Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ISABEL SILVA | ||
| Descritores: | INVENTÁRIO REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | RP20251009256/13.9TBVNG-L.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/09/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA EM PARTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Como decorre claramente do art.º 1093º nº do CPC, a complexidade que justifica a remessa das partes para os meios comuns em processo de inventário reporta-se exclusivamente à matéria de facto. II - Numa situação em que os interessados divergem sobre se um prédio urbano é bem próprio de um ou bem comum, mas em que estão de acordo sobre a doação do terreno rústico ao cabeça de casal, que nele foi efetuada a construção do urbano já após o casamento, não discutindo as caraterísticas da construção efetuada, nem as datas dos referidos atos, tem de concluir-se que a discordância é apenas quanto à matéria de direito, pelo que não se verificam os pressupostos da remessa para os meios comuns. III - O ónus da prova numa reclamação contra a relação de bens em inventário compete ao Reclamante (art.º 342º CC). Já o cabeça de casal pode oferecer contraprova destinada a criar a dúvida e, se o conseguir, a questão será decidida contra o reclamante: art.º 346º do CC. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Apelação nº 256/13.9TBVNG-L.P1
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I – Resenha do processado 1. Corre termos um processo de inventário para partilha do património conjugal, na sequência do divórcio decretado entre AA e BB, desempenhando este as funções de cabeça de casal Tendo ele apresentado a relação de bens — composta por bens móveis + uma benfeitoria composta por casa de habitação de rés-do-chão e cave, construída em prédio que é bem próprio do cabeça-de-casal e onerado com hipoteca voluntária a favor do Banco 1..., + passivo constituído por 3 créditos (a favor do Banco 1..., de CC e do cabeça de casal) —, dela reclamou a interessada AA. Nessa reclamação, a interessada AA acusou a omissão de 16 bens móveis, bem como parte de cortinas, tapetes de Arraiolos, impugnou a benfeitoria (considerando tratar-se de um prédio urbano que constitui um bem propriedade comum do extinto casal, porque adquirido pelo cabeça de casal na pendência do seu casamento, por acessão industrial imobiliária) e, no tocante às dívidas, apenas reconheceu a do Banco 1.... Em resposta à reclamação, o cabeça de casal impugnou a factualidade alegada. Em Ata de conferência de partes (11/01/2024), foi proferido o seguinte despacho: «Uma vez que se mantém controvertida a matéria referente à verba n.º 35 [[1]], assim como quanto à alegada dívida de 350.000,00 € à mãe do cabeça de casal [[2]], e face ao alegado e aos documentos juntos aos autos, considera-se que a complexidade da matéria subjacente à questão torna inconveniente a apreciação da mesma no âmbito do presente inventário, por implicar a redução das garantias das partes, pelo que, nos termos do art. 1093.º CC, se determina a remessa das mesmas para os meios processuais comuns.» Inconformada, recorreu a interessada AA, dando origem à apelação autónoma que constituiu o Apenso H. Nesses autos foi proferida decisão sumária, transitada em julgado, que decidiu: «A decisão proferida é recorrível, mas não como apelação autónoma, pelo que é de rejeitar o recurso interposto, por a decisão não ser passível de recurso imediato – sem prejuízo da sua eventual impugnação ulterior, nos termos previstos no n.º 4 do art. 1123.º do Cód. Proc. Civil (designadamente, com a apelação referida na alínea b) do n.º 2 do art. 1123.º do Cód. Proc. Civil – assim, cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais e Recursos no Processo de Trabalho, 7.ª Edição Atualizada, fls. 649). (…) Pelo exposto, não se admite a apelação autónoma apresentada em 10-02-2024 (ref. 38125605) – não ficando prejudicada eventual ulterior impugnação da decisão interlocutória.» Prosseguindo os autos, e instruído o incidente de reclamação, foi proferida sentença, que decidiu: 1. julgo parcialmente procedente a presente reclamação à relação de bens e, em consequência, determino: a. que seja aditado à relação de bens uma verba relativa a mesa de ténis de mesa; b. que seja eliminado o “crédito do cabeça de casal correspondente a metade do valor das prestações que pagou depois da data em que foi decretado o divórcio do extinto casal (28/05/2014), no âmbito do crédito melhor identificado sob a verba I, no montante de €41.600,00.”, mantendo-se, quanto ao demais, a relação de bens.
2. Na sentença foi considerada a seguinte factualidade: Factos provados 1. Os pais do cabeça-de-casal, ofereceram os seguintes bens: a. A mesa com oito cadeiras; b. A mesa de jantar com seis cadeiras em madeira, marca CERNE; c. O móvel, aparador e louceiro, em madeira, marca CERNE; d. O móvel de suporte de televisão, marca CERNE; e. As duas mesas de centro, uma quadrada e outra rectangular; f. A estante de madeira, marca CERNE; g. A mobília de quarto estúdio, marca CERNE, h. A mobília de quarto de casal, marca CERNE; i. O armário bengaleiro, marca CERNE; 2. Os dois sofás, em pele azul são bens da interessada. 3. O “Banco 1.... S.A.” juntou aos autos, a 22/09/2023, declaração onde resulta, designadamente, o seguinte “desde 28/05/2014 até 21/10/2022 (última prestação paga) foi amortizado o capital total de €60760,17, em prestações do crédito habitação empréstimo nº ....” 4. O “Banco 1.... S.A.” juntou, a 25/09/2024, declaração onde resulta, designadamente, o seguinte: “Mais se informa que o plano contratual do empréstimo nº ... tem vindo a ser pontualmente cumprido, à data da última prestação vencida e paga em 21/09/2024, o capital em dívida é de € 88.503,69 e a taxa de juro contratual atual é de 4,487%.” Factos não provados 1. Que os bens identificados em 1 dos factos provados tenham sido oferecidos ao cabeça de casal antes mesmo de celebrado o casamento. 2. A mesa de ténis de mesa pertence ao DD, filho do extinto casal. 3. Que existam os seguintes bens: a. máquina de pressão de água; b. de módulos de prateleiras em metal; c. cortinas de linho para lá das indicadas na relação de bens; d. tapetes de arraiolos para lá dos indicados na relação de bens; e. um armário com estantes e portas em madeira; f. uma aparelhagem de música, composta por leitor de CD´s e rádio marca Sony; g. um combinado (frigorífico + arca) marca Miele. 4. Que o cabeça de casal tenha pago, depois da data em que foi decretado o divórcio do extinto casal (28/05/2014), as prestações do crédito a favor do Banco 1..., S. A., concedido ao casal, garantido pela hipoteca registada sob ap. ... de 2004/12/15, do prédio registado na conservatória do registo predial sob o nº..., de ..., no montante de €83.200,00.
3. Inconformada, dela apelou a interessada AA, referindo no requerimento de recurso «não se poder conformar com o despacho proferido na Conferência de Partes realizada a 11 de Janeiro de 2024 e com a sentença proferida a 16 de Abril de 2025, interpor recuso das mesmas» e formulando as seguintes conclusões: [[3]] A) - As partes foram remetidas para os meios comuns quanto à questão da propriedade da casa constante da verba 35ª da relação de bens, sendo certo que o cabeça de casal defende ser ele o proprietário, enquanto a recorrente entende que a propriedade é do casal, tendo, portanto, tal bem de integrar o património comum, a partilhar; B) - Tal remessa para os meios comuns viola, flagrantemente, a sentença já transitada em julgado, proferida nos autos de embargos de terceiro, que, sob nº ..., correram termos no Juízo de Execução do Porto - Juiz7; C) - Nesses autos também foram partes a recorrente como embargante e o cabeça de casal, que, notificado para os contestar, se remeteu ao silêncio, como, aliás, consta da referida decisão; D) - A sentença, tanto nos factos dados como provados, como na aplicação a estes do direito e, ainda, na parte decisória, não deixa margem para qualquer dúvida de que houve acessão imobiliária, por virtude do então casal, formado pela recorrente e pelo cabeça de casal, ter construído o prédio constante da verba 35ª; E) - Por isso mesmo, determina que houve acessão industrial imobiliária do prédio rústico, por virtude de tal construção, cuja propriedade é, também, do extinto casal como ressalta à evidência do ponto 8 dos factos dados como provados; F) - Estando, portanto, provada a propriedade da verba nº. 35 em sentença transitada em julgado, proferida em embargos de terceiro em que foram partes as dos presentes autos, nunca estas poderão ser remetidas para os meios comuns para decidir tal questão; G) - Tal remessa põe em causa a autoridade do caso julgado, resultante da aludida sentença, proferida nos embargos de terceiro, o que não é permitido; H) - O despacho recorrido violou o disposto no artigo 619º do Código de Processo Civil; I) – A segunda decisão que se põe em causa no presente recurso é a sentença proferida a 16 de Abril de 2025; J) - A própria sentença põe em dúvida, as declarações de parte prestadas pelo cabeça de casal, que, nos termos da mesma, «prestou as suas declarações de forma inflamada e algo confusa, tendo fluído, de forma notória, um ressentimento nutrido relativamente à ex-mulher (a quem se referia como D. AA) ressentimento esse impediu que as suas declarações fossem genericamente tidas em consideração como globalmente credíveis»; K) – As declarações de parte prestadas pelo cabeça de casal, transcritas no corpo da alegação e que aqui se dão por reproduzidas, não comprovam a existência de qualquer doação; L) – As notas de encomenda juntas aos autos, também põem em causa a existência de qualquer doação anterior ao casamento, o que tinha sido alegado pelo cabeça de casal; M) – A confissão efectuada pelo cabeça de casal, de que os móveis e electrodomésticos foram levados para a nova casa, é a prova provada de que os bens eram propriedade do casal, nunca tendo existido a alegada doação; N) – Tendo sido o cabeça de casal a alegar a doação dos referidos bens móveis e não a tendo conseguido provar, tem tal questão de ser resolvida contra si; O) – A aliás, douta sentença recorrida deverá, portanto, ser corrigida no sentido de se considerar não provados que os bens móveis descritos no ponto 1 dos factos provados tenham sido doados pelos pais do cabeça de casal, ordenando consequentemente que tais bens móveis sejam descritos como bens comuns do casal.
4. Não houve contra-alegações. Porém, o cabeça de casal apresentou um requerimento considerando que o recurso devia ser indeferido, por extemporaneidade. O recurso foi admitido, e bem, considerando que «sem prejuízo de o termo do prazo ocorrer a 09/05/2025, a Interessada efetuou o pagamento devido pela apresentação no primeiro dia útil subsequente (12/05/2025, segunda feira), nos termos do disposto no artigo 139º, n.º 5, al a) do Código de Processo Civil, pela que nada obsta à admissibilidade dos recursos.» Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 5. Apreciando o mérito do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC). No caso, são as seguintes as questões a decidir:
5.1. No que toca à decisão da remessa das partes para os meios processuais comuns (11/01/2024) relativamente à verba 35 Como vimos, por despacho de 11/01/2024, foram as partes remetidas para os meios comuns no tocante à verba nº 35, que o cabeça de casal descreveu como uma benfeitoria no tocante à casa de habitação, por ter sido construída em terreno que é bem próprio do cabeça de casal. Sucede que na sua reclamação, a interessada AA não concordou, considerando que o que existe não é uma benfeitoria, mas sim um prédio urbano constituído por dois pisos, rés do chão e cave. E mais referiu que, apesar de tal prédio ter sido construído num terreno doado ao cabeça de casal, ele constitui um bem propriedade do património comum por acessão industrial imobiliária, como se reconheceu em sentença, já transitada em julgado, proferida nos embargos de terceiro. Em resposta à reclamação, o cabeça de casal manteve a sua posição de “benfeitoria”, esclarecendo que as construções foram todas edificadas durante a pendência do casamento num terreno que era prédio rústico, prédio esse que lhe foi doado pelos seus pais, pelo que não estariam preenchidos os pressupostos da acessão. Compulsados os autos, temos que a aqui Recorrente juntou aos autos de inventário, em 04/05/2023, a certidão da sentença proferida no processo de embargos de terceiro nº 12434/20.0T8PRT-B, transitada em julgado em 24/10/2022. Lida essa sentença, dela constam como partes: na qualidade de Embargante, a Recorrente AA; na qualidade de Embargados, a A..., SA, bem como o cabeça de casal BB. [[4]] E mais se refere na sentença que, tendo sido penhorado apenas o prédio rústico, a Embargante invocou a acessão industrial imobiliária, não tendo os Embargados contestado. Nessa sequência, aí se decidiu: «Pelo exposto, julgo os presentes embargos totalmente procedentes e consequentemente: - Reconheço que na pendência do casamento foi adquirido pela embargante AA e pelo executado/embargado/exequente BB o direito de propriedade sobre o Prédio rústico denominado ... ou ... situado em Lugar ..., com a área total de 2717 m2, com área descoberta de 2717 m2, composto por ... de terreno a mato com pinheiros, confronta de Norte com caminho público, de Sul e Nascente com EE e de Poente com FF, inscrito na respectiva matriz sob o n.º ... da freguesia ... e ... e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº... da freguesia ..., por acessão industrial imobiliária, e, consequentemente, que o património comum daquele casal adquire o direito de propriedade dessa parcela mediante o pagamento ao BB Réus do valor de € 23,76 (vinte e três euros e setenta e seis cêntimos); - determino o levantamento da penhora sobre o dito imóvel;» De tudo o que vem de se referir, temos que não existe divergência entre as partes no inventário: Ou seja, como bem refere a Recorrente, ambas as partes estão de acordo quanto à matéria de facto, divergindo apenas quanto à matéria de direito (a propriedade): o cabeça de casal entende que a propriedade é sua, por a edificação ter sido efetuada sobre um terreno que era seu bem próprio (benfeitoria), enquanto a Recorrente considera a propriedade da casa como bem comum do casal, por ter ocorrido a acessão industrial imobiliária. Ora, decorre claramente do art.º 1093º nº do CPC que a complexidade que justifica a remessa para os meios comuns se reporta exclusivamente à matéria de facto. «Além disso, a opção de remessa para os meios comuns não pode ser orientada por meras razões de comodidade ou de facilitismo; apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto (situação diversa daquela em que a complexidade respeite a questões de direito que devem ser apreciadas pelo juiz no próprio processo de inventário, nos termos do art.º 91º nº 1) a tramitação do inventário se revele inadequada por implicar, designadamente, uma efetiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns.» [[5]] Na verdade, subjacente a esse preceito está a garantia das partes e da efetividade da justiça, sabido, como é, que as questões incidentais, como é o caso da reclamação à relação de bens em inventário, têm limitações ao nível dos articulados e das provas admitidas, como resulta do art.º 1091º. Visto que o que divide as partes é o direito, que não o facto, designadamente se ocorre caso julgado com a decisão proferida nos embargos de terceiro nº 12434/20.0T8PRT-B, não se justifica a remessa para os meios comuns. Concluindo, a apelação procede nesta parte.
5.2. No que toca à decisão sobre a reclamação à relação de bens (16/04/2025) Invoca a Recorrente erro de julgamento quer na apreciação da matéria de facto, quer na subsunção ao direito. Em particular, reage contra o facto provado 1, considerando que o próprio Tribunal deu pouca credibilidade às declarações de parte do cabeça de casal. Na fundamentação da matéria de facto, a Mmª Juíza refere ter-se estribado nas declarações de parte do cabeça de casal, bem como da testemunha e, ainda, da documentação junta aos autos: «o cabeça de casal, BB, prestou as suas declarações de forma inflamada e algo confusa, tendo fluido, de forma notória, o ressentimento nutrido relativamente à ex-mulher (a quem se referia como “a Dona AA”), ressentimento esse impediu que as suas declarações fossem genericamente tidas em consideração como globalmente credíveis. Assim, e apesar das frequentes divagações quanto a questões que extravasam o âmbito probatório do julgamento em apreço, o cabeça de casal referiu que foi o ex-casal que escolheu os móveis da casa (modelos, marca e calendário de entrega), sendo que foram “financiados” pelos seus pais. Tendo sido directamente questionado pelo Tribunal quanto ao motivo da alegada oferta dos móveis pelos seus pais e pese embora tenha referido que “em bom rigor os móveis eram para mim”, confirmou que os mesmos foram oferecidos por causa e a propósito do casamento. No que concerne aos documentos juntos da marca “cerne”, pese embora não sejam faturas mas apenas “notas de encomenda”, encontram-se os mesmos titulados em nome de uma sociedade (“B..., Ldª, da qual eram sócios o cabeça de casal e o seu pai, conforme se retira da constituição da sociedade junta por requerimento de 11/01/2025). Assim, quanto à questão do pagamento dos bens móveis em apreço, o Tribunal ficou convencido que se tratou de uma oferta dos pais do cabeça de casal e não sendo, aqui, despicienda a circunstância de a Interessada nada ter dito quanto à respetiva aquisição ou pagamento, tendo-se limitado a acusar a falta de relacionação de tais bens. Quanto ao facto de ter resultado como não provado que os bens identificados em 1 dos factos provados terem sido oferecidos antes do casamento, resultou tal facto das próprias declarações do cabeça de casal, aliadas às notas de encomenda que estão datadas de 29/04/2000 e 03/05/2000, sendo que resulta dos autos principais que as partes celebraram casamento, entre si, a 20 de Março de 1999.» São duas as regras básicas em termos de direito probatório material: ao Autor compete a prova dos factos constitutivos do seu direito e ao Réu a dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do Autor: art.º 342º nº 1 e 2 do Código Civil (CC). Com a reclamação à relação de bens apresentada, o reclamante mais não faz do que a impugnar, seja imputando-lhe omissão ou excesso nos bens relacionados, seja discordando da sua natureza ou qualidade/quantidade, etc. Daí que «I - O ónus da prova numa reclamação contra a relação de bens em inventário compete ao Reclamante (art.º 342º CC). II - Já a cabeça de casal, não tendo suscitado exceções, fica desonerada da obrigação de prova; pode, porém, oferecer contraprova destinada a criar a dúvida no tribunal sobre os factos alegados pelo Reclamante e, conseguindo-o, a decisão é tomada contra ele: art.º 346º CC.» [[6]] Por isso também que a falta de resposta ou oposição à reclamação à relação de bens tenha efeito cominatório semipleno. [[7]] Daqui decorre que era à Reclamante, e não ao cabeça de casal, que incumbia provar que os bens referidos no facto provado 1 eram/são bens comuns. Já o cabeça de casal pode oferecer contraprova destinada a criar a dúvida e, se o conseguir, a questão será decidida contra o reclamante: art.º 346º do CC. E foi isso que aconteceu. Manifestamente que a reclamante/recorrente não logrou fazer prova do alegado. Já a prova do cabeça de casal tornou a alegação da reclamante duvidosa, pelo que os factos referidos não podiam ser considerados provados como constituindo bens comuns. Concluindo, a apelação improcede nesta parte.
Não se tendo procedido à alteração da matéria de facto, nenhuma censura há a fazer ao decidido na sentença.
6. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC) ……………………………… ……………………………… ………………………………
III. DECISÃO 7. Pelo que fica exposto, no parcial provimento do recurso, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em: 7.1. Julgar procedente a apelação no que toca ao despacho proferido em 11/01/2024, relativamente à verba 35, devendo ser substituído por outro que não seja a remessa das partes para os meios processuais comuns. 7.2. Em tudo o mais se mantém o decidido em 1ª instância, designadamente a decisão sobre a reclamação à relação de bens, datada de 16/04/2025. 7.3. Face à sucumbência, ficam a cargo da Recorrente e do Recorrido as respetivas custas, na proporção de metade. |