Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL SILVA | ||
Descritores: | PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS SERVIÇOS MÉDICO-DENTÁRIOS PRÓTESE DIREITO DE RETENÇÃO DOCUMENTO AUTÊNTICO | ||
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Nº do Documento: | RP202311231358/18.0T8PFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A violação do princípio da livre apreciação não integra uma nulidade da sentença, antes colidindo com o erro de julgamento quanto à matéria de facto. II - Perante um documento autêntico que não foi objeto de arguição de falsidade, o que dele consta como praticado ou presenciado pelo oficial público que o elaborou faz prova plena dos respetivos factos. Nessa medida, ele está subtraído à livre apreciação do tribunal, antes integrando o domínio da prova vinculada: art.º 607º nº 5 do CPC. III - Aquele que obteve a detenção duma coisa que deve entregar por meios ilegítimos, fica excluído da possibilidade de invocar o direito de retenção: al. a) do art.º 756º do CC. IV - Está nessa situação a conduta dum médico dentista que, sob o pretexto da necessidade de limpeza da prótese, convoca o paciente ao seu consultório, lhe retira a prótese, dizendo depois que só lha entrega mediante o pagamento em falta ou uma confissão de dívida. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 1358/18.0T8PFR.P1 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I – Resenha histórica do processo 1. AA instaurou ação contra A..., Lda e contra BB, pedindo a sua condenação solidária: ● a pagar-lhe € 31.516,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a citação; ● a pagar-lhe as despesas com o tratamento médico dentário a que o Autor vai ter que ser sujeito, cujo montante se deve apurar em sede de execução de sentença, acrescido dos legais juros de mora. Fundamentou tais pedidos alegando, em resumo, ter sido tratado nas Rés com a colocação de prótese com implantes, a qual foi efetuada de forma defeituosa e nunca corrigida, apesar de várias tentativas. Um dia, a solicitação das Rés, deslocou-se ao consultório, onde lhe foi retirada a prótese e lhe disseram que só a voltariam a colocar se assinasse uma confissão de dívida relativa a um valor superior ao acordado pelo serviço prestado. As Rés nunca mais lhe devolveram a prótese, pelo que o Autor permanece sem dentes, o que lhe acarreta danos na saúde. Em contestação, as Rés impugnaram motivadamente a factualidade alegada. Excecionaram ainda com “a falta de relação jurídica entre o Autor e a 1ª Ré”. Deduziram ainda reconvenção, pedindo a condenação do Autor no pagamento de € 3.750,00. Em síntese, alegaram terem existido 2 tratamentos distintos (um 1º, colocação prótese removível estabilizada numa barra retida em 2 implantes, € 1.500,00; um 2º, colocação de prótese fixa híbrida sobre 4 implantes, € 3.750,00); ambos os tratamentos foram corretamente efetuados; o Autor nunca pagou o 2º tratamento e foi ele quem se recusou (em consulta de reavaliação) a receber de volta a prótese. Mais suscitaram a intervenção principal provocada da B..., SA, o que foi deferido. Esta Interveniente contestou, invocando a sua ilegitimidade e a “inexistência do direito do Autor de acionar diretamente a Ré seguradora” (!). Impugnou também a factualidade alegada. Por despacho de 23/12/2021 foi julgada a ilegitimidade da B..., S.A., e, em consequência, absolvida da instância, Instruídos os autos, realizou-se audiência de discussão e julgamento. Em sentença, foi decidido: ● julgar a ação inteiramente improcedente e absolver as Rés dos pedidos; ● julgar a reconvenção inteiramente procedente e condenar o Autor no pagamento às Rés de € 3.750,00, acrescidos de juros de mora contados desde a citação. 2. Para assim decidir, foi considerada a seguinte matéria de facto: «Factos provados 1. O autor nasceu em .../.../1941.2. O autor é viúvo. 3. A primeira ré tem por objecto actividades de serviços prestados, principalmente às empresas diversas, nomeadamente, clínica de ortodontia e implantologia pós graduação, actividades de medicina dentária e odontologia, fabrico de material ortopédico e próteses. 4. A segunda ré é médica dentista. 5. O autor era tratado, pelo menos, havia dez anos, nas instalações da primeira ré, nomeadamente, pela segunda ré. 6. Antes do ano de 2016, o autor usava uma prótese removível acrílica. 7. Em meados do ano de 2016, a prótese do autor começou a ficar larga. 8. A segunda ré propôs ao autor duas soluções: a. A colocação de uma prótese fixa híbrida sobre 4 (quatro) implantes, com o valor global de €5.000,00; b. A colocação de uma prótese removível estabilizada numa barra retida em dois implantes, procedimento cujo custo ascende a €2.500,00. 9. O Autor optou pelo segundo procedimento supra mencionado. 10. A segunda ré informou o autor de que não se tratava de uma prótese fixa. 11. Sensibilizada com a situação sócio-económica do autor, a segunda ré cobrou por este tratamento € 1.500,00, valor com o qual o autor concordou, permitindo ainda o seu pagamento fraccionado. 12. A prótese foi executada e colocada em 17.09.2016. 13. O autor pagou o valor de € 1.500,00 nas seguintes prestações: a. € 500,00 em 17.09.2016; b. € 300,00 em 06.10.2016; c. € 300,00 em 16.11.2016; d. € 200,00 em 11.01.2017; e. € 200,00 em 09.03.2017. 14. Posteriormente, insatisfeito com a falta de estabilidade da prótese removível, o autor manifestou a intenção de avançar com a opção da colocação de uma prótese fixa híbrida sobre quatro implantes. 15. A segunda ré informou o Autor que era possível utilizar os dois implantes já colocados, apenas acrescentando outros dois, sobre os quais seria fixada a prótese híbrida. 16. Em consideração da situação económica do autor, a segunda ré propôs-lhe o preço de €3.750,00 por este segundo tratamento, o que o autor aceitou. 17. A segunda ré colocou ao autor mais dois implantes e a prótese híbrida em Março de 2017. 18. Posteriormente, o autor fez várias consultas com a segunda ré relacionadas com a prótese, que não pagou. 19. O tratamento protésico incluía as consultas de reavaliação. 20. O autor concordou com a colocação dos dois implantes. 21. A pedido da segunda ré, o autor deslocou-se à clínica em 28 de Fevereiro de 2018. 22. Dentro do consultório, a segunda ré retirou a prótese ao autor e pediu-lhe que aguardasse fora do consultório enquanto limpava a prótese e os implantes. 23. O autor pediu ao seu filho para se deslocar à clínica das rés, tendo este apresentado reclamação no livro de reclamações. 24. A Guarda Nacional Republicana foi chamada à clínica onde o autor se encontrava. 25. O autor foi embora sem a prótese e sem dentes na parte inferior da boca, não tendo regressado à clínica das rés. 26. O autor continua, desde Fevereiro de 2018, sem prótese. 27. Devido à falta de dentes na parte inferior da boca, o autor tem mais dificuldade em mastigar correctamente os alimentos. 28. Por não conseguir mastigar correctamente os alimentos, o autor alimenta-se predominantemente de alimentos líquidos e pastosos. 29. A colocação de nova prótese e implantes custaria, pelo menos, € 3.000,00. 30. O autor realizou um raio x - Ortopantomografia -, no dia 08.05.2018, o qual revela que apenas se encontram na boca do autor os implantes. 31. O autor gastou com o raio-x, tendo em vista apurar a sua situação posterior aos acontecimentos de 28 de Fevereiro de 2018, € 16,00. 32. O autor aufere uma pensão com o valor mensal de € 320,10. 33. A segunda ré utiliza o espaço da clínica da primeira ré para prestar os seus serviços. Factos não provados a. A segunda ré informou o autor de que, com a colocação da prótese removível, o problema da estabilidade ficaria resolvido para o resto da vida e não teria qualquer problema.b. A colocação da prótese removível, em 17.9.2016 agravou o problema da instabilidade da prótese. c. A partir de 17.09.2016, o autor passou a sentir dores fortes provocadas pela prótese removível colocada, do que informou a segunda ré. d. A colocação da prótese fixa sobre quatro implantes visou corrigir a má colocação da prótese anterior removível sobre dois implantes. e. As rés não solicitaram ao autor o pagamento de qualquer quantia pela colocação dos dois implantes adicionais, uma vez que a mesma era necessária apenas porque a colocação da primeira prótese tinha sido defeituosa. f. Quando o autor se encontrava na sala de espera, a segunda ré disse-lhe que só colocaria a prótese se ele assinasse uma confissão de dívida de valor superior a € 1.500,00, o que o autor recusou. g. O autor pediu várias vezes à segunda ré para lhe recolocar a prótese, mas a segunda ré recusou-se a fazê-lo. h. Posteriormente ao dia 28 de Fevereiro de 2018, o autor solicitou às rés a restituição da prótese. i. A dificuldade de mastigação prejudica o processo de digestão do autor. j. Devido à má digestão, o autor sente muitas vezes mau estar. k. Por não conseguir ingerir alimentos sólidos, o autor sente um desgosto muito grande, tendo perdido a vontade de conviver com outras pessoas. l. Porque todas as pessoas que se cruzam com o autor reparam que ele não tem dentes na parte inferior da boca, ele tem enorme dificuldade em sair de casa e relacionar-se com outras pessoas. m. O autor fica embaraçado e incomodado ao fazer refeições em público, uma vez que não tem dentes na parte inferior da boca e, com isso, tem dificuldade e demora a mastigar os alimentos. n. A dificuldade de mastigar faz com que o autor se engasgue com facilidade. o. O autor apresenta humor depressivo, pensamentos pessimistas, ansiedade e angústia devido à falta da dentição inferior. p. O autor evita sorrir e já criou tiques de defesa, como a colocação da mão permanentemente à frente da boca enquanto fala ou se ri. q. Devido à descrita situação ocorrida em 28 de Fevereiro de 2018 na clínica das rés, o autor deixou de confiar nos cuidados de saúde. r. O autor sente dor física insuportável e constante devido à falta da dentição inferior. s. A situação em que o autor se encontra foi premeditada pela segunda ré. t. A segunda ré sabia que era insustentável para o autor viver sem a prótese, apesar do que decidiu retirá-la só para o compelir ao pagamento. u. A colocação de nova prótese e implantes custaria, pelo menos, € 4.000,00. v. O autor pediu à segunda ré informação da marca dos implantes e do tipo de encaixe, mas esta recusou prestá-la. w. Sem tais informações, outros médicos dentistas nada podem fazer. x. A não utilização da prótese desde 28 de Fevereiro de 2018 implicará mais tratamentos do que apenas colocar uma nova prótese. y. A segunda ré adquiriu directamente os materiais que utilizou nos serviços prestados ao autor. 3. Inconformado com tal decisão, dela apelou o Autor, formulando as seguintes CONCLUSÕES: «I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a 09/05/2023 e notificada a 10/05/2023, que julgou a acção não provada e, consequentemente, improcedente, absolvendo as Ré dos pedidos formulados pelo Autor; bem como condenou no pedido reconvencional. II. O Recorrente não pode aceitar a sentença proferida, dado que entende que a mesma, além de não aplicar correctamente a lei à matéria de fato assente, a decisão nela proferida, representaria uma imoralidade e injustiça absolutamente inaceitável para o recorrente. III. A decisão proferida revela, sem prejuízo do indispensável respeito pelas decisões judiciais e Exmos. Magistrados que as proferem, falta de sentido de justiça, a qual, não aplicou correctamente o direito aos factos, negando a justiça devida ao recorrente, o qual se sente defraudado nas suas legítimas expectativas ao recorrer à justiça. IV. O Recorrente tem em vista, não apenas a interpretação e a aplicação da lei aos factos já dados como provados, mas, também, a reapreciação da prova produzida, documental e testemunhal, com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para e os efeitos do estatuído no artigo 662.º do C.P.C. V. Apesar de toda a prova documental, testemunhal e pericial produzida, o Tribunal de Primeira Instância o Tribunal a quo decidiu julgar a acção não provada e improcedente e o pedido reconvencional procedente. VI. No entanto, não se consegue compreender a decisão proferida, quando: a. A prova documental evidencia decisão diferente; b. A prova pericial evidencia decisão diferente; c. A prova testemunhal evidencia decisão diferente. VII. A manutenção da decisão em causa além de grosseiramente violadora da jurisprudência e do direito vigente, gera uma injustiça social, isto porque o Recorrente, actualmente com 82 anos, foi vítima de uma actuação danosa por parte das Rés, devido a erro médico e de actuação dolosa por violação das mais elementares regras éticas, violando, assim, os direitos do Autor como cidadão e como paciente. VIII. O Recorrente considera que foram indevidamente dados como provados os factos 8, 9, 10, 14, 15, 16 e 18 (este, na parte final). IX. O Recorrente considera que foram indevidamente dados como não provados os factos c., d., e., f., g., h., i., j., k., l., m., n., o., p., q., s., t., v., e., x. X. E são estes os factos provados que se pretendem ver alterados, nos termos do artº 640º do CPC, face às declarações de parte do autor; à prova documental produzida (documentos nº 3 e 4 juntos com a PI – “orçamento” e “listagem dos tratamentos de AA”– emitido pelas Rés e com a indicação manual do valor pago pelo Autor, bem como o valor a zeros de divida por parte do Autor; documento nº 5 junto com a PI – Auto da GNR do dia da ocorrência – onde consta expressamente que a Ré médica dentista afirmou perante os guardas que “No dia em causa o utente deslocou-se à clinica a pedido da Denunciante, Drª BB, o mandou sentar na cadeira e que iria lavar correctamente a prótese e os implantes, retirando tudo da boca do utente, depois de retirar informou o mesmo que só lhe colocaria os implantes e a prótese quando este fizesse o pagamento ou um acordo de pagamento devidamente assinado.” (…) O cliente AA informou que se deslocou à clínica porque a denunciante queria conversar com este e que depois o enganou e lhe tirou os implantes e a prótese. Declarou ainda que não devia nada porque as alterações ao orçamento inicial foi devido aos erros da denunciante. (…)”; documento nº 10 – queixa apresentada pelo Autor junto da Ordem dos Médicos Dentistas, em 2018, tudo de fls…), bem como pela prova pericial feita pelo IML a 19/05/2021, pela perita Drª CC e pela prova testemunhal, mormente as declarações de parte do Autor, a testemunha DD, a testemunha Guardas da GNR (EE e FF), a testemunha Drº GG (Presidente do concelho Deontológico da OMD), a testemunha Drª HH (relatora do processo disciplinar instaurado contra a 2ª Ré): a. Declarações de parte do Autor AA, inquirido no dia 10/11/2021, depoimento gravado através do sistema habilus media studio, duração de 00:00:01 a 00:57:57. b. DD, inquirido no dia 06/12/2021, depoimento gravado através do sistema habilus media studio, duração de 00:00:01 a 00:42:08. c. CC, perita do IML, inquirida no dia 10/11/2021, depoimento gravado através do sistema habilus media studio, duração de 00:00:01 a 00:35:45. d. FF, Guarda da GNR, inquirido no dia 06/12/2021, depoimento gravado através do sistema habilus media studio, duração de 00:00:01 a 00:13:18. e. EE, Guarda da GNR, inquirido no dia 06/12/2021, depoimento gravado através do sistema habilus media studio, duração de 00:00:01 a 00:12:07. f. GG, Presidente do Conselho de Deontologia da Ordem dos Médicos Dentistas, inquirido no dia 24/01/2022, depoimento gravado através do sistema habilus media studio, duração de 00:00:01 a 00:30:16. g. HH, relatora do processo disciplinar, inquirida no dia 24/03/2022, depoimento gravado através do sistema habilus media studio, duração de 00:00:01 a 00:22:05. XI. A testemunha II, funcionária da 2ª Ré, inquirida no dia 06/12/2021, depoimento gravado através sistema habilus media studio, duração de 00:00:01 a 00:49:05. É neste testemunho, segundo o Tribunal a quo apresentado de “forma circunstanciada e sem margem para dúvidas”, de “forma desapaixonada e objectiva”, que se baseou para fazer tábua rasa de toda a demais prova produzida e julgar a acção improcedente e o pedido reconvencional procedente. XII. O depoimento da II não devia ser valorado, dado que contém muitas incertezas, a mesma não revela segurança no que diz e contradiz-se diversas vezes, sendo evidente que “tinha a lição estudada”, sendo incongruente em várias circunstâncias. XIII. Ponto 8 dos factos provados: não existe qualquer prova cabal que corrobore estes valores. E até a decisão da reconvenção não é compreensível face aos factos provados e a condenação no pedido reconvencional. Façamos este breve raciocínio: Foi alegadamente proposto o orçamento de €5.000. O Recorrente pagou €1.500 (ponto 13 dos factos provados) e ainda fica em divida €3.750 (valor da reconvenção)? XIV. Quanto aos pontos 9 e 10 dos factos provados: não existe prova a corroborar os mesmos. Aliás, se até o consentimento informado e junto aos autos pelas Rés a fls… não se encontra assinado pela médica dentista, imagine-se a (ausência) das demais informações. XV. E o Recorrente não estava “insatisfeito com a falta de estabilidade da prótese removível” (ponto 14 factos provados), o Recorrente sempre considerou a execução defeituosa, como foi referido pelo próprio e pela testemunha DD em sede de audiência de julgamento, incluindo pela testemunha II. XVI. Também não foi feita prova da fixação do preço (ponto 16 dos factos provados). Aliás, tirando as a testemunha II e as suas incongruências, inexiste qualquer documento nesse sentido. XVII. Na sentença lê-se que “o que o agente da GNR ouviu foi algo completamente diferente: ouviu a Ré dizer ao Autor que não lhe reaplicaria a prótese se ele não a pagasse, mas em momento algum se recusou a entregar a prótese ao Autor, não aplicada, naturalmente.”. Porém, no depoimento do GNR (supra transcrito) este diz “e que só lhe daria a prótese se ele fizesse o pagamento ou um contrato assinado… Foi o que ela nos disse”. E ainda é referido expressamente: “Mas recordo-me de a dra. ter dito que não lhe ia pôr, só punha se ele pagasse. A dra. BB disse peremptoriamente que não lhos aplicava.” XVIII. Quanto ao pedido reconvencional: foi o Autor condenado no pagamento às Rés de €3.750,00, acrescido de juros de mora, por ter resultado provado que a segunda Ré propôs-lhe o preço de €3.750,00 por um segundo tratamento e que o Autor aceitou. XIX. O Autor nunca foi informado ou aceitou tal valor. XX. O filho do Autor indica que o seu pai lhe transmitiu a informação, relativamente ao primeiro tratamento, de que o valor seria de €1.500,00, mas que nada lhe disse quanto ao segundo tratamento, isto é, que não referiu que ficou acordado qualquer valor entre o Autor e a segunda Ré, por isso, pela lógica, se lhe tinha dito o valor do primeiro tratamento, se tivesse sido acordado o valor de um segundo tratamento, o mesmo também o teria transmitido ao filho. XXI. Nas idas às consultas o filho nunca presenciou qualquer pedido de pagamento por parte das Rés e não consta da folha de tratamentos qualquer informação relativa a este valor que, supostamente, tenha sido acordado pelas partes. XXII. Por lógica de raciocínio, se para iniciar o primeiro tratamento, foi exigido ao Autor o valor de €1.500,00, se tivesse sido convencionado o pagamento de €3.750,00, antes de se iniciar este segundo tratamento, também haveria o Autor de pagar um valor, a título de “sinal”. O que não aconteceu. XXIII. Não existe um único documento nos autos que corrobore o alegado valor de €3.750,00. XXIV. Não existe um único orçamento de tal valor (mas existe de €1.500,00 e que foram integralmente pagos pelo Autor). XXV. Não existe uma única interpelação nos autos (ou fora deles) da alegada dívida. XXVI. A listagem de tratamento junta aos autos, como doc. 5 da PI, emitida pelas Rés, descreve inequivocamente que não há valores a pagar pelo Autor após a liquidação dos €1.500 (17/09/2016), ou seja, todas as intervenções seguintes estão descritas a zeros “0.00”. XXVII. Um alegado lapso omissivo nos registo da alegada divida, que medeia entre 17/09/2016 e 06/02/2018, é demasiado longo e injustificado XXVIII. Decorre da total ausência de prova das rés que, em momento algum, interpelaram o Autor da alegada divida, que apareceu, como que por magia, para os presentes autos. E até a factura que foi junta pelas Rés, do alegado material que teria sido usado pelas Rés no Autor, junto por requerimento datado de 18/01/2019, tem a data de 15/01/2019, ou seja, 03 dias antes de ser junta aos autos. Além de que, a descrição do material nada tem a ver com a intervenção que as Rés fizeram no Autor (e daí o facto y. não provado). XXIX. O Tribunal a quo revelou, salvo o devido respeito, uma desatenção e ligeireza inadmissíveis na apreciação da prova e na decisão proferida. XXX. A testemunha JJ disse expressamente no seu depoimento que não conhece o Autor, não conhece a situação em discussão, mas o Tribunal a quo decidiu valorá-lo porque teve “um percurso similar”!! XXXI. Desde que o Autor deu entrada da acção judicial, requereu várias vezes as características dos implantes, mas sem resposta. E se isto foi assim ao longos dos presentes autos, imaginemos fora deles… XXXII. A testemunha GG, que é o Presidente do conselho de Deontologia da Ordem dos Médicos Dentistas, afirmou inequivocamente a necessidade de identificação dos implantes para haver intervenção de outros Colegas. Não existirá outra testemunha mais imparcial e com conhecimento do modus operandi e legis artis da profissão. XXXIII. Não andou bem a sentença recorrida ao declarar totalmente improcedente a ação, devendo a mesma ser declarada nula atentas as apontadas nulidades (artigo 615.º, n.º1, “b)”, “c)” e “d)”, C.P.C.), (considerando os vícios existentes de contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão, obscuridade geradora de ininteligibilidade, omissão de pronúncia e falta de fundamentação), ou, caso assim se não entenda, e tendo em consideração a antes apontada violação do princípio da livre apreciação da prova e dos artigos 413.º e 607.º n.º 3 e 659.º do C.P.C., ser a mesma revogada por outra que decida no sentido defendido pelo ora Recorrente, isto é, que julgue a acção procedente e a reconvenção improcedente, com todas as legais consequências. XXXIV. Reunidos os pressupostos da responsabilização das Rés, não só devido a erro médico, como também pela sua actuação dolosa ao terem, de modo injustificado, removido a prótese ao Autor, deixando-o sem dentes durantes anos a fio. Mais grave se torna quando está em causa uma pessoa de 80 anos, evidentemente vulnerável pela sua idade. XXXV. Existem algumas áreas da medicina em que a menor influência de factores não controlados pelo profissional e o avançado grau de especialização técnica fazem reconduzir a obrigação do médico a uma obrigação de resultado, por ser quase nula a margem de incerteza deste. XXXVI. Quando estamos diante de situações de colocação de próteses, restauração de dentes e até colocação de implantes, o resultado surge sempre como substrato imprescindível da obrigação. XXXVII. No caso concreto, em que estamos diante da colocação de implantes, acreditamos que quer a sua feitura, quer a sua aplicação, correspondendo a momentos diferentes da actividade odontológica, devem ser classificadas como obrigações de resultado. XXXVIII. Sem conceder, ainda que se admita, por mera hipótese académica, que estamos diante de uma obrigação de meios no presente caso, isto é, que apenas existisse uma simples obrigação de máxima diligência e cuidado, sem que fosse exigível a obtenção de um resultado efectivo, XXXIX. É notável a desconformidade entre os actos efectivamente praticados e a legis artis. A simples retenção dentição ao Autor é inconcebível, seja em circunstância for. O que significa que as Rés não prestaram os melhores cuidados ao Autor. XL. O acontecimento que teve lugar no dia 28.02.2018 – ardilosamente chamar o autor à Clínica, remover-lhe a prótese e tentar coagi-lo a assinar uma confissão de divida -, é manifestador de uma clara má-fé por parte das Rés. Este comportamento vem demonstrar claramente a actuação culposa e intensa por parte das Rés. XLI. Não há nem pode haver direito de retenção por parte das Rés da prótese, conforme resulta evidente da alínea a.) do artigo 756.º do CC, onde se lê: “Não há direito de retenção a favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar, desde que, no momento da aquisição, conhecessem a ilicitude desta.” XLII. Os danos sofridos pelo Autor nunca teriam lugar se não fosse a conduta levada a efeito pelas Rés. Encontrando-se preenchido o nexo de causalidade entre os danos sofridos e o comportamento das Rés, de acordo com o disposto no artigo 563.º do CC. XLIII. É devido, a título de danos patrimoniais o valor de pelo menos 1.516,00 € (mil, quinhentos e dezasseis euros). XLIV. Considerando todo o quadro circunstancial em que ocorreram os danos e a sua perduração no tempo até aos dias de hoje, sem ter o Autor perspectivas do seu tratamento até ao final da presente decisão, bem como, aquilo que tem sido entendimento da nossa jurisprudência, considera-se adequado para compensar os danos não patrimoniais sofridos, o pagamento de uma indemnização nunca inferior a 30.000,00€ (trinta mil euros). Nestes termos e nos mais de direito aplicável, deve o recurso ser julgado totalmente procedente, julgando-se a acção procedente e o pedido reconvencional improcedente, pois só assim fará V. Exa. a inteira e acostumada JUSTIÇA.» 4. Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO 5. Apreciando o mérito do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC). No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR: ● Nulidades da sentença (contradição entre os fundamentos e a decisão, obscuridade geradora de ininteligibilidade, omissão de pronúncia e falta de fundamentação, bem como a violação do princípio da livre apreciação da prova) ●Reapreciação da matéria de facto ● Em conformidade com o decidido, o eventual erro de julgamento na subsunção dos factos ao direito 5.1. Das nulidades Apreciando, começaremos por dizer que o Recorrente invoca várias causas de nulidade da sentença, quase esgotando o elenco do art.º 615º do CPC. «É frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades. (…) Enfim, ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões, (…).». [1] Acontece que nem sequer concretiza em que ponto da sentença, ou em que se traduziriam os vícios apontados, limitando-se (quer na motivação do recurso, quer na conclusão XXXIII) a invocar as nulidades. Nessa medida, ficamos limitados a olhar a sentença e efetuar aqui uma análise perfunctória. Quanto à omissão de pronúncia, utilizando a singela clareza de exposição de Rodrigues Bastos: «É a nulidade mais frequentemente invocada nos tribunais, pela confusão que constantemente se faz entre «questões» a decidir e «argumentos» produzidos na defesa das teses em presença» [2] e «Também devem arredar-se os «argumentos» ou «raciocínios» expostos na defesa da tese de cada uma das partes, que podendo constituir «questões» em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz. Temos, assim, que as questões sobre o mérito a que se refere este n.º 2 serão as que suscitam a apreciação quer a causa de pedir apresentada, quer o pedido formulado». [3] É manifesto que a sentença contém todos os elementos referidos nos artigos 607º e 608º do CPC. E abordou todas as questões que tinha de abordar, bastando compaginá-la com os temas de prova fixados no despacho saneador, sem reclamação. O que se nos oferece entender é que a Recorrente discorda do julgado. Porém, a ser assim, o vício seria de erro de julgamento (que tanto pode existir na apreciação/fixação da matéria de facto como no tocante à matéria de direito). São vícios distintos. Omissão de pronúncia é que não se verifica. Quanto à falta de fundamentação, olhada a sentença, é fácil constatar a fundamentação prescrita na lei; na verdade, elencam-se os factos provados e os não provados, faz-se a motivação da convicção de uns e de outros, dando indicação dos meios de prova considerados e da credibilidade que se lhe ofereceu; por fim, elencam-se as questões a decidir e efetuou-se a aplicação do direito aos factos considerados. O mesmo se diga no tocante à contradição entre os fundamentos e a decisão O juiz, após descriminação dos factos provados, inicia a subsunção desses factos às normas de direito que considera aplicáveis ao caso, para terminar por concluir/decidir se ao Autor assiste ou não razão. O vício de nulidade reporta-se à contradição lógica entre uns e outros desses fundamentos. Tal como ocorre no silogismo, em que a conclusão é a consequência necessária das premissas, maior e menor, a decisão tem de ser a consequência lógica dos fundamentos. Trata-se, portanto, de uma questão de lógica de raciocínio, ou seja, «Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se.» [4] Coisa diferente da concordância lógica entre os fundamentos e a decisão é o erro de julgamento. Também neste ponto se não vislumbra qualquer contradição. A decisão tomada é consentânea com a linha de raciocínio por que se enveredou, pelo que não existe violação da lógica jurídica do mesmo. Se a linha de abordagem seguida não é a mais correta, é questão que colide com a reapreciação da matéria de direito (erro de julgamento). Quanto à obscuridade geradora de ininteligibilidade Conexionada com a anterior, ocorre ininteligibilidade da decisão quando não se consegue perceber o que se decidiu, ou quando o que se escreveu é passível de mais do que uma interpretação ou sentido diverso e, porventura, oposto. Ora, no caso não se vislumbra obscuridade ou ambiguidade no discurso usado na sentença. A sentença é perfeitamente clara em todos os items analisados. Por fim, a violação do princípio da livre apreciação da prova Dado que esta questão contende com a apreciação e valoração da prova, verificar-se-á da (in)existência desse vício aquando da reapreciação da matéria de facto. Consequentemente, improcedem todas as nulidades invocadas. 5.2. Reapreciação da prova § 1º - Atendendo à extensão da matéria de facto impugnada (factos provados 8, 9, 10, 14, 15, 16 e 18 e factos não provados c., d., e., f., g., h., i., j., k., l., m., n., o., p., q., s., t., v. e x., entende-se proceder a uma abordagem conjunta. Antes de iniciarmos a reapreciação, cumpre fazer uma breve abordagem sobre as regras probatórias de direito material, para melhor se compreender o que se dirá na reapreciação. Na apreciação da prova, abandonado o sistema da prova legal, o princípio da livre apreciação da prova mostra-se consagrado entre nós no art.º 607º nº 5 do CPC em termos de: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”. Significa isto que, à partida e como regra, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração. Só assim não será ─ e daí a ressalva da 2ª parte do preceito ─, nos casos da dita prova vinculada, em que a lei vincula o julgador a determinados aspetos ou resultados dos meios de prova, como por exemplo, o caso dos documentos autênticos ou da confissão. São duas as regras básicas em termos de ónus probatório: ao Autor compete a prova dos factos constitutivos do seu direito e ao Réu a dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor: art.º 342º nº 1 e 2 do Código Civil (CC). Daqui se infere a umbilical relação entre as regras do ónus de alegação/prova e a relação jurídica em litígio, pois só através desta se saberá quais são os factos constitutivos ou impeditivos/modificativos/extintivos que competem a uns e a outros. O Autor articula uma causa de pedir complexa, um misto de responsabilidade contratual (cumprimento defeituosos dos serviços prestados) e responsabilidade extracontratual (ilícita extração da prótese e sua não devolução). Assim, incumbia-lhe a prova da existência de um dano ou prejuízo, da ação ou omissão ilícita e do nexo de causalidade entre o comportamento ilícito e o dano. Já quanto ao requisito da culpa, a lei estabelece uma presunção para a responsabilidade contratual (art.º 799º do CC), significando que o Autor ficou dispensado de a provar (art.º 350º do CC), mas não para a extracontratual. § 2º - Começando pela matéria de facto não provada. No caso, o Autor apresentou um “relatório de serviço”, elaborado pela Guarda Nacional Republicana (GNR), quando foi chamada ao local para prevenir um “desacato em estabelecimento”. Ora, tendo esse documento sido elaborado por entidade com competência para o efeito (órgão de polícia criminal ou agentes policiais), ele recebe a qualificação de documento autêntico: art.º 363º nº 2 e 369º nº 1 do CC. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos materiais que referem como praticados ou presenciados pela autoridade ou oficial público respetivo e essa força probatória só pode ser elidida com base na sua falsidade: art.º 371º nº 1 e 372º nº 1 do CC. não foi arguida a falsidade de tal documento. Tratando-se de um documento autêntico, cuja falsidade não foi invocada, ele está subtraído à livre apreciação do tribunal, antes integrando o domínio da prova vinculada: art.º 607º nº 5 do CPC. Desse relatório de ocorrência consta o seguinte: «(…) recebemos uma comunicação do militar de atendimento ao Posto, para nos deslocarmos ao local dos factos clínica C..., em virtude de estar um utente a causar distúrbios. No local fomos informados pela denunciante Dr. BB (…) que o Sr. AA é seu utente há vários anos e que fez um tratamento com implantes para colocar uma prótese dentária, este tratamento tinha um custo inicial 1500 euros, mas como não funcionou corretamente foi alterado, o que originou a alteração do orçamento inicial, em meados do ano de 2017 o tratamento ficou concluído e a prótese a funcionar corretamente, tendo sido informado o utente de quanto teria de pagar pelas alterações ao tratamento. O utente nunca chegou a efetuar o pagamento em dívida, cerca de três mil euros. No dia em causa o utente deslocou-se à clínica a pedido da Denunciante Dr. BB, que o mandou sentar da cadeira e que iria lavar corretamente a prótese e os implantes, retirando tudo da boca do utente, depois de retirar informou o mesmo que só lhe colocaria os implantes e a prótese quando este fizesse o pagamento ou um acordo de pagamento devidamente assinado. É neste momento que o cliente indignado declara que não paga nem mais um cêntimo e telefona ao filho DD (…), este deslocou-se à clínica tendo injuriado a denunciante de “ladra” e ameaçado esta que iria fazer a “Justiça de Fafe”. O cliente AA informou que se deslocou à clínica porque a denunciante queria conversar com este e que depois o enganou e lhe tirou os implantes e a prótese. Declarou ainda que não devia nada porque as alterações ao orçamento inicial foi devido aos erros da denunciante. É de referir que o DD pediu o histórico médico do pai AA sendo facultado pela denunciante, tendo sido efetuada reclamação pelo senhor AA no livro de reclamações.» Apesar de tal não se mostrar necessário (prova plena e ausência de invocação de falsidade do documento), ambos os agentes foram ouvidos em audiência, recordando bem a situação. O agente FF (“foi uma ocorrência assim, que nos ficou na memória por ser caricata, por ser de um senhor que ficou sem os dentes num dentista”), foi perentório em afirmar que o Autor saiu de lá sem os dentes, “estava desanimado, estava muito, mostrava muito descontentamento”. E, inquirido sobre a elaboração do relatório, afirmou “há aqui uma parte que foi o Colega, que eu fiquei com uma das partes cá fora a acalmar e o Colega foi lá, foi ele que apurou o resto dos factos, o que está aqui que especifica mais o pormenor dos contratos, o que é que eles estavam ali a acordar, dos valores… eu os valores, essa parte não ouvi, que foi a dra. que lhe explicou ao meu colega, que eu fiquei cá fora com o senhor de idade, mais o filho”. E, sobre a entrega da prótese, é significativa a resposta: ─ Olhe, diga-me uma coisa Sr. Guarda. O Sr. do tempo todo que lá esteve presenciou o pedido à dentista para a entrega da prótese que tinha ficado retida, que era importante para o sr. AA no seu dia a dia? ─ Não, não, não. ─ Não? ─ Mas recordo-me de a dra. ter dito que não lhe ia pôr, só punha se ele pagasse. ─ Portanto, recorda-se expressamente de a dentista ter dito que não lhe entregava a prótese? ─ Não, não é lhe entregava. Não lhe aplicava os dentes, isso do não entregar não vou afirmar, porque não foi dito. ─ Não lhe aplicava os dentes, não é? Só o faria se ele pagasse? ─ Certo. E, mais à frente, agora em contra-instância da Ex.ma mandatária da Ré: ─ Posso concluir que também não se recordará da dra. BB se ter negado a entregar-lhe? ─ A dra. BB disse perentoriamente que não lhos aplicava. O outro agente da GNR, EE, que elaborou o relatório e o corroborou, com as seguintes explicitações: ─ Foi normal, a gente, o nosso procedimento na altura é chegar lá, mandar as pessoas acalmar-se, depois têm que responder às nossas perguntas, não é? Que nós vamos lá para tentar resolver o problema, para ajudar, e ouvir as partes e quase sempre tentamos separar as partes quando vemos que as pessoas estão nervosas, tentamos separar, neste caso. Pronto, o meu colega ficou mais a falar com os senhores e eu pedi para chamarem a dra. e depois fomos falar com a dra. ─ Pronto, a dra. explicou que o senhor AA que era cliente dela, que se deslocou lá porque queria fazer um orçamento, no qual ela explicou lá o que ia fazer e o que não ia e que o senhor que achava que aquilo era muito caro. ─ Ela disse-me mesmo que o senhor não tinha possibilidades para fazer aquilo e que queria que fizesse uma coisa mais simples, então fizeram um tratamento não tão caro, que é óbvio que o desempenho não seria o mesmo, que o conforto não seria o mesmo, tratando-se de uma prótese dentária que a sr. Dra. também usou aqueles termos técnicos que a gente muitas vezes não percebe, não estamos muito dentro do assunto. ─ Pronto, ela fez aquilo. Foi a versão dela. Que lhe fez o referido tratamento, posteriormente que o senhor se queixou que aquilo não funcionaria corretamente, e então que resolveram fazer alterações ao inicial. Como é obvio, que teria outros custos, no qual o senhor se recusou a fazer o pagamento. ─ Não, ela depois ainda disse… estávamos a falar e perguntamos o que é que se passou no dia em causa e ela explicou que no dia em causa tinha-o chamado, ele foi para lá supostamente para fazer uma limpeza, para fazer uma avaliação e que ela que lhe teria tirado a prótese e que só lhe daria a prótese se ele fizesse o pagamento ou um contrato assinado para… promessa de pagamento. Foi o que ela nos disse. ─ Ela disse que só lhe voltaria a colocar… ela disse a nós o que lhe disse a ele. Que só lhe voltaria a colocar se ele fizesse o pagamento que estava em dívida ou um contrato de promessa de pagamento. Devidamente assinado. Depois ouvimos a versão do sr. AA, neste caso. Depois ele disse que foi lá chamado por ela, para fazer uma limpeza… ─ Essa batia certo pelos dois? ─ Exatamente. Foi ela que o chamou lá, que ele chegou lá e que ela chegou lá, que o mandou sentar na cadeira, que lhe tirou o que tinha na boca e que disse que só voltava a pôr se ele pagasse. E que ele disse que não pagava nada. “também não devo nada, não pago nada, não pago nada.” A premeditação da Ré resulta do facto de ter sido ela a chamá-lo ao escritório, a pretexto de “ir lavar corretamente a prótese e os implantes”, o que não se justificava dado que temos registada uma destartarização bimaxilar cerca de 3 semanas antes (06/02/2018); tratando-se de uma dentista, obrigatoriamente que se lhe impunha saber que sem a prótese haveria constrangimentos na mastigação dos alimentos e consequente alimentação. Foi ela própria a referir que depois de retirar a prótese o informou que só lhe colocaria os implantes e a prótese quando este fizesse o pagamento ou um acordo de pagamento devidamente assinado. Daqui resulta que os factos não provados sob as alíneas f), g), s) e t) terão de ser considerados provados, com a seguinte redação. f. Quando o autor se encontrava na sala de espera, a segunda ré disse-lhe que só colocaria a prótese se ele pagasse as alterações ao tratamento, que era de cerca de três mil euros, ou se assinasse uma confissão de dívida. g. O autor pediu à segunda ré para lhe recolocar a prótese, mas a segunda ré recusou-se a fazê-lo. s. A situação da retirada da prótese foi premeditada pela segunda ré. t. A segunda ré sabia que, sem a prótese, o Autor ficaria constrangido na sua alimentação e decidiu retirá-la só para o compelir ao pagamento. Passando à análise da perícia, que se revelou conturbada e teve de ser repetida. Foi efetuado uma perícia de avaliação do dano corporal, pelo Instituto de Medicina Legal (IML). Este IML declarou não poder concluir a perícia por falta de elementos, designadamente “ortopantomografias que tenha realizado”. Notificados, a Ré veio dizer não dispor de equipamento para o efeito, pelo que o Autor as realizou noutro local, que as exibiu à Ré e que esta depois devolveu; o Autor veio depois referir que nada disso corresponde à verdade. A pedido do Autor foi notificada a Ré para juntar aos autos o “processo clínico do Autor” (relatórios das consultas, receitas, exames, plano de tratamentos). A Ré nada juntou e nada disse. Já em plena audiência de julgamento, em esclarecimentos, a Sr.ª Perita do IML referiu não ter conhecimentos em medicina dentária! Foi então requerido pela Ré a realização de uma peritagem médica a realizar por um médico especialista em medicina dentária, o que foi deferido. Do relatório pericial final e respetivos esclarecimentos adicionais ─ em que foram efetuados exames complementares de diagnóstico estra-orais, RX panorâmico e CBTC, para avaliação da osteointegração numa fase pós-operatória ─, e depois de várias explicações sobre os conceitos técnicos e os procedimentos corretos em termos de legis-artis, retira-se, com interesse, o seguinte: a) Exame ao estado atual – observação extraoral: palpação dos músculos do aparelho estomatognático sem alteração; movimento de abertura da boca de amplitude normal; sem dor à palpação das articulações temporomandibulares; sem crepitação no movimento de abertura; sem assimetrias; sem alterações nos terços faciais, nomeadamente sem perda do terço inferior da face. Com bom suporte do lábio inferior, pela morfologia do mesmo; sem alterações na fala e no sorriso adequadas ao exame individual. b) Exame ao estado atual – observação intraoral: mucosas hidratadas. Rebordos alveolares sem alterações patológicas e sem alterações traumáticas decorrentes da função; presença de reabilitação protética removível em resina acrílica total da arcada superior sem retenção com 14 dentes; ausência de reabilitação protética inferior; arcada superior desdentada total; arcada inferior desdentada total com a presença de 4 implantes com os respetivos pilares multiunits. c) A gengiva em torno dos pilares multi-units está sem sinal de inflamação e moldada ao pilar (pág. 27 dos esclarecimentos) d) Queixas do examinado - Nesta data refere ausência de dor desde o dia do evento médico-legal em apreço (consulta de 28/02/2018). Refere que nunca teve dor associada às reabilitações protéticas realizadas desde o tratamento de 2016. A única dor que teve foi associada às cirurgias para colocação dos implantes. (…). Refere que não consegue mastigar, porque não tem reabilitação protética inferior. Não corta nem mastiga alimentos. Da discussão médico-legal dos peritos retira-se o seguinte: ● A osteointegração dos implantes está verificada (pág. 22) ● Não existem elementos médico-legais de nexo de causalidade com as queixas do doente, nem de má prática médica, erro de diagnóstico ou de tratamento/terapêutico, ou de “ausência de respeito pela legis-artis no estado anterior do examinado” (pág. 22) ● Não foram encontradas evidências (“elementos médico-legais”) de que os implantes tivessem defeitos, que a realização/execução tenha sido defeituosa, ou o tratamento no seu todo e que devido ao tratamento, o Autor tenha tido dores. ● O tratamento e o seguimento foi realizado de acordo com a Medicina Dentária baseada na evidência (pág. 23) ● Antes de 28/02/2018, não há sequelas consequentes ao tratamento; após essa data, ficou com a sua função de mastigação alterada (pág. 25) ● A ausência de reabilitação protética inferior fixa total implantosuportada em 4 implantes não é causa direta e necessária para “perturbações no processo digestão”, mas afeta a “estabilidade oclusal” (pág. 25 do relatório, e 16 dos esclarecimentos) ● À data do exame com os peritos, o Autor referiu ter uma vida “normal, está com os amigos, com a família, faz o que sempre fez”, sem medicação e sentir-se saudável (pág. 26) ● “Os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo de etiologia médico-lgal (ausência de reabilitação protética inferior implantosuportada nos implantes 34, 32, 42 e 44 consequente à consulta de 28/02/2018) e o dano intraoral (que consiste no estado funcional mastigatório alterado consequente à consulta de 28/02/2018) (pág. 27) ● Quanto à falta de informação do Autor sobre os implantes – há vários tipos de implantes, de várias marcas comerciais e em que os sistemas de implantes divergem uns dos outros e não são universais. O facto de não ter sido facultada a informação dos implantes e/ou dos pilares multi-units não facilita a reabilitação protética por outro médico dentista que não o médico dentista assistente, mas não inviabiliza a reabilitação. Os multi-units também não são universais e necessitam de ser conhecidos (pág. 21/22/26 dos esclarecimentos). Terminam com as conclusões: 1. Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 7 pontos (há repercussões na mastigação, o examinado está impossibilitado de poder comer alimentos de consistência dura) 2. Dano estético permanente fixável no grau 2/7 3. Repercussão nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7 É certo que a perícia é um meio de prova sujeito a livre apreciação (art.º 389º do CC). Porém, se por força do princípio da livre convicção, o juiz não está obrigado a acatar as conclusões retiradas da perícia, também não pode deixar de entender-se que terá de justificar tal entendimento, rebatendo os argumentos lá expostos. Na verdade, uma coisa será uma perícia para constatação de factos, os quais podem eventualmente ser confirmados e/ou refutados por outros elementos de prova; outra, bem diferente, será o caso de uma perícia destinada a exprimir um juízo técnico, científico ou artístico, o qual, pela sua própria natureza, só poderá ser infirmado ou rebatido com argumentos de igual natureza, ou seja, de ordem científica e com sujeição aos mesmos métodos. Razão por que se deve reconhecer à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Acresce que, no que toca às declarações imputadas ao Autor aquando do exame pericial (sobre a ausência de dor e o prosseguimento de uma vida normal, à exceção da mastigação), as mesmas não foram impugnadas. Aliás, no seu depoimento em audiência, o Autor explicou que já não tinha dentes nenhuns desde os 40 anos, usando uma prótese, “também já não comia normalmente, já tinha certas dificuldades, porque a prótese também não era, a de cima encaixa bem na parte superior da nossa boca, mas a debaixo não tem muito onde se apoiar, então também já tinha muita dificuldade em comer com ela” e que “procurava as coisas mais moles, porque era o que dava mais jeito”. Daí que os factos não provados sob as alíneas c), d), j), k), l), n), o), p) e x) continuem a ser considerados não provados, pelas razões expostas. No tocante à alínea m), só restaria provado que o Autor “tem dificuldade e demora a mastigar os alimentos”; mas tal já consta do facto provado 27, pelo que aqui é considerado também não provado. Pelo mesmo raciocínio do contesto dos elementos que vimos analisando, importa que deva ser considerado provado o facto das alíneas i). Também se mantém não provados os factos das alíneas h) e q), por falta de meios probatórios que o suportem. Além de que tudo indicia que, face ao desaguisado que aconteceu nesse dia entre as partes, não era crível que o Autor se dirigisse pessoalmente à Ré. E decorre dos autos que o Autor continuou a ir a outros dentistas. Também não existe documentação com esse pedido. Quanto ao facto da alínea v), deve ser considerado provado pois que consta dos autos que, a pedido do Autor, foi a Ré notificada para apresentar “o relatório clínico do autor, com a indicação expressa da marca dos implantes e o tipo de encaixe, para que o mesmo possa recorrer à intervenção de outro médico dentista e, consequentemente, ter dentição”. A Ré apenas veio aos autos informar “que os implantes aplicados ao Autor são da marca ..., e os encaixes são Multi Unit Retos e Angulados”., nunca apresentando o referido registo clínico na totalidade. Sobre a essencialidade, ou não, desses elementos, temos o referido no relatório pericial (a ausência de “informação dos implantes e/ou dos pilares multi-units não facilita a reabilitação protética por outro médico dentista que não o médico dentista assistente, mas não inviabiliza a reabilitação. Os multi-units também não são universais e necessitam de ser conhecidos”), esclarecedores da importância dessas referências. Também dos 3 médicos dentistas ouvidos em audiência (KK, LL e GG), os dois primeiros disseram ser possível receber o tratamento por terceiro e o último afiançou que era necessário saber a respetiva marca. Concluímos que a possibilidade existia, mas tornava o processo mais complicado e moroso, pois seria necessário proceder a exames para a respetiva identificação. Vertendo agora aos factos provados que se impugnam, que são atinentes ao acordo estabelecido entre as partes sobre a colocação do segundo par de implantes e das circunstâncias em que ocorreu. Em declarações de parte, Autor e Ré apresentaram versões diferentes. A Ré assegurou ter tudo explicado ao Autor, enquanto este negou que alguma vez se tivesse falado em preço quanto à colocação do segundo par de implantes. Nesta parte, do dever de informação e de aceitação da proposta, o ónus da prova competia à Ré. Vejamos se o logrou fazer. A Ré assegurou no seu depoimento ter explicado ao Autor as 2 possibilidades de próteses e respetivo custo, tendo ele escolhido a primeira, mais barata, em virtude das suas condições económicas. A colocação dos 2 implantes adicionais resultou das queixas do Autor de não segurar a prótese. Estas declarações foram corroboradas por II, funcionária da Ré desde há 16 anos. Quanto ao pagamento, ficou acordado que ele teria de pagar “a diferença dos 5250, menos os 1500 que já tinha pago”, “até porque 1500€, que ele já tinha pago, então a dra. sugeriu-lhe colocar, nunca era dinheiro deitado fora, que já tinha pago na clínica, aproveitávamos então os dois implantes e a prótese sobre os implantes e ele aceitou e ia pagando conforme podia…”, que poderia pagar em prestações. Também a testemunha JJ, paciente da segunda ré, afiançou ter lá efetuado tratamento idêntico (prótese removível assente em dois implantes), que a Ré o avisou das limitações dessa solução; também ele não se deu bem com essa solução, partindo-se depois para a colocação de mais dois implantes, serviço que pagou e que nunca foi considerado incluído no anterior. Na versão do Autor, nada mais havia a pagar. Explicou que com a prótese dos 2 implantes não se sentiu bem porque “eu não segurava, ao comer deslocava-se logo da boca, não conseguia segurá-la. Então, fui reclamando até que a Dra. por ela própria acabou por me pôr mais dois implantes para me segurar a prótese na boca. Melhor, que depois já era aparafusada aos implantes”. Segundo ele, nunca se falou em pagamento dos 2 implantes adicionais. Para ele, “o serviço estava incompleto”, pelo que considerou que a iniciativa da colocação dos 2 implantes adicionais foi da Ré, para corrigir um tratamento defeituoso. Resulta das regras da experiência, da lógica ou juízos de probabilidade que um dentista exerce uma atividade profissional pelo que aos serviços que presta corresponde um preço. Para além disso, competindo ao médico dentista a prescrição da prótese dentária, a sua “confeção” da prótese já compete ao técnico de próteses dentárias que, naturalmente, também é pago por tal serviço, ficando a cargo da Ré efetuar tal pagamento. Nesta medida, a versão do Autor contraria as regras da experiência e da lógica. Acresce que o relatório pericial atesta que não existiu qualquer defeito nos implantes, nem encontrou indícios de violação das legis-artis. Sem duvidar do mal-estar do Autor, também não se pode escamotear que nem todas as pessoas reagem da mesma forma aos tratamentos e que a melhor ou pior habituação a uma prótese não é idêntica em todos. As regras da experiência também nos ensinam que o ser humano não é “padronizado”, pelo que o “inverosímil” pode muitas vezes acontecer. Porém, nesses casos, exatamente porque estamos fora das regras da “normalidade”, será necessária a explicação dessa “diferença” e a demonstração de que para determinado acontecimento ocorreram circunstâncias anómalas. Não foi aqui o caso. Assim, é de se ter por provado que a aplicação dos dois implantes adicionais, bem como a diferente prótese, de valor superior, teria de ser paga. O convencimento subjetivo do Autor não tem suporte na prova. A impugnação relativa aos factos provados 8, 9, 10, 14, 15, 16 e 18 julga-se, assim, improcedente, da mesma feita que continua não provado o facto da alínea e). Na alínea e) importa a relação causa-efeito que aí é estabelecida entre a não solicitação de qualquer quantia ao Autor pela colocação dos dois implantes adicionais, porque a mesma era necessária apenas porque a colocação da primeira prótese tinha sido defeituosa. Como se viu, resulta do relatório pericial, no qual foram realizados exames complementares de diagnóstico estra-orais, RX panorâmico e CBTC, não existiram elementos médico-legais de má prática médica, erro de diagnóstico ou de tratamento/terapêutico, ou de “ausência de respeito pela legis-artis no estado anterior do examinado” e, bem assim, de que os implantes tivessem defeitos, que a realização/execução tenha sido defeituosa. § 3º - Face ao exposto, a matéria de facto fica consolidada nos seguintes termos: «Factos provados 1. O autor nasceu em .../.../1941.2. O autor é viúvo. 3. A primeira ré tem por objeto atividades de serviços prestados, principalmente às empresas diversas, nomeadamente, clínica de ortodontia e implantologia pós graduação, atividades de medicina dentária e odontologia, fabrico de material ortopédico e próteses. 4. A segunda ré é médica dentista. 5. O autor era tratado, pelo menos, havia dez anos, nas instalações da primeira ré, nomeadamente, pela segunda ré. 6. Antes do ano de 2016, o autor usava uma prótese removível acrílica. 7. Em meados do ano de 2016, a prótese do autor começou a ficar larga. 8. A segunda ré propôs ao autor duas soluções: a. A colocação de uma prótese fixa híbrida sobre 4 (quatro) implantes, com o valor global de €5.000,00; b. A colocação de uma prótese removível estabilizada numa barra retida em dois implantes, procedimento cujo custo ascende a €2.500,00. 9. O Autor optou pelo segundo procedimento supra mencionado. 10. A segunda ré informou o autor de que não se tratava de uma prótese fixa. 11. Sensibilizada com a situação sócio-económica do autor, a segunda ré cobrou por este tratamento € 1.500,00, valor com o qual o autor concordou, permitindo ainda o seu pagamento fracionado. 12. A prótese foi executada e colocada em 17.09.2016. 13. O autor pagou o valor de € 1.500,00 nas seguintes prestações: a. € 500,00 em 17.09.2016; b. € 300,00 em 06.10.2016; c. € 300,00 em 16.11.2016; d. € 200,00 em 11.01.2017; e. € 200,00 em 09.03.2017. 14. Posteriormente, insatisfeito com a falta de estabilidade da prótese removível, o autor manifestou a intenção de avançar com a opção da colocação de uma prótese fixa híbrida sobre quatro implantes. 15. A segunda ré informou o Autor que era possível utilizar os dois implantes já colocados, apenas acrescentando outros dois, sobre os quais seria fixada a prótese híbrida. 16. Em consideração da situação económica do autor, a segunda ré propôs-lhe o preço de €3.750,00 por este segundo tratamento, o que o autor aceitou. 17. A segunda ré colocou ao autor mais dois implantes e a prótese híbrida em Março de 2017. 18. Posteriormente, o autor fez várias consultas com a segunda ré relacionadas com a prótese, que não pagou. 19. O tratamento protésico incluía as consultas de reavaliação. 20. O autor concordou com a colocação dos dois implantes. 21. A pedido da segunda ré, o autor deslocou-se à clínica em 28 de Fevereiro de 2018. 22. Dentro do consultório, a segunda ré retirou a prótese ao autor e pediu-lhe que aguardasse fora do consultório enquanto limpava a prótese e os implantes. 23. Quando o autor se encontrava na sala de espera, a segunda ré disse-lhe que só colocaria a prótese se ele pagasse as alterações ao tratamento, que era de cerca de três mil euros, ou se assinasse uma confissão de dívida. 24. O autor pediu à segunda ré para lhe recolocar a prótese, mas a segunda ré recusou-se a fazê-lo. 25. A situação da retirada da prótese foi premeditada pela segunda ré. 26. A segunda ré sabia que, sem a prótese, o Autor ficaria constrangido na sua alimentação e decidiu retirá-la só para o compelir ao pagamento. 27. O autor pediu ao seu filho para se deslocar à clínica das rés, tendo este apresentado reclamação no livro de reclamações. 28. A Guarda Nacional Republicana foi chamada à clínica onde o autor se encontrava. 29. O autor foi embora sem a prótese e sem dentes na parte inferior da boca, não tendo regressado à clínica das rés. 30. O autor continua, desde Fevereiro de 2018, sem prótese. 31. Devido à falta de dentes na parte inferior da boca, o autor tem mais dificuldade em mastigar corretamente os alimentos. 32. A dificuldade de mastigação prejudica o processo de digestão do autor. 33. Por não conseguir mastigar corretamente os alimentos, o autor alimenta-se predominantemente de alimentos líquidos e pastosos. 34. O autor pediu à segunda ré informação da marca dos implantes e do tipo de encaixe, mas esta recusou prestá-la, vindo a dar tal informação apenas nestes autos. 35. A colocação de nova prótese e implantes custaria, pelo menos, € 3.000,00. 36. O autor realizou um raio x - Ortopantomografia -, no dia 08.05.2018, o qual revela que apenas se encontram na boca do autor os implantes. 37. O autor gastou com o raio-x, tendo em vista apurar a sua situação posterior aos acontecimentos de 28 de Fevereiro de 2018, € 16,00. 38. O autor aufere uma pensão com o valor mensal de € 320,10. 39. A segunda ré utiliza o espaço da clínica da primeira ré para prestar os seus serviços. Factos não provados a. A segunda ré informou o autor de que, com a colocação da prótese removível, o problema da estabilidade ficaria resolvido para o resto da vida e não teria qualquer problema.b. A colocação da prótese removível, em 17.9.2016 agravou o problema da instabilidade da prótese. c. Posteriormente ao dia 28 de Fevereiro de 2018, o autor solicitou às rés a restituição da prótese. d. Devido à má digestão, o autor sente muitas vezes mau estar. e. Por não conseguir ingerir alimentos sólidos, o autor sente um desgosto muito grande, tendo perdido a vontade de conviver com outras pessoas. f. Porque todas as pessoas que se cruzam com o autor reparam que ele não tem dentes na parte inferior da boca, ele tem enorme dificuldade em sair de casa e relacionar-se com outras pessoas. g. O autor fica embaraçado e incomodado ao fazer refeições em público, uma vez que não tem dentes na parte inferior da boca e, com isso, tem dificuldade e demora a mastigar os alimentos. h. A dificuldade de mastigar faz com que o autor se engasgue com facilidade. i. O autor apresenta humor depressivo, pensamentos pessimistas, ansiedade e angústia devido à falta da dentição inferior. j. O autor evita sorrir e já criou tiques de defesa, como a colocação da mão permanentemente à frente da boca enquanto fala ou se ri. l. Devido à descrita situação ocorrida em 28 de Fevereiro de 2018 na clínica das rés, o autor deixou de confiar nos cuidados de saúde. m. O autor sente dor física insuportável e constante devido à falta da dentição inferior. n. A colocação de nova prótese e implantes custaria, pelo menos, € 4.000,00. o. Sem tais informações, outros médicos dentistas nada podem fazer. p. A não utilização da prótese desde 28 de Fevereiro de 2018 implicará mais tratamentos do que apenas colocar uma nova prótese. q. A segunda ré adquiriu diretamente os materiais que utilizou nos serviços prestados ao autor. 5.3. Erro de julgamento na aplicação do direito § 1º - Na sua petição inicial, o Autor imputa às Rés a responsabilidade solidária por dois comportamentos: dum lado o cumprimento defeituoso dos serviços médicos prestados e, noutra vertente, a ilícita retenção da prótese. Poder-se-ia colocar a questão do concurso da responsabilidade contratual com a extracontratual por factos ilícitos: a primeira fundada no deficiente cumprimento de obrigação assumida por contrato, a segunda fundada na prática de um ato ilícito. Na verdade, nada impede que numa mesma ação, se articulem vários pedidos e várias causas de pedir; o que é essencial é a alegação de factos concretos que integram cada causa de pedir. Da mesma feita, também não existe obstáculo a que um mesmo facto possa originar dois tipos de responsabilidade; contudo, neste caso, e porque os pressupostos de cada uma das responsabilidades são diferentes, torna-se necessária a alegação dos factos atinentes à cada responsabilidade. [5] A questão está em saber se no caso ocorre uma efetiva concorrência ou se se trata de um concurso aparente. No caso, temos a imputação de dois factos danosos, praticados pela mesma pessoa; no que toca ao alegado tratamento defeituoso, estamos indubitavelmente no domínio da responsabilidade contratual; já quanto à alegada retenção da prótese, poderia ser vista como responsabilidade extracontratual, na medida em que se viola o dever genérico de não lesar direitos alheios (princípio neminem laedere). Sucede que a relação jurídica estabelecida corresponde à prestação de serviços médicos, em que, além das obrigações primárias (prestação cuidados médicos versus pagamento), se impõe ao profissional de saúde uma série de deveres acessórios ou laterais, como sejam os de cuidado com tudo o que contende com a saúde do paciente e os deveres deontológicos. Em nosso entender, a retenção da prótese, para além de estar intimamente correlacionada com os serviços prestados, colide ainda com os deveres paralelos pelo que é de aderir no caso à posição defendida por Almeida Costa, no sentido de que o regime da responsabilidade contratual “consome” o da extracontratual (princípio da consunção). Este tem sido também o caminho trilhado na nossa jurisprudência no que concerne à responsabilidade médica: «III – Estando em causa direitos absolutos, como de integridade básica, põe-se a questão de saber se não concorrem na negligência médica a responsabilidade contratual e a extracontratual. IV – Existe, por isso, um concurso aparente de normas, que deve ser resolvido pela prevalência da responsabilidade contratual, por ser a mais adequada para a defesa dos interesses do lesado.» [6] Portanto, ao caso cabe uma abordagem na perspetiva da responsabilidade contratual. § 2º - A responsabilidade quanto ao cumprimento defeituoso. Neste âmbito, o Autor estribou o seu pedido considerando que o serviço contratado foi deficientemente executado, tendo ocorrido deficiências graves na colocação da 1ª prótese (2 implantes) e que foi por essa deficiente execução que se tornou necessária a colocação da nova prótese, com os 2 implantes adicionais. Nessa vertente, considera o Autor, incumbiria às Rés corrigir as deficiências causadas, não lhe pode ser exigido qualquer pagamento deste segundo serviço. Questiona-se, pois, saber se o médico cumpriu as legis artis dominantes na profissão para o diagnóstico e prescrição das medidas terapêuticas. Ora, já vimos aquando da matéria de facto, ao apreciar o relatório pericial, que não resultou provada essa violação das legis artis; ao contrário, os peritos concluíram terem sido cumpridas todas as regras científicas e técnicas utilizadas na profissão em situações idênticas à do Autor. Apesar dos grandes desenvolvimentos do último século, a medicina continua a comportar uma vertente aleatória, não se podendo ainda hoje considerar uma ciência exata. Acresce que um mesmo tratamento/procedimento não acarreta o mesmo resultado para todas as pessoas, pois contribuem várias outras circunstâncias, de ordem endógena ou exógena do paciente, que escapava ao controle do médico (a vertente aleatória da atividade médica, dado que a medicina não é uma ciência exata). Este é o caso das próteses dentárias, que implicam uma adaptação sempre subjetiva. O que releva é ter-se provado que não existiu qualquer violação das legis artis na colocação da primeira prótese. É certo que o Autor continuou a ter problemas com a prótese, dizendo que ela se soltava quando comia; porém, não resultou provado o nexo de causalidade de esse problema resultar de má colocação da 1ª prótese. O que resulta dos autos é que os 2 implantes não eram bastantes para uma correta fixação, mas foi essa a opção escolhida pelo Autor. Como sabemos, um dos pressupostos da responsabilidade civil é o nexo de causalidade entre a conduta do agente e os danos, ou seja, estes têm de ter sido provocados diretamente por aquela: art.º 563º do CC. No caso, não se provou sequer a ilicitude (violação das legis artis), pelo que falece também o nexo de causalidade. § 3º - A responsabilidade quanto à retenção da prótese Neste âmbito já se nos oferece conclusão contrária. Como se sabe, o direito de retenção constitui uma garantia real das obrigações [7] que se traduz na possibilidade de recusa de entrega de uma coisa, pertencente ao devedor, por parte do seu credor retentor, enquanto o devedor o não satisfizer da dívida que tem para com ele: art.º 754º do CC. É certo que à prestação dos serviços prestados pela Ré corresponde uma contraprestação pecuniária do paciente. E certo, também, que o Autor não havia pago o tratamento dos implantes adicionais. Logo em tese geral, podemos dizer que, apesar de se tratar de uma faculdade legal, temos as maiores dúvidas que o direito de retenção possa ser exercido por um médico como contraponto à omissão de pagamento. Razões de boa fé, dos bons costumes e de abuso de direito assim o ditariam, tendo em vista a desproporção de valores envolvidos como é o caso da saúde das pessoas, que por deveres deontológicos os médicos devem assegurar acima de tudo. [8] Assim, logo “à cabeça” do art.º 104º do Estatuto da Ordem dos Médicos Dentistas EOMD, aparece a consagração de que “1 - O médico dentista professa o primado do interesse do doente. 3 — Na atuação da profissão devem ser atendidos prioritariamente os interesses e direitos do doente no respetivo tratamento, assegurando-lhe sempre a prestação dos melhores cuidados de saúde oral ao alcance do prestador, agindo com correção e delicadeza, (…)”. Estes princípios estão depois melhor sedimentados nos artigos 8º nº 2, 5, 17º nº 1 do Código Deontológico da Ordem dos Médicos Dentistas (CDOMD). Em especial, o art.º 18º desse CDOMD é claro – perante a falta de pagamento das despesas suportadas e dos honorários devidos pelo tratamento, ao médico dentista apenas pode recusar a continuidade da assistência e, ainda assim, ressalvadas as situações de urgência. A Ré poderia ter usado os meios legais à sua disposição, ação para cobrança de dívida ou a recusa de continuidade de assistência. Ao contrário, agindo por meio ardiloso (invocação da necessidade de limpeza da prótese), optou por convocar o Autor ao consultório e, depois de lhe retirar a prótese e o colocar em espera, acabou por lhe dizer que só lhe (re)colocaria a prótese se ele pagasse as alterações ao tratamento ou se assinasse uma confissão de dívida. Para além desta violação dos deveres deontológicos e dos deveres secundários da relação médico-doente, a própria lei consigna na al. a) do art.º 756º do CC a exclusão do direito de retenção quando o retentor obteve a coisa que deve entregar por meios ilícitos. É o caso presente, em que se provou que a Ré utilizou meios ardilosos para conseguir a detenção da prótese, que depois se recusou a entregar. Acresce que a sua qualidade profissional lhe impunha o conhecimento, melhor que ninguém, das consequências da retirada da prótese ao Autor: a dificuldade de mastigação, com prejuízo para o processo de digestão, bem como o constrangimento no processo de alimentação do Autor. Concluindo, a conduta da Ré foi ilícita e com culpa grave, pelos meios ardilosos que usou, não lhe assistindo o direito de retenção. § 4º - Dos danos e medida da responsabilidade das Rés O Autor invocou danos patrimoniais o valor de € 1.516,00, referentes aos € 1,500,00 que pagou na primeira prótese de 2 implantes, bem como a despesa com um raio x para apurar a situação em que tinha sido deixado (€ 16,00). [9] Naturalmente que os € 1,500,00 não lhe são devidos, porque correspondem à remuneração de um serviço que lhe foi prestado e, como já referido, sem defeito. Tendo sido prestado o serviço, sem defeito, a Ré tem direito ao preço acordado. Os € 16,00 é de entender serem devidos porque resultaram da conduta ilícita da Ré, sendo curial que, na sequência da retenção da prótese, o Autor quisesse avaliar o seu estado. Quanto aos danos não patrimoniais, pediu-se € 30.000,00. Como é sabido e decorre da sua especial natureza, quanto a danos morais não se pode falar propriamente em indemnização — cujo objetivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado — mas antes em reparação, isto é, trata-se de, através da atribuição de um valor adequado, proporcionar um determinado grau de satisfação que minore ou faça esquecer as dores, sofrimentos e incómodos em que se incorreu/incorrerá. Ou, se se quiser, tem tal indemnização uma natureza mista uma vez que, visando essencialmente compensar os danos sofridos, não deixa de ter um caráter de reprovação da conduta do agente. Por isso, na sua fixação deve ter-se em conta a gravidade do dano, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias, tudo numa ponderação de acordo com as regras do senso prático, da justa medida das coisas, em criteriosa ponderação das realidades da vida: art.º 495º, 496º, nº 3 e 497º, todos do CC. Começaremos por dizer considerar o valor excessivo. A grande maioria dos danos alegados ─ dores fortes provocadas pela prótese removível colocada, frequente mau estar, desgosto muito grande, tendo perdido a vontade de conviver com outras pessoas, enorme dificuldade em sair de casa e relacionar-se com outras pessoas por não ter dentes, embaraço e incómodo ao fazer refeições em público, engasgar-se com facilidade, humor depressivo, pensamentos pessimistas, ansiedade e angústia, evitar sorrir e criado tiques de defesa ─ não se lograram provar. Na verdade, provou-se apenas (relembra-se que se trata aqui tão só da conduta da retenção da prótese) que o Autor continua sem prótese desde fevereiro de 2018, que por isso tem mais dificuldade em mastigar os alimentos, alimentando-se predominantemente de alimentos líquidos e pastosos e, bem assim, que a dificuldade de mastigação prejudica o processo de digestão. Sucede que, parte dessas dificuldades de alimentação são sentidas pelo Autor desde há muitos anos, independentemente desta situação. O Autor referiu em audiência que usa prótese desde cerca dos 40 anos, o que o levava a preferir alimentos de pouca dureza. Assim, na bitola de apuramento a ter em conta relevará essencialmente a gravidade da conduta da Ré em termos deontológicos. Nada se apurou quanto à condição económica da Ré, mas sabe-se que a do Autor é muito fraca, uma pensão com mensal de € 320,10. Tudo visto, entende-se equilibrado atribuir ao Autor uma compensação de € 10.000,00. § 5º - Da reconvenção O Autor peticiona ainda a improcedência da reconvenção, sendo que em 1ª instância foi condenado a pagar o valor de € 3.750,00. Encontra-se demonstrada a celebração entre as rés e o autor de um contrato de prestação de serviços médicos dentários para a colocação de prótese dentária, a estipulação do preço de € 3.750,00, a efetiva prestação do serviço e o não pagamento pelo autor do respetivo preço, não tendo o autor logrado provar qualquer facto extintivo, impeditivo ou modificativo da sua obrigação de pagar o preço do serviço. Assim sendo, em conformidade com o disposto nos artigos 798.º, 799.º, n.º 1, e 804.º do Código Civil, o autor deverá ser condenado no pagamento às rés da quantia € 3.750,00, incluindo os correspondentes juros de mora, julgando procedente a reconvenção deduzida. 6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ……………………………… III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, no parcial provimento do recurso, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em condenar as Rés, solidariamente, a pagar ao Autor: (i) € 16.00 (dezasseis euros) a título de danos patrimoniais; (ii) € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais; (iii) sobre ambas essas quantias acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento. Em tudo o mais se mantém o decidido em 1ª instância, designadamente a condenação do Autor no pedido reconvencional. Custas na proporção do decaimento. Porto, 23 de novembro de 2023 Isabel Silva João Venade Ana Vieira _______________ [1] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª edição, Almedina, pág. 139. [2] in “Notas ao Código de Processo Civil”, 1969, vol. III, pág. 247. [3] Obra citada, pág. 228. [4] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 704. [5] Pode ler-se no acórdão do STJ, de 22/10/1987, processo 074967: «I - Podem concorrer relativamente a um mesmo facto danoso, responsabilidades contratual e extracontratual.» disponível em WWW.dgsi.pt, sítio a atender nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem. No mesmo sentido, do mesmo STJ, acórdão de 04.12.2003, processo 03B3693: «A cumulação de responsabilidades só será de arredar se e na medida em que isso acarrete uma duplicação de indemnizações, sendo contudo de conferir ao lesado o direito de escolha entre uma ou outra.» Também na doutrina é admitido o concurso de responsabilidades, ainda que nem sempre nos mesmos termos. Assim, Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, vol. I, pág. 637; Almeida Costa, “O concurso da responsabilidade civil contratual e da extracontratual, Ab uno ad omnes”, pág. 560 e seguintes; Teixeira de Sousa, “O concurso de títulos de aquisição da prestação. Estudo sobre a dogmática da pretensão e do concurso de pretensões”, págs. 156 e seguintes; Ana Prata, “Notas sobre Responsabilidade Pré-Contratual”, Almedina, 2ª reimpressão, pág. 152. [6] Acórdão do STJ, de 22/09/2011, processo 674/2001.P L.S1. [7] No domínio do direito das obrigações, uma garantia acarreta sempre um reforço suplementar de tutela do direito do credor, seja pela vinculação de um terceiro ao pagamento da dívida (garantia pessoal), seja pela afetação de um bem ou coisa do devedor ou de terceiro a esse pagamento, com preferência a outros credores (garantia real). [8] Pode ler-se no acórdão do STJ, de 20/01/2022, processo 21074/18.2T8PRT.P1.S1: «O conceito de bons costumes, para que remete o art. 280.º, n.º 2, corresponde sensivelmente ao conceito de moral pública para que remetia o art. 671.º do antigo Código Civil; designa o conjunto das regras morais aceites pela consciência social, ou o conjunto de regras éticas aceites pelas pessoas honestas, correctas, de boa fé, num dado ambiente e num certo momento. Explicando o art. 671.º do antigo Código Civil, Manuel de Andrade dizia que “não se trata de usos ou práticas morais, mas de ideias ou convicções morais; não da moral que se observa e se pratica (mores), mas daquela que se entende dever ser observada (bonos mores). Não se trata tão-pouco da moral subjectiva ou pessoal do juiz, antes sim da moral objectiva e precisamente da que corresponde ao sentido ético imperante na comunidade social. Não se trata ainda, portanto, da moral transcendente, religiosa ou filosófica, mas da moral positiva (hoc sensu)”. e, explicando o art. 280.º do actual Código Civil, Carlos da Mota Pinto escreve que “não se trata de remeter o juíz para uma averiguação empírica dos usos, pois remete-se para os bons usos, mas também não se faz apelo a uma ética ideal, de carácter eterno”.» [9] Na petição inicial alegavam-se ainda danos futuros, num mínimo de € 4.000,00 referente à “resolução dos problemas decorrentes do tratamento ministrado pelas rés”, a “apurar em sede de execução de sentença ou ampliação do pedido”. Esses danos não serão aqui tidos em conta, por extravasarem o objeto do recurso, em que apenas se mantêm o pedido dos € 1.516,00. |