Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16790/15.3T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: PROCESSO PENAL
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
AUDIÊNCIA
LIMITE
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM RECURSO
PARECERES
INADMISSIBILIDADE
PROVA PERICIAL
PERÍCIA COLEGIAL
CONSELHO MÉDICO-LEGAL
CONSULTOR TÉCNICO
VALOR A CONSIDERAR
Nº do Documento: RP2024040316790/15.3T9PRT.P1
Data do Acordão: 04/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO INTERPOSTO PELOS ARGUIDOS
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O encerramento da audiência constitui o limite temporal máximo para a apresentação de documentos em processo penal.
II – A jurisprudência dominante considera que os documentos se destinam a fazer prova de factos e, tendo em conta que para a formação da convicção probatória apenas relevam as provas que forem produzidas ou examinadas em audiência, assim se salvaguarda o princípio fundamental da imediação, além de que a consideração de documentos juntos apenas em sede de recurso violaria os princípios que estão na base da audiência de julgamento da 1.ª instância, máxime, o do contraditório.
III – Ademais, e conforme decorre de variada jurisprudência do STJ, aqui citada, o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida, o que vale por dizer, noutra versão daquela mesma jurisprudência, que os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu, jurisprudência esta que também se aplica aos pareceres, mas apenas na medida em que estes possam levantar questões novas não apreciadas na decisão recorrida.
IV – Assumida a opção pelo modelo de perícia pública, oficial, decorre da lei adjectiva penal que a mesma é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre pessoas constantes de listas de peritos existentes em cada comarca, ou, na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa.
V – Mais se prevê que, quando a perícia se revelar de especial complexidade ou exigir conhecimentos de matérias distintas, pode ela ser deferida a vários peritos funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares, sendo que as perícias médico-legais e forenses são realizadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal.
VI – Estamos, pois, perante um meio de prova pessoal, executada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos, cuja importância, em virtude de tais conhecimentos, leva a que o legislador a tenha preferencialmente entregue a serviços públicos, desde que a complexidade da matéria não justifique diferente tratamento ou não exista impossibilidade ou inconveniência.
VII – Quando solicitado, o Conselho Médico-Legal intervém através da consulta técnico-científica e os pareceres emitidos nesse âmbito são insusceptíveis de revisão e constituem o entendimento definitivo do Conselho sobre a questão concretamente colocada, o que significa que, numa hierarquia de valoração da prova pericial, o valor a atribuir aos pareceres do Conselho Médico-Legal supera, em toda a linha, o valor do parecer pericial.
VIII – Assim sendo, e no âmbito da prova pericial, o apuramento do nexo causal entre a violação da “legis artis e o resultado morte cabe ao juiz, a partir dos dados científicos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 16790/15.3T9PRT.P1
Juízo Local Criminal do Porto (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal do Porto (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no processo comum singular nº 16790/15.3T9PRT foram submetidos a julgamento os arguidos AA e BB, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, julga-se a pronúncia procedente, por provada e, em consequência, decide-se:
A) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo art.º 137.º, n.º 1 e 15º, al. a) do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €11,00 (onze euros), no valor total de €1.980,00 (mil novecentos e oitenta euros);
B) Condenar o arguido BB pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo art.º 137.º, n.º 1 e 15º, al. a) do Código Penal, na pena de 290 (duzentos e noventa) dias de multa, à taxa diária de €11,00 (onze euros), no valor total de €3.190,00 (três mil cento e noventa euros);
C) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça individualmente devida e demais encargos com o processo – artigo 513º, e 514º, do CXPP, e artigo 8º do RCP e tabela III anexa a este diploma legal.
*
Notifique.
Deposite, nos termos do disposto no artigo 372.º, n.º 5, do Código do Processo Penal.
Comunique ao Conselho Médico-Legal conforme solicitado, enviando cópia da sentença.
Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal.
***
Inconformado com a sentença, o arguido BB veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
Nulidade da alegada perícia médico legal
1. O Tribunal sustentou a sua decisão de forma absoluta numa alegada prova pericial que não pode ser admitida.
2. Não consta dos autos conforme dispõe o artigo 156º do CPP, qualquer compromisso assumido por perito. Por outro lado,
3. O relatório da Consulta Técnico Científica já invocado, bem como os posteriores esclarecimentos prestados, foram todos eles assinados e assumidos pelo Professor Doutor CC que não prestou compromisso. Acresce que este,
4. No depoimento prestado na sessão de julgamento conforme registo em ata de 21-06-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:42:24 e o seu termo pelas 16:16:55, na passagem do minuto 01:15:24 ao minuto 01:16:36 do seu depoimento, afirmou que aquele relatório havia sido decidido por um grupo de médicos (o Conselho Médico Científico).
5. Facto este que era desconhecido ao arguido e mesmo aos próprios autos e que foi ocultado.
6. Por ter violado as regras inerentes à prova pericial – nomeadamente no que ao compromisso exigido no artigo 156º do CPP diz respeito – mas também no que se refere no que se refere à desconformidade entre o relatório (que identifica apenas um autor) e as declarações do seu próprio autor em julgamento (onde assume que o deve tal prova pericial ser declarada nula e de nenhum efeito.
Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mera cautela de patrocínio se pondera,
Da errada qualificação da consulta técnico científica como prova pericial
7. Tal prova não poderia nem pode ser considerada nos autos enquanto prova pericial.
8. A prova em causa não é mais nem menos do que um relatório exarado pelo médico – no caso, Professor Doutor CC – que o assina.
9. Médico, aliás, cuja especialidade se desconhece nem foi evidenciada nos autos.
10. Ainda que viesse a ser admitida por como prova, o que não pode nem deve é ser configurado como de prova pericial se tratasse, uma vez que para além de não se ter revestido das formalidades a ela inerentes, não foi nomeado pelo Tribunal ou pelo Ministério Público enquanto tal, tal como já se decidiu em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/04/2019, processo n.º 38/17.9JAFAR.E1.S1:
“V - Não podem valer como prova pericial, e revestir o valor reforçado que lhe é próprio, as diligências que não tenham observado os formalismos prescritos pelos arts. 151º e seguintes do CPP, não podendo, em especial, ser consideradas perícias, no sentido jurídico-processual do termo, as declarações subscritas por profissionais de determinadas áreas, como seja a medicina, que frequentemente são juntas aos processos pelos sujeitos processuais particulares, tendo em vista a demonstração de factos que lhes aproveitam, elaborados por pessoas da sua escolha.
VI - Situam-se nesse universo de actos os «pareceres médico-legais» carreados para os autos pela defesa do arguido com base nos quais pretende infirmar o juízo probatório afirmativo emitido pelo Tribunal Colectivo com fundamento no relatório da autópsia da ofendida”
11. Mal andou o Tribunal a quo ao valorar tal prova como prova pericial, violando assim o disposto nos artigos 156º e 163º do Código Penal. Consequentemente,
12. Deve o relatório técnico constante nos autos ser considerado enquanto mera prova documental e não mais do que isso.
Impugnação da matéria de facto dada por provada
13. É da maior relevância que este Venerando Tribunal atente na experiência, honorabilidade e reconhecimento profissional de excelência dessas testemunhas e que, em nada, os qualifica em menor relevância do que o também médico - sem qualquer prática hospitalar nas últimas décadas - Professor Doutor CC.
14. Vejamos,
a) O Doutor DD, médico especialista em Cirurgia Geral e chefe da equipa de urgência do Hospital ... desde 1989 conforme registo em ata de 20-04-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:21:34 e o seu termo pelas 15:11:39 na passagem do minuto 00:00:29 ao minuto 00:01:05 do seu depoimento;
b) O Doutor EE, médico especialista em Medicina Interna no Hospital ... desde 1996 e Diretor da UAG do Hospital ... (UAG designa Unidade Autónoma de Gestão da Urgência e Medicina Intensiva (UAG-UMI) é uma estrutura organizacional de nível intermédio do CH..., dotada de autoridade e responsabilidade de Gestão, sobre um conjunto de áreas de ação-médica, nomeadamente do Serviço de Urgência Polivalente e Serviço de Medicina Intensiva (Adultos). Esta estrutura é gerida por um Conselho Diretivo, nomeado pelo Conselho de Administração) conforme registo em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:27:36 e o seu termo pelas 16:06:23 na passagem do minuto 00:00:31 ao minuto 00:01:20 do seu depoimento.
c) A Doutora FF, médica especialista em Medicina Interna no Serviço de Urgência do Hospital ... desde 2003 e Diretora do Serviço de Urgência de adultos do Hospital ... conforme registo em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 16:06:23 e o seu termo pelas 16:14:30 na passagem do minuto 00:00:37 ao minuto 00:01:16 do seu depoimento;
d) O Doutor GG, médico especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva no Hospital ... desde 2009 conforme registado em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no minuto 00:00:05 ao minuto 00:00:38 do seu depoimento;
e) A Doutora HH, médica especialista em Medicina Geral no Serviço de Urgência do Hospital ... desde 2005 conforme registado em ata de 20-04-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:11:39 e o seu termo pelas 15:26:20 na passagem do minuto 00:00:31 ao minuto 00:01:05 do seu depoimento;
f) A Doutora II, médica especialista em Medicina Geral e Familiar no Serviço de Urgência de adultos do Hospital ... e médica emergencista no Serviço de Urgência Geral de Adultos do Hospital ... desde 2010 conforme registado em ata de 20-04-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:26:20 e o seu termo pelas 15:44:45 na passagem do minuto 00:00:30 ao minuto 00:01:09 do seu depoimento;
g) O Doutor JJ, médico especialista em Medicina Desportiva e ex Presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) conforme registado em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:02:06 e o seu termo pelas 15:27:36 na passagem do minuto 00:00:32 ao minuto 00:01:12 do seu depoimento;
15. Relativamente aos factos vertidos na alínea 3 do ponto 8, deverá ser dado como não provada a parte onde se refere “Dado o diagnóstico prévio de cardiopatia isquémica, a existência de epigastralgia indicava, (tornava muito aconselhável), a exclusão de acidente coronário agudo. Para este propósito os exames mais indicados consistiriam em electrocardiograma e doseamento das troponinas, eventualmente seriados em caso de negatividade inicial”.
16. Quanto aos demais factos transcritos - a alínea 5 do ponto 8, e os pontos 10, 12 e 14, devem ser dados integralmente por não provados, tudo de acordo com os depoimentos que a seguir se invocam.
17. Os SETE médicos ouvidos no processo - desde o inquérito até ao julgamento - tendo TRÊS deles sido indicados pela acusação do Ministério Público, foram unânimes ao afirmar que não se impunha pela prática médica a realização de qualquer eletrocardiograma nem doseamento de troponinas, uma vez que as queixas do paciente e o exame físico realizado excluíam claramente o acidente identificam:
a. Chefe da equipa de urgência do Hospital ... DD (conforme passagem do minuto 00:04:30 ao minuto 00:07:22 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 20-04-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:21:34 horas e o seu termo pelas 15:11:39 horas), médico com especialidade em cirurgia geral;
b. A médica HH (conforme passagem do minuto 00:06:02 ao minuto 00:06:20 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 20-04-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:11:39 horas e o seu termo pelas 15:26:20 horas), médica especialista em Medicina Geral no Serviço de Urgência do Hospital ...;
c. A testemunha II, médica especialista em medicina geral e familiar, (conforme passagem do minuto 00:05:48 ao minuto 00:06:23 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 20-04-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:26:20 horas e o seu termo pelas 15:44:45 horas);
d. A testemunha GG, médico especialista em cardiologia e medicina intensiva (conforme passagem do minuto 00:35:22 ao minuto 00:36:08 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 18-05-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:25:44 horas e o seu termo pelas 15:02:06 horas);
e. Depoimento EE, médico especialista em medicina interna (conforme passagem do minuto 00:28:42 ao minuto 00:29:18 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 18-05-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:27:36 horas e o seu termo pelas 16:06.23 horas);
18. Todos os médicos ouvidos e nos quais o Ministério Público sustentou a sua acusação, afirmaram que perante os sintomas e queixas apresentadas pelo paciente - dor diarreia - o estudo a efetuar era no sistema digestivo,
19. Referindo mesmo que a dor à palpação é um sintoma distintivo no sentido de afastar o eventual cenário do foro cardíaco.
20. Isto é, todos os médicos afirmaram que os exames realizados foram os adequados à prática médica.
21. Facto que aliás também é corroborado pelo próprio relatório técnico científico transcrito na decisão onde se afirma que “a referência a 3 dejecções diarreicas era seguramente evocativo do aparelho digestivo” - vide facto provado na alínea 2 do ponto 8 dos factos provados na Sentença a quo.
22. Devem igualmente ser dada por não provada, a matéria constante dos pontos 11 e 13 considerada pelo Tribunal a quo.
23. Tal matéria não pode ser considerada provada porque não há qualquer elemento probatório nos autos que afirme que a eventual realização do eletrocardiograma e doseamento das troponinas, teria evitado a morte do paciente.
24. Desde logo, os pontos 4 e 5 do relatório da Consulta Técnico Científica assim o demonstram, como também o depoimento prestado na sessão de julgamento conforme registo em ata de 21-06-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:42:24 e o seu termo pelas 16:16:55, na passagem do minuto 00:24:42 ao minuto 00:28:54 do próprio Prof. Dr. CC
25. E no mesmo sentido, depoimento do médico e chefe da equipa de urgência do Hospital ... DD (conforme passagem do minuto 00:45:57 ao minuto 00:46:18 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 20-04-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:19:39 horas e o seu termo pelas 14:21:34 horas),
26. Acresce a demais prova produzida nos autos que reafirma isso mesmo, nomeadamente a resposta do Prof. Dr. CC ao doc. 11 anexo à Contestação do arguido aqui Recorrente, bem como outra parte do depoimento do mesmo ilustre clínico (depoimento prestado na sessão de julgamento conforme registo em ata de 21-06-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:42:24 e o seu termo pelas 16:16:55, na passagem do minuto 00:28:58 ao minuto 00:33:32 do seu depoimento).
27. Pela explicação do próprio Professor CC e da janela temporal fixada para a evolução do enfarte - o tal doc. 11 de que falou - os resultados das análises (atento o momento em que foram realizadas) deveriam ser alterados ou anormais, o que não sucedeu.
28. Acrescentando-se que não foram só as análises sanguíneas que demonstraram ausência de indícios de enfarte, como os demais exames nomeadamente o exame físico (atente-se no respetivo depoimento prestado na sessão de julgamento conforme registo em ata de 21-06-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:42:24 e o seu termo pelas 16:16:55, na passagem do minuto 00:35:24 ao minuto 00:39:40 do seu depoimento).
29. O Prof. Dr. CC pugnou pela realização de um exame que entendia ter sido feito, mas nunca, em momento algum, afirmou que a realização desse exame evitaria a morte do paciente.
30. Por isso carece de manifesta prova os factos provados sob os pontos 11 e 13, já que nem o relatório técnico científico nem as declarações do seu autor, o confirmam. E por isso,
31. Devem ser considerados não provados.
32. Sob o ponto 4, o Tribunal a quo deu como provado que o arguido Recorrente era médico com especialidade de clínica geral.
33. E tal facto que o Tribunal a quo entendeu dar como provado, considerou relevante para os termos da condenação.
34. O arguido BB não é médico especialista.
35. Nem nos autos consta qualquer elemento probatório a esse propósito. Por conseguinte,
36. A menção à especialidade deverá assim ser dada como não provada e excluída do facto descrito sob o ponto 4, o qual deverá passar a ter a seguinte redação: “O arguido BB, na qualidade de médico, com o número de inscrição na O. dos Médicos ..., em exercício de funções naquele Serviço, no turno das 8h. às 20h., conforme cópia do relatório de urgência constante de fls. 58 e ss, às 11.30h., observou o paciente, prescreveu-lhe Buscopan 10 mg, um comprimido em SOS, Atyflor, e deu-lhe alta, com as recomendações de se dirigir ao médico assistente se os sintomas persistissem, de regressar ao serviço de urgência em caso de agravamento, de dieta branca e hidratação oral”.
Impugnação da matéria de facto dada por não provada
37. No que à prática médica aplicada, deverão ser dados como provados os seguintes factos:
a. “O paciente tinha antecedente de gastrite crónica, conforme do relatório de urgência a fls 58 e 59 dos autos”
b. “Na observação da arguida AA, o paciente apresentava “doloroso à palpação profunda na região epigástrica e QSE, com defesa, tal facto resulta provado conforme relatório de urgência a fls 59 dos autos”.
c. Tal sintomatologia não é compatível com a patologia cardíaca aguda que acabou por vitimar o paciente às 15:45 horas do dia em causa e é suscetível de excluir qualquer complicação do foro cardíaco”
38. Tudo conforme relatório de urgência a fls 58 e 59 dos autos, mas também depoimentos prestados em audiência e julgamento, a saber:
a. A testemunha II, médica especialista em Medicina Geral e Familiar no Serviço de Urgência de adultos do Hospital ... e médica emergencista no Serviço de Urgência Geral de Adultos do Hospital ... desde 2010 (conforme registado em ata de 20-04-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:26:20 e o seu termo pelas 15:44:45 na passagem do minuto 00:14:22 ao minuto 00:16:09 do seu depoimento);
b. A testemunha GG, médico especialista em Cardiologia e Medicina Intensiva no Hospital ... desde 2009 (conforme registado em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:25:00 e o seu termo pelas 15:01:00 na passagem do minuto 00:02:47 ao minuto 00:03:04 do seu depoimento) afirmou: “O síndrome coronário agudo não acusa com defesa à palpação nem com diarreia. Quando recebemos inicialmente o doente na urgência não é obrigatório excluir logo o acidente coronário agudo, a não ser que a dor nos sugira isso.”
c. A testemunha EE, médico especialista em Medicina Interna no Hospital ... desde 1996 e Diretor da UAG do Hospital ... (conforme registo em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:27:36 e o seu termo pelas 16:06:23 na passagem do minuto 00:32:53 ao minuto 00:33:04 do seu depoimento) afirmou: ”Perante essa defesa, essa defesa abdominal, eu ficava mais preocupado se ele teria pancreatite ou uma colecistite aguda.”
d. O médico e chefe da equipa de urgência do Hospital ... DD (conforme passagem do minuto 00:43:14 ao minuto 00:43:17 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 20-04-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:21:34 horas e o seu termo pelas 15:11:39 horas), médico com especialidade em cirurgia geral, afirmou “Basicamente é exclusiva de patologia intestinal (se tiver defesa)”.
39. Se por um lado o Tribunal a quo não relevou que:
a. O problema cardíaco do paciente tinha ocorrido há 14 anos, em 2001 – vide fls 77 dos autos
b. A última consulta do paciente havia ocorrido a 24.05.2005 – vide fls 75 dos autos
c. O paciente não estava a tomar qualquer medicação antiagregante – vide fls 58, 75 e 79 dos autos
40. Ignorou a prática médica daquele e de todos os serviços de urgência - tal como aliás confirmado pelo próprio Prof. Dr. CC que o Tribunal tanto relevou.
Assim,
41. Devem ser considerados provados os seguintes factos:
a. No caso de passagem de turno médico no serviço de urgência, o procedimento instituído no serviço de urgência bem como na prática médica, leva a que neste contexto o médico do turno subsequente se limita a dar seguimento ao diagnóstico e terapêutica do colega anterior, exceto no caso de se verificar agravamento do estado de saúdo do paciente ou os resultados dos exames de diagnóstico importarem dados novos e alterados para esse diagnóstico;
b. A transmissão dos pacientes entre os turnos, ocorre perante todos os médicos que terminam um turno e todos os que iniciam o turno seguinte
c. Nem as análises sanguíneas nem a ecografia abdominal nem o raio X revelaram resultados de qualquer complicação de saúde do paciente;
d. Não havia qualquer agravamento ou alteração do estado clínico do paciente que motivasse revisão do diagnóstico ou realização de mais exames complementares
42. Tais factos - que resultam também provados dos depoimentos recolhidos em inquérito (como por exemplo o de DD a fls 180 dos autos) - como foram repetidamente confirmados pelos depoimentos das testemunhas em julgamento, bem como nos depoimentos:
a. da arguida AA (conforme registo em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 16:17:00 e o seu termo pelas 16:48:00);
b. da testemunha FF, médica especialista em Medicina Interna no Serviço de Urgência do Hospital ... desde 2003 e Diretora do Serviço de Urgência de adultos do Hospital ... (conforme registo em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 16:06:23 e o seu termo pelas 16:14:30 na passagem do minuto 00:03:43 ao minuto 00:05:21 do seu depoimento);
c. da testemunha EE, médico especialista em Medicina Interna no Hospital ... desde 1996 e Diretor da UAG do Hospital ... (conforme registo em ata de 18-05-2023, que ficou gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:27:36 e o seu termo pelas 16:06:23 na passagem do minuto 00:10:19 ao minuto 00:11:52 do seu depoimento);
d. HH, médica especialista em Medicina Geral no Serviço de Urgência do Hospital ... (conforme passagem do minuto 00:13:02 ao minuto 00:14:33 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 20-04-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 15:11:39 horas e o seu termo pelas 15:26:20 horas);
e. Do médico e chefe da equipa de urgência do Hospital ... DD (conforme passagem do minuto 00:47:00 ao minuto 00:48:55 do depoimento que prestou na sessão de julgamento conforme registo em ata de 20-04-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:21:34 horas e o seu termo pelas 15:11:39 horas),
43. Por conseguinte, em face da prova produzida, os factos descritos no ponto 91 da presente motivação de recurso e que resultam ainda da Contestação apresentada pelo arguido aqui Recorrente, devem ser dados por provados.
DO DIREITO
Da qualificação jurídica dos factos
44. Muito embora a Sentença a quo não o faça de forma vincada, impõe-se que a análise dos factos e respetiva subsunção se divida em dois momentos, sendo o primeiro deles a avaliação do paciente, diagnóstico e exames prescritos e, um segundo momento, a particular intervenção do arguido e aqui Recorrente BB.
45. Quanto ao primeiro dos momentos, é a própria Sentença a quo que afirma “O problema não está naquilo que se fez, mas no que deixou de ser feito.” - vide Sentença a quo pag 33.
46. Ou seja, o Tribunal a quo reconhece que a avaliação e consequentes exames prescritos estão de acordo com prática médica, afirmando depois - sustentado apenas na opinião do médico que assina o relatório técnico científico - que se impunha, para além disso, a realização de um eletrocardiograma e doseamento de troponinas.
47. E é nesta parte que o Tribunal a quo imputa aos arguidos, por igual, a violação da “leges artis”. Ora,
48. E é logo aqui que o Tribunal a quo, salvaguardando o devido respeito, comete o primeiro erro grave na subsunção.
49. Nem nos autos nem na consulta técnico científica, são identificados ou expostos quaisquer “procedimentos médicos que, razoavelmente, são exigíveis ao profissional, porque estabelecidos, por exemplo, por protocolos de diagnóstico, de terapêutica e/ou de execução ou de procedimento técnicos” como afere a decisão.
50. Em momento algum está objetivado qualquer protocolo médico para o caso concreto que os arguidos não tenham seguido.
51. Está, apenas e só, assente na opinião de um médico - Prof. Dr. CC - que, também ela, vem desacompanhada de qualquer protocolo e que se mostra totalmente contraditada pelos restantes SETE MÉDICOS ouvidos em audiência e julgamento, sendo três deles precisamente indicados na acusação.
52.Portanto, nem sequer há unanimidade ou sequer maioria na prova da acusação, quanto à alegada violação da leges artis.
53. E isso, por si só, deverá ser manifestamente suficiente para concluir que inexiste erro médico ou, violação de qualquer dever de cuidado. Aliás,
54. Neste mesmo sentido veja-se o Parecer Médico que ao diante se junta, emitido pelo Sr. Dr. KK, Assistente Hospitalar Graduado Sénior de Cardiologia no CH..., Responsável pelo Laboratório de Hemodinâmica, Coordenador do Centro de Referência de Intervenção em Cardiopatia Estrutural, com a cédula profissional OM ... (doc. 1 ao diante junto)
55. Parecer este cuja admissão deve ser deferida à luz do artigo 165º n.º 1 do CPP, na medida em que “a audiência aludida no nº1 do citado art. 165º reporta-se também à audiência no tribunal de recurso, pelo que os pareceres de advogados, de jurisconsultos e de técnicos podem ser juntos até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância ou, em caso de recurso, até ao encerramento da audiência no tribunal de recurso” - Acórdão do STJ de 31.05.2017, processo 559/12.0JACBR.C2.S1. Assim,
56. Parecer este no qual se conclui que “a observação do doente pela Dra AA com o pedido de análises (incluindo mioglobina e CK) ocorreu pelas 5:51 e que a colheita das mesmas terá ocorrido depois dessa hora, o valor negativo destas enzimas (particularmente da mioglobina), torna pouco provável o diagnóstico de EAM”.
57. Mais referindo quanto à complicação cardíaca do paciente que “Aproveito para referir que uma lesão de 25% é considerada funcionalmente insignificante”.
Por outro lado,
58. Mais evidente é a inexistência de prova quanto ao nexo causalidade entre a conduta dos arguidos e o falecimento posterior do paciente, à luz, por exemplo do decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de junho de 2023, no processo n.º 77/20.2GAVFR.P1.
59. De acordo com o relatório técnico científico e o seu autor no qual se estribou o Tribunal para formar a sua convicção, assumem que não se pode assegurar que a realização dos exames detetasse qualquer enfarte de miocárdio e, bem como afirmam que em momento algum se poderá assegurar que o paciente já estivesse em processo de enfarte quando se deslocou à urgência.
60. E estas repetidas afirmações por parte do relatório técnico científico são corroboradas pela demais prova produzida, a qual acrescenta ainda que os sintomas do paciente que o levaram à urgência - desde logo a dor à palpação no quadrante superior esquerdo - são distintivas do diagnóstico do problema conseguinte,
61. Para se verificar o preenchimento do tipo de crime pelo qual os arguidos foram condenados, teria de haver prova inequívoca e conclusão clara não só da violação do dever de cuidado, o que não sucedeu.
62. Não se mostram preenchidos os requisitos do tipo de crime imputado aos arguidos.
63. O Tribunal a quo violou, pois, os artigos 137.º e 15.º, ambos do Código Penal,
64. O que deverá conduzir à absolvição.
65. No que ao segundo momento desta apreciação diz respeito, o Recorrente não efetuou qualquer avaliação ao paciente e teve uma prática absolutamente normal e em linha com um serviço de urgência.
66. Atente-se que TODA a prova produzida foi unânime quanto à prática médica a adotar por qualquer clínico: dar alta.
67. Atente-se, uma vez mais, que até o Prof. Dr. CC em quem o Tribunal a quo sustenta a sua resolução, foi afirmativo ao sublinhar que não se poderia imiscuir na prática médica da urgência hospitalar, reconhecendo que isso tem sempre que ver com o modo de operacionalidade do serviço de urgência (depoimento prestado na sessão de julgamento conforme registo em ata de 21-06-2023, tendo ficado gravado no sistema áudio em uso no tribunal com início pelas 14:42:24 e o seu termo pelas 16:16:55, na passagem do minuto 1:23:33 ao minuto 1:24:08 do seu depoimento).
68. Perante isto, constata-se que é o próprio Prof. Dr. CC que remete para a forma de organização e funcionamento do serviço de urgência, a prática a adotar na passagem de turno dos pacientes.
69. Assim sendo e perante - essa sim - avassaladora prova produzida pelas testemunhas que são chefes de equipa naquele serviço de urgência, como vimos; cargos de direção na UAG e médicos com prática naquele serviço há mais de duas décadas,
70. Impunha-se ao Tribunal relevar essa prova, ao invés de a desprezar por absoluto e,
71. adjetivar a conduta do arguido como “leviana” quando, na verdade, foi a conduta que todos e quaisquer médicos teriam tido no seu lugar,
72. e que têm por obrigação respeitar no serviço de urgência do Hospital ....
73. Também por aqui o Tribunal a quo deveria concluir que o arguido aqui Recorrente não violou qualquer dever de cuidado ao dar alta, uma vez que não efetuou a avaliação do paciente porque não só não estava ao serviço,
Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mera e estrita cautela de patrocínio se pondera;
Da Medida da Pena
74. Ainda que se entendesse pela manutenção da condenação - o que não se admite e apenas por mera cautela de patrocínio se pondera - atendendo aos factos provados pelo próprio Tribunal a quo - nomeadamente os factos provados nos pontos 15 a 22, desde logo - mostra-se claramente desajustada a condenação a uma pena de multa superior a metade dos dias de multa aplicáveis ao caso concreto. Na verdade,
75. A fixação de tal pena é manifestamente desproporcional.
76. O Tribunal a quo imputa a ambos os arguidos, por igual, a responsabilidade pela alegada violação da leges artis: à arguida AA porque avaliou o paciente e ao arguido e aqui Recorrente porque deu alta. Ora,
77. Sendo a responsabilização dos arguidos por igual, mostra-se completamente injustificada e infundada a diferenciação e agravamento da pena de multa no que ao arguido aqui Recorrente BB diz respeito.
78. Como se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/07/2019, processo n.º 114/15.2 GABRR. L2.S1, mais disse “Considerando que ambos os arguidos são condenados por crime idêntico, deve a pena concreta reflectir, ainda, respeito pelos princípios da proporcionalidade e igualdade por que se deve nortear o julgador ao sancionar condutas de vários agentes.”
79. Se não pugnar o Tribunal pela absolvição do arguido aqui Recorrente - o que se espera ser a decisão - então, a pena do arguido aqui Recorrente deverá ser reduzida e igualada, sempre, à da arguida AA.
Termos em que se requer a V.ª Exas. se dignem dar provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.
***
Também inconformada com a sentença, a arguida AA veio interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. Os factos que o Tribunal considerou provados não permitem estabelecer um nexo causal entre a conduta imputada à Recorrente e a morte do paciente.
2. Não permitem a “imputação objetiva do resultado (neste caso, a morte duma pessoa) à conduta do agente”.
3. A suposta violação das legis artis atribuída à Recorrente, se fosse verdadeira, não passaria, nas circunstâncias concretas do caso vertente, dum mero indício, possibilidade, simples hipótese de existência desse nexo causal.
4. Nexo causal, aliás, controvertido pelo próprio relatório pericial cujas conclusões constituem o facto provado n° 8, foram determinantes para a condenação da Recorrente e consignam explicitamente a existência de dúvidas a tal respeito.
5. Não se tendo demonstrado a efetiva existência desse nexo causal, aferido pelos critérios da causalidade adequada e para além de toda a dúvida razoável, não se demonstrou um requisito objetivo essencial do tipo de crime p. e p. pelo art° 137°, CP - a imputação do resultado típico à conduta do agente -, pelo que a douta sentença violou esse preceito e deve ser revogada, absolvendo-se a Arguida.
6. Quando assim se não entenda - o que não se concede - terá de relevar-se que a douta sentença incorreu nas nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n° 2 do art° 410°, CP, porque do seu próprio texto sobressaem a contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova.
7. Por um lado, existe uma insuperável incongruência e contradição entre as asserções, constantes da douta sentença impugnada, de que não é possível afirmar que a conduta omitida pela Recorrente poderia não ter levado ao diagnóstico de acidente coronário agudo que causou a morte do paciente e, portanto, poderia não ter evitado essa morte, e de que não é possível afirmar perentoriamente que a conduta omitida teria levado ao diagnóstico de acidente coronário agudo, e a conclusão assertiva e definitiva de que “a atuação negligente d[a] arguid[a] não foi de molde a evitar a morte do paciente”.
8. Tais afirmações e conclusão contradizem-se e implicam a nulidade prevista na al. b) do n° 2 do art° 410°, CPP.
9. Por outro lado, a douta sentença assume que é “indiscutível que as testemunhas que depuseram possuem profusos conhecimentos científicos e técnicos”, sendo incontestável - como resulta da síntese dos respetivos depoimentos vertida na sentença - que impugnaram e contraditaram as conclusões do relatório pericial que alicerça a condenação da Recorrente.
10. Apesar disso - da reconhecida competência, saber e profusos conhecimentos científicos e técnicos — e de a sua credibilidade e isenção não suscitar o menor reparo, o Tribunal não valorou o depoimento dessas testemunhas - que vão identificadas e cujo teor está resumido no texto desta motivação e aqui se dá por reproduzido.
11. A douta sentença excluiu a valoração da prova esses depoimentos unicamente com o fundamento expresso de que o resultado obtido através da própria pericial nunca pode ser colocado em crise pela análise do depoimento de testemunhas e porque as testemunhas a que se alude “foram ouvidas na qualidade de testemunhas e não de peritos”.
12. Esta premissa, assumida como pilar estruturante da sentença e da condenação da Recorrente, está errada e ofende o disposto no art° 130°, 2, CPP, que legitima a manifestação por testemunhas de convicções pessoais sobre factos ou a sua interpretação “quando tiver lugar em função de qualquer ciência, técnica ou arte.
13. Pressuposto o conhecimento científico e técnico - que a douta sentença reconheceu e enfatizou no caso concreto como profuso -, o depoimento das testemunhas pode e deve ser valorado, em confronto com qualquer opinião ou juízo pericial.
14. Ao desprezar em termos absolutos os depoimentos das testemunhas a que se alude, pela mera circunstância de terem deposto nessa qualidade, a douta sentença ofendeu o disposto nos artos 130, 2, b), e 163°, 2, CPP, incorrendo no erro notório de apreciação da prova previsto na ai. c) do n° 2 do art° 410°, CPP.
15. Também com esse fundamento, se não se considerar o da atipicidade da conduta, deve revogar-se a douta sentença.
16. Quando se entenda que não são válidas e procedentes as críticas constantes das conclusões anteriores, deve reconhecer-se que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao considerar provados os factos que elencou sob os números 10,11,12 e 13.
17. As declarações da Recorrente, os depoimentos das testemunhas inquiridas - identificadas no corpo desta motivação e cujos depoimentos estão nele reproduzidos, através da transcrição da síntese da própria sentença - o relatório da autópsia de fls 43 e segs e o próprio relatório pericial de fls 135 e segs impõem que tais factos sejam considerados não provados.
18. Os depoimentos das testemunhas, além de contrariarem frontalmente a afirmação constante da douta sentença de que “nenhum dos relatórios foi posto em causa” excluem em termos insofismáveis a existência da violação de qualquer dever de cuidado e/ou das legis artis por parte da Recorrente.
19. E, pelas razões que ficaram expostas nas alíneas A) e B) desta motivação, a análise dos relatórios de autópsia e pericial, impõe, de igual modo, que se considere incorretamente julgados aqueles factos.
20. Impõe, ademais, que se considerem erradas as conclusões que, nesta matéria da violação das regras de conduta, foram formuladas pelo Perito,
21. como, aliás, acentuam e demonstram os dois Pareceres que vão juntos e aqui se dão por reproduzidos.
22. O Tribunal recorrido ofendeu, assim, o disposto nos artos 127° e 163°, 2, CPP, tendo incorrido em erro de julgamento ao considerar provados os factos referidos na anterior conclusão n° 16, pelo que também com esse fundamento, a douta sentença teria de ser revogada, se fossem julgadas improcedentes as críticas expostas nas alíneas A) e B) desta motivação, o que não se concede.
23. Se nenhum dos reparos formulados nas conclusões antecedentes merecer provimento, sempre teria de declarar-se que o Tribunal violou o poder/dever em que está investido de promover oficiosamente a realização duma nova perícia, atenta a circunstância de os resultados da perícia realizada terem sido controvertidos e postos em causa pelos depoimentos consistentes e credíveis das testemunhas inquiridas cuja profusa competência científica e técnica foi expressamente reconhecida na sentença.
24. Ao omitir essa nova perícia, cuja realização, neste contexto subsidiariamente invocado, se revela essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, a douta sentença incorreu em nulidade, por ofensa do disposto no art° 340°, 1, CPP, e terá se ser revogada.
TERMOS EM QUE julgando o recurso procedente e revogando a douta sentença, farão Vossas Excelências a habitual JUSTIÇA!
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Os recursos foram ambos admitidos por despacho de 08.11.2023.
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O Ministério Público veio responder a ambos os recursos, defendendo que não lhes deve ser concedido provimento.
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Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que “impõe-se, por um lado, a absolvição do Recorrente BB por não estar verificada quanto ao mesmo a acção objectiva violadora da legis artis e no que diz respeito à recorrente AA verificam-se os vícios previstos no artigo 410.º, n.º2 b) e c) do CPP, que impõem, o reenvio do processo à 1ª instância para novo julgamento”.
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas nos recursos interpostos da decisão final proferida pelo tribunal singular.
Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida.
1. Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados e respetiva motivação (transcrição):
Factos provados:
Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão a proferir, os seguintes factos:
1. No dia 30.11.2015, cerca das 5.07h., LL de 78 anos de idade, foi admitido na urgência polivalente do Hospital ...;
2. A arguida AA, doravante AA, na qualidade de médica interna de formação específica de Oncologia Médica, com o número de inscrição na O. dos Médicos ..., encontrava-se em exercício de funções naquele Serviço, no turno das 20h. às 8h. tendo observado o paciente;
3. Conforme cópia do relatório de urgência constante de fls. 58 e ss, às 5.50h., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, após a observação do paciente, a arguida AA, fez um diagnóstico primário de diarreia/gastroenterite aguda, e prescreveu estudo analítico, analgesia e Rx abdominal;
4. O arguido BB, na qualidade de médico da especialidade de clinica geral, com o número de inscrição na O. dos Médicos ..., em exercício de funções naquele Serviço, no turno das 8h. às 20h., conforme cópia do relatório de urgência constante de fls. 58 e ss, às 11.30h., observou o paciente, prescreveu-lhe Buscopan 10 mg, um comprimido em SOS, Atyflor, e deu-lhe alta, com as recomendações de se dirigir ao médico assistente se os sintomas persistissem, de regressar ao serviço de urgência em caso de agravamento, de dieta branca e hidratação oral;
5. LL regressou à sua residência situada na Rua ... nesta cidade cerca das 12h., onde cerca das 12.30h., tomou um comprimido de Buscopan que lhe havia sido prescrito, dado que se queixava de dores na zona epigástrica, e cerca das 15h., veio a falecer;
6. Conforme conclusões do relatório de autópsia constante a fls. 43 e segs., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido:
1º- Tendo em consideração os achados necrópsicos, a informação policial e social, a informação clínica, os resultados dos exames toxicológicos e anatomo-patológicos solicitados, a morte de LL foi devida a enfarte agudo do miocárdio complicado com rotura cardíaca e hemopericárdio;
7. Os exames complementares realizados, conforme fls. 45v., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, designadamente a colheita de amostras de órgãos para exame anatomo-patológico, revelou “lesões de arteriosclerose coronária e estenose de 60%. Lesões de isquemia aguda com cerca de 4 a 12h de tempo estimado de evolução com sinais de rotura em miocárdio com lesões de cardiopatia isquémica crónica e lesões de pneumopatia crónica;
8. Submetidas as intervenções e tratamentos médicos supra descritos a Consulta Técnico-científica realizada pelo Conselho Médico-legal do INML, são as seguintes as conclusões periciais:
1.“O Sr. LL, recorreu ao serviço de urgência por ter acordado nesse próprio dia com dor epigástrica, no quadrante superior esquerdo, associada a náuseas e 3 dejecções.
Referia dor epigástrica nos dias anteriores.
2. A referência a 3 dejecções diarreicas era seguramente evocativa do aparelho digestivo e levou a avaliação exaustiva nesse campo, que incluiu análises, radiografia simples do abdómen e ecografia abdominal.
3. Foram ainda pedidas duas análises, doseamento de mioglobina e de CK-creatinaquinase que levam a supor ter sido considerada a hipótese de necrose muscular. Não encontrámos no processo menção a electrocardiograma. Dado o diagnóstico prévio de cardiopatia isquémica, a existência de epigastralgia indicava, (tornava muito aconselhável), a exclusão de acidente coronário agudo. Para este propósito os exames mais indicados consistiriam em electrocardiograma e doseamento das troponinas, eventualmente seriados em caso de negatividade inicial.
4. O facto de os sintomas iniciais se terem dado antes do período de 4 a 12h estabelecido, como o tempo evolutivo do enfarto do miocárdio no relatório de autópsia não exclui que a sintomatologia dolorosa se devesse já a isquemia, sem ter havido ainda início da necrose miocárdica (enfarto). De notar que a ser este o caso poderiam os exames citados no ponto 3, ser inteiramente normais.
5. Assim, a ausência de electrocardiograma e doseamento das troponinas fundamenta a opinião de que não terão sido executados todos os exames indicados neste caso, o que constitui violação das legis artis. Não é, no entanto, possível afirmar peremptoriamente que a sua realização teria levado ao diagnóstico de acidente coronário agudo.
6. A rotura cardíaca é uma complicação pouco frequente do enfarto do miocárdio, de péssimo prognóstico. Determina descompensação hemodinâmica aguda e grave que o doente não apresentava aquando da sua estadia no serviço de urgência.
9. Conforme se constata da leitura do relatório de urgência cuja cópia se encontra a fls. 58 e ss, na história da doença actual, o paciente referiu que acordou de madrugada com dor intensa na região epigástrica e quadrante superior esquerdo, associada a náuseas, sem vómitos e dejeções liquidas (apresentou 3 sem sangue ou muco), tendo como antecedentes pessoais, além do mais, cardiopatia isquémica.
10. Não obstante o antecedente pessoal de cardiopatia isquémica, ao longo da permanência do paciente no serviço de urgência os arguidos que o assistiram, por falta de cumprimento do dever de cuidado que lhes era exigível, não foram capazes de avaliar que dado o referido diagnóstico prévio de cardiopatia isquémica e a existência de epigastrialgia, indicava e tornava muito aconselhável, a realização de exames para exclusão de acidente coronário agudo.
11. Por falta de observação do dever de cuidado que lhes era exigível, os arguidos não lograram avaliar a necessidade de realizar os exames de diagnóstico de acidente coronário agudo, o electrocardiograma e doseamento das troponinas, o que pôs em risco a vida do paciente, por não terem identificado o período crítico em que a consequente intervenção médica poderia ter evitado a morte do paciente LL.
12. Ao longo da permanência do paciente no serviço de urgência os arguidos agiram de forma contrária às leges artis, revelando uma atitude censurável de descuido perante o comando jurídico-penal, pois ignoraram e não ponderaram o antecedente prévio de cardiopatia isquémica, levando-os a excluir a hipótese de acidente coronário agudo, sem que tivessem realizado os necessários exames de diagnóstico, cuidado que lhes era exigível e de que eram capazes.
13. Por falta do dever de cuidado que lhes era exigível e pelos erros de diagnóstico supra descritos, os arguidos não agiram no período crítico em que a sua intervenção médica poderia ter evitado a morte do paciente.
14. Os arguidos agiram livre e conscientemente, sem o cuidado e zelo de que eram capazes e lhes era exigível, bem sabendo toda a sua descrita conduta proibida e punível.
15. No dia 30.11.2015 o paciente deu entrada na urgência do Hospital ... transportado por ambulância.
16. O paciente havia sido assistido em casa pelo INEM;
17. Nessa assistência não foi enquadrada qualquer queixa ou sintoma compatível com a patologia cardíaca que acabou por vitimar o paciente.
18. Se a assistência do INEM tivesse suspeitado de tal possibilidade em função das queixas do paciente, tinha por obrigação contactar o médico do CODU.
19. Se a assistência do INEM tivesse identificado um quadro clínico compatível com aquele que veio a vitimar o paciente, tinha por obrigação informar a urgência do Hospital ... quando ali entregou o paciente LL, o que não sucedeu.
20. Caso o serviço de triagem do Hospital ... tivesse identificado um problema eventualmente cardíaco ou tivesse recebido informação do INEM nesse sentido, competia-lhe encaminhar o paciente com prioridade pela “via verde coronária”, de acordo com os procedimentos instituídos e publicitados pelo hospital.
21. O paciente em causa não foi encaminhado para qualquer via prioritária, nem mesmo para a via verde em causa. Tal como a emergência médica, a triagem do hospital também não identificou qualquer quadro compatível com possibilidade de enfarte de miocárdio.
22. O arguido, quando recebeu o paciente com um primeiro diagnóstico e terapêutica aplicada, deu por assente que esse quadro já tinha sido avaliado e afastado.
23. O agregado familiar da arguida é composto pelo seu marido e filhos, seus progenitores e irmã mais nova. Contraiu matrimónio em 2016, tendo o casal permanecido integrado no agregado familiar de origem da arguida. A arguida descreve uma relação familiar funcional e gratificante, beneficiando de apoio incondicional do cônjuge e da família de origem. À data dos factos a arguida era solteira, integrava o agregado familiar natural, constituído pelos progenitores e irmã mais nova. Formação profissional certificada: Aprovação em exame da especialidade em Oncologia Médica em outubro de 2019. À data dos factos que deram origem aos presentes autos, a arguida estava a frequentar o segundo ano de internato na especialidade de oncologia médica no IPO ... e no período entre Janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2015 efetuou um estágio no Hospital ... no Porto na especialidade de Medicina Interna. A arguida concluiu o internato no IPO em julho de 2019, por ter um período de interrupção por licença de maternidade, e efetuou o respetivo exame em outubro de 2019. Após isso a arguida manteve-se a trabalhar no IPO –Porto até março/2020. Posteriormente trabalhou como assistente hospitalar em regime de prestação serviços na Unidade Local de Saúde .../Hospital 1... e, em fevereiro de 2021, ingressou no Hospital 2... – serviço de oncologia médica, através de procedimento concursal, onde se mantém. No meio profissional projeta uma imagem de empenho, dedicação, competência e elevadas qualidades ao nível do relacionamento interpessoal, percurso apenas maculado por este contacto com o sistema judicial. Desde 30/11/2022 que se encontra com incapacidade temporário para o trabalho, por se encontrar com gravidez de risco, cujo parto estava previsto para finais de março/2023. Valor dos rendimentos líquidos da arguida: 1.690,37 Euros. Valor dos rendimentos líquidos do agregado: 4.245,00 Euros. Valor total das despesas/encargos fixos do agregado: 500,00Euros; 2713,00 Euros: prestação anual referente ao Estabelecimento de Ensino da filha e 114,00€ mensais referentes à alimentação e atividades extra escolares da menor. No presente a arguida e o cônjuge comparticipam em cerca de um terço das despesas mensais do agregado familiar, num valor que estimam em cerca de 500,00€. AA perceciona a sua situação como equilibrada e ajustada ao seu estilo de vida. AA tem mantido um quotidiano centrado na atividade profissional e na prestação de cuidados aos filhos. A titulo de lazer privilegia o convívio com a família salientando ter uma rede de sociabilidade reduzida. A arguida reside no mesmo contexto social desde a infância, e aí beneficia de uma imagem social positiva, ainda que mantendo uma interação discreta e cordial com os vários elementos da comunidade.
24. O arguido frequentou o curso de Medicina, com duração de 6 anos, período durante o qual efetuou cerca de um ano de intercâmbio, ao abrigo do Programa Eramus, na licenciatura em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade ,,,. Tem formação superior em Medicina pela Universidade ... (Itália). O arguido exerce medicina em Portugal, desde 2008, tendo passado por vários Serviços de Urgência, público e privado, conforme as solicitações/necessidades daqueles, referindo inclusivamente ter trabalhado em vários serviços no mesmo período de tempo. Presentemente exerce funções de médico nos serviços de urgência do Hospital ..., E.P.E. e do Hospital 3..., e em três clinicas de Medicina Integrativa, atividade que exerce em regime de prestação de serviços através da empresa A... Unipessoal, Lda., constituída em 2021, da qual é sócio-gerente. À data dos factos constantes nos autos BB exercia funções de médico junto do Serviço de Urgência do Hospital ..., E.P.E., com contrato de trabalho a tempo indeterminado. Mantinha ainda apoio à atividade do restaurante detido pelo próprio em sociedade com a família. O arguido aufere da sua actividade profissional cerca de 1.500,00€ mensais e encontra-se a amortizar um crédito à habitação no valor de cerca de 690,00€ por mês. BB refere deter uma situação económica confortável e equilibrada. O arguido ocupa os seus tempos livres no convívio com a companheira, enfermeira de profissão, a família de origem, nomeadamente os progenitores, residentes em Portugal, e amigos, referindo ainda especial gosto andar de motorizada, música e desporto. BB de 40 anos afigura-se integrado ao nível familiar, dispõe de uma situação económica equilibrada, mantem um quotidiano estruturado em função da atividade profissional, convívio familiar e passatempos, beneficiando de uma imagem positiva na esfera profissional e pessoal.
25. Os arguidos não têm antecedentes criminais.
*
Factos não provados
Com relevância para a justa decisão da causa não se provou:
a) O arguido deu alta ao paciente como lhe competia fazer em face do diagnóstico realizado,- não tendo motivo para supor que a avaliação da colega era deficitária, nem para alterar a terapêutica desta,- dos resultados dos exames pedidos, da situação do paciente naquela ocasião e, sobretudo, da prática hospitalar em situações análogas;
b) Ao arguido não competia repetir a avaliação do paciente na medida em que: (i) a avaliação inicial estava feita; (ii) os exames não apresentaram resultados compatíveis com qualquer complicação gastro intestinal ou outra, (iii) bem como o facto do paciente se encontrar clinicamente melhor;
c) Não era o arguido que tinha de consultar o registo clínico, quando o atendimento já tinha sido feito pela colega;
d) Se havia consulta a fazer era nessa ocasião e não no momento da alta, já após a realização dos exames, da terapêutica aplicada e das melhorias do paciente;
e) Essa obrigação, a existir, não era ao arguido que incumbia na medida em que este não havia avaliado nem medicado o paciente;
f) No sistema informático do hospital não constava qualquer descrição do historial clínico do paciente com impacto naquele episódio de urgência;
g) Perante tal ausência de informação, para ter acesso ao processo do paciente no âmbito da urgência e naquela ocasião, teria que ser pedido ao hospital;
h) À data da consulta na urgência do Hospital ..., nem o processo clínico, nem as declarações do paciente aos médicos que o atenderam bem como aos demais profissionais de saúde que o atenderam, revelavam qualquer indício do acidente cardíaco que o veio a vitimar.
i) A avaliação e decisão de dar alta por parte do arguido foi a correta.
*
Sublinhe-se que o que foi descrito na contestação apresentada pelo arguido e que não foram especificamente dados como provados ou não provados, tal resulta de, ou serem factos instrumentais de outros factos fundamentais dados como provados ou não provados, ou estarem, em particular ou em geral, em contradição lógica com a matéria fáctica supra referida ou, ainda, por não terem interesse para a decisão da causa, designadamente por serem conclusivos.
*
Motivação
Importa, ab initio, salientar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do disposto no art.º 127.º, do Código de Processo Penal.
Tal consagração legal não significa que o julgador possa proceder arbitrária e caprichosamente à avaliação da prova, ou que a lei lhe ofereça a faculdade de julgar como lhe aprouver, sem provas ou mesmo contra as provas produzidas, antes pelo contrário, este princípio significa que o tribunal deve julgar segundo a consciência que formou e, essa convicção é formada, não em obediência a regras preestabelecidas, a quadros, critérios ou ditames impostos por lei, mas sim através da influência que as provas produzidas exerceram no espírito do julgador, após as ter apreciado e avaliado, segundo critérios de valoração racional e lógica, e com apelo à sua experiência, sendo que, neste particular aspecto, não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção directa que a imediação e a oralidade conferem ao julgador.
A apreciação da prova processa-se, assim, segundo as regras da experiência e a livre convicção, a significar que a prova deve ser analisada através da formulação de juízos assentes no bom senso e experiência de vida, temperados pela capacidade crítica, o distanciamento e a ponderação adquiridos na experiência quotidiana do julgar, procurando-se reconstituir o facto histórico, usando a razão como instrumento.
Neste conspecto, importa, desde logo, sublinhar que, no vertente caso, foi carreada para os autos prova documental, mas também extensa prova testemunhal, assumindo ainda particular relevância, como veremos infra, a prova pericial cuja realização foi ordenada, em sede de inquérito, sendo complementada em sede de instrução e novamente em audiência de julgamento através de esclarecimentos adicionais prestados pelo Perito relator e cujos resultados, no decurso da audiência de julgamento, foram devidamente analisados e sujeitos a contraditório.
Transpondo estas considerações para a análise da matéria probatória-factual carreada no âmbito dos presentes autos, é forçoso, então, concluir que, para além da apreciação da prova pericial, impõe-se forçosamente o rigoroso exame crítico das demais provas reunidas pela acusação e pela defesa dos arguidos, que, obviamente, foram devidamente subordinadas ao princípio do contraditório Como se conclui no Acórdão da Relação de Coimbra de 05 de Julho de 2006, disponível em www.dgsi.pt.
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Posto isto, vejamos, então, os meios de prova a que se recorreu para formar a convicção do tribunal nos moldes acima traduzidos no elenco dos factos provados e não provados, sublinhando, primeiramente, que atenta a complexidade do caso e a natureza específica da matéria factual aqui em causa, o método seguido pelo tribunal foi precisamente atender a todas as informações clinicas/processo clínico respeitante ao falecido, evidenciado na variada documentação coligida nos autos, concretamente na ficha de observação médica de fls. 7 e 8; relatório de exame do hábito externo a fls. 11-16; reportagem fotográfica a fls. 32-34; relatório de urgência de fls. 58 a 61; registos clínicos de cardiologia a fls. 73-92, 102-113; registo do serviço de radiologia de 30.11.2015, a fls. 116; registo do laboratório de patologia clinica de 30.11.2015, de fls. 117, 118; informação de turnos médicos, de fls. 220, 221, 232, 233; informação da Ordem dos Médicos, relativa às cédulas profissionais dos arguidos, a fls. 255 e Verbete de Socorro e Transporte de Ambulância de Emergência Médica – CODU de fls. 530, conjugando-os devidamente com as declarações dos arguidos que, em sede de julgamento, optaram por prestar esclarecimentos sobre os actos que adoptaram na avaliação, seguimento e tratamento do paciente em referência (sobretudo, quanto aos motivos que justificaram as decisões que tomaram a esse propósito) e, ainda, com o resultado da consulta técnico-científica efectuada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P. – Conselho Médico-Legal e, finalmente, com o próprio teor da prova testemunhal.
A par destes elementos documentais, foram igualmente valorados:
As declarações do assistente MM, filho do falecido LL, que mencionou que morte do seu pai ocorreu após a sua ida à urgência do Hospital ..., segundo teve conhecimento, já que não acompanhou o próprio, cerca das 04:00 horas da madrugada do dia 30/11/2015, com queixas diversas relacionadas com vómitos, diarreia e mau estar digestivo, apresentando histórico de cardiopatia. Após ter tido alta, umas horas depois de ter sido assistido no dito hospital, regressou a casa cerca das 11h, onde veio a falecer cerca de 1 hora depois. O relatório de autopsia a que o assistente teve acesso não associou à causa da morte a qualquer problema de gastroenterite, contrariamente ao diagnóstico que foi realizado no Hospital, tendo antes sido vitimado por um enfarte. Supõe assim que o seu pai foi enviado para casa sem ter sido efectuado qualquer exame cardiológico, o que muito estranha porquanto tinha diagnostico anterior naquele mesmo hospital, de problemas de natureza cardíaca tendo ali consultas regulares de acompanhamento na especialidade, após ter sido submetido a um cateterismo há vários anos atrás. Entende que os médicos que assistiram o seu pai na urgência tinham obrigação médica profissional de consultar a ficha clínica do paciente e assegurar-se de que não existia nenhum processo latente cardíaco. Não tendo sido feito o diagnostico correcto, já que não se tratava de qualquer gastroenterite, tal levou à falta de tratamento adequado e, consequentemente, conduziu ao desfecho fatal que podia ter sido evitado.
A testemunha NN, viúva do falecido, referiu que na madrugada do dia em causa, constatou que o marido se queixava de indisposição e dores no meio de peito, tendo este chamado o INEM, que o conduziu ao Hospital .... Afirmou que não acompanhou inicialmente o marido ao hospital, tendo-se dirigido para lá cerca das 11h acompanhada da filha e quando contactou com aquele ainda se queixava que a dor persistia, dizendo que tinha sido medicado com tramadol e buscopan. Relatou que o trouxeram para casa no momento em que teve alta, ocorrida umas horas depois da admissão no hospital e que logo que o marido regressou a casa foi deitar-se na cama porque ainda se queixava com dores e mau-estar. Disse que ainda preparou fruta cozida para o marido, que mais tarde recusou comer. A determinada altura ouviu uns gemidos e dirigiu-se ao quarto, vendo o marido de pé e modo estático e de repente caiu, ostentando a língua azul, tendo a testemunha de imediato chamado o INEM que veio a declarar o óbito.
Relatou que há uns anos antes o marido já tinha tido complicações cardíacas, tendo então sido tratado com um cateterismo. Adiantou que a partir daí o marido passou a ser acompanhado nesse hospital em consultas regulares de cardiologia. Disse que o mesmo padecia de outros problemas de saúde, designadamente de diabetes e tensão alta, tomando muita medicação.
A testemunha DD, médico especialista em cirurgia geral e assistente na Faculdade de Medicina, exerce funções no Hospital ... desde 1989, apesar de ser o chefe de equipa do serviço de urgência do Hospital ... no dia 30/11/2015, afirmou que o paciente em causa não passou por si em termos clínicos, nem observou directamente o mesmo. Disse que consultou o processo clinico do paciente à posteriori e que perante as queixas apresentadas pelo paciente na ocasião em que foi observado no serviço de urgência, concretamente dor abdominal na zona epigástrica (situada entre o umbigo e o apêndice xifoide, extremidade inferior do osso esterno) e diarreia, a seu ver, os exames efectuados na urgência foram os adequados e o diagnóstico foi também acertado, já que o doente para além da dor abdominal apresentava também diarreia profusa o que aponta para um quadro de gastroenterite, sendo que a diarreia não faz parte dos sintomas cardíacos nem do quadro normal de enfarte, daí que não fosse de equacionar a hipótese de uma causa cardíaca nem despistar um enfarte.
Explicou também que o serviço de urgência é direcionado especificamente para as queixas exibidas pelo paciente naquele concreto momento, não sendo possível fazer um checkup geral ao doente por falta de tempo e de meios. Perante a informação de antecedentes cardíacos o exame requisitado pelo clinico – análise às troponinas (que assinala se houver necrose/morte de células musculares em geral, mas também do musculo cardíaco. Se houver troponina aumentada então há que fazer uma analise à troponina cardíaca para saber se o aumento daquela se deve ao coração) foi ajustado, sendo que, ao que sabe, o resultado do mesmo foi normal. O resultado de tal analise pode demorar entre 3 a 4 horas, dependendo do fluxo da urgência naquele dia.
Afirmou que é acessível a consulta informática dos registos clínicos do paciente aquando da intervenção no serviço de urgência, estando disponíveis não só os registos clínicos do próprio hospital, mas também os de outros hospitais e centros de saúde. Ainda a tal propósito referiu que embora o sistema informático que permite tais consultas venha sendo aperfeiçoado ao longo dos anos, tal consulta já era possível em 2015 sendo que a consulta dos registos do próprio Hospital ... já é possível pelo menos desde o ano 2000. Confirmou que a consulta informática do registo clinico do paciente é norma e consiste numa boa prática clinica por parte dos médicos, mas que há situações no serviço de urgência em tal não é possível, mormente quando se está perante uma dor intensa, um estado agudo ou crítico incompatível com a demora na consulta imediata do processo clinico.
Esclareceu que ocorrendo "passagem de turno" médico, é prática normal que o médico do turno seguinte se limite a prosseguir os tratamentos prescritos pelo médico do turno anterior, já que se trata de um trabalho de equipa, havendo que confiar na informação que é transmitida pelo colega e nas estratégias terapêuticas delineadas, até porque não há tempo para fazer uma nova e completa avaliação, admitindo no entanto que nos casos em que se suscite alguma dúvida ou haja alteração do estado do doente e designadamente em caso de agravamento de tal estado, naturalmente ocorra a reavaliação clínica e da estratégia terapêutica. Confirmou ainda que à data, como no presente, era possível no âmbito do serviço de urgência solicitar a realização de um eletrocardiograma a qualquer hora, o que não é invulgar sendo até um exame fundamental na urgência e muitas vezes até é feito independente da indicação médica como sucede nas situações de via verde coronária. Explicou também que a circunstância do paciente ser seguido em cardiologia não significa que tenha de ser associado imediatamente a doença cardíaca.
Disse que inicialmente quem determina à entrada do paciente no serviço de urgência se o tipo de dor é precordial ou epigástrica, é o enfermeiro através do método da triagem de Manchester.
Esclareceu que a dor do coração pode estender-se até ao umbigo; a dor reflexa é uma dor caracterizada por ser fora da localização do órgão e isso pode acontecer com o coração porque o cérebro interpreta mal e daí poder doer até ao umbigo.
A testemunha HH, médica especialista em cirurgia geral e que exerce funções no serviço de urgência do Hospital ... desde 2005, começou por referir não se recordar se estava ao serviço no dia em causa e seguramente não ter observado o paciente em questão, nem ter tido qualquer contacto directo com o caso.
Descreveu os procedimentos que pessoalmente adoptaria na observação e avaliação de um doente que surgisse com as queixas apresentadas pelo falecido, começando por tentar colher a história clinica do paciente em conversa com o mesmo relacionando, caso fosse necessário, com a consulta dos registos informáticos disponíveis que à data existiam no Hospital .... Salientou que as perguntas que são feitas ao paciente indicam e ajudam a contextualizar as suas queixas e os seus antecedentes de saúde, o exame físico e a observação do aspecto geral do doente, são tudo elementos que auxiliam o clinico no momento de orientar os pedidos de exame, de determinar o diagnostico e a terapêutica necessária.
No caso concreto uma vez que as queixas essenciais do paciente eram abdominais, náuseas e diarreia, na sua avaliação focar-se-ia mais no aparelho digestivo, no sistema gastrointestinal. Todavia, não seria de excluir a realização de um electrocardiograma atendendo aos antecedentes de cardiopatia isquémica.
Adiantou que na passagem de turno e tratando-se de um trabalho de equipa, em principio, há continuidade do trabalho anterior realizado pelo colega que antecedeu, ou seja, não é exigível repetir a consulta, novos exames, fazer novo tratamento, etc, a não ser que persistam ou agravem as queixas.
A testemunha II, médica especialista em medicinal geral e familiar e que exerce funções na urgência do Hospital ... desde 2010, admitiu como possível que no dia em causa integrasse a equipa de urgência, muito embora não tivesse tido qualquer contacto com o paciente em questão, desconhecendo ainda qual o médico responsável por nessa ocasião orientar e tutelar a interna.
Perante as queixas evidenciadas pelo paciente e exame físico constante do relatório de urgência de fls. 58 a 61, referiu que pese embora a dor epigástrica possa sugerir sintomatologia cardíaca, a concorrência dos restantes sintomas, designadamente diarreia e da dor à palpação, sugerem uma etiologia de natureza abdominal, a qual foi ponderada pelos colegas verificando-se que não dirigiram o estudo à parte cardíaca, caso contrário teriam solicitado a realização de um electrocardiograma e umas enzimas cardíacas. Perante o contexto dos sintomas evidenciados pelo paciente na primeira abordagem era imperativo apurar uma causa abdominal, fazendo análises completas, uma ecografia e um raio-x abdominal.
O facto de no relatório de urgência na parte dos antecedentes pessoais se fazer alusão a “cardiopatia isquémica” indicia que se teve previamente acesso ao processo clinico do paciente, sendo altamente improvável que o próprio doente fosse utilizar esse termo cientifico.
Pela observação do estudo analítico pedido, refere que foram despistadas as patologias referentes às queixas abdominais do paciente, o que considera ajustado, já que naquele momento ao que tudo indicava nada apontava para um problema cardíaco, pelo que entende que as práticas clinicas seguidas pelos colegas foram certas e adequadas.
A testemunha GG, médico especialista em cardiologia e medicina intensiva e que exerce funções no Centro Hospitalar ... no serviço de medicina intensiva, não teve qualquer contacto directo com a situação objecto dos autos, limitando-se a fazer a sua apreciação pessoal quanto à avaliação e encaminhamento clinico de um paciente com o quadro descrito no relatório de urgência constante dos autos, referindo que um doente com dor epigástrica no quadrante superior esquerdo, associado a náuseas e diarreia, com defesa à palpação, à partida não cruza com o síndrome coronário e, por isso, em principio não era de realizar exames com vista a despistar ou excluir o acidente coronário agudo. O resultado das análises realizadas (com hemoglobina normal) em conjugação com o exame objectivo efectuado ao paciente (com defesa à palpação) tornava muito baixa a probabilidade de se tratar de um acidente coronário agudo.
Afirmou, contudo, que a circunstância do paciente ter tido previamente um síndrome coronário agudo aumenta a probabilidade de novo acidente ao longo da sua vida, é seguramente um factor de risco para um novo evento.
Em principio a dor do enfarte não seria travada com a simples toma de Tramadol, mas apenas com uma substância mais potente como a morfina ou no limite com cateterismo.
Mencionou que o tipo de dor epigástrica apresentada pelo paciente é determinante para o médico decidir que tipo de exames necessita de realizar, por isso no caso concreto para responder que exames seriam adequados ou aconselháveis teria previamente de consultar e falar com o doente e efectuar o exame objectivo.
O facto do paciente ter hipertensão, diabetes e cardiopatia isquémica constituem factores de risco cardiovasculares, ou seja, aumentam a probabilidade de alguém ter um enfarte ao longo da sua vida.
A testemunha JJ, médico especialista em medicina desportiva e que trabalha no INEM desde 2009/2010, não tendo conhecimento directo dos factos em apreço, analisou contudo o verbete de Socorro e Transporte de Ambulância de Emergência Médica - CODU constante de fls. 530 dos autos, explicando que inicialmente através do 112 é feita uma triagem para aferir da priorização da situação que é feita segundo algoritmos específicos e automáticos em que o operador técnico de emergência coloca questões de acordo com aquilo que é sugerido e um dos algoritmos tem por referência justamente as dores abdominais/torácicas, o que permite de uma forma sensível aferir da suspeita de um acidente coronário agudo e acionar meios diferenciados médicos para o local.
No que concerne à ocorrência em causa verificando-se que seguiu só uma ambulância para o local, tal significa que logo à partida na priorização feita pelo INEM na triagem inicial da chamada não foi considerado haver sinais suspeitos de síndrome coronário agudo. Isso não invalida que a partir do momento em que o meio chega ao local e os técnicos de emergência pré-hospitalar, na verificação de algum tipo de suspeita que possa existir, sejam obrigados a ligar de novo para a central a informar que há essa suspeita para que, do ponto de vista médico, seja assegurado o envio de meio médico de suporte, neste caso sendo enviada ao local uma ambulância assessorada com um médico e um enfermeiro numa viatura médica de emergência e reanimação.
Está definido pela DGS a existência de uma via verde coronária havendo suspeita de síndrome coronário agudo, o que implica uma observação emergente e procedimentos urgentes, que pode ser accionada por via pré-hospital ou à entrada do hospital na sequência da triagem inicial.
A testemunha EE, médico especialista em Medicina Interna que exerce funções no Hospital ... desde 1996, referiu que no serviço de urgência em Novembro de 2015 era possível consultar através do sistema informático se o doente tinha sido submetido a internamento anterior naquele hospital, em que data, o serviço onde tinha estado internado, o diagnóstico (que era registado na nota de alta) e a respectiva alta seguramente referentes a internamentos surgidos após 2005/2006 (data em que foi instituído o sistema Alert), não tendo acesso ao diário médico, nem a registos de centros de saúde ou outros hospitais, sendo que entretanto o sistema evoluiu e presentemente já é possível aceder a informação clinica suplementar do paciente. Referiu também, ao que julga, já em 2015 ser possível aceder informaticamente à informação singela sobre o internamento, data e serviço ocorrido em 2001. Explicou também que à data não era possível aceder eletronicamente a registos clínicos mais antigos (por exemplo relatórios de urgência e notas de alta que não estavam informatizadas) e que muitas vezes demorava alguns dias para conseguir obter o acesso físico ao processo clinico.
Descreveu o funcionamento genérico da passagem de turno médico no serviço de urgência, dizendo que se o paciente já aí permaneceu durante algumas horas e foi objecto de uma avaliação inicial, frequentemente com pedidos de terapêutica e exames auxiliares é passada a informação ao colega seguinte com descrição dos procedimentos até aí efectuados e os resultados de eventuais exames realizados, sendo normal dar continuidade à avaliação, diagnóstico, exames realizados e terapêutica instituída, por forma a evitar a repetição desnecessária de procedimentos, a menos que haja alteração ou agravamento dos sintomas ou quadro clinico do doente.
Referiu que perante as concretas queixas exibidas pelo paciente no caso em apreço, à partida, não direcionaria o seu estudo para um acidente cardiovascular, nem o colocaria como primeira hipótese de diagnóstico.
Indicou que um interno em serviço de urgência tem o trabalho supervisionado por um colega especialista, que está sempre sob a alçada deste, muito embora um interno do 2.º ano de internato já tenha autonomia para fazer prescrição de exames e terapêuticas, mas as suas avaliações são validadas por colegas mais velhos ou especialistas.
A testemunha FF, médica especialista de Medicina Interna e que exerce funções no serviço de urgência do Hospital ... desde 2003, mencionou no que concerne ao acesso dos registos clínicos do paciente no serviço de urgência em 2015 conseguiam aceder a tudo aquilo que estivesse digitalizado ou informatizado, mas já não em suporte de papel, caso em que haveria necessidade de recorrer ao arquivo, o que poderia demorar dias.
Relativamente à passagem do turno médico no serviço de urgência afirmou que não é prática repetirem-se exames, avaliações e terapêutica que o colega adoptou anteriormente, a menos que haja alteração desfavorável do estado de saúde do doente.
O segundo ano de internato significa que se trata de um profissional que ainda não tem a especialidade, mas tem autonomia de avaliação e pedido de exames, sendo tutelado no seu trabalho por um médico especialista, não dispondo também autonomia para dar alta.
Já os arguidos, optaram por prestar declarações em audiência de julgamento, após a produção de toda a prova.
Referiu a arguida, em síntese, que à data dos factos desempenhava funções de Interna de Formação Especifica de Oncologia em estágio de medicina interna no 2.º ano. Na data e situação em apreço encontrava-se em exercício de funções no serviço de urgência polivalente do Hospital ..., no turno das 20h às 8h, tendo observado o paciente em causa e que após a observação directa, respectivo exame físico, historial do doente e queixas apresentadas, numa primeira abordagem pediu análises e RX abdominal. Sublinhou que solicitou os exames que se enquadravam nas queixas apresentadas pelo paciente e que constam do relatório de urgência, explicando que pediu todos os exames necessários e adequados para excluir patologias abdominais, já que as concretas queixas apresentadas pelo paciente, -concretamente a diarreia e dor à palpação abdominal com defesa-, não eram indiciadores de doença coronária, motivo pelo qual direcionou o estudo para o sistema gastrointestinal, já que a hipótese configurada foi um quadro abdominal e não um evento coronário agudo, chegando ao diagnóstico primário de diarreia/gastroenterite aguda.
Adiantou que uma vez que se encontrava em regime de estágio sendo interna de formação especifica todas as suas acções eram supervisionadas e os casos clínicos discutidos com o clinico superior, não se recordando em concreto quem naquele momento exercia as funções de tutela.
Antes de concluir o seu turno, o caso em apreço, à luz dos restantes, foi discutido na passagem do turno, tratando-se de um procedimento obrigatório, onde também estavam presentes os superiores do turno que terminava e os do turno seguinte, adiantando que não estava presente no momento em que foi dada alta médica ao paciente, sendo certo que também não dispunha de autonomia ou competência funcional para tanto.
O arguido, por seu turno, afirmou que no dia em causa iniciou o seu turno no serviço de urgência do Hospital ..., pelas 08h da manhã e nessa altura foram-lhe “passados” os pacientes que haviam sido admitidos naquele serviço no turno anterior e que ainda não tinham tido alta. Nessa sequência foi-lhe transmitido a historia do paciente em causa, os exames requisitados e realizados, o diagnóstico feito pela arguida no turno anterior, a terapêutica e a medicação ministrada e bem assim o estado atual do paciente. Ora, o paciente em causa apenas permanecia no serviço de urgência porque aguardava o resultado das análises ao sangue e da ecografia abdominal, sendo que estes não revelaram qualquer complicação de saúde do paciente, seja ela gastrointestinal ou de outra natureza. Como o paciente à observação estava melhor e não havia qualquer sinal de agravamento ou alteração do seu estado clínico que motivasse revisão do diagnóstico ou realização de outros exames complementares, limitou-se a dar seguimento ao diagnóstico e terapêutica efectuado anteriormente pela arguida, optando a final por dar alta clinica ao paciente.
Sublinhou que a concreta sintomatologia apresentada pelo paciente quando recorreu ao serviço de urgência, dor à palpação profunda na região epigástrica e QSE, com defesa e diarreia não é compatível com a patologia cardíaca aguda, pelo que o estudo foi vocacionado para a parte gástrica/abdominal, não existindo critério para despistar um acidente coronário agudo e, por isso, desnecessidade de requisitar e efectuar um eletrocardiograma.
Ora, não obstante o teor das declarações dos arguidos, corroboradas no essencial pelas testemunhas, médicos de profissão, nos moldes que acima demos conta, é inquestionável que a morte de LL foi devida a enfarte agudo do miocárdio complicado com rotura cardíaca e hemopericárdio conforme conclusões do relatório de autópsia constante a fls. 43 e segs. e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
Também resulta inequívoco da Consulta Técnico-científica realizada pelo Conselho Médico-legal do INML no âmbito dos presentes autos (constante de fls. 135-137), as seguintes as conclusões periciais:
1.“O Sr. LL, recorreu ao serviço de urgência por ter acordado nesse próprio dia com dor epigástrica, no quadrante superior esquerdo, associada a náuseas e 3 dejecções. Referia dor epigástrica nos dias anteriores.
2. A referência a 3 dejecções diarreicas era seguramente evocativa do aparelho digestivo e levou a avaliação exaustiva nesse campo, que incluiu análises, radiografia simples do abdómen e ecografia abdominal.
3. Foram ainda pedidas duas análises, doseamento de mioglobina e de CK-creatinaquinase que levam a supor ter sido considerada a hipótese de necrose muscular. Não encontrámos no processo menção a electrocardiograma. Dado o diagnóstico prévio de cardiopatia isquémica, a existência de epigastralgia indicava, (tornava muito aconselhável), a exclusão de acidente coronário agudo. Para este propósito os exames mais indicados consistiriam em electrocardiograma e doseamento das troponinas, eventualmente seriados em caso de negatividade inicial.
4. O facto de os sintomas iniciais se terem dado antes do período de 4 a 12h estabelecido, como o tempo evolutivo do enfarto do miocárdio no relatório de autópsia não exclui que a sintomatologia dolorosa se devesse já a isquemia, sem ter havido ainda início da necrose miocárdica (enfarto). De notar que a ser este o caso poderiam os exames citados no ponto 3, ser inteiramente normais.
5. Assim, a ausência de electrocardiograma e doseamento das troponinas fundamenta a opinião de que não terão sido executados todos os exames indicados neste caso, o que constitui violação das legis artis. Não é, no entanto, possível afirmar peremptoriamente que a sua realização teria levado ao diagnóstico de acidente coronário agudo.
6. A rotura cardíaca é uma complicação pouco frequente do enfarto do miocárdio, de péssimo prognóstico. Determina descompensação hemodinâmica aguda e grave que o doente não apresentava aquando da sua estadia no serviço de urgência.
Também em esclarecimentos complementares com data de 15-07-2020 (cfr. fls. 416-417) o perito médico relator, Prof. Doutor CC, em resposta à seguinte questão: “apresentando-se o paciente na urgência com dor no QSE e defesa à palpação, acompanhado de diarreia, por que motivo achava aconselhável a realização do despiste de patologia cardíaca aguda?”, afirmou que “O sr. LL, de 78 anos, com antecedentes de Diabetes tipo 2 insulinotratada, hipertensão arterial, cardiopatia isquémica (enfarto agudo do miocárdio, com angioplastia e implante stent) recorreu ao Serviço de Urgência por ter acordado nessa madrugada com dor intensa na região epigástrica e QSE, associada a náuseas, sem vómitos e três dejecções liquidas, sem sangue ou muco, sem febre. Referia ainda ter apresentado dor epigástrica ligeira nos três dias anteriores. A existência de antecedentes pessoais de factores de risco de doença coronária (diabetes insulino-medicada, hipertensão arterial), a ocorrência prévia de enfarto do miocárdio, associados a epigastralgia recorrente tornavam indicada (e muito aconselhável) a exclusão de acidente coronário”.
Tais asserções foram novamente reforçadas pelo mesmo perito médico em sede de audiência de julgamento, que reiterou que no caso concreto perante a existência de antecedentes pessoais de factores de risco de doença coronária (diabetes insulino-medicada, hipertensão arterial), a ocorrência prévia de enfarto do miocárdio, associados a epigastralgia recorrente, tornavam mandatório o despiste de acidente coronário, para o que teria de ser observado o protocolo completo para exclusão do risco de doença coronária aguda, com a realização dos pertinentes exames consistentes em electrocardiograma e doseamento das troponinas eventualmente seriados em caso de negatividade inicial, entendimento esse aprovado por unanimidade dos membros que integraram a consulta técnico cientifica do Conselho Médico-Legal efectuada nos autos. Daí que o Tribunal tivesse considerado necessariamente tais factos como suficientemente demonstrados.
De notar que a prova pericial, nos termos do disposto no art.º 151.º, do Código de Processo Penal, deve necessariamente ter lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, o que significa que a perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos.
Ora, a propósito da prova pericial, o legislador previu precisamente um desvio ao princípio da livre apreciação da prova, tal como previsto pelo citado art.º 127.º, do Código de Processo Penal Vide, a este propósito, a título exemplificativo, o Acórdão da Relação do Porto de 27 de Janeiro de 2010, disponível em www.dgsi.pt.
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Com efeito, o art.º 163.º do Código de Processo Penal estatui que “1 – O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. 2 – Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência”.
Apesar de se tratar de um desvio ao citado art.º 127.º, o certo é que é o próprio art.º 163.º que prevê expressamente a possibilidade do tribunal não acatar o juízo técnico-científico, desde que, para o efeito, assente a sua convicção numa base factual diversa daquela em que se baseou o perito, ou caso tenha renovado a perícia [ordenando uma segunda perícia] por outro perito, esta discorde do juízo pericial anterior, podendo, então, aí o julgador arredar a conclusão inscrita nesse primeiro parecer técnico precisamente com fundamento noutra crítica material da mesma natureza.
Destarte, o que o tribunal não pode fazer é contrariar o juízo pericial na base duma argumentação puramente técnico e/ou jurídica, isto porque, como refere GERMANO MARQUES DA SILVA In Curso de Processo Penal, Volume II, Editorial Verbo, 1999, páginas 178 e 179.
, só na base de argumentos da mesma natureza, ou seja, só na base doutros argumentos periciais pode o tribunal divergir do juízo técnico/pericial.
Em todo o caso, sempre que dele divergir, o julgador deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação Também neste sentido, entre outros, vide o Acórdão da Relação do Porto de 09 de Setembro de 2009, relator Desembargador ANTÓNIO GAMA, in www.dgsi.pt.
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Mais uma vez se frisa que nenhum dos referidos relatórios periciais foi posto em causa e nem foi requerida a realização de segunda perícia nos termos do disposto no art.º 158º do CPP.
Sabido que a prova pericial tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (citado art.º 151º do CPP) e é o relatório, mencionado no art.º 157º do CPP, que constitui prova vinculada, subtraída à livre apreciação do julgador, conforme estipula o art.º 163º, n.º 1 do CPP.
Representando a prova pericial em processo penal, como se disse, um desvio ao principio da livre apreciação da prova (art.º 127º do CPP), dispõe o art.º 163º do CPP, expressamente, que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador, o qual deve fundamentar a sua divergência sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos.
Porém, tal fundamentação terá sempre de ser efectuada por recurso a outro juízo pericial e não por recurso à credibilidade dos depoimentos de testemunhas.
Não podemos olvidar que a prova pericial é uma das provas de apreciação vinculada que “tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos” (art.º 151º do CPP).
Assim, as testemunhas que foram ouvidas sobre estes factos e com base nas quais a defesa pretende afastar o relatório pericial, são médicos, sendo indiscutível que possuem profusos conhecimentos científicos e técnicos. Porém, em audiência de julgamento foram ouvidas na qualidade de testemunhas, e não de peritos, sendo a prova testemunhal apreciada segundo a livre convição do julgador, e que neste caso não pode ser usada para afastar o juízo técnico da prova pericial. Com efeito, não tendo o julgador conhecimentos técnicos iguais aos dos peritos, não poderá, sem mais, desconsiderar o resultado obtido pela perícia (art.º 163º do CPP), com base em prova testemunhal e declarações dos arguidos, ainda que com conhecimentos científicos. Isto é, tratando-se de exame pericial o resultado obtido no mesmo apenas pode ser colocado em crise por outro meio de prova idêntico, com o mesmo valor probatório, e nunca pela análise das testemunhas e/ou pelas declarações dos arguidos (cujo interesse pessoal na causa é manifesto) - neste sentido se decidiu no Ac. do TRP de 06-07-2022-Proc. n.º 15467/15.4T9PRT.P1, confirmado nesta parte pelo Ac. do STJ de 06-06-2023- Proc. n.º 15467/15.4T9PRT.S1, ambos proferidos no âmbito do Proc. n.º 15467/15.4T9PRT que corre termos neste Juízo.
Quando às condições pessoais dos arguidos, atendeu-se ao teor dos respectivos relatórios sociais juntos aos autos.
Por fim, no que se refere à inexistência de antecedentes criminais, relevou os respectivos certificados do registo criminal.
Os factos não provados resultaram da insuficiência de prova a seu respeito ou de prova de circunstancialismo diverso nos termos e com os fundamentos supra expostos e com suporte em toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
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2. Enunciação das questões a decidir nos recursos em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [cf. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95)].
A. Assim, face às conclusões apresentadas pelo arguido importa decidir as seguintes questões:
a) Nulidade da perícia médico-legal;
b) Errada qualificação da consulta técnico-científica como prova pericial;
c) Impugnação da matéria de facto: erro de julgamento;
d) Qualificação jurídica dos factos.

B. Face às conclusões apresentadas pela arguida importa decidir as seguintes questões:
a) Impugnação da matéria de facto: vícios decisórios previstos nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal; erro de julgamento;
b) Nulidade decorrente de omissão de prova essencial (artigo 120º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Penal);
c) Qualificação jurídica dos factos: falta do elemento objetivo do crime.
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3. Decidindo.
QUESTÃO PRÉVIA:
Com a motivação do recurso que os recorrentes interpuseram para este Tribunal da Relação vieram os mesmos juntar documentos.
Trata-se de três documentos particulares – dois pareceres “técnico- científico” juntos pela arguida e um parecer “médico” junto pelo arguido - por meio dos quais pretendem pôr em causa as perícias médico-legais realizadas nos autos e a consequente matéria de facto.
O Código de Processo Penal, aplicável ao caso, determina, no seu art. 165.º, o seguinte:
1 - O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
2 - Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para a realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência.
A junção de documentos apenas pode ser feita até ao final da audiência de julgamento e apenas se antes não tiver sido possível - artigo 165º, nº 1 do Código de Processo Penal e não na fase de recurso (Ac. STJ 30.10.2001, proc. 1645/01, in M. Gonçalves, Código de Processo Penal anot., pág. 392), em conformidade com o que dispõe o artº 165º Código de Processo Penal que “o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução … “e só se isso não for possível e excepcionalmente, “… deve sê-lo até ao encerramento da audiência” – Cfr. Ac. STJ 25/2/93 BMJ 424, 545. E tanto assim é que mesmo por parte do arguido este pode juntar os documentos se “se provar a impossibilidade de o ter feito antes, até ao final da audiência de julgamento para que o contraditório seja ainda possível” - Germano M. da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2008, 4ª ed. pág. 229.
A junção de documentos é, assim, possível, até ao encerramento da audiência, mas a título excecional.
Tratando-se, porém, de pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, a sua junção é sempre possível, mesmo sem ser a título excecional, até ao encerramento da audiência de julgamento.
O encerramento da audiência tem, pois, de ser considerado o limite temporal máximo para a apresentação de documentos em processo penal.
Seguimos a jurisprudência dominante que considera que os documentos se destinam a fazer prova de factos e, tendo em conta que para a formação da convicção probatória apenas relevam as provas que forem produzidas ou examinadas na audiência (cf. art. 355.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), os documentos apresentados após o aludido limite temporal não poderiam estar a coberto daquele normativo processual expressivo do princípio fundamental da imediação (cf. Acórdãos do STJ de 25.03.2004, Proc. n.º 463-04, da 5.ª Secção e de 20.02.2008, Proc. n.º 4838-08, da 3.ª Secção).
Para além de que a sua consideração por esta Relação violaria os princípios que estão na base da audiência de julgamento da 1.ª instância, maxime, o do contraditório.
Ademais, «o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida» (a título de exemplo, cf. os Acórdãos do STJ de 11-04-2002, Proc. n.º 1073-02, da 5.ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual 2002, p. 134, e de 21.02.2006, Proc. n.º 260-06, da 5.ª Secção). Como também decidiu o STJ no acórdão de 15.09.2010, proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1 “os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.”,
Esta jurisprudência também se aplica aos pareceres, na medida em que possam levantar questões novas não apreciadas na decisão recorrida.
Ora, no caso sub judice, os “pareceres” apresentados foram manifestamente fora do momento temporal (encerramento da audiência de julgamento) em que a lei permite a sua apresentação.
Acresce que os arguidos/recorrentes podiam, manifestamente, ter apresentado tais pareceres antes ou durante a audiência de discussão e julgamento, porquanto o suposto erro de apreciação contido na decisão recorrida é essencialmente fundamentado no resultado da Consulta Técnico-científica realizada pelo Conselho Médico-legal do INML (respetivas conclusões), o qual já serviu de base à acusação e nela é indicado como prova pericial (o mesmo acontecendo com o Relatório de autópsia a fls. 43/49).
Assim, os recorrentes podiam e deviam prever que o tribunal não acolhesse a sua argumentação quanto à conduta que lhes é imputada na acusação, diligenciando oportunamente pela junção dos documentos, com vista à sua apreciação, discussão e confronto com a demais prova, a efetuar em audiência de julgamento, e até com eventual intervenção do próprio subscritor do referido parecer. Tais documentos podiam e deviam ter sido juntos até ao encerramento da audiência de julgamento, conforme estipula o citado art. 165.º do Código de Processo Penal.
Por conseguinte, face a todo o exposto, os referidos documentos, juntos pelos recorrentes com a motivação dos recursos interpostos, não poderão ser considerados por este Tribunal da Relação na apreciação dos mesmos recursos.
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A. RECURSO DO ARGUIDO BB
a) Nulidade da perícia médico-legal
b) Errada qualificação da consulta técnico-científica como prova pericial
O recorrente entende que a “perícia médico-legal” consubstanciada no relatório da Consulta Técnico-Científica, junta aos autos, a qual segundo os esclarecimentos prestados em julgamento pelo seu próprio autor, o Professor Doutor CC, que não prestou compromisso, foi decidido por um grupo de médicos (o Conselho Médico Científico), violou as regras inerente à prova pericial (artigo 156º do Código de Processo Penal), pelo que a mesma deve ser declarada nula e de nenhum efeito.
Acresce que o recorrente, para além de invocar a preterição das referidas formalidades, considera que a prova em apreço não integra prova pericial, não podendo ser valorada como tal.
Vejamos.
Nos termos do art. 151.º do Código de Processo Penal, “A prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”, visando a apreciação de vestígios da prática do crime que pressupõe esses conhecimentos.
A perícia é, pois, um meio de prova que visa a avaliação dos vestígios da prática do crime com base nestes especiais conhecimentos.
Assumida a opção pelo modelo de perícia pública, oficial, dispõe o nº 1 do art. 152º do Código de Processo Penal que a perícia é realizada em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não for possível ou conveniente, por perito nomeado de entre pessoas constantes de listas de peritos existentes em cada comarca, ou, na sua falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil, por pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa. Quando a perícia se revelar de especial complexidade ou exigir conhecimentos de matérias distintas, pode ela ser deferida a vários peritos funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares (artigo 152º do Código de Processo Penal). As perícias médico-legais e forenses são realizadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (artigo 159º do Código de Processo Penal e art. 2.º, da Lei n.º 45/2004, de 19.08.)
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, pág. 209, «se os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos à livre apreciação do juiz – que, contrariando-os, pode furtar validade ao parecer -, já o juízo científico ou parecer propriamente dito só é susceptível de uma crítica igualmente material e científica. Quer dizer: perante um certo juízo científico provado, de acordo com as exigências legais, o tribunal guarda a sua inteira liberdade no que toca à apreciação da base de facto pressuposta; quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também e estará, por conseguinte, subtraída em princípio à competência do tribunal – salvo casos inequívocos de erro, mas nos quais o juiz terá então de motivar a sua divergência.».
Estamos, pois, perante um meio de prova pessoal, executada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos, cuja importância, em virtude de tais conhecimentos, leva a que o legislador a tenha preferencialmente entregue a serviços públicos, desde que a complexidade da matéria não justifique diferente tratamento ou não exista impossibilidade ou inconveniência.
A perícia tem de ser precedida de despacho da autoridade judiciária que a ordene, contendo, além do mais, indicação sumária do objeto da perícia.
No caso em apreço, na acusação deduzida, para a qual remeteu a pronúncia nesse âmbito, aquele parecer foi mencionado como prova pericial, conforme já referimos.
Por seu lado, verifica-se que foi elaborado na sequência de despacho do Ministério Público, no inquérito e, assim, da autoridade judiciária que dirige essa fase (arts. 1.º, alínea b), e 263.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), nos termos do qual, conforme decorre do despacho proferido em 12.12.2016, informando que se investiga nos presentes autos a denúncia de um crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos com violação de leges artis, p. e p. nos termos do art.º 150º, n.º 2, ou de homicídio por negligência, p. e p. nos termos do art.º 137° ambos do C. Penal, solicitou ao Conselho Médico-legal parecer com vista a apreciar se as intervenções e tratamentos dispensados ao paciente LL se mostraram os indicados e se foram levados a cabo segundo as legis artis, ou se pelo contrário, foram realizados violando essas legis artis, criando um perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou para a saúde.
A consulta Técnico-Científica do Conselho Médico-Legal do INML (órgão colegial), cujo relator foi o Professor Doutor CC, emitiu, em 08.11.2017, no âmbito da consulta técnico-científica, o parecer constante de fls. 135 a 137 dos autos.
Dispõe o art. 1º do D.L. nº 131/2007, de 27/4, o Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P. é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado e prossegue atribuições do Ministério da Justiça e um dos seus órgãos é, precisamente, o conselho médico-legal – art. 4º.
Integram o Conselho Médico-Legal o presidente do conselho directivo do INML, os directores das Delegações do Norte, Centro e Sul do INML, um representante dos conselhos regionais disciplinares de cada uma das secções regionais da Ordem dos Médicos, dois docentes do ensino superior de cada uma das áreas científicas de Clínica Cirúrgica, Clínica Médica, Obstetrícia e Ginecologia e Direito e um docente do ensino superior de cada uma das seguintes áreas científicas: Anatomia Patológica, Ética e ou Direito Médico, Ortopedia e Traumatologia, Neurologia ou Neurocirurgia e Psiquiatria – art. 6º, nº 1, do mesmo diploma.
Quanto às suas competências, compete a este conselho «exercer funções de consultadoria técnico-científica, designadamente emitir pareceres sobre questões técnicas e científicas de natureza pericial» – art. 6º, nº 2, al. a), do referido DL..
E a forma de intervenção do Conselho Médico-Legal é, precisamente, através da “consulta técnico-científica”. Assim se chama a intervenção técnica deste órgão – art. 6º, nº 2, al. a), e 3.
A consulta técnico-científica do Conselho Médico-Legal pode ser solicitada, além do mais, pela Procuradoria Geral da República (art. 6º, nº 3) e os pareceres emitidos, no âmbito da consulta técnico-científica, «são insusceptíveis de revisão e constituem o entendimento definitivo do conselho sobre a questão concretamente colocada, a apresentação de novos elementos que fundamentem a sua alteração» - art. 6º, nº 4.
Então, numa hierarquia de valoração da prova pericial, o valor a atribuir aos pareceres do conselho médico-legal superam, em toda a linha, o valor do parecer pericial já que aqueles, e repetindo, «constituem o entendimento definitivo do conselho sobre a questão concretamente colocada».
E bem se percebe o especial valor do parecer do conselho: provem de um órgão colegial e especialmente dotado de conhecimentos técnico-científicos para se pronunciar sobre a questão. Por isso mesmo a lei determina a impossibilidade de revisão dos pareceres emitidos por este órgão (cf. o citado ac. do TRC de 24.04.2012, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, face ao disposto nas referidas disposições legais, tendo em conta quer a entidade que ordenou a elaboração do parecer (Ministério Público), quer a regularidade da nomeação da pessoa que o subscreveu, quer ainda a colegialidade inerente à sua aceitação, não há fundamento que infirme a sua validade como prova pericial.
Na verdade, tal prova foi efetuada por entidade oficial competente para apreciar a matéria sobre que teria de incidir, ao qual o Ministério Público solicitou e confiou a tarefa, atenta a circunstância de exigir formação médica especializada (art. 159.º e art. 2.º, n.º 2, da Lei n.º 45/2004, de 19.08, que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses).
Por outro lado, os peritos que realizam as perícias médico-legais nas delegações do Instituto Nacional de Medicina Legal e nos gabinetes médico-legais, são funcionários públicos no exercício das suas funções pelo que, nos termos do art. 91º, nº 6, al. b), do Código de Processo Penal, não prestam juramento.
Por conseguinte, face a todo o exposto, não se descortina qualquer violação das regras inerentes à prova pericial, que inquine a validade da mesma e conduza à respetiva nulidade, conforme o sustentado pelo recorrente, assim como não se vislumbra razão válida para que a referida prova não devesse ter sido admitida e valorada como prova pericial. O mesmo se diga quanto aos esclarecimentos prestados em audiência pelo relator do parecer em causa, no âmbito do mesmo parecer.
Improcedem, assim, estes fundamentos do recurso do arguido BB.

B. RECURSOS DOS ARGUIDOS
a) Impugnação da matéria de facto: vícios decisórios previstos nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal; erro de julgamento
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
A arguida AA sindica a matéria de facto recorrendo às duas vias: no âmbito, mais restrito, invocando os vícios previstos nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal e através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
O arguido BB sindica a matéria de facto em sede de impugnação ampla.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, de conhecimento oficioso, cuja indagação, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10.ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
Defende a arguida que “a sentença incorreu nas nulidades previstas nas alíneas b) e c) do n° 2 do art° 410°, CP, porque do seu próprio texto sobressaem a contradição insanável da fundamentação e o erro notório na apreciação da prova”.
Sustenta que “existe uma insuperável incongruência e contradição entre as asserções, constantes da douta sentença impugnada, de que não é possível afirmar que a conduta omitida pela Recorrente poderia não ter levado ao diagnóstico de acidente coronário agudo que causou a morte do paciente e, portanto, poderia não ter evitado essa morte, e de que não é possível afirmar perentoriamente que a conduta omitida teria levado ao diagnóstico de acidente coronário agudo, e a conclusão assertiva e definitiva de que “a atuação negligente d[a] arguid[a] não foi de molde a evitar a morte do paciente”.
Também a Sra. Procuradora-Geral Ajunta, no parecer que emitiu, sustentou que “no diz respeito à recorrente AA verificam-se os vícios previstos no artigo 410.º, n.º2 b) e c) do CPP, que impõem, o reenvio do processo à 1ª instância para novo julgamento”.
Estabelece o artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Os vícios de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova ocorrem, respetivamente, quando:
a) um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
b)- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, se dá como provado algo que notoriamente está errado, «que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, sendo o erro de interpretação detetável por qualquer pessoa» (Ac. de 12.11.98, no BMJ 481-325), ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida - Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, II Vol., pág 740; e ainda quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.
Estão em causa anomalias que, tendo ainda a sua fonte na decisão recorrida, podem extravasá-la e inquinar, total ou parcialmente, o próprio julgamento, se não puderem ser colmatados no tribunal de recurso, como decorre do estatuído nos arts. 410º n.º 2, 430º n.º 1 e 431º, todos do Código de Processo Penal.
Revertendo para o caso em apreço, nomeadamente para o texto da sentença em crise, entendemos que a decisão impugnada evidencia erros, incoerências e contradições que cumpre apreciar.
Vejamos.
O tribunal a quo deu como provado - facto n.º 8 - as conclusões do parecer do Conselho Médico-Legal do INML, transcrevendo-se do mesmo o seguinte:
3. Foram ainda pedidas duas análises, doseamento de mioglobina e de CK-creatinaquinase que levam a supor ter sido considerada a hipótese de necrose muscular. Não encontrámos no processo menção a electrocardiograma. Dado o diagnóstico prévio de cardiopatia isquémica, a existência de epigastralgia indicava, (tornava muito aconselhável), a exclusão de acidente coronário agudo. Para este propósito os exames mais indicados consistiriam em electrocardiograma e doseamento das troponinas, eventualmente seriados em caso de negatividade inicial.
4. O facto de os sintomas iniciais se terem dado antes do período de 4 a 12h estabelecido, como o tempo evolutivo do enfarto do miocárdio no relatório de autópsia não exclui que a sintomatologia dolorosa se devesse já a isquemia, sem ter havido ainda início da necrose miocárdica (enfarto). De notar que a ser este o caso poderiam os exames citados no ponto 3, ser inteiramente normais.
No ponto 5 «a ausência de electrocardiograma e doseamento das troponinas fundamenta a opinião de que não terão sido executados todos os exames indicados neste caso, o que constitui violação das legis artis. Não é, no entanto, possível afirmar peremptoriamente que a sua realização teria levado ao diagnóstico de acidente coronário agudo».
No ponto 6 «A rotura cardíaca é uma complicação pouco frequente do enfarto do miocárdio, de péssimo prognóstico. Determina descompensação hemodinâmica aguda e grave que o doente não apresentava aquando da sua estadia no serviço de urgência». (negritos nossos)
No facto dado como provado em 8.º, constam as conclusões resultantes da Consulta Técnico científica do Conselho Consultivo do Instituto de Medicina legal.
Por sua vez, nos pontos constantes de 10.º a 14.º, foram considerados como provados os seguintes factos:
10. Não obstante o antecedente pessoal de cardiopatia isquémica, ao longo da permanência do paciente no serviço de urgência os arguidos que o assistiram, por falta de cumprimento do dever de cuidado que lhes era exigível, não foram capazes de avaliar que dado o referido diagnóstico prévio de cardiopatia isquémica e a existência de epigastrialgia, indicava e tornava muito aconselhável, a realização de exames para exclusão de acidente coronário agudo.
11. Por falta de observação do dever de cuidado que lhes era exigível, os arguidos não lograram avaliar a necessidade de realizar os exames de diagnóstico de acidente coronário agudo, o electrocardiograma e doseamento das troponinas, o que pôs em risco a vida do paciente, por não terem identificado o período crítico em que a consequente intervenção médica poderia ter evitado a morte do paciente LL.
12. Ao longo da permanência do paciente no serviço de urgência os arguidos agiram de forma contrária às leges artis, revelando uma atitude censurável de descuido perante o comando jurídico-penal, pois ignoraram e não ponderaram o antecedente prévio de cardiopatia isquémica, levando-os a excluir a hipótese de acidente coronário agudo, sem que tivessem realizado os necessários exames de diagnóstico, cuidado que lhes era exigível e de que eram capazes.
13. Por falta do dever de cuidado que lhes era exigível e pelos erros de diagnóstico supra descritos, os arguidos não agiram no período crítico em que a sua intervenção médica poderia ter evitado a morte do paciente.
14. Os arguidos agiram livre e conscientemente, sem o cuidado e zelo de que eram capazes e lhes era exigível, bem sabendo toda a sua descrita conduta proibida e punível. (negritos nossos).
Simultaneamente, o tribunal a quo considerou ainda como provada a seguinte factualidade:
15. No dia 30.11.2015 o paciente deu entrada na urgência do Hospital ... transportado por ambulância.
16. O paciente havia sido assistido em casa pelo INEM;
17. Nessa assistência não foi enquadrada qualquer queixa ou sintoma compatível com a patologia cardíaca que acabou por vitimar o paciente.
18. Se a assistência do INEM tivesse suspeitado de tal possibilidade em função das queixas do paciente, tinha por obrigação contactar o médico do CODU.
19. Se a assistência do INEM tivesse identificado um quadro clínico compatível com aquele que veio a vitimar o paciente, tinha por obrigação informar a urgência do Hospital ... quando ali entregou o paciente LL, o que não sucedeu.
20. Caso o serviço de triagem do Hospital ... tivesse identificado um problema eventualmente cardíaco ou tivesse recebido informação do INEM nesse sentido, competia-lhe encaminhar o paciente com prioridade pela “via verde coronária”, de acordo com os procedimentos instituídos e publicitados pelo hospital.
21. O paciente em causa não foi encaminhado para qualquer via prioritária, nem mesmo para a via verde em causa. Tal como a emergência médica, a triagem do hospital também não identificou qualquer quadro compatível com possibilidade de enfarte de miocárdio
22. O arguido, quando recebeu o paciente com um primeiro diagnóstico e terapêutica aplicada, deu por assente que esse quadro já tinha sido avaliado e afastado.
Por sua vez, em sede de motivação, considerou o tribunal a quo:
«Ora, não obstante o teor das declarações dos arguidos, corroboradas no essencial pelas testemunhas, médicos de profissão, nos moldes que acima demos conta, é inquestionável que a morte de LL foi devida a enfarte agudo do miocárdio complicado com rotura cardíaca e hemopericárdio conforme conclusões do relatório de autópsia.
Também em esclarecimentos complementares com data de 15-07-2020 (cfr. fls. 416-417) o perito médico relator, Prof. Doutor CC, disse «A existência de antecedentes pessoais de factores de risco de doença coronária (diabetes insulino-medicada, hipertensão arterial), a ocorrência prévia de enfarto do miocárdio, associados a epigastralgia recorrente tornavam indicada (e muito aconselhável) a exclusão de acidente coronário».
«Tais asserções foram novamente reforçadas pelo mesmo perito médico em sede de audiência de julgamento, que reiterou que no caso concreto perante a existência de antecedentes pessoais de factores de risco de doença coronária (diabetes insulino-medicada, hipertensão arterial), a ocorrência prévia de enfarto do miocárdio, associados a epigastralgia recorrente, tornavam mandatório o despiste de acidente coronário, para o que teria de ser observado o protocolo completo para exclusão do risco de doença coronária aguda, com a realização dos pertinentes exames consistentes em electrocardiograma e doseamento das troponinas eventualmente seriados em caso de negatividade inicial, entendimento esse aprovado por unanimidade dos membros que integraram a consulta técnico cientifica do Conselho Médico-Legal efectuada nos autos».
(…)
Assim, as testemunhas que foram ouvidas sobre estes factos e com base nas quais a defesa pretende afastar o relatório pericial, são médicos, sendo indiscutível que possuem profusos conhecimentos científicos e técnicos. Porém, em audiência de julgamento foram ouvidas na qualidade de testemunhas, e não de peritos, sendo a prova testemunhal apreciada segundo a livre convição do julgador, e que neste caso não pode ser usada para afastar o juízo técnico da prova pericial. Com efeito, não tendo o julgador conhecimentos técnicos iguais aos dos peritos, não poderá, sem mais, desconsiderar o resultado obtido pela perícia (art.º 163º do CPP), com base em prova testemunhal e declarações dos arguidos, ainda que com conhecimentos científicos. Isto é, tratando-se de exame pericial o resultado obtido no mesmo apenas pode ser colocado em crise por outro meio de prova idêntico, com o mesmo valor probatório, e nunca pela análise das testemunhas e/ou pelas declarações dos arguidos (cujo interesse pessoal na causa é manifesto) - neste sentido se decidiu no Ac. do TRP de 06-07-2022-Proc. n.º 15467/15.4T9PRT.P1, confirmado nesta parte pelo Ac. do STJ de 06-06-2023- Proc. n.º 15467/15.4T9PRT.S1, ambos proferidos no âmbito do Proc. n.º 15467/15.4T9PRT que corre termos neste Juízo.
(,,,)
Os factos não provados resultaram da insuficiência de prova a seu respeito ou de prova de circunstancialismo diverso nos termos e com os fundamentos supra expostos e com suporte em toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
Em sede de “Enquadramento jurídico dos factos”, considerou o tribunal a quo:
“(…) o diagnóstico prévio de cardiopatia isquémica e a existência de epigastralgia e dos restantes antecedentes pessoais do paciente indicava e tornava muito aconselhável a exclusão de acidente coronário agudo, hipótese que os arguidos não contemplaram e, por isso, não realizaram os exames indicados, que consistiriam em electrocardiograma (exame esse cuja realização era viável e até frequente em serviço de urgência) e doseamento de troponinas, eventualmente seriados em caso de negatividade inicial. O facto de os sintomas iniciais se terem dado antes do período de 4 a 12 horas estabelecido como o tempo evolutivo do enfarto do miocárdio no relatório da autópsia não exclui que a sintomatologia dolorosa se devesse já a isquémia. Assim, a ausência de electrocardiograma e doseamento das troponinas fundamenta a conclusão de que não foram executados todos os exames indicados neste caso, o que constitui violação das legis artis.
No caso sub judice, atendendo às especiais qualificações dos aqui arguidos, o dever objectivo de cuidado cuja violação lhes é imputada deverá ser concretizado e apreciado à luz do que é expectável e exigível, tendo em conta os usos e as normas que regem a actividade médica.
(…)
Ao longo da permanência do paciente no serviço de urgência e perante o respectivo quadro clinico evidenciado, os arguidos agiram de forma contrária às legis artis, aos conhecimentos da medicina que os arguidos apresentavam e aos elementos clínicos que dispunham, revelando uma atitude censurável de descuido perante o comando jurídico-penal, pois ignoraram e não avaliaram o diagnóstico prévio de cardiopatia isquémica, levando-os a excluir liminarmente a hipótese de acidente coronário agudo, sem que tivessem previamente realizado os necessários exames de despiste e diagnóstico, cuidado que lhes era exigível e de que eram capazes. Por falta do dever de cuidado que lhes era exigível e pelos erros de diagnóstico supra descritos, os arguidos não cuidaram de ponderar a hipótese de acidente coronário agudo e por via disso não agiram no período crítico em que a sua intervenção médica poderia ter evitado a morte do paciente.”
Decorre da sentença em crise que o tribunal a quo fundamentou a sua convicção, no que se refere à violação das legis artis, no resultado da Consulta técnico-científica efetuada pelo INML, conjugado com os esclarecimentos complementares do perito médico relator constantes de fls. 416 e 417, bem como os prestados em audiência de julgamento. Assim se entende quando se fez constar, em sede de “Motivação” o seguinte: “Daí que o Tribunal tivesse considerado necessariamente tais factos suficientemente provados”.
Apesar de não se identificarem quais os factos em causa, tal alusão surge após a referência às conclusões periciais da referida Consulta e aos esclarecimentos do referido perito.
No entanto, compulsadas as respetivas conclusões – constantes do ponto 8 dos “Factos provados” – delas não decorre que a conduta omissiva, consubstanciada na realização dos referidos exames (electrocardiograma e doseamento de troponinas) e realização do diagnóstico, durante a urgência, teria evitado o resultado morte.
Na verdade, no parecer do Conselho Consultivo refere-se não ser possível afirmar que a realização dos referidos exames (ou seja, o cumprimento das legis artis) teria levado ao diagnóstico de acidente coronário agudo, teria permitido identificar o processo isquémico em curso, e evitaria a morte do paciente/ofendido.
De facto, apesar do teor do quesito formulado pelo Ministério Público aquando da solicitação ao Conselho Médico-legal (“apreciar se as intervenções e tratamentos dispensados ao paciente LL se mostraram os indicados e se foram levados a cabo segundo as legis artis, ou se pelo contrário, foram realizados violando essas legis artis, criando um perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou para a saúde…), nas respetivas conclusões não há qualquer menção entre a violação das legis artis e a criação de perigo para a vida ou perigo de grave ofensa para o corpo ou para a saúde.
Mais, admite-se que a sintomatologia dolorosa se devesse já a isquemia, sem ter havido ainda início da necrose miocárdica (enfarto) e que, neste caso, poderiam tais exames ser inteiramente normais (4ª conclusão).
Ante tais conclusões, podemos delas extrair algum juízo de causalidade?
Refere Taipa de Carvalho «Nos crimes de comissão por omissão, como crimes de resultado que o são, pelo resultado só pode o omitente ser responsabilizado, desde que haja (…) uma relação de adequação entre a conduta e o resultado. Só que, no caso dos crimes comissivos por omissão, a conduta em causa é uma omissão de determinada ação. Assim, não se pode dizer que a omissão causou, ou não causou, o resultado. O que tem de se perguntar é se a ação omitida (apesar de jurídico-penalmente imposta) teria impedido o resultado. Portanto, o juízo de adequação, no caso de omissão, não é um juízo de efetividade, mas um juízo hipotético. E afirmar-se-á a imputação objetiva do resultado à conduta omissiva, se a resposta ao juízo hipotético for positiva; ou seja, imputar-se-á, quando se concluir (comprovar) que, se o omitente tivesse praticado a respetiva ação, o resultado não teria ocorrido. Daqui a designação de “causalidade”, rectius, adequação hipotética para a imputação objetiva do resultado à omissão» - [cf. Direito Penal, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 570 e ss.].
Socorrendo-nos, uma vez mais, do ensinamento de Taipa de Carvalho, «… a exclusão da imputação (do resultado à conduta) afirmar-se-á quer, ex post se tenha a certeza ou quase certeza de que o resultado se teria produzido na mesma, quer haja uma probabilidade ou até apenas a dúvida razoável, uma vez que in dubio pro reo» e mais adiante «… para haver imputação é necessário que exista entre a conduta (ação ou omissão) e o resultado um nexo causal concreto, ou seja, é necessário que tenha sido a conduta a causa efetiva do resultado. Ora, sendo esta efetiva relação causal um elemento do tipo nos crimes de resultado, ele tem de ser objeto de prova. Donde que, havendo dúvida razoável sobre se efetivamente a conduta foi causa do resultado, ter-se-á, por força do princípio in dubio pro reo, de considerar como não provada a imputação e, portanto, de absolver o arguido do crime de resultado» - [cf. ob. cit., pág. 311-313].
Admitimos, como se sustenta, entre outros, no acórdão deste TRP de 30.01.2019, disponível em www.dgsi.pt que o apuramento do nexo causal entre a violação da legis artis e o resultado morte cabe ao juiz, a partir dos dados científicos.
Não obstante, no caso concreto, da leitura da sentença não vislumbramos qual o meio de prova a que o tribunal a quo recorreu para formar a sua convicção quanto à facticidade atinente ao nexo causal, ao juízo de adequação no sentido de que a ação devida que foi omitida se tivesse verificado o evento não se teria produzido, a ação omitida teria impedido o resultado.
Não se aponta qualquer elemento de prova, para além do próprio parecer científico, a cujas conclusões e teor já aludimos, sendo que o tribunal a quo ultrapassou o seu conteúdo, indo mais além do que consta nessas conclusões técnico-científicas, para justificar essa comprovação do nexo causal, sendo que, conforme já referimos tal parecer não é esclarecedor quanto ao nexo causal.
Ademais, a factualidade constante dos pontos 10.º a 14.º dos factos dados como provados está parcialmente em dissonância com as conclusões do parecer técnico científico do CC do INML.
Sem escamotear que na factualidade provada se faz alusão a dois tipos de consequências em virtude da atuação omissiva dos recorrentes, perigo de vida e resultado morte.
Por outro lado, face ao exposto, revelam-se incongruente a factualidade constante dos factos dados como provados sob os pontos 15 a 21, relativamente à própria imputação objetiva dos factos aos recorrentes, dado que se descreve e se dá como assente que nenhum dos mecanismos de assistência médica e triagem identificaram sinais ou sintomas compatíveis com o enfarte agudo do miocárdio que veio a ser causa da morte do ofendido.
E apesar de das referidas conclusões não resultar qualquer distinção relativamente à atuação concreta de cada um dos arguidos, violadora das legis artis, não sendo o parecer técnico científico elucidativo acerca da exigência de que o médico que sucedeu à arguida AA no serviço de urgência, deveria renovar toda a observação clínica feita pela médica anterior, o Tribunal a quo plasmou na sentença diversas considerações sem qualquer correspondência na matéria de facto considerada provada e não provada (cf. fls. 35 e 36 da sentença) e até incongruentes com a factualidade provada constante do ponto 22.
Acresce que a decisão sob recurso não tomou posição, nem analisou ou decidiu toda a matéria de facto que lhe foi apresentada na contestação do arguido BB.
É certo que se fez constar na sentença recorrida o seguinte:
Sublinhe-se que o que foi descrito na contestação apresentada pelo arguido e que não foram especificamente dados como provados ou não provados, tal resulta de, ou serem factos instrumentais de outros factos fundamentais dados como provados ou não provados, ou estarem, em particular ou em geral, em contradição lógica com a matéria fáctica supra referida ou, ainda, por não terem interesse para a decisão da causa, designadamente por serem conclusivos.”
A discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, tudo sem prejuízo do regime aplicável à alteração de factos, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º - artigo 339.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
O cumprimento do artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal impõe a enumeração dos factos provados e não provados que sejam relevantes para a caracterização do crime e/ou para a medida da pena (em função do factualismo inerente às posições da acusação e da defesa e bem assim aos contornos das diversas possibilidades de aplicação do direito ao caso concreto).
E ainda que para a solução de direito que o tribunal tem como acertada para o caso, se afigure irrelevante a prova de determinado facto, o tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a sua verificação/não verificação, se tal facto se mostrar relevante num outro entendimento jurídico plausível.
No caso concreto, face ao exposto, consideramos que os factos narrados na contestação sob os artigos 7º, 10º a 13º, 16º a 18º, 58º e 63º se mostram relevantes para a decisão da causa. Pelo que o tribunal recorrido tinha de expressamente pronunciar-se sobre tal matéria. O que não fez.
Assim, ao não incluir na decisão proferida sobre a matéria de facto – fosse nos factos provados, fosse nos factos não provados – aqueles factos não deu o tribunal a quo integral cumprimento ao disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Por conseguinte, face a todo o exposto, revertendo para o texto da sentença recorrida, entendemos que a decisão impugnada evidencia os referidos erros, incoerências e contradições, que configuram os vícios previstos nas alíneas b) e c) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal e impossibilitam a exata compreensão dos factos e afetam o núcleo essencial do objeto do processo relativamente à imputada conduta dos arguidos.
A sanação destes vícios decisórios, insuscetíveis de serem superados nesta 2ª instância, implica a repetição do julgamento, com o consequente reenvio dos autos, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 426º do Código de Processo Penal, com vista à realização de novo julgamento, para apuramento das condutas imputadas aos arguidos, em obediência às regras estabelecidas nos artigos 410º, n.º2 alíneas b) e c), 426º, n.º 1 e 426º-A n.º 1 e 2 do Código Processo Penal.
A decisão quanto ao reenvio prejudica a análise das demais questões suscitadas nos recursos dos arguidos.
Por conseguinte, face a todo o exposto, procede, parcialmente, os recursos dos arguidos.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos e, em consequência decretar, nos termos dos artigos 426º n.º 1, do Código de Processo Penal, o reenvio do processo para novo julgamento, para apuramento das condutas imputadas aos arguidos, em obediência às regras estabelecidas nos artigos 426º, n.º 1 e 426º-A n.º 1 e 2 do Código Processo Penal.
Sem tributação.
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Porto, 03 de abril de 2024
Elsa Paixão
Manuel Soares
Maria dos Prazeres Silva
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[1] Como se conclui no Acórdão da Relação de Coimbra de 05 de Julho de 2006, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Vide, a este propósito, a título exemplificativo, o Acórdão da Relação do Porto de 27 de Janeiro de 2010, disponível em www.dgsi.pt.
[3] In Curso de Processo Penal, Volume II, Editorial Verbo, 1999, páginas 178 e 179.
[4] Também neste sentido, entre outros, vide o Acórdão da Relação do Porto de 09 de Setembro de 2009, relator Desembargador ANTÓNIO GAMA, in www.dgsi.pt.