Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DUARTE TEIXEIRA | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA INDEFERIMENTO APELAÇÃO AUTÓNOMA ADMISSIBILIDADE ABSOLUTA INUTILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP2025062630001/95.1TVPRT-O.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/26/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O recurso que tenha por objecto um despacho que não suspendeu a instância por causa prejudicial, deve ser admitido com fundamento num acto cuja retenção gera uma situação de absoluta inutilidade na sua apreciação final. II - É prejudicial apenas a decisão que venha a ser proferida no âmbito de um processo judicial pendente “quando tal decisão ponha fatalmente em causa o fundamento ou a razão de ser do processo. III - Tal não acontece se a questão a dirimir neste processo (falsidade da assinatura de um documento) é também a mesma de um processo criminal intentado posteriormente, tanto mais que já foi determinada a produção de prova pericial. IV - Acresce que a especial natureza desta acção (revisão de sentença), implica um juízo mais restritivo em todas as causas da sua suspensão, sendo-lhe aplicável os princípios ínsitos na posição do AUJ Assento de 24/05/60 relativamente à execução. V - Nos termos do art. 623º, do CPC as consequências dessa suspensão nunca serão absolutas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 30001/95.2TVPRT-O.P1
Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * 1. Questão prévia Da admissão do recurso O recorrido defende que o recurso não é admissível porque não diz respeito a qualquer meio de prova nem a sua retenção o torna absolutamente inútil. Está em causa a reacção contra o despacho que não suspendeu a instância pela existência de uma causa prejudicial. A possibilidade de recorrer imediatamente de decisões interlocutórias é actualmente a excepção à regra geral da recorribilidade final. Ora, a alínea h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC dispõe acerca da admissão de apelação autónoma quanto a “decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil”. Ora, esta norma prevê, na alínea h), que é admissível o recurso: “Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;” Conforme esta secção já decidiu no Ac da RP de 18.5.23 (Paulo Duarte Teixeira)[1]: “Esta norma constituiu uma cláusula geral, indeterminada que funciona como uma salvaguarda para todas as situações cuja permanência e continuação processual produzam consequências irreversíveis. Por isso, esta norma é interpretada entre nós nestes termos restritivos exigindo que as consequências sejam absolutas ou irreversíveis, precisamente para obviar à sua utilização alargada, pois todas as decisões contrárias aos seus interesses têm um efeito mais ou menos negativo para um recorrente. Mas, a mesma norma permite e visa incluir no seu âmbito todas aquelas decisões que produzem efeitos irreversíveis independentemente da respectiva decisão final[2]. Ora, no caso concreto a apelante pretende obter a suspensão da instância pela pendência de um processo crime. Como tal é evidente que se recorrer apenas a afinal essa suspensão já não pode ser declarada nem sequer produzir quaisquer efeitos nestes autos. Acresce que a causa pode, entretanto, transitar e como tal, o próprio fundamento do recurso desaparecer no futuro. Isto é o que a parte pretende é sindicar a bondade do despacho à luz das circunstâncias processuais actuais, que podem ser alteradas no futuro. Como tal é obvio que esta é uma das raras situações para aplicação da alínea H), pois, sem esta, a parte nunca poderia obter a alteração da decisão que produziria todos os seus efeitos antes da interposição do recurso final, já que os efeitos da decisão de não suspensão do processo não podem retroagir. Ou seja, a impugnação dessa decisão com o recurso da decisão final é absolutamente inútil, porque mesmo que seja provida a anulação de alguns actos, por ser esse o risco próprio ou normal dos recursos diferidos, a causa prejudicial poderia, entretanto, desaparecer. Nestes termos é jurisprudência pacifica entre nós, pois: 1. “a decisão de indeferir a suspensão com base no pressuposto de que não se verifica uma questão prejudicial já é recorrível e pode-o ser autonomamente, ao abrigo do art. 644/2-h do CPC”: Ac da RL de 10.11.22, nº 822/21.9T8CSC-A.L1-2 (Pedro Martins). 2. Esta inutilidade verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível, de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil, mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição: Ac da RC de 102/08.5TBCDN-A.C1 (Artur Dias). 3. As decisões “cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil”, de acordo com o disposto na al. h) do nº 2 do artº 644º do Código de Processo Civil, são apenas aquelas cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não as que acarretem a mera inutilização de atos processuais: Ac da RG de 7.1.2016, nº 2754/13.5TBBCL-A.G1 (Miguel Baldaia Morais). É certo que alguma doutrina,[3] defende que a decisão que indefere a suspensão seria recorrível apenas nos termos do nº 3 da norma supra referida. Mas, com um grande e devido respeito, não concordamos com esta posição. Por um lado, por tudo o se expôs supra e, por outro, porque a mesma nem sequer analisa a integração dessa decisão (de não suspensão do processo), na alínea h). Concluímos, pois, que nesta situação que o recurso é admissível nos termos supra expostos. * 1. Relatório AA interpôs recurso de revisão da sentença proferida em 21/6/2021, que o condenou o a pagar a BB CC, uma quantia pecuniária no valor global de € 2.114.966,75, a título de saldo de administração de herança, com base num documento assinado pelos mesmos. Foi apresentada resposta impugnando a autoria da assinatura alegando, ainda, tratar-se de um documento falsificado e fabricado. Foi determinada a perícia ao documento, cujo objecto foi ampliado. Os aqui apelantes instauraram processo crime com vista a apurar a alegada fidedignidade, autenticidade, veracidade do próprio documento, bem como do seu teor (parte datilografada) e assinaturas aí apostas, o que deu origem ao inquérito nº .... Os recorrentes apresentaram pedido de suspensão da instância cível (nos termos do nº 1 do artigo 272º do CPC), até que existisse uma decisão no âmbito desse processo crime. Esse requerimento foi indeferido. Inconformados vieram interpor recurso o qual foi admitido nos seguintes termos: Em cumprimento do princípio processual da ampla admissibilidade dos recursos e aceitando (não sem alguma relutância), que possa estar em causa a al. h) do nº 2 do art. 644 do Código de Processo Civil, por estar em tempo, ter legitimidade para o efeito e a decisão ser recorrível, admito o recurso interposto pelos requeridos DD e EE, bem como admito as contra-alegações do requerente AA, recurso que é de apelação, a subir em separado dos autos principais e com efeito meramente devolutivo (arts. 627; 629 nº 1; 631 nº 1; 637; 638 nº 1; 639; 641 nº 1; 644 nº 2 al. h); 645 nº 2; e 647 nº 1, todos do Código de Processo Civil). * 2.1. Os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões I. O recorrido AA interpôs recurso de revisão da sentença proferida em 21/6/2021, que condenou o ora Réu/Recorrente a pagar aos Autores/Recorridos, BB CC, uma quantia pecuniária no valor global de € 2.114.966,75, a título de saldo de administração de herança, fundamentando esse recurso unicamente na existência de uma declaração alegadamente assinada em 15/09/1993 pelos herdeiros do Exmo. Sr. FF, incluindo o Recorrente e os Recorridos, GG e BB e CC, que o exonerava de pagar aquela quantia € 2.114.966,75, a título de saldo de administração de herança, revogando, assim, a sentença revidenda. II. Os recorrentes apresentaram resposta impugnando a autoria da assinatura a si atribuída e alegando desconhecimento quanto às demais (uma vez que não foram feitas na sua presença) alegando, ainda, tratar-se de um documento falsificado e fabricado, contendo declarações, igualmente, falsas. III. Posto isto, o recorrente AA requereu a realização de perícia judicial, tendo por objecto as assinaturas apostas na declaração que se encontra junta às alegações de recurso, tendo o Tribunal, por despacho proferido em 05-06-2025, com a referência CITIUS 460859463, considerado indispensável a realização de prova pericial, por forma a apurar a veracidade do documento oferecido pelo recorrente, incluindo das assinaturas aí constantes. IV. Em 13-06-2024, vieram os recorridos/ ora recorrentes requerer, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 476º do CPC, a ampliação do objeto da perícia, por considerarem que era de especial relevância que a mesma se estendesse a outros aspetos além daqueles mencionados, alegando que o documento visava fazer prova de factos falsos e inverídicos, que anulariam a sentença revidenda, nele se apondo declarações falsas e contrárias à vontade dos Recorrentes e que, tendo o recurso de revisão sido apresentado unicamente com fundamento na existência de tal documento, assumia especial relevância a questão de aferir, não apenas quanto à impugnação das assinaturas aí constantes, mas também quanto à genuinidade e veracidade do mesmo (considerando as alegações da fabricação e elaboração fraudulenta daquele). V. Simultaneamente, os Recorrentes instauraram processo crime com vista a apurar também a alegada fidedignidade, autenticidade, veracidade do próprio documento, bem como do seu teor (parte datilografada) e assinaturas aí apostas, tendo dado origem ao inquérito nº .... VI. Os recorrentes apresentaram pedido de suspensão da instância cível (nos termos do nº 1 do artigo 272º do CPC), até que existisse uma decisão no âmbito desse processo crime, considerando que o andamento processual do inquérito, bem como o seu desfecho, iria revelar-se determinante no que concerne a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa no âmbito dos presentes autos, tanto é que o próprio Ministério Público tinha pedido extração de certidão e solicitado mais elementos ao processo em 27/09/2024 e em 08/11/2024. VII. O Tribunal proferiu despacho, no qual considerou não se encontrar verificada a “prejudicialidade daquele processo em relação a esta acção”, uma vez que a Responsabilidade Limitada “decisão a proferir nestes autos não está dependente do que se vier a apurar na decisão final que vier a ser proferida no âmbito daquela participação criminal”, VIII. Não se conformando com tal despacho, o recorrente vem dele interpor recurso, sustentando-se a sua recorribilidade e apelação no disposto dos arts. 630º, 644º nº2 al. d) e h), todos do CPC. IX. Isto porque, não obstante se tratarem de jurisdições diferentes, o facto é que ambos os processos se encontram numa fase que passa pela apreciação da veracidade de todas as assinaturas e das declarações aí vertidas, da validade/autenticidade do próprio documento. X. Até porque, verificando-se a falsidade do documento no âmbito do processo crime, esse nunca poderá ser aceite como meio de prova no âmbito da ação cível, muito menos constituir fundamento único para sustentar um segundo recurso de revisão de Sentença, motivo pelo qual a apreciação da matéria de facto na ação declarativa (isto é se este documento poderá constituir fundamento do recurso de revisão intentado), se encontra inteiramente dependente do que se vier a apurar no processo de natureza criminal, ficando assim mais do que demonstrada a prejudicialidade do processo crime em relação à ação cível, uma vez que pode afetar e prejudicar o julgamento desta, retirando-lhe o fundamento. XI. Mais que não seja, a ligação existente entre ambos os processos, evidente pela sobreposição dos mesmos factos e por ambos passarem pela mesma finalidade (apurar quanto à fabricação fraudulenta do documento e quanto à sua natureza apócrifa e falsa), constituem motivo justificativo para que a suspensão seja decretada.
2.2. AA, apresentou contra-alegações concluindo em suma que: 1. nada consta dos autos que comprove qual o real objecto do referido processo-crime, nem os Recorrentes se deram ao trabalho de fazer prova desse conteúdo, limitando- se a afirmá-lo, sem mais 2. o processo-crime n.º ... encontra- se ainda na fase de inquérito 3. a verificação de uma questão prejudicial, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 272.º n.º 1 do CPC, pressuporia que a decisão do presente processo dependesse estritamente da decisão que vier a ser proferida no âmbito do inquérito n.º .... 4. tendo ficado demonstrado que a eventual decisão do processo-crime n.º ... não é um elemento necessário para a apreciação e decisão do presente recurso, importa acrescentar que não há, tão pouco, razões de mera conveniência atendíveis para decretar a suspensão pretendida pelos ora Recorrentes. 5. as circunstâncias da instauração do processo-crime n.º ... evidenciam intuitos exclusivamente dilatórios por parte dos ora Recorrentes, com o fim último de protelar a apreciação do mérito do recurso. 6. o despacho recorrido veio ainda aduzir, certeiramente que “estamos no âmbito de jurisdições diferentes e com diferentes finalidades (aqui pretendemos apreciar a validade/autenticidade de documento que possa influir na decisão a proferir, sendo que o inquérito criminal terá por missão apurar se algum dos envolvidos nesse documento desenvolveu uma actuação que possa – também – configurar acção tipificada na lei como conduta criminal)”. 7. resultaria uma relação de dependência justificativa da suspensão da instância, justamente por que o presente processo (recurso de revisão) é autossuficiente no sentido de apurar cabalmente, através da pertinente prova pericial (entre outra), a veracidade das assinaturas e a genuinidade do documento a que os Recorrentes se referem. * 3. Questões a decidir 1 Determinar se o despacho de 20/1/2025, que indeferiu o pedido de suspensão da instância formulado pelos Recorrentes por requerimento de 4/12/2024 deve ou não ser mantido * 4. Motivação de facto 1. Em 5.4.24, AA veio interpor recurso de revisão da sentença proferida em 21/6/2021, que condenou o ora Réu /Recorrente a pagar aos Autores/Recorridos, BB CC, uma quantia pecuniária no valor global de € 2.114.966,75, a título de saldo de administração de herança. 2. Fundamentou esse recurso na descoberta de uma declaração assinada em 15 de Setembro de 1993 pelos herdeiros do Exmo. Sr. FF, incluindo o Recorrente e os Recorridos, GG e BB e CC, que davam como prestadas as contas dos saldos. 3. Os recorrentes responderam a esse recurso e, para além de a versão espelhada nesse documento ser contraditória com o que o recorrente AA assumiu na ação de prestação de contas (apenso K), o recorrido DD impugnou a autoria da assinatura a si atribuída, e que desconhecia se as demais eram da autoria dos outros supostos intervenientes. 4º O recorrente AA requereu a realização de perícia judicial, tendo por objecto as assinaturas apostas na declaração que se encontra junta às alegações de recurso. 5º Por despacho proferido em 05-06-2025, o Tribunal deferiu a realização dessa perícia. 6. Foi apresentado um requerimento de ampliação da perícia, no qual foi comunicada a instauração do inquérito nº ... onde ser iria debater a autoria dessas assinaturas. 7. Foi então apresentado requerimento visando a suspensão da instância até decisão desse processo crime. 8. O Tribunal proferiu despacho nos seguintes termos “Para além de esta acção cível ser anterior à participação criminal, entendemos que nem uma eventual “oposição de julgados”, mesmo que apenas aparente, justifica a pretensão dos requerentes, pois que, apesar de poderem estar em causa factos que se sobrepõem em ambos os processos, estamos no âmbito de jurisdições diferentes e com diferentes finalidades (aqui pretendemos apreciar a validade/autenticidade de documento que possa influir na decisão a proferir, sendo que o inquérito criminal terá por missão apurar se algum dos envolvidos nesse documento desenvolveu uma actuação que possa – também – configurar acção tipificada na lei como conduta criminal). Tudo ponderado, há que convir que a apreciação da matéria de facto nesta nossa acção declarativa não está dependente do que se vier a apurar naquele ouro processo de natureza criminal, tanto mais quanto, também neste nosso processo se determinou prova pericial para avaliação técnico científica relativa à autenticidade da autoria da assinatura constante no documento como sendo do requerido DD. Assim, porque a decisão a proferir nestes autos não está dependente do que se vier a apurar na decisão final que vier a ser proferida no âmbito daquela participação criminal, julgo não verificada a prejudicialidade daquele processo em relação a esta acção.” 9. Este é o segundo recurso de revisão interposto pelo apelante tendo o primeiro indeferido liminarmente (apenso L cujo restante teor se dá por reproduzido). * 5. Motivação Jurídica Está em causa determinar se existe fundamento para suspender a instância devido à pendência de um processo crime no qual irá ser apreciada a questão da falsidade das assinaturas do documento que fundamenta a presente acção. Decorre do Artigo 272.º, do CPC que: 1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado. 2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens. É entendimento consensual entre nós que é prejudicial apenas a decisão que venha a ser proferida no âmbito de um processo judicial pendente “quando tal decisão ponha fatalmente em causa o fundamento ou a razão de ser do processo”[4]. Mas, tendo em conta que a presente acção foi intentada em Abril de 2024 (certidão junta) parece simples concluir que o inquérito de natureza criminal foi intentado posteriormente, pelo nunca estaria preenchida a previsão temporal da norma em causa.[5] Logo, mesmo sendo evidente a identidade do objecto processual de ambos os processos, não será este (o mais antigo) aquele que deveria ser suspenso. * b) da necessidade da suspensão Importa ainda frisar que a prejudicialidade implica não uma mera coincidência de objectos processuais entre duas acções, mas também uma relação de necessidade e maior aptidão de um processo face ao outro para dirimir essa mesma questão. Nestes termos uma questão jurídica prejudicial será aquela que, além de pressuposto necessário da decisão de mérito seja objecto autónomo de outra ação. Segundo o Prof. Manuel de Andrade[6], a verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental. (nosso sublinhado). Ora, no presente caso não é isso que acontece. Porque essa questão (falsidade das assinaturas) pode facilmente ser resolvida neste caso, com apelo a regras probatórias distintas das do processo crime, usando como meio probatória principal a mesma prova pericial ainda que realizada por diferentes entidades. Acresce que o que está subjacente à suspensão prevista no art. 272º já não é a incompetência do tribunal (art. 92º, do CPC), para apreciar uma questão de natureza criminal ou administrativa, mas sim a mera circunstância de estar já pendente uma outra acção onde se discute uma determinada questão (independentemente da sua natureza e independentemente de ela se integrar ou não no âmbito de competência do tribunal da causa).[7] Não ocorre por isso a impossibilidade ou dificuldade de apreciação da questão da falsidade das assinaturas nesta acção.
c) Da natureza da presente acção e da sua relevância para a suspensão da instância. Por fim, sempre se dirá, que estamos perante o segundo excepcional uso do recurso de revisão. Este, como decorre do art. 696º, do CPC é um meio excepcional de por em causa uma decisão transitada e, neste caso, dotada de força executiva. Por isso, como salienta o Ac do STJ de 19.10.17 (Fernanda Isabel) as condições de interposição deste recurso são restritas e limitas, pois, conforme “Por princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, não se permita nova discussão do litígio”. Ora, teremos de notar, como argumento sistemático que a suspensão por causa prejudicial não é aplicável à acção executiva. Porque se mantém em vigor a posição do Assento de 24/05/60[8] que determinou: “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do art. 284.º do Código de Processo Civil“. Porque, como consta da sua fundamentação “onde não houver duas causas a decidir não tem funcionamento a primeira parte do art.º 284.º do Código de Processo Civil; e, porque a execução não procura decidir, não pode ser suspensa de harmonia com essa regra”. Essa mesmo raciocínio permite, pois, concluir que no âmbito da presente acção (que recorde-se visa por em causa uma sentença que integra um título executivo) a suspensão por causa prejudicial terá de ser também inexistente. Porque recorde-se “o recurso de revisão não pode utilizar-se como mais uma forma de produzir prova que as partes falharam em produzir na altura própria”. [9] Tanto mais que corre já termos a acção nº12857/22.0T8PRT que visa executar parcialmente a decisão cuja revisão se pretende. * D) Das consequências do processo crime no âmbito deste processo Os efeitos da decisão criminal, nas restantes está regulado no art. 623º, do CPC que dispõe: “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração”. Desta norma decorre, pois, que a decisão na acção criminal só terá consequências no presente caso a mesma seja condenatória e mesmo assim, a mesma constituiu mera presunção ilidível da existência desses factos. Daí resulta, evidente, que não existe uma efectiva causa prejudicial, mas sim um eventual motivo fundado que, como é evidente não faz parte nem do objecto da decisão, nem dste recurso. Bastará dizer que mesmo que o processo aguarde anos e anos a decisão do processo crime, que se encontra ainda na fase de inquérito existe a possibilidade do objecto desta acção em nada ficar condicionado (caso a decisão criminal seja absolutória). Mesmo que obtenha uma condenação os efeitos da mesma não será decisivos, mas apenas inversores do ónus de prova desse facto. Ora, como salienta, por exemplo o Ac da RL de 11.7.24, nº 75192/22.7YIPRT-A.L1-2 (Arlindo Crua) “ um putativo juízo de procedência daquela aludida causa prejudicial, não determinaria a perda da razão de ser da presente causa aludidamente dependente, pois o ali decidido nenhuns reflexos jurídicos relevantes provocaria na apreciação da questão em controvérsia na presente acção”. Sendo que a apresentação de uma queixa crime não era, no caso concreto, uma causa prejudicial (Ac do STJ de 1.10.24, nº 1562/14.0T8VNG.P2-B.S1, (António Magalhães). Porque: “ainda que, porventura, o processo de inquérito criminal tenha por objeto factos relacionados com ocultação de património por parte de um dos co-réus para «pôr a salvo» bens que constituem garantia patrimonial dos seus credores, usando para tal desiderato a co-ré/apelante e de essa atuação poder, eventualmente, integrar um ilícito de natureza penal (ou não), o que ali vier a ser decidido não constitui uma “questão” que o tribunal cível tenha de considerar na lógica do pedido deduzido pela autora/recorrida para decidir do mérito da presente causa, porquanto para que o património da apelante possa vir a responder pela satisfação dos créditos da autora/recorrida o que interessará é provar, na ação cível, que houve uma utilização abusiva da sociedade comercial ré pelo devedor – aqui co-réu – independentemente de essa conduta poder ter, também, consequências do foro penal para os arguidos no processo crime e réus na presente ação.”[10] Por isso, com este fundamento da apelação também terá de improceder.
E) da existência de um motivo fundado Oficiosamente importa analisar se a apelação poderia proceder com base não na existência de uma causa prejudicial mas sim na existência de outro motivo justificado. Nessa matéria parece evidente a resposta negativa, de tal modo evidente que a mesma não faz parte das conclusões do recurso ou da fundamentação do despacho recorrido. Bastará dizer, face a todo o exposto que a natureza da acção (revisão) impõe já um especial dever de celeridade processual, pois, a mesma afecta de forma decisiva a força de caso julgado já formado. Depois, ponderando as referidas consequências processuais da decisão penal é evidente que não existem salientes vantagens na suspensão da presente instância porque os inconvenientes podem até ser superiores a qualquer vantagem. Por fim e, mais importante, os meios probatórios processuais nesta acção são até mais ajustados à integral decisão da questão na medida em que será usada a prova pericial, sendo que no processo civil, ao contrário do penal esse meio de prova não condiciona a liberdade da valoração da prova do tribunal (art 163º, n2, do CPP). Concluímos, portanto, pela improcedência da apelação. * * * 6. Deliberação Pelo exposto, este tribunal, delibera julgar o presente recurso improcedente por não provado e, por via disso, confirma integralmente o douto despacho recorrido. * Custas a cargo do apelante porque decaiu inteiramente. |