artigo 235.º do CEPMPL, na interpretação segundo a qual não é recorrível a decisão que indefere o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional, viola o direito à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º, n.º 1 e no n.º 1 do artigo 32.º, ambos da CRP.

Neste Tribunal da Relação do Porto, pela Exm.ª Sra. Vice Presidente do Tribunal da Relação do Porto, com poderes delegados, foi julgada procedente a reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º, do Código de Processo Penal, com a consequente revogação do despacho reclamado, por se ter entendido que “O despacho de que se pretende recorrer põe em causa diretamente a colocação do recluso em liberdade temporária não custodiada nos suprarreferidos termos ainda que por um período de tempo muito curto, mas periodicamente.
Assim, entendemos que a decisão proferida apelo TEP é recorrível, por afetar direitos fundamentais do condenado e a sua irrecorribilidade, tal como sufragado pelo tribunal a quo, ser suscetível de violar o princípio da tutela jurisdicional efetiva artigo 20.º da CRP. Concluindo-se, assim, que também o recluso deve ter legitimidade para recorrer da decisão que lhe negou a licença de saída jurisdicional, para efeitos do artigo 196.º do CEP, o que vai ao encontro da regra geral do art.º 399.º do CPP. (…)”.

A 11.07.2024 foi proferido pelo Tribunal a quo o seguinte despacho de admissão do recurso:

A reclusa AA, identificada nos autos, veio recorrer da decisão proferida em 4/4/2024, através da qual foi indeferido requerimento para concessão de licença de saída jurisdicional por si subscrito.
Na sequência da decisão proferida pela (Vice-)Presidência do Tribunal da Relação do Porto, cabe proferir despacho de admissão do recurso interposto no contexto do regime legal em vigor.
Como já se disse no despacho de não admissão do recurso anteriormente proferido nos autos, dispõe o artigo 235.º, n.º 1, do CEP, que “das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei”, princípio que constitui uma especialidade em relação ao consagrado na lei processual penal geral (artigo 399.º do CPP). E das disposições conjugadas desse artigo e do artigo 196.º, n.º 1 e n.º 2, também do CEP, resulta que o recluso não pode interpor recurso da decisão em causa, remetendo-se para tudo o mais que ficou dito no apontado despacho de não admissão do recurso.
O cumprimento, em todas as suas necessárias dimensões jurídicas, da acima aludida decisão proferida pela (Vice-)Presidência do Tribunal da Relação do Porto:
a) por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva inscrito no artigo 20.º da CRP e do direito ao recurso estabelecido no artigo 32.º, n.º 1, da mesma lei fundamental, recuso a aplicação das normas contidas nos artigos 196.º, n.º 1 e n.º 2, e 235.º, n.º 1, ambos do CEP, interpretadas no sentido da irrecorribilidade do despacho decisório que, conhecendo do mérito da causa, indefira o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional;
b) em consequência, afigurando-se ser tempestivo e conter motivação e conclusões, admito o recurso interposto, o qual sobe imediatamente (artigo 238.º n.º 1, do CEP), nos próprios autos (à decisão recorrida não se seguirá, neste processo apenso e nesta instância, qualquer outra tendo por objeto a licença de saída jurisdicional requerida, pelo que assume o carácter de final no quadro da previsão do artigo 238.º, n.º 1, do CEP) e com efeito não suspensivo (ou meramente devolutivo – artigo 196.º, n.º 3, a contrario sensu, e 238.º, n.º 3, ambos do CEP)”.

Desta decisão de admissibilidade do recurso interposto pela condenada, veio o Ministério Público interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, em decisão sumária, decidiu pelo não conhecimento do objeto da causa.

Em 25.10.2024, foi ordenado pelo Tribunal a quo o cumprimento do disposto no artigo 411.º, n.º 6, CEP.

Ao recurso apresentado pela condenada respondeu o Ministério Público, conforme consta dos autos, concluindo, nos seguintes termos:
1.- O recurso versa a denegação de LSJ;
2.- nos termos conjugados do art.ºs 235.º e 196.º do CEPMPL as decisões que denegam a concessão de LSJ são irrecorríveis;
3.- a decisão em contrário, proferida em sede de reclamação da decisão que não admitiu o recurso, apenas vincula o Tribunal da primeira instância, mas já o Tribunal ad quem -art.º 405.º, n.º 4, do Cód. Proc. Penal;
sem prescindir:
4.- o recurso não concretiza onde, como e porquê conclui ser a decisão recorrida contraditória e impedir a compreensão do seu percurso lógico;
5.- o recurso limita-se a invocar pressupostos formais necessários à concessão da LSJ, consignados no art.º 77.º, olvidando os critérios gerais determinados no art.º 78.º, ambos do CEPMPL;
6.- omite a reclusa estar a cumprir a pena única de 8 Anos e 6 Meses pela prática de quatro crimes de falsificação ou contrafação de documento e três crimes de burla qualificada, apresentando antecedentes criminais pelo cometimento de 9 crimes de falsificação ou contrafação de documento e 12 crimes de burla, das quais 7 qualificadas, pelos quais foi sendo condenada em penas não privativas da liberdade e de estar, à data da não concessão da LSJ, já acusada da prática de dois crimes de acesso ilegítimo (entretanto condenada na pena única, ainda que não transitada em julgado, de 3 Anos e 2 Meses de prisão efetiva);
7.- este quadro evidencia:
falta de fundada expectativa de a reclusa vir a comportar-se de modo socialmente responsável, al. a) e a incompatibilidade da saída com a defesa da ordem jurídica e da paz social – art.º 77.º, nº 1, al.s a) e b) o CEPMPL e bem como são determinantes na decisão:
- as circunstâncias do caso, mormente a reiteração da prática de crimes, atento que a condenação reporta a crimes em que foi condenada em dois processos, e antecedentes criminais, - art.º 77.º, nº al.s e) e d), do mesmo Diploma;
8.- decorrente da situação jurídica que a reclusa apresenta, bem fundamentou a Mmª Juíza a decisão ora recorrida, consignando não conceder a requerida LSJ, por a situação jurídico-penal não se mostra ainda totalmente definida, em função da existência de processos(s) pendente(s) de decisão final, e carecer a reclusa de consolidar o seu percurso criminal e pessoal, atenta a apurada evolução no decurso da execução da pena;
9.- o Conselho Técnico foi unanimemente desfavorável à concessão da mesma.
10.- não se verifica violação do constitucionalmente consagrado direito ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, nem tão pouco de nenhuma das garantias de processo criminal igualmente consagradas na Lei Fundamental do País;
11.- decisão da qual a recusa reclama, não viola nenhum dos requisitos e critério gerais para a concessão de LSJ, definidos, como supra se menciona, no art.º 78º, do CEPMPL;
12.- o recurso, se não rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do art.º 420.º, do Cód. Proc. Penal, o que por mera hipótese se concebe, não merece provimento,
Termina pedindo seja rejeitado o recurso por manifesta improcedência ou, caso assim não se entenda, negado provimento ao recurso e, em consequência seja mantida a decisão recorrida.

Neste Tribunal de recurso foi pela Digna Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer pugnando pela não rejeição do recurso e pela improcedência do recurso apresentado pela reclusa.
Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.

Foi proferida decisão sumária rejeitando o recurso interposto pela condenada AA por irrecorribilidade da decisão.

Notificada da decisão sumária, veio a condenada reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no art.º 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, reiterando a sua posição defendida nas alegações de recurso, nomeadamente por estar em causa a sua liberdade.
Termina pedindo seja a reclamação atendida e, em consequência, seja apreciado o recurso interposto.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.

Fundamentos do recurso:
Questões a decidir no recurso:
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB. S1, 5ª Secção).

A questão prévia que importa conhecer:
Da admissibilidade do recurso interposto pela reclusa AA da decisão que indeferiu o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional requerido pela recorrente.

Descritas sumariamente as vicissitudes processuais relevantes, cabe, em primeiro lugar, apreciar da admissibilidade do presente recurso, sendo certo que, nos termos do disposto no artigo 405.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, a decisão no sentido da sua admissão, proferida no âmbito da reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º, do Código de Processo Penal, não vincula este Tribunal de recurso.
Nos termos da decisão proferida no âmbito da reclamação apresentada nos termos do artigo 405.º, do Código de Processo Penal, nos presentes autos, mas no apenso J (devidamente corrigido e indicado inicialmente, por lapso, como apenso K), que seguiremos de perto por concordarmos com a mesma, muito embora se debruce sobre o pedido de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, refere que o Código de Execução das Penas (CEP) pretende regular praticamente toda a matéria substantiva e processual relativa à execução das penas e medidas privativas da liberdade e apesar de deixar no Código Penal precisamente os institutos da liberdade condicional e da adaptação à liberdade condicional, contém a totalidade do regime processual especialmente regulador destas figuras, para além de regras próprias em matéria de recursos, incluindo o princípio geral contido no seu artigo 235º.
O processo que regula a concessão de licença de saída jurisdicional está previsto nos artigos 189.º a 192.º do CEP, os quais estão inseridos na Secção I do capítulo VI do Código, que regula a forma de processo designada de “Licença de saída jurisdicional”.
Nessa forma de processo, apenas está prevista, expressamente, a possibilidade de o Ministério Público recorrer da decisão que conceda, recuse ou revogue a licença de saída jurisdicional (art.º 196, n.º 1, CEP) e de o recluso apenas poder recorrer da decisão que revogue a licença de saída jurisdicional (n.º 2 do art.º 196.º, CEP)
O citado normativo legal não prevê, em momento algum, a possibilidade de haver recurso pelo recluso da decisão de não concessão da licença de saída jurisdicional.
A partir destes elementos de ordem literal e sistemática, somos levados a concluir que o CEP não prevê a recorribilidade pelo recluso da decisão que defira ou indefira o pedido de concessão de saída jurisdicional, pois parece-nos não poder entender-se que aquela decisão se encontra abrangida pela previsão da norma do artigo 179.º, dada a autonomia substantiva e processual da adaptação à liberdade condicional.
Do ponto de vista substantivo, a licença de saída jurisdicional não se reconduz à figura da liberdade condicional. A licença de saída jurisdicional é uma medida individual de reinserção social exequível em fase de execução da pena de prisão, que visa a manutenção e promoção de laços familiares e sociais e a preparação do recluso para a vida em liberdade.
Ora, não havendo norma expressa no CEP que preveja o recurso pelo recluso– de forma direta ou por remissão – da decisão que conhece do pedido de concessão de licença de saída jurisdicional, temos que concluir que aquela decisão é irrecorrível por força da regra ou princípio geral previsto no CEP em matéria de recursos.
No seu requerimento de interposição de recurso a recorrente invoca que a norma contida no artigo 235.º do CEP na interpretação segundo a qual não é recorrível a decisão que indefere o pedido de licença de saída jurisdicional viola o direito à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º, n.º 1 e no n.º 1 do artigo 32.º, ambos da CRP.
Não olvidamos o acórdão do TC n.º 598/2024, proferido em 24.09.2024 no processo n.º 504/2024, da 1.ª secção, relator José António Teles Pereira, que decidiu– embora com dois votos de vencido -: “a) julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, n.os 1 e 2, e 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade da decisão que não conceda a licença de saída jurisdicional”, acolhendo os fundamentos invocados no acórdão n.º 652/2023 do mesmo Tribunal constitucional, 1.ª Secção, de 10/10/2023 – citado pela recorrente nas suas motivações -, pelo qual se decidiu “[…] julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 196.º, n.º 2, e 235.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, interpretados no sentido da irrecorribilidade do despacho que indefira liminarmente o pedido de concessão de licença de saída jurisdicional com fundamento na verificação de que a situação jurídico-penal do recluso não se encontra estabilizada”.
Porém, conforme também já foi decidido pelo mesmo Tribunal Constitucional nos acórdãos números 560/2014 e 752/2014, ambos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt, consideramos que a inadmissibilidade de recurso da decisão que nega a licença de saída jurisdicional não implica “a violação do direito à liberdade protegido pelo n.º 1 do artigo 27.º da Constituição, da garantia consagrada no artigo 32.º n.º 1, nem tão pouco o princípio do Estado de Direito, acolhido no artigo 2.º, ou o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, todos da CRP”.
Na verdade, tendo por referência a fundamentação desses arestos do Tribunal Constitucional, que aqui se subscreve, considera-se não existir violação da Constituição relativamente aos artigos 196.º, n.º 2 e 235.º, ambos do CEP, ao não se admitir o recurso por inadmissibilidade legal, realçando-se apenas que no caso da concessão ou recusa da liberdade condicional (artigo 179.º) e da revogação ou não revogação da liberdade condicional (artigo 186.º) está em causa a questão da liberdade individual do recluso, enquanto no caso da licença de saída jurisdicional apenas está em causa uma forma de continuar a cumprir a pena de prisão em privação da liberdade.
Não há que confundir o estatuto jurídico constitucional do arguido em processo penal e o estatuto jurídico constitucional do condenado, mormente daquele em execução de pena de prisão. A licença penal não é um direito reconhecido aos reclusos e a apreciação da concessão da licença é casuística e depende do preenchimento dos requisitos previstos no n.º 1 do artigo 78.º Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.
Embora se reconheça que o recluso tem um interesse juridicamente protegido na concessão da licença, o direito ao recurso expressamente referido no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa não exige a possibilidade de impugnação de toda e qualquer decisão proferida ao longo do processo, impondo apenas que necessariamente se assegure um segundo grau de jurisdição, relativamente às decisões condenatórias e àquelas que afetem direitos fundamentais do arguido, designadamente a sua liberdade.
Na situação vertente, o direito de impugnação por via jurisdicional não é suprimido, apenas assume a particularidade de o mesmo estar deferido ao Ministério Público, que, por força do seu estatuto legal, está vinculado a agir em nome do arguido sempre que a natureza e as circunstâncias próprias do caso assim o imponham, a pedido deste ou por iniciativa própria.
Esta interpretação não atinge o princípio da igualdade nem contende com as exigências de imparcialidade ou significa uma limitação abusiva do acesso ao direito.
Recorde-se, ainda, a decisão proferida no âmbito da reclamação n.º 1487/12.4TXLSB-LL1, de 04.01.2024: “Para que o art.º 196.º, n.º 2, do CEPMPL, por confronto com o seu n.º 1, incorresse na violação dos princípios consagrados nos preceitos citados, necessário seria que existisse identidade de razões entre o recurso cometido ao Ministério Público e ao arguido.
Ora, uma tal identidade não existe, desde logo porque o processo penal não é um processo de partes, não representando o Ministério Público apenas o interesse punitivo do Estado, mas também a legalidade democrática e, nela, os interesses da defesa do arguido.
Atenta esta configuração da intervenção do Ministério Público, o legislador optou por lhe conferir um mais amplo direito de recurso, do que aquele que concede ao arguido, porventura certo de que o usará com mais parcimónia, necessária ao equilíbrio entre o exercício do direito ao recurso e a pragmaticidade da execução da pena, e certo também que, na perspetiva do recluso, não está diretamente em causa o seu direito à liberdade.”
Deste modo, não se perfilam razões para considerar que a interpretação normativa dos artigos 235.º e 196.º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade em apreciação, viola direitos fundamentais do recluso, mormente o direito a uma tutela jurisdicional efetiva e a um tratamento igualitário, assegurado pelo n.º 2 do artigo 20.º da Lei Fundamental e pelas demais disposições invocadas.
Razões essas que, à luz do texto legal, justificam a não admissibilidade do recurso interposto.


III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em rejeitar o recurso interposto pela condenada AA por irrecorribilidade da decisão.

Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça.

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Porto, 26 de fevereiro de 2025

(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)


Paula Natércia Rocha

Luís Coimbra

Maria do Rosário Martins