Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | LUÍS TEIXEIRA | ||
Descritores: | RESTITUIÇÃO DE OBJECTOS | ||
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Nº do Documento: | RP201009291733/09.1t3avr-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/29/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A restituição dos objectos apreendidos deve ocorrer logo que se torne desnecessária a manutenção da sua apreensão para efeito de prova [art. 186.º, do CPP]. II - Há, no processo, três momentos específicos em que a avaliação da desnecessidade da manutenção da apreensão dos objectos se impõe: a acusação, a decisão instrutória e a sentença (aqui, na perspectiva do destino a dar-lhes). III - Não devem ser restituídos objectos apreendidos no âmbito de um inquérito que está na fase inicial e em relação aos quais se verifica a necessidade de proceder a exames e perícias e de desenvolver diligências investigatórias com vista a determinar a sua proveniência. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso nº 1733/09.1T3AVR-B.P1. Arguido: B………., melhor id. nos autos. * Acordam em conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:I 1. Por requerimento de fls. 2 – fls. 4556 do processo principal -, o arguido solicitou a restituição de vários objectos apreendidos nos autos na sequência da busca realizada em 4 de Maio de 2010, a saber, automóveis, dinheiro e peças em ouro, de grande valor e estima pessoal.2. No seguimento da promoção do Ministério Público – que se pronuncia pelo indeferimento do requerido uma vez que a investigação se encontra em fase inicial e ainda não é possível concluir se os bens estarão ou não na situação do nº 1 do artigo 178º, do CPP -, pelo Sr. Juiz do processo foi proferido o seguinte despacho: «Conforme bem deixou considerado o Sr. Procurador, atendendo à fase em se encontra o processo, com necessidade de realização de diligências para a continuação da investigação (leitura de memória e respectiva transcrição), não deverá a mesma ser atendida. De facto, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 186º, do CPP, os objectos apreendidos serão restituídos, a quem de direito, desde logo que se torne desnecessária a sua apreensão para efeitos de prova, sem prejuízo do disposto na parte final do nº 2, do mesmo preceito legal. Acontece que no caso concreto e atendendo ao atrás exposto e doutamente considerado pelo Sr. Procurador, tal desnecessidade, neste momento, ainda não se verifica. Pelo que e por ora, desatende-se a pretensão do arguido, indefere-se o requerido e, por conseguinte, mantém-se a respectiva apreensão”. 3. Não se conformando com este despacho, do mesmo recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões: 3.1. Os objectos apreendidos ao arguido não têm qualquer relação com o objecto da investigação. 3.2. Todo o material existente no processo, designadamente te as escutas telefónicas, deixam claro que o arguido não tem uma forte implicação nos crimes sob investigação. 3.3. No requerimento que motivou a decisão do Juiz de instrução criminal, que ora se impugna, o arguido justificou devidamente a proveniência de todos os bens apreendidos, provando a sua licitude. 3.4. Resulta do processo que o dinheiro apreendido estava dentro de caixas com bilhetes indicando a finalidade doméstica das respectivas quantias. 3.5. O ouro apreendido constitui jóias de família e investimento do arguido, estando na sua maioria, nas caixas originais e com os respectivos recibos. 3.6. Os automóveis são propriedade do arguido, há vários anos, muito antes da presente investigação se ter iniciado e das buscas ali efectuadas resultou que nenhum indício foi encontrado. 3.7. O arguido trabalha, tem família constituída incluindo dois filhos menores e uma sobrinha menor que está à sua guarda por ordem do Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia. 3.8. Nos termos do artigo 186º do C.P.P., os bens apreendidos devem ser restituídos logo que se mostrar desnecessária a apreensão. 3.9. A apreensão tem como regra base o princípio da necessidade que deve ser respeitado de forma a justificar a clara restrição que a apreensão significa para os direitos fundamentais do arguido. 3.10. No caso em apreço, os objectos apreendidos não têm qualquer relação com o objecto do processo, a sua posse foi devidamente justificada, não há qualquer indício de terem uma proveniência ilícita e a manutenção da apreensão estão a causar graves prejuízos para o arguido e seu agregado familiar. Impõe-se a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene a restituição dos bens ao arguido. 4. Respondeu o Ministério Público, dizendo em síntese: 4.1. Como diz a Mmª Juiz, a fase ainda muito inicial do inquérito não permite tomar como segura a versão do recorrente quer quanto à sua intervenção nos factos quer quanto à proveniência dos meios que lhe permitiram a aquisição dos bens em causa e mesmo, porventura, quanto à sua utilidade para efeitos de prova. 4.2. A investigação que se seguirá, visará, aliás, com toda a certeza, confirmar ou infirmar essa sua versão que, merecendo ser considerada, não deixa de fugir à normalidade. 4.3. Seja como for, seguro e certo é que o ora recorrente tinha na sua posse aquelas invulgares quantias de dinheiro e quantidades de ouro bem como três automóveis recentemente adquiridos. 4.4. Por outro lado, é inquestionável a legalidade da apreensão, a qual, de resto, foi validada e mantida pelo juiz de instrução em face dos indícios recolhidos até então. 4.5. O recorrente insiste que a apreensão é já desnecessária, invocando o disposto no art. 186º, do CPP. Porém, não sobressaindo líquida, por ora, tal conclusão, tem de admitir-se um prazo razoável à investigação para eventuais perícias e outras diligências que permitam à autoridade judiciária competente uma decisão fundamentada sobre tal questão. 4.6. Repare-se que, em 19 do ainda mês de Julho foi proferido despacho a ordenar “exame directo e de avaliação ao ouro, telemóveis, veículos e máquina utilizada para apagar o número de série das armas de fogo”. 4.7. Manifestamente, é extemporânea a afirmação daquela desnecessidade. 4.8.Ademais, nem só os objectos susceptíveis de servir a prova podem ser apreendidos. 4.9. Do nº 1 do art. 178º do mesmo diploma retira-se que “são apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime…”. 4.10. De todo o modo, bastamo-nos com o facto de os bens apreendidos ao recorrente se encontrarem ainda sob análise, para efeitos de recolha de prova, para afirmarmos a manifesta falta de fundamento do presente recurso, pelo que deve ser julgado improcedente. 5. Nesta instância, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto louvando-se na resposta do MP em 1ª instância e ainda porque a fase incipiente em que o processo se encontra não permite concluir se os bens apreendidos têm ou não relação com os ilícitos criminais, pronunciou-se no sentido de que o recurso deve improceder. 6. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência. II Questão a apreciar:A oportunidade de, desde já, restituir ao requerente, os bens apreendidos nos autos que o mesmo referencia no seu recurso. III Apreciando:1. É pretensão do recorrente que lhe sejam desde já restituídos vários bens que lhe foram apreendidos na sequência de busca domiciliária – dinheiro, objectos de ouro e viaturas – com o fundamento de que não são os mesmos objecto da investigação e em relação aos quais demonstrou a licitude da sua posse. A esta pretensão do recorrente contrapõe o Ministério Público o argumento de que a investigação se encontra ainda numa fase inicial ou incipiente, que se está a proceder ao exame dos ditos bens e que só com a realização de mais diligências é possível concluir pela natureza destes bens quanto ao seu relacionamento com a prática de crimes ou ilicitude da sua proveniência. 2. A bondade da decisão a tomar passa, inevitavelmente pelo disposto no artigo 186º, do CPP, que regula a restituição dos objectos apreendidos. Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, a fls. 374, conclui: “De acordo com o disposto no artigo 186º, nº 1, do CPP, os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito, logo que se tornar desnecessário manter a sua apreensão. A apreensão tem, por isso, como regra base o princípio da necessidade. Logo que o mesmo cesse, impõe-se observar a restituição do objecto apreendido”. Também Paulo Albuquerque, in ob. Cit., fls. 504, diz: “Os objectos apreendidos devem ser restituídos aos respectivos proprietários ou possuidores quando se verificar que os pressupostos da apreensão se não mantêm, sejam os objectos propriedade do arguido ou de terceiras pessoas”. 3. Resulta dos autos que a apreensão dos bens ocorreu na busca realizada em 4.5.2010 – v. fls. 27 -, no domicílio do recorrente. De entre os bens apreendidos figuram várias pistolas ou revólveres, várias peças em ouro – fios, pulseiras, cordões…, -, relógios, dinheiro e três viaturas todas de marca Mercedes. No inquérito investigam-se factos referentes a vários arguidos, afigurando-se existir conexão entre alguns deles. O recorrente, findo o interrogatório judicial[1], ficou indiciado pela prática de detenção de arma proibida e de tráfico e mediação de armas. Foram-lhe aplicadas medidas de coação desde a obrigação de se apresentar cinco dias por semana no posto policial; proibição de contactar com os restantes arguidos; proibição de adquirir ou deter armas; proibição de frequentar determinados locais. 4. Como bem refere o MP na sua resposta à pretensão do recorrente, “ nem só os objectos susceptíveis de servir a prova podem ser apreendidos. Do nº 1 do art. 178º do mesmo diploma retira-se que “são apreendidos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime…”. Ora, basta atentar para o rol dos objectos apreendidos, maxime os bens em ouro, para desde logo se inferir que não se está perante uma situação normal de detenção de tais bens na posse do recorrente[2]. Quer a quantidade quer a natureza dos ditos bens, levam um qualquer médio cidadão a concluir ou a qualificar a residência do recorrente como de uma verdadeira ”ourivesaria/relojoaria” se tratasse! O que significa que, perante a anormalidade de tais bens ou objectos, se justifique a continuação da investigação para apurar não só a natureza dos bens em causa como essencialmente a sua origem. Aliás, segundo as regras da experiência, não é difícil suspeitar e relacionar, desde já, todos estes bens, com a prática de crimes, nomeadamente daqueles que se indiciam nos autos. Suspeitas e indícios que, como bem anota o recorrido MP, só poderão ser dissipadas e resolvidas com o caminhar da investigação em curso. E que, segundo essa mesma investigação, foi já ordenado “exame directo e de avaliação ao ouro, telemóveis, veículos e máquina utilizada para apagar o número de série das armas de fogo”. Também não é suficiente nem convincente, perante outros elementos que já existem nos autos, a simples declaração do recorrente para justificar/fundamentar a licitude da posse dos bens em causa. Exigem os autos, desde logo pela quantidade dos bens da mesma natureza ou idênticos – caso dos fios, pulseiras -, que se proceda a uma averiguação minuciosa da sua origem ou proveniência e da licitude da posse do recorrente. O que significa que de modo algum se pode afirmar muito menos concluir que a apreensão dos bens nos autos se tornou já desnecessária. 5. Para uma melhor compreensão da problemática da apreensão de bens versus a desnecessidade dessa mesma apreensão e consequente restituição, podemos afirmar que, em nosso entender, prima facie, existem no processo três momentos diferentes e oportunos do ponto de vista processual, que justificam e impõem uma apreciação dessa situação jurídica dos bens apreendidos: na acusação, na decisão instrutória e na sentença. Assim, a acusação – ou arquivamento -, será o primeiro momento em que deverá ser feita a triagem, pelo Ministério Público – autoridade judiciária titular da investigação e do inquérito -, dos bens apreendidos, qualificando-os de origem ilícita ou lícita ou uns de ilícita e outros de lícita. Os de origem ilícita são aqueles que constituem ou deverão constituir, o objecto da acusação. Os de origem lícita são aqueles em relação aos quais não se verificam ou deixaram de se verificar os pressupostos ou necessidade da apreensão e, consequentemente, deverão ser restituídos a quem de direito. Pelo que consideramos boa prática processual, minimizando desta forma os efeitos nefastos da apreensão de um objecto, que o titular do inquérito, proferida a acusação, ordene a imediata restituição dos bens não ilícitos, aqueles que não indiciam nem integram a prática de qualquer crime[3]. Os bens que constituírem o objecto da acusação, que integrarem/indiciarem a prática de algum crime, devem continuar apreendidos. Estes bens ou objectos são aqueles susceptíveis de poderem vir a ser declarados perdidos a favor do Estado, nos termos dos artigos 109º, 110º e 111º, do Código Penal. Pelo que seria prematuro ordenar a sua restituição naquela fase do processo. À acusação pode seguir-se ou não a instrução e consequente decisão instrutória. Ora, neste momento e fase processual, colocar-se-á de novo a apreciação ou juízo judicial sobre a natureza dos bens aprendidos, no sentido de os considerar como ilícitos[4] ou não ilícitos. Mantendo-se a sua qualificação de ilícitos, de manter será a sua apreensão. Se, pelo contrário, for considerado/entendido a sua natureza não ilícita, não integrando ou constituindo objecto de qualquer crime, coloca-se também aqui, quanto a estes, a necessidade da sua imediata restituição a quem de direito. Ou seja, do crivo da decisão instrutória, só será de manter apreendidos os objectos considerados ilícitos, cujos factos só serão definitivamente apreciados e julgados na sentença. É quanto a estes objectos que a sentença terá que se pronunciar: - Declará-los perdidos a favor do Estado, se for caso disso, nos termos dos artigos 109º a 111º. - Ordenar a sua restituição, no caso contrário. É o que diz exactamente o nº 2, do artigo 186º, do código de Processo Penal: Com o trânsito em julgado da sentença, os objectos são restituídos a quem de direito, a não ser que tenham sido declarados perdidos a favor do Estado. 6. Ora, tendo como base estes momentos processuais para uma apreciação criteriosa e fundamentada[5] dos bens apreendidos, que, no fundo, está em estreita conexão com o teor das diferentes peças processuais – acusação, decisão instrutória e sentença – em que seja ou não reconhecida responsabilidade criminal ao possuidor de tais bens, dada a fase inicial, incipiente, em que o inquérito se encontra, a necessidade de investigar, fazer exames, perícias e recolha de prova, tudo aponta, neste momento, para um reconhecido fundamento de manutenção da apreensão dos bens, sem qualquer excepção destes. IV DecisãoPor todo o exposto, decide-se julgar improcedente o recurso e, consequentemente, mantém-se a apreensão de todos os bens. Custas a cargo do recorrente com a taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) UCs. Porto, 29.9.2010 Luís Augusto Teixeira Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição ______________________ [1] Realizado a 7.5.2010. [2] Invulgares quantias de dinheiro e quantidades de ouro bem como três automóveis recentemente adquiridos – anota o MP. A que acrescentamos o facto de se tratar de três Mercedes. [3] Prática processual cautelosa e de bom senso que pode mesmo evitar a eventual condenação do Estado por prejuízos causados com a apreensão indevida e desnecessária de determinados bens. [4] Enquanto integradores do crime em causa. [5] Sempre sem prejuízo de, fora de tais momentos, se for manifesta, por qualquer razão, a desnecessidade da apreensão, esta ser dada sem efeito. |