Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1962/22.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO
LEVANTAMENTO DOS BENS
CESSAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP202406061962/22.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 06/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O contrato de depósito é um contrato com natureza real, que só se concluiu com a entrega do bem a guardar e que termina no acto da restituição do mesmo.
II – Tendo a depositária solicitado à depositante o levantamento dos bens no prazo de 8 dias e aduzido que, se tal não suceder, considerará tais bens perdidos, e tendo esta considerado os seus pertences como perdidos, nada mais fazendo perante a comunicação recebida, quedando-se ambas inertes durante cerca de quatro anos e meio, até à instauração de acção judicial pela depositária, só pode concluir-se que a inércia das partes se deveu ao que constava da parte final daquela carta.
III – Não obstante se tratar de uma consequência errada do ponto de vista legal e jurídico, visto que o não levantamento dos bens por parte da depositante no prazo fixado nunca legitimaria a depositária A. a considerá-los perdidos, as partes conformaram os seus comportamentos ao que ficou a constar da carta.
IV – Neste caso é de concluir que o contrato cessou nessa ocasião, na sequência do comportamento das partes nesse sentido, pois ao conformar-se a depositante com a “perda” dos bens, esta desinteressou-se dos mesmos, como que os abandonou, deixando assim de existir a obrigação de entrega por parte da depositária (e sem obrigação de entrega não existe contrato de depósito).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1962/22.2T8VNG.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1)

Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Francisca Mota Vieira
2º Adjunto: Carlos Portela
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I “A..., Lda.” intentou, no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum, contra “B..., Lda.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 14.250,76, bem como custas e outras despesas processuais, e a pagar-lhe a quantia de € 5,00 a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na retirada dos equipamentos das suas instalações.
Alegou para tal que se comprometeu a guardar diversas máquinas da R. no seu estabelecimento, mediante o pagamento por parte desta do montante de € 184,50 mensais, que esta não pagou desde o vencimento da primeira factura, em 01/08/2016, nem mesmo quando interpelada para o efeito. Em 26/09/2016 ficou acordado que a R. levantaria uma máquina “Xerox ...” sob condição de no dia seguinte pagar € 984,00 respeitante a cinco meses de armazenagem e um serviço, e que, caso a R. não procedesse ao pagamento, o valor aumentaria para o dobro, contudo, apesar de ter levantado a máquina, a R. não pagou. A A. continua a guardar os equipamentos da R. nas suas instalações até hoje, onde ocupam espaço, não tendo esta procedido a qualquer pagamento atrasado.
A R. contestou, invocando a excepção de prescrição prevista no art. 310º, al. g), do Código Civil relativamente às mensalidades respeitantes ao período de Agosto de 2016 a Março de 2017, alegando que pagou as facturas relativas aos meses de Maio, Junho e Julho de 2016 e que o contrato cessou no final de Setembro de 2016, embora existissem algumas quantias ainda em dívida (que a R. liquidou subsequentemente), em face do que a A. não autorizou que a R. levantasse os equipamentos depositados nas suas instalações (pelo que a permanência dos equipamentos nestas instalações não é uma consequência da vigência do contrato de depósito, mas do exercício do direito de retenção), ou pelo menos desde 29/08/2017, na sequência da carta enviada pela mandatária da A. no dia 21/08/2017, onde se refere que, se o levantamento dos bens não ocorrer no prazo de 8 dias, a A. “considerá-los-á perdidos”, pelo que as prestações devidas seriam apenas as vencidas entre Abril e Agosto de 2017, e defendendo nada ser devido a título de juros moratórios nem haver lugar à sanção pecuniária compulsória.
Notificada para o efeito, a A. respondeu à invocada excepção de prescrição, defendendo que a mesma não se verifica.
Foi determinada a remessa imediata dos autos para julgamento, sem elaboração de despacho saneador, fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar parcialmente procedente a acção e parcialmente procedente a excepção peremptória da prescrição e, em consequência,
- julgar prescritas as mensalidades dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2016;
- condenar a R. no pagamento à A. da quantia global de € 1.500,00, correspondente aos meses de Novembro de 2016 a Agosto de 2017, cada um no valor de € 150,00, acrescida de juros de mora comerciais, desde o final de cada um dos meses mencionados, e da quantia de € 345,00, a título de I.V.A. devido à taxa de 23% sobre o capital de 1.500,00€;
- absolver a R. do pagamento da sanção pecuniária compulsória.
De tal sentença veio a A. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1) A douta sentença, na parte recorrida, assenta em pressupostos de facto e de direito erróneos, violando preceitos de natureza adjetiva e substantiva pelo que se impõe a sua revogação;
2) O Recorrente não se conforma com a sentença proferida nos presentes autos, na parte em que deu como provado que:
23) A ré, perante a comunicação descrita em 20), considerou os seus pertencentes como perdidos...”.
3) Este facto devia ter sido dado como não provado!
4) Por outro lado, o tribunal devia ter dado como provado:
1) A Ré ainda não levantou os equipamentos armazenados que ainda hoje se encontram nas suas instalações;
2) Atenta a sua quantidade, dimensão e desvalor económico, a sua remoção é manifestamente onerosa.
5) Efetivamente, resulta da apreciação da prova produzida, prova [documental e gravada em CD: declarações de parte e testemunhal, especificada no corpo destas alegações, impunha-se decisão diversa, no sentido de tal matéria ser julgada como “não provada” – facto 23) e provada com a redação proposta os factos 1) e 2) ora aditados;
6) Destarte, não podemos olvidar a convicção que o tribunal formou acerca da prova produzida em julgamento manifestada na parte da sentença em que o tribunal aplica o direito aos factos provados, qual seja: “… se a ré dá a entender à autora que vai conseguir pagar as quantias devidas e que vai proceder ao levantamento das máquinas, então se não paga e, por isso, não as levanta (nem as mesmas são restituídas), não pode de todo concluir-se que o contrato cessou”;
7) Como tal nunca a declaração dada como provada no facto 20) serviria para dar como provado o facto 23), ou seja, que Ré mediante aquela declaração jamais devia ter considerado perdidos os bens armazenados;
8) E isto resulta também, das declarações de parte da gerente da Autora AA que inquirida sobre essa declaração disse que até a desconhecia e que não podia ser porque sempre estava à espera que a Ré pagasse e levantasse os equipamentos;
9) E que retirar os equipamentos do armazém custava muito dinheiro;
10) E decorre também do depoimento da testemunha da Autora BB que referiu que os equipamentos ainda se encontravam nas instalações, a sua quantidade e grandes dimensões;
11) Neste caso, a Autora além de estar sem receber o valor do depósito mensal contratado, ainda teria de gastar mais dinheiro para proceder à sua remoção;
12) Como tal, o tribunal não se pode bastar com as declarações da Ré para interpretar o que escrito está no documento do facto 20) do dado [dado] como provado, tem de atender àquilo que a Autora quis dizer com esse documento;
13) E caso o tivesse feito, entenderia, de acordo com a impressão de um declaratário normal e colocado perante a situação em concreto que esse documento foi enviado mais como forma de pressão do que para considerar os equipamentos perdidos, dado a onerosidade que a sua destruição ou remoção implicaria;
14) Sendo importante para esse efeito a interpretação da vontade real da Autora à luz da interpretação do negócio jurídico;
15) No caso presente como não estamos perante um negócio formal, a declaração negocial inserida num documento escrito, deve ser interpretada de acordo com o contexto em que é emitida, de acordo com o comportamento do declaratário e de acordo com o que este está obrigado a conhecer da declaração do declarante;
16) Com efeito, estatui o artigo 238.º do Código Civil, no seu n.º 1, que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso;
17) Na execução deste exercício não se olvidará o princípio da autonomia privada, na vertente de liberdade de conformação dos negócios jurídicos, cfr. artigo 405.º, n.º 1 do Código Civil, ao abrigo do qual a Recorrente enviou a aludida comunicação;
18) A leitura e interpretação da aludida declaração, deve ser conjugada, nomeadamente com o facto de que a Apelada sempre ter dado a entender que pagaria as rendas do depósito, nunca ter dito que considerava os bens perdidos;
19) Calou-se e como a partir de determinada altura e com a idade estes bens perdem valor económico deixou a coisa andar, como resulta das declarações de parte do Réu;
20) Pelo exposto, resulta da prova testemunhal, das declarações de parte que a Ré se aproveitou do facto de os bens estarem “arrumados” no armazém da Apelante e como perderam valor económico, fez-se de desentendida e, além de não pagar o preço do depósito também não teve de os retirar para outro lugar;
21) Esta interpretação resulta da normalidade e das regras da experiência comum quanto ao valor económico deste tipo de bens, sendo que quanto à sua quantidade, dimensão e custo de movimentação, tal resulta da prova testemunhal produzida;
22) Estipula o n.º 1 do artigo 236.º do CC, que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele;
23) A interpretação da vontade expressa na declaração negocial constitui questão de facto quando consista em apurar se o destinatário conhecia a vontade real do declarante e o seu conteúdo e constitui questão de direito sempre que haja de realizar-se, na ignorância de tal vontade, nos termos do artigo 236, n. 1, do Código Civil;
24) Para tal, o declaratário, devendo proceder de boa-fé, é obrigado a investigar, tendo em consideração todas as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis, o que o declarante quis. Este, por seu lado, é também obrigado pela boa-fé a deixar valer a declaração no sentido que o declaratário, mediante cuidadosa verificação, tinha de atribuir-lhe – v. VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, 104.º, 631;
25) Decisiva é a vontade do declarante, se ao declaratário for possível conhecê-la. Quando o declarante não pode contar razoavelmente com o sentido deduzido pelo declaratário normal do seu comportamento, o risco linguístico ou o risco do entendimento é imputado ao declaratário (art.º. 236/1, 2.ª parte);
26) Como bem se diz este na sentença sub juditio, nesta parte bem: “se a ré dá a entender à autora que vai conseguir pagar as quantias devidas e que vai proceder ao levantamento das máquinas, então se não paga e, por isso, não as levanta (nem as mesmas são restituídas), não pode de todo concluir-se que o contrato cessou…”, ainda que a Recorrente escreva que as considera perdidas, acrescentamos nós, porque o declaratário assim não o pode entender, atento o seu demonstrado comportamento, em sentido contrário;
27) É que a interpretação de um negócio jurídico, enquanto atividade destinada a fixar o sentido e alcance decisivo desse negócio, segundo as respetivas declarações integradoras não pode ser abandonada ao senso empírico de cada interprete, antes deve pautar-se por regras cuja formulação constitui o objeto de hermenêutica negocial, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.11.1992, em que é Relator Dias Simão (confere Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, página 418), e disponível em www.dgsi.pt;
28) Como elucida MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 450, também aqui se deve operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição de declaratário efetivo, teria tomado em conta;
29) Para HEINRICH EWALD HORSTER, A Parte Geral do Código Civil Português Teoria Geral do Direito Civil 510, a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade de entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante;
30) Como tal, o tribunal não podia ter dado como provado o facto 23) e ainda devia ter dado como provados os factos 1) e 2) que ora se aditam e com o teor supra;
31) Escalpelizando o declaratário foi criando a impressão no declarante que [que] o contrato de depósito estava em vigor e de que lhe pagaria o preço da ocupação do armazém, para o manter preso ao contrato, bem sabendo que isso lhe era útil, porque, atenta a desvalorização económica dos bens, quando mais tempo permanecesse nessa situação, menos encargos teria, ou nenhuns, como se veio a verificar, uma vez que, nunca removeu os bens, nem pagou o preço do depósito;
32) O tribunal não atribuiu sanção pecuniária compulsória, o que não se admite!
33) Ora, resultando da prova produzida nos autos que os bens ainda se encontram guardados no armazém da Recorrente, não se aceita que o tribunal não estipule uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na sua remoção;
34) Quanto a esta questão importa precisar que a sanção pecuniária compulsória decorre da aplicação do disposto no art. 829.-A do CC e alicerça-se na insuficiência da execução específica prevista no art. 827. CC.
35) Neste preceito legal está prevista a execução in natura e sub-rogatória para obrigar ao cumprimento coercivo, concreto, real e eficaz de obrigações infungíveis.
36) No que concerne à fungibilidade ou da infungibilidade da prestação, esta soluciona-se, na realidade, pela possibilidade ou pela impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro;
37) Como refere, Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, § 95, e Estudos de Direito Civil, pg. 256, esta perscrutação constitui um problema de interpretação negocial, que não pode ser encontrada com base em critérios presuntivos;
38) Acresce que, a obrigação de remoção da coisa, findo o contrato que permitia a sua armazenagem, como é o caso da remoção dos equipamentos em deposito, é uma típica prestação de coisa.
39) Assim, como tal tem aplicabilidade no caso concreto a sanção pecuniária compulsória peticionada pela Apelante.
40) Acresce que, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, disponível em www.dgsi.pt, datado de 10/09/2009, Proc. n. 118/09.4YFLSB, esclarece: “…7. A sanção pecuniária compulsória é um mecanismo coercitivo cujo campo de acção está limitado às obrigações de facere e de non facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, um processo subsidiário aplicável onde a execução específica não tenha lugar. Graças ao constrangimento que ela exerce sobre a vontade do devedor rebelde, o credor pode obter a originária prestação infungível a que tem jus sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente. 8. O juiz goza de certa liberdade na fixação da sanção compulsória, devendo, em função das circunstâncias do caso concreto, e segundo critérios de razoabilidade, decretar uma sanção compulsória que possa ser eficaz na consecução das finalidades a que aquela se acha votada – levar o devedor a respeitar a injunção judicial e a cumprir a obrigação a que está adstrito.”;
41) Assim, apodítico é que a douta sentença recorrida deve ser revogada, por violar, entre outros, os seguintes preceitos legais: art.ºs n.º s 2.º; 3.º, n.º 3; 5.º; 6.º; 154.º; 423.º; 466.º; 607.º, n.º 3 e 4; 608.º; 615.º, n.ºs c) e d) todos do CPC; art.ºs 236.º; 238.º; 487.º, n.º 2; 562.º; 798.º; 799.º; 827.º; 829-A e 1185.ºdo Código Civil; 403.º e 404.º do Código Comercial; art.ºs 13.º, 20.º, 202.º e 205.º da CRP.

Termos em que revogando-se, na parte recorrida, a douta sentença sub juditio e proferindo-se acórdão que acolha as conclusões precedentes será feita inteira e sã justiça!!!
Assim se fazendo a acostumada e INTEIRA JUSTIÇA!».
A R. apresentou contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
A R. interpôs ainda recurso subordinado da sentença, na parte em que a condenou ao pagamento das mensalidades subsequentes a Setembro de 2016, pretendendo a sua absolvição total do pedido, tendo apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«01
A sentença proferida nos presentes autos compõe o litígio de forma quase inteiramente justa e quase juridicamente irrepreensível.
02
Errando, tão-somente, ao considerar que “Não se provou que o contrato tenha cessado nessa altura, nem os factos provados permitem à Ré defender que o contrato cessara no mês de Setembro de 2016, motivo pelo qual devolvera a factura de Outubro.” (cf. fls. 6 da sentença).
03
É este lapso que agora cumpre reparar através do recurso à presente via, nos termos e pelos fundamentos melhor explicitados ao diante.
04
A decisão recorrida considerou que a vigência do contrato de depósito celebrado entre as partes cessou em decorrência da comunicação que a Autora remeteu, à Ré, em 21.08.2017 (doc. nº. 7 da contestação).
05
A Ré, todavia, concorda com esse entendimento apenas a título subsidiário, por estar convicta que ela cessara em momento anterior, mais concretamente em resultado dum acordo alcançado, pelas partes, em reunião de final de Setembro de 2016 (situando-a no dia 26).
06
Ou seja, ela considera que o contrato cessou em 26.09.2016 ou, acaso assim não se entendesse, que, pelo menos, haveria de ter cessado em 21.08.2017 (cf. artºs. 18 a 40 da contestação, com particular enfoque para os artºs. 35 e 36 desse articulado).
07
O certo é que o Tribunal ‘a quo’ não relevou os acontecimentos de Setembro de 2016, nada tendo dado como provado, nem como não provado, pelo que, consequentemente, não extraiu deles as inerentes consequências legais.
08
Erradamente, todavia, uma vez que existe ampla prova documental, testemunhal e por declarações de parte que comprovam a tese da Ré.
Prova documental:
– A –
09
Em decorrência da cessação contratual, em 26.09.2016, a Ré remeteu email, à Autora, no qual afirma: “Quero pagar-lhe o que está faturado e retirar todo o material daí.” (doc. nº. 6 da p.i.).
10
Facto que a Autora expressamente reconheceu, ao mencionar que a Ré “solicitou que a A. não tirasse mais facturas pois a Ré iria proceder ao levantamento de todo o material” (cf. artº. 14 da p.i.).
– B –
11
Igualmente em decorrência da cessação contratual, em Outubro de 2016, a Ré devolveu, à Autora, a factura relativa a esse mesmo mês.
12
E cujo não pagamento foi aceite pela Autora, tal como evidenciado pela sequência dos docs. nºs. 4, 5 e 6 da contestação:
Doc. nº. 4 – Email de 18.01.2017, no qual a Autora (através da sua mandatária) reclama o pagamento da quantia de € 922,50, referente aos meses “em aberto” de Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2016
Doc. nº. 5 – Email da Ré, onde informa que o valor pendente é apenas de € 738, relativo às “faturas emitidas desde Junho a Setembro de 2016”.
Doc. nº. 6 – Email da Mandatária da Autora onde informa que “a m/constituinte aceita o pagamento (em dinheiro/transferência bancária) do valor por V/indicado”.
13
Entretanto, entre Outubro de 2017 e a[s] propositura da presente acção, em 10.03.2022, a Autora não emitiu qualquer factura relativa ao contrato de depósito em apreço.
– C –
14
Também em decorrência da apontada cessação contratual, verifica-se que no sobredito email de 20.01.2017, a Autora não reclamou o pagamento das mensalidades relativas aos meses de Novembro e Dezembro de 2016, nem de Janeiro de 2017 (cf. doc. nº. 4 da contestação).
15
Pretendendo cobrar, tão-somente, o montante de € 738 relativo às mensalidades vencidas até Setembro de 2016 – portanto, com exclusão da mensalidade de Outubro, cuja factura a Ré havia devolvido, e sem demandar as importâncias dos meses subsequentes – e contra a simultânea “entrega simultânea dos bens” que estavam depositados nas suas instalações (cf. doc. nº. 6 da contestação).
– D –
16
Finalmente, e ainda em decorrência da apontada cessação contratual, em carta de 21.08.2017, a Autora solicitou, que a Ré efectuasse o levantamento dos bens que ainda se estavam depositados nas suas instalações.
17
Mas não demandou o pagamento das prestações que se houvessem vencido entre Outubro de 2016 e essa mesma data (doc. nº. 7 da contestação).
18
Logicamente, porque nenhuma importância havia a reclamar.
Prova testemunhal e por declarações de parte:
19
Em sede de audiência de julgamento, a testemunha CC pronunciou-se nos termos seguinte:
• Gravação de 02.11.2022 – 20221102144614_16146330_2871620
00:06:53 00:19:56 00:20:56 00.31.19 (transcrições supra)
20
Por seu turno, em sede de declarações de parte, o legal representante da Ré afirmou o seguinte:
• Gravação de 02.11.2022 – 20221102162807_16146330_2871620
00:06:02 (transcrição supra)
21
Em face de tudo todos os elementos probatórios que antecedem, resulta inequívoco que o contrato de depósito cessou a sua vigência no final de Setembro de 2016, não obstante a existência de algumas importâncias ainda em falta, reportadas ao período antecedente.
22
Perante esse débito, a Autora não autorizou que a Ré levantasse os equipamentos depositados nas suas instalações.
23
Exercendo o direito de retenção sobre tais bens, conforme consignado no artº. 755º, nº. 1, al. e), do Código Civil.
24
Por conseguinte, a permanência dos equipamentos nas instalações da Autora não foi uma consequência da vigência do contrato de depósito (que já havia cessado), mas antes do exercício do direito de retenção sobre os mesmos.
25
Tal como, de resto, a Autora reconheceu nos artºs. 52 e 53 da p.i., onde esta expressamente afirmou que:
53. O depositário tem ainda direito de retenção do objeto depositado até ser reembolsado.
54. Por isso foi decisão da Autora reter o material até integral pagamento das faturas pela Ré
26
A expressão assinalada a ‘negrito’ evidencia o objectivo visado pela Autora que era a obtenção do pagamento das facturas ‘em aberto’ (emitidas apenas até Outubro de 2016). –
27
E tal como resulta também das comunicações seguintes remetidas pela Autora:
• Doc. nº. 3 da p.i.:
Sim Senhor mas quando liquidar todo.
• Doc. nº. 5 da p.i.:
Lamento mas não deixo sem pagamento.
• Doc. nº. 6 da contestação:
“(…) a m/ constituinte aceita o Pagamento (em dinheiro/ transferência bancaria) do valor por V/ indicado de imediato com a entrega simultânea dos bens.
28
Em face de tudo o exposto, conclui-se que o Tribunal da Relação deverá acrescentar a seguinte matéria aos factos provados:
• “A vigência do contrato de depósito celebrado entre a partes cessou em Setembro de 2016.”
• “Perante a existência de um débito, a Autora não autorizou que a Ré levantasse os equipamentos depositados nas suas instalações, exercendo o direito de retenção sobre eles.”
• “A permanência dos equipamentos nas instalações da Autora não foi uma consequência da vigência do contrato de depósito (que já havia cessado), mas antes do exercício do direito de retenção sobre os mesmos.”
29
E, em consequência, deverá o mesmo Tribunal absolver a Ré do pagamento das mensalidades subsequentes a Setembro de 2016, o que equivale à absolvição da totalidade do pedido, uma vez que as mensalidades vencidas até então encontram-se pagas (facto provado nº. 22), além de prescritas (facto provado nº. 21).
NESTES TERMOS, deverá ser dado provimento ao presente recurso subordinado, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que, acolhendo a argumentação ora esgrimida, absolva a Ré do pagamento das mensalidades subsequentes a Setembro de 2016 (sem prejuízo das excepções do pagamento e da caducidade anteriormente dadas como provadas), e assim se fazendo a habitual
JUSTIÇA!».
A A. não apresentou contra-alegações quanto ao recurso subordinado.
Os recursos foram admitidos e, no mesmo despacho, proferido em 13/06/2023, decidiu-se:
“No que respeita às nulidades da sentença arguidas, em sede recurso, sempre ressalvando melhor opinião, somos de considerar que a sentença não enferma de tais vícios, previstos no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do C.P.C.
Com efeito, relida a sentença, concluímos que a mesma não é omissa quanto às questões suscitadas, porque apreciadas. Acresce que não se identifica contradição, ambiguidade ou obscuridade que mereçam ser supridas.
Sustentando a decisão proferida, julgamos não estarem verificadas as nulidades da sentença previstas no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do C.P.C.
Notifique.”.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são as seguintes as questões a tratar, por ordem lógica de precedência:
a) apurar da alteração da matéria de facto conforme propugnado pela recorrente A.;
b) apreciar da alteração da matéria de facto conforme propugnado pela recorrente R.;
c) averiguar, com base nas pretendidas alterações da matéria de facto ou independentemente delas, se o pedido formulado pela A., incluindo na parte respeitante à sanção pecuniária compulsória, deve ser totalmente procedente, ou se, ao invés, a R. deve ser absolvida da totalidade do pedido.
Nota:
Não se enuncia nenhuma questão respeitante à apreciação da nulidade da sentença recorrida, pois, não obstante o tribunal recorrido se ter pronunciado sobre a arguição de nulidades previstas no art. 615º, nº 1, als. c) e d), do C.P.C., essa questão não foi efectivamente colocada no recurso interposto pela A., que nada invoca nesse sentido nem na motivação, nem nas conclusões, limitando-se a incluir o referido artigo, sem mais, no elenco de diversas disposições violadas referido na conclusão 41ª, algumas delas (incluindo a referida) sem qualquer correspondência com a matéria alegada neste concreto recurso.
Com efeito, o requerimento de recurso é composto pela alegação (na terminologia legal) ou motivação e pelas conclusões, sendo um ónus do recorrente o de alegar e de formular conclusões (cfr. arts. 637º, nº 2, e 639º do C.P.C.).
Na alegação “cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão”, “rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objecto do recurso”. E sendo as conclusões a síntese da motivação do recurso, “devem ser desatendidas as conclusões que não encontrem correspondência na motivação” (cfr. Recursos em Processo Civil, António Santos Abrantes Geraldes, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 182 e 135).
No caso, a recorrente A. não invocou qualquer nulidade da sentença na motivação (os fundamentos do recurso reconduzem-se ao erro de julgamento, quer de facto, quer de direito) e também não o fez nas conclusões, não se podendo considerar como tal a simples referência, na última conclusão, a que a sentença deve ser revogada “por violar, entre outros,” 21 preceitos legais de três codificações diferentes e 4 preceitos da Constituição, entre os quais o art. 615º, nº 1, als. c) e d), do C.P.C.!
E de todo o modo, ainda que se entendesse que esta simples referência (sem qualquer fundamentação) poderia configurar uma pretensão da recorrente inserida nas conclusões, sempre haveria que concluir que esta questão não faz parte do objecto do recurso, por não constar da motivação/alegação.
Pois, se há matéria que consta das conclusões e não consta da alegação, sendo aquelas inovadoras em relação a esta, então as mesmas serão a síntese de nada, não constituindo nessa parte um resumo do que consta da motivação, ou seja, das razões do pedido, do objecto do recurso.
Ademais, esta situação nem sequer poderia ser remediada através de um eventual convite ao aperfeiçoamento, pois que este só está previsto para as conclusões (mantendo-se a alegação intacta) – art. 639º, nº 3, do C.P.C..
**
Vejamos então a primeira questão.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
Neste caso, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º):
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
No caso concreto, verifica-se que a recorrente A. deu cumprimento às referidas exigências, especificando os concretos factos que põe em causa e indicando as razões da sua discordância (embora misturando razões de direito com razões de facto), nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugna (ainda que minimamente no que se refere à prova gravada).
*
Apreciemos então as alterações à matéria de facto pretendidas pela recorrente.
São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida (transcrição):
«1) A autora é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada cujo objecto social é o transporte rodoviário de mercadorias e armazenamento de materiais, actividade a que se dedica com carácter habitual e regular;
2) A ré tem como objecto o “comércio e serviços de equipamentos de escritório, através da venda ou aluguer por grosso ou a retalho. (…) Faz parte também da actividade da empresa a reparação e todas a tecnologia de impressão, inclusive sistemas laser de alta precisão óptica. Estudo de softwares (programas), venda e recomendação de softwares com interface tecnológicos com vista à optimização digital nas empresas. Toda a actividade descrita poderá ser exercida em território Português e Europeu”;
3) A autora e a ré acordaram em que a autora se comprometia a guardar diversas máquinas pertencentes à ré, para esta as comercializar, e a ré se comprometia a pagar à autora 184,50€ mensais pela armazenagem de diverso material de escritório, correspondente ao valor mensal de 150,00€, acrescido de I.V.A. à taxa de 23%;
4) A ré não procedeu ao pagamento da factura vencida no dia 01/08/2016, no valor de 184,50€, nem das facturas vencidas a 01/09/2016, n.º 241, e 03/10/2016, n.º 272;
5) A ré, interpelada para a regularização do pagamento, nunca o efectuou;
6) No 20/09/2016, a ré interpelou a autora via e-mail dizendo que necessitava de levantar um equipamento que estava armazenado;
7) A autora negou o levantamento do equipamento sem que se procedesse à liquidação do montante em dívida;
8) A ré sustentou o levantamento da máquina XEROX ... como sendo fundamental o negócio desse equipamento;
9) A autora negou o acesso ao armazém para levantamento da máquina pois já estava a ser-lhe difícil aguentar as despesas que o armazenamento das máquinas lhe causavam e que caso não procedesse ao pagamento teria de as colocar no exterior do armazém;
10) A ré apelou à autora pedindo o levantamento da máquina para conseguir fazer dinheiro, solicitando o seu levantamento na quinta-feira, dia 22/09/2016;
11) A ré, ainda no dia 26/09/2016, admitiu que até ao final do mês contava abater uma parte substancial da dívida, nomeadamente 50% da mesma e logo depois o restante;
12) Também solicitou que a autora não tirasse mais facturas pois a ré iria proceder ao levantamento de todo o material;
13) A autora permitiu, no dia 27/09/2016, que a ré procedesse ao levantamento da máquina nas instalações;
14) No dia 03/10/2016, volvidos cinco dias do levantamento, a ré ainda não tinha procedido ao pagamento como tinha acordado com a autora;
15) A autora tentou ajudar a ré a realizar o pagamento facultando o levantamento da máquina XEROX ... para que a ré conseguisse realizar capital de forma a liquidar a divida que tinha;
16) No dia 11/10/2016, ainda sem o pagamento da ré à autora, a autora interpelou a ré para o pagamento por via correio electrónico;
17) Neste mesmo dia, a ré respondeu à autora que era sua vontade apenas até ao mês de Setembro e que para isso precisaria que fosse disponibilizado o acesso aos equipamentos para realizar capital e liquidar as facturas;
18) A ré referiu à autora que no dia 12 de Outubro de 2016 se deslocariam às instalações da autora dois empregados da B... para proceder ao levantamento de uma peça com “URGENCIA MAXIMA” que punha em risco um negócio superior a 25.000€ (vinte e cinco mil euros);
19) No dia 12/10/2016, a ré nomeou dois empregados para levantar a peça e assim foi;
20) No dia 21/08/2017, a autora, representada pela sua Advogada, enviou à ré a carta, junta aos autos como documento 7 da contestação, na qual se lê “Serve o presente para solicitar a V.ª Exa., o levantamento dos bens guardados na sede da m/constituinte “C..., Lda., no prazo máximo de 8 dias. Mais informo que, no caso de V.ª Exa., não efectuar o levantamento dos bens no prazo supra indicado, a m/ constituinte considera-los-a perdidos”;
21) A autora instaurou a presente acção no dia 10/03/2022 e a ré foi citada a 16/03/2022;
22) A ré efectuou transferência bancária para autora dos montantes de 246,00€ no dia 02/12/2016, 184,50€ no dia 24/03/2017 e 184,50€ no dia 27/10/2017 para pagamento de mensalidades anteriores às mencionadas em 4);
23) A ré, perante a comunicação descrita em 20), considerou os seus pertencentes como perdidos.».
*
Tendo sido dados como não provados os seguintes factos:
«I. Após uma reunião com a ré no dia 26/09/2016, ficou acordado entre a autora e ré que esta levantaria a máquina XEROX ... sob condição de no dia seguinte ao levantamento da mencionada máquina, a ré pagar à autora, sob a forma de transferência bancária, para a conta da autora o valor de 984,00€, respeitantes a cinco meses de armazenagem e um serviço;
II. A autora deixou claro à ré que, caso a ré não procedesse ao pagamento o valor, aumentaria para o dobro visto haver atraso de pagamento meses;
III. No dia 03/10/2016, após interpelação da autora sobre o não recebimento do pagamento a ré declarou que “vai receber”;
IV. Ao valor não regularizado acresceria mais metade do valor em dívida, perfazendo assim um total de 1.568,25€, conforme facturas:
a. 114: 92,25€;
b. 150: 30,75€;
c. 157: 92,25€;
d. 182: 92,25€;
e. 219: 92,25€;
f. 241: 92,25€;
g. 272: 92,25€ + Atraso do pagamento de 399.75€;
V. A ré não procedeu a qualquer pagamento atrasado.».
*
Pretende a recorrente A. que:
1) O ponto 23 da matéria de facto provada [A ré, perante a comunicação descrita em 20), considerou os seus pertencentes como perdidos.], que corresponde a factualidade alegada pela R. nos arts. 31º a 33º e 37º da contestação, seja considerado não provado.
Para o efeito, invoca o depoimento da testemunha ouvida, BB, e as declarações de parte da legal representante da A., AA, fazendo ainda apelo à interpretação do documento aludido no ponto 20 da matéria de facto.
Na motivação constante da sentença recorrida indica-se, quanto ao facto em causa, que:
Os documentos juntos com a contestação, assim como os testemunhos de CC e de DD são a prova da factualidade descrita de 19) a 23).
Destaca-se em relação ao facto 23) que o mesmo corresponde à posição da ré assumida em sede de contestação e que assume relevo para a decisão final.”.
Antes de mais, cabe precisar que, ao contrário do que parece pretender a A., não está em causa a interpretação do documento 7 junto com a contestação por parte do tribunal (ou sequer da A.), mas aquilo que foi interpretado pela R. aquando do recebimento da carta aludida no ponto 20 da matéria de facto (não impugnado), que constitui aquele documento – cfr. o que foi alegado pela R. no art. 37º da contestação.
E sendo assim, desde logo nada há que retirar do documento nº 7 junto com a contestação para o interpretar (posto que a interpretação do documento pelo tribunal é matéria de direito), para além daquele que é o seu teor objectivo, o qual já consta do ponto 20 da matéria de facto provada.
Quanto à demais prova, a testemunha DD (referida pelo tribunal) e a testemunha BB (indicada pela recorrente A.) nada sabiam sobre este concreto facto (tanto que nem sequer sobre ele foram expressamente questionadas). Por sua vez a testemunha CC (referida pelo tribunal) apenas tinha conhecimento de que a carta em causa “chegou à empresa” e que os equipamentos foram levantados, mas nada soube dizer sobre qualquer interpretação que a gerência da R. tenha feito sobre o teor da carta (aliás, até referiu que os bens “não foram levantados porque nós também não conseguimos fazer o levantamento”).
Já a legal representante da A. que foi ouvida (que não é a única), AA (na acta o seu nome consta como sendo EE, o que constitui um manifesto lapso de escrita, como se vê da gravação do depoimento no sistema “citius”), indicada pela recorrente A., nada soube dizer sobre o documento, que não conhecia (remetendo para a possibilidade de a mesma ter unicamente passado pelas mãos do seu pai, que é o outro gerente da A.) – desconhecimento esse que, desde logo, desvaloriza a circunstância de ter dito que “da nossa parte nunca foi dito que os bens iam ser considerados perdidos” (e que até poderia resultar de alguma confusão da própria, ou desconhecimento de actos praticados pelo seu pai – a mesma referiu que era gerente da A. “na retaguarda do meu pai” –, confusão que, aliás, sucedeu ao referir-se à sua qualidade de gerente da A. (perguntada sobre se era só gerente ou sócia-gerente respondeu que era só gerente, quando da certidão da matrícula da A. junta na audiência de julgamento, em 02/11/2022, resulta que a mesma é também sócia da A., sendo titular de uma quota).
Sobre o facto do ponto 23, a única prova produzida foi, pois, a que resultou das declarações de parte prestadas pelo legal representante da R..
Como é jurisprudência corrente, as declarações de parte “são um meio de prova válido, estando sujeitos, tal como a prova testemunhal, à livre convicção do julgador, tudo se reconduzindo à avaliação e ponderação que haja de ser feita, sem prejuízo porém dessa avaliação dever ser feita com as necessárias cautela, exigência e rigor e conjugada com a existência, ou não, de outros eventuais meios de prova” (Ac. da R.P. de 22/02/2021, publicado na Internet, em www.dgsi.pt, com o nº de processo 1303/16.8T8PNF.P1).
No caso, o legal representante da R., FF, referiu, de forma espontânea, antes de lhe ter sido formulada qualquer pergunta específica sobre a concreta questão, quando estava a relatar o desenvolvimento do relacionamento negocial de A. e R. ao longo do tempo: “nessa circunstância fomos deixando arrastar até que fomos intimidados a pagar o que devíamos de facto, porque senão punham-nos os bens na rua, perdíamos o direito aos bens. (…) Como eles se iam desfazer dos bens, nós também não os reclamámos. Portanto, demos os bens como perdidos nessa circunstância. Porque o relacionamento era complexo e não valia a pena, não valia a pena estarmos a gastar sinergias”. Acrescentando mais à frente: “desde que eles disseram que deitavam fora preferi assumir a perda do que ir buscar o material”.
Depois, quando lhe foi especificamente questionado como é que lhe disseram isso, referiu que “houve uma notificação de uma advogada nesse sentido”, para além de conversas telefónicas no mesmo sentido, “muito, muito agrestes”, aduzindo ainda, quando novamente questionado, “tenho presente que houve uma carta de uma advogada”.
As declarações do legal representante da R. nesta parte foram espontâneas e afiguraram-se sinceras e traduzindo o que era o sentir do mesmo, decorrendo delas que aquele se convenceu verdadeiramente de que a A. se ia desfazer dos bens e, por isso, os deu como perdidos, o que se mostra credível perante o teor do documento junto, que permitia esse convencimento da parte daquele, e pela circunstância de a R. não mais ter providenciado pelo levantamento dos bens (no que todos estão de acordo na acção, quer as partes nos articulados, quer todas as pessoas que foram ouvidas em audiência de julgamento).
Portanto, estando em causa neste ponto 23 da matéria de facto apenas o que foi considerado pela R. perante a carta recebida, a prova que resulta destas declarações efectivamente confirma que esse facto se mostra provado, tal como foi considerado na sentença recorrida, assim se devendo manter, não sendo de atender, nesta parte, a impugnação apresentada pela recorrente A..
2) Sejam inseridos na matéria de facto os seguintes “factos” (que a recorrente A. não indica de onde provêm):
a) A Ré ainda não levantou os equipamentos armazenados que ainda hoje se encontram nas suas instalações;
b) Atenta a sua quantidade, dimensão e desvalor económico, a sua remoção é manifestamente onerosa.
Desde logo quanto à matéria desta alínea b), verifica-se que a mesma constitui matéria conclusiva e mesmo de direito (“manifestamente onerosa”, para além de uma conclusão a retirar de factos concretos, é um conceito de direito), sendo certo que no elenco dos factos provados e não provados apenas devem constar “factos” e não matéria conclusiva e/ou de direito.
No sentido da exclusão da matéria conclusiva do elenco dos factos provados da sentença, por via do disposto no art. 607º, nº 4, do C.P.C., cfr. o Ac. do STJ de 29/04/2015, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 306/12.6TTCVL.C1.S1, e o Ac. da R.E. de 28/06/2018, publicado no mesmo sítio da Internet, com o nº de proc. 170/16.6T8MMN.E1. Como se refere neste último acórdão, “na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito”, pelo que, “mesmo no âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada” dessas afirmações, devendo ser eliminado qualquer ponto da matéria de facto que “integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões”.
Não há, pois, que incluir tal matéria no elenco dos factos provados.
Quanto à matéria da alínea a), tais factos, embora a recorrente A. não o assinale no recurso, resultam da alegação dos arts. 29º e 33º da petição inicial.
Que a R. não levantou os equipamentos resulta de toda a descrição dos factos constantes do elenco dos factos provados, incluindo o ponto 23 anteriormente apreciado, sendo esse precisamente o motivo do litígio entre as partes e fundamento da presente acção, não havendo que existir um facto específico a dizê-lo.
Saber se os mesmos se encontram ainda nas instalações da A., tendo sido alegado, poderá eventualmente ter interesse para a solução do pleito, tendo em conta todas as soluções plausíveis de direito para o mesmo, designadamente em face das questões de direito colocadas em sede de recurso.
Este facto resulta efectivamente provado perante o depoimento da testemunha BB, funcionário da A. de 2007 até 2019 e novamente a partir de Fevereiro de 2022 até ao presente, que esclareceu que os bens “ainda estão guardados hoje em armazém”, e as declarações de parte da legal representante da A., que igualmente referiu que “as máquinas ainda lá estão” (tendo em conta a conjugação dos dois meios de prova, valendo aqui o que se disse anteriormente a propósito da prova por declarações de parte), ambos se tendo referido a tal facto de forma espontânea e que se afigurou sincera.
Assim, há que acrescentar ao elenco dos factos provados o ponto 24, com a seguinte redacção:
“Os equipamentos armazenados ainda hoje se encontram nas instalações da A.”.
É, assim, de concluir que, com excepção do aditamento do ponto 24 à matéria de facto, nos termos acabados de referir, não merece provimento a impugnação da matéria de facto por parte da recorrente A..
*
Passemos à segunda questão.
Vale aqui o que já se disse no início do tratamento da primeira questão, a propósito dos requisitos da impugnação da matéria de facto em sede de recurso.
No caso concreto, verifica-se que a recorrente R. também deu cumprimento às referidas exigências, especificando a concreta matéria que pretende ver incluída na matéria de facto e indicando as suas razões para tal (embora em alguma parte também associando razões de direito e razões de facto), nomeadamente por referência aos meios de prova que, em seu entender, sustentam a solução que propugna.
Pretende a recorrente R. que:
1) Seja acrescentada ao elenco dos factos provados a seguinte matéria (que a recorrente R. não indica de onde provém, mas se verifica constar dos arts. 21º a 24º da contestação):
a) A vigência do contrato de depósito celebrado entre a partes cessou em Setembro de 2016;
b) Perante a existência de um débito, a Autora não autorizou que a Ré levantasse os equipamentos depositados nas suas instalações, exercendo o direito de retenção sobre eles;
c) A permanência dos equipamentos nas instalações da Autora não foi uma consequência da vigência do contrato de depósito (que já havia cessado), mas antes do exercício do direito de retenção sobre os mesmos.
Quanto às circunstâncias concretas em que não houve autorização do levantamento do equipamento por parte da A., tal já consta da descrição dos vários pontos dos factos provados, nomeadamente do ponto 7, incluindo as excepções que depois vieram a ser permitidas quanto às duas máquinas referidas nos pontos 13 e 19.
No mais, toda a restante matéria que a recorrente R. pretende acrescentar constitui matéria conclusiva e de direito, sendo que a cessação de um contrato de depósito e o exercício do direito de retenção são conceitos de direito e a sua apreciação constitui matéria de direito, a retirar dos factos concretos que se tenham apurado, e não matéria de facto, valendo aqui o que se disse no tratamento da primeira questão sobre este assunto.
Assim, não há, pois, que incluir tal matéria no elenco dos factos provados, onde apenas devem constar “factos” e não matéria conclusiva e/ou de direito.
É, pois, de concluir que não merece provimento a impugnação da matéria de facto por parte da recorrente R..
*
Resta apreciar a terceira questão.
Tendo em conta o resultado do tratamento das questões anteriores, a factualidade a ter em conta para apreciação das pretensões das recorrentes é a que consta dos factos dados como provados na sentença recorrida e já transcritos, mais o facto acrescentado do ponto 24, cuja redacção é a seguinte:
“Os equipamentos armazenados ainda hoje se encontram nas instalações da A.”.
Cabe assim apreciar se merece acolhimento a pretensão da A. de procedência total do pedido, ou, ao invés, a pretensão da R. de absolvição da totalidade do pedido.
Antes de mais, há que anotar que na sentença recorrida foi julgada parcialmente procedente a excepção de prescrição invocada pela R., declarando-se a prescrição das mensalidades dos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2016, decisão que não foi posta em causa por qualquer das partes em sede de recurso, pelo que não faz parte do objecto do recurso, encontrando-se definitivamente julgada. Donde, a pretensão da A. de procedência da acção não pode abarcar o pedido respeitante ao pagamento destas prestações.
Quanto ao mais, a recorrente A. defende que o contrato se manteve em vigor e, por isso, é devido o preço da ocupação do armazém até ao presente, onde se mantêm os bens, e defende ainda a aplicação no caso da sanção pecuniária compulsória.
Por seu turno, a recorrente R. defende que o contrato cessou em 26/09/2016, não havendo lugar ao pagamento das mensalidades subsequentes, e que os bens ficaram nas instalações da A. devido ao exercício do direito de retenção por parte desta.
Vejamos.
Estamos perante um contrato de depósito mercantil, nos termos da qualificação efectuada na sentença recorrida e que não foi posta em causa pelas partes.
Trata-se de um contrato com natureza onerosa, como decorre do art. 404.º do Código Comercial, ao qual se aplicam subsidiariamente as normais gerais do Código Civil, quer as respeitantes ao contrato de depósito civil, quer as respeitantes ao cumprimento e incumprimento das obrigações.
O contrato de depósito é também um contrato com natureza real, pois, sendo a guarda ou custódia da coisa o objecto do mesmo, o contrato só se concluiu com a entrega do bem a guardar, ou seja, sem entrega não há contrato (ao contrário de outros contratos, como a locação, o comodato, o transporte, em que a obrigação de guardar é secundária, acessória, no depósito essa obrigação “tem carácter final”) – cfr. P. Lima – A. Varela, Código Civil anotado, vol. II, 3ª ed., págs. 754 a 756.
Do mesmo modo se pode dizer, então, que enquanto houver guarda da coisa o contrato subsiste. Com efeito, o cumprimento que determina a cessação do contrato consubstancia-se no cumprimento pelo depositário da obrigação de restituir a coisa quando tal lhe for exigido pelo depositante (ou na data acordada, quando seja fixado um prazo para o depósito) – “o depósito termina (…) no acto da restituição” (idem, pág. 777).
De acordo com o art. 1187º, als. a) e c), do Código Civil, são obrigações do depositário, além do mais, as de guardar a coisa depositada e restituí-la com os seus frutos.
E, nos termos do art. 1199º, als. a) e c), do Código Civil, são obrigações do depositante, além do mais, as de pagar ao depositário a retribuição devida e de indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do depósito, salvo se o depositante houver procedido sem culpa.
A restrição da al. c) “põe em relevo a circunstância de os prejuízos deverem, em princípio, correr por conta do depositário, como risco do próprio negócio”.
Quanto à retribuição, atento o disposto no art. 1200º do Código Civil, a regra é a do pagamento no termo do depósito, excepto se for convencionado o pagamento por períodos de tempo, por exemplo mensalmente, pois nesse caso a remuneração é devida em cada mês. “A regra explica-se (…) pelo carácter continuado da prestação a cargo do depositário e pelo facto de este contrato, talvez mais do que qualquer outro, estar continuamente exposto a findar de um momento para o outro” (cfr. ob. e auts. cits., págs. 776 e 777).
Não havendo prazo fixado para a restituição da coisa depositada, o depositante pode exigi-la a qualquer momento (art. 1185º do C.C.) e o depositário pode cumprir a obrigação de restituição (que “assinala apenas o termo da obrigação fundamental de custódia da coisa” - ob. e auts. cits., pág. 770) a todo o tempo (art. 1201º do C.C.), apenas com a excepção prevista no art. 1193º do Código Civil, sendo que, em qualquer dos casos, as despesas da restituição ficam a cargo do depositante (art. 1196º do C.C.). Se o depositante se recusar a receber a coisa, incorre em mora do credor (arts. 813º e segs. do C.C.).
Por seu turno, verificados que estejam os requisitos previstos nos arts. 754º e 755º, nº 1, al. e), do Código Civil, o depositário pode invocar o direito de retenção sobre a coisa quando a sua restituição lhe seja pedida pelo depositante – quando disponha de um crédito resultante do contrato de depósito. Este direito de retenção é um direito de garantia, que confere ao credor, tratando-se de coisas móveis, os mesmo direitos do credor pignoratício, atento o disposto no art. 758º do Código Civil, nomeadamente o de ser pago com preferência pelo valor das coisas móveis que servem de garantia, podendo haver lugar à venda executiva dos bens a partir do momento em que esteja vencido o crédito (arts. 666º, nº 1, e 675º do C.C.).
No caso concreto foi acordado o pagamento mensal da retribuição à A. e não foi fixado qualquer prazo para a restituição. A R. deixou de pagar a retribuição mensal a partir de determinado momento e, quando pretendeu a entrega de uma das máquinas que se encontravam depositadas, em Setembro de 2016, viu a A. recusar-lhe essa entrega sem que procedesse ao pagamento do montante em dívida, mas na sequência do seu apelo nesse sentido, juntamente com a promessa de abater uma parte da dívida até ao fim do mês, conseguiu que a A. reconsiderasse e permitisse a entrega da máquina.
Não tendo a R. procedido ao pagamento, ainda assim houve lugar à entrega de uma outra máquina, a pedido daquela, em Outubro de 2016.
Os restantes equipamentos mantiveram-se nas instalações da A., sem que houvesse mais pagamentos da parte da R. e sem que esta tivesse providenciado pelo levantamento daqueles, não obstante em Setembro de 2016 ter dito que iria proceder ao levantamento de todo o material.
E não resultou provado que nada mais se tenha passado desde Outubro de 2016 e até ao envio da carta de 21/08/2017, em que a A., por intermédio de advogada, solicita à R. o levantamento dos bens no prazo de 8 dias e aduz que, se tal não suceder, considerará tais bens perdidos. Ao que a R. nada fez, tendo considerado os seus pertences como perdidos.
Da descrição desta sucessão de factos verifica-se que, ao contrário do defendido pela recorrente R., não ocorreu qualquer cessação do contrato em Setembro de 2016. Na verdade, a R. limitou-se a manifestar uma intenção de fazer cessar o depósito e de levantar todo o material, mas não o chegou a fazer, pelo que, não exigindo a restituição dos bens, o contrato se mantinha em curso, embora com incumprimento, na modalidade de mora, da sua parte, da obrigação de pagamento da retribuição devida à A..
Por sua vez, relativamente aos bens que se mantiveram depositados depois de 27/09/2016, a A. não invocou qualquer direito de retenção sobre os mesmos, nem negou qualquer restituição (que não lhe foi pedida) à R., igualmente não providenciou ela própria pela entrega dos bens à R. (como podia fazer, imputando as despesas da restituição a esta).
Ou seja, ambas as partes contemporizaram com a situação.
E em Agosto de 2017, podendo a A. ter procedido à entrega dos bens ela própria, por sua iniciativa, não o fez, antes interpelou a R. para que o fizesse. Sendo que nada mais foi feito por qualquer das partes, tendo-se passado cerca de 4 anos e meio até à instauração da presente acção.
Ora, perante o sucedido, só pode concluir-se que a inércia das partes se deveu ao que constava da parte final da referida carta. Pois se é certo que se tratava de uma consequência errada do ponto de vista legal e jurídico, visto que o não levantamento dos bens por parte da R. no prazo fixado nunca legitimaria a A. a considerar os mesmos perdidos, não é menos certo que as partes conformaram os seus comportamentos ao que ficou a constar da carta.
Daí que se perceba a conclusão a que se chegou na sentença recorrida de que o contrato cessou nessa ocasião, na sequência do comportamento das partes nesse sentido, pois ao conformar-se a R. com a “perda” dos bens, esta desinteressou-se dos mesmos, como que os abandonou, deixando assim de existir a obrigação de entrega por parte da A. (e sem obrigação de entrega não existe contrato de depósito).
Afigura-se-nos, assim, correcta a solução a que se chegou na sentença recorrida, de considerar o contrato em vigor até Agosto de 2017, com a obrigação da R. de pagar a retribuição devida por este período.
Igualmente correcta se mostra a solução de considerar não haver lugar à aplicação da sanção pecuniária compulsória, remetendo-se para os fundamentos aí apontados, posto que efectivamente a entrega das máquinas não é uma obrigação de prestação de facto infungível (seria uma obrigação de entrega de coisa certa e não de prestação de facto, e de todo o modo, sempre fungível, pois que poderia ser levada a cabo quer pela credora, a A., quer por terceiro) e não está peticionada nos autos a entrega dos bens (que a sanção visaria compelir a ter lugar), mas somente o pagamento de uma quantia monetária.
Perante o exposto, conclui-se que não merece, assim, acolhimento a pretensão da recorrente A. no recurso, nem a pretensão da recorrente R. no recurso subordinado.
*
Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir, com excepção do aditamento do ponto 24 da matéria de facto, pela não obtenção de provimento do recurso interposto pela A. e do recurso subordinado interposto pela R., e pela consequente confirmação da decisão recorrida.
***
III - Por tudo o exposto, acorda-se em:
a) alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, nos seguintes termos:
1. aditar o ponto 24 ao elenco dos factos provados, com o seguinte teor: “Os equipamentos armazenados ainda hoje se encontram nas instalações da A.”;
b) no mais, negar provimento a ambos os recursos, confirmando-se a decisão recorrida.
**
Custas do recurso interposto pela A. por esta e do recurso subordinado interposto pela R. por esta (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
*
Notifique.
**
Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
………………………………
………………………………
………………………………
*
datado e assinado electronicamente
*
Porto, 6/6/2024
Isabel Ferreira
Francisca Mota Vieira
Carlos Portela