Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MÁRCIA PORTELA | ||
Descritores: | TRIBUNAL ARBITRAL DECISÃO INTERLOCUTÓRIA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL RECURSO PRECLUSÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2024110519/24.6YRPRT | ||
Data do Acordão: | 11/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O artigo 18.º, n.º 9, da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), dispõe que A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º. II - Este artigo não estabelece uma faculdade de livre escolha, que permita à parte impugnar a decisão interlocutória sobre a competência do Tribunal arbitral, no prazo de trinta dias a contar da sua notificação, ou impugná-la em sede de acção de anulação da decisão arbitral. III - Nessa conformidade, o artigo 18.º, n.º 9, LAV, estabelece um verdadeiro ónus de impugnação da decisão interlocutória, sob pena de preclusão, com formação de caso julgado. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 19/24.6YRPRT Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório AA e BB, notificados da sentença proferida pelo Tribunal Arbitral, intentaram, nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv) da LAV, acção de anulação de sentença arbitral, contra consórcio A..., LDA. e B..., Ld.ª, apresentando as seguintes conclusões: A. Perante um litígio ocorrido entre os Outorgantes de um contrato de empreitada, os Requerentes foram notificados para efetuar a designação de Árbitro, de forma a proceder à constituição de Tribunal Arbitral para a resolução do conflito, com base na cláusula de arbitragem voluntária constante desse mesmo contrato. B. Não se mostrando tal arbitragem uma via necessária (tão só voluntária) para a resolução dos potenciais litígios, sendo, isso sim, uma mera opção, apenas a ser utilizada em caso de acordo entre as partes nesse sentido, nos precisos termos da letra e da ratio constituinte da Cláusula 28ª do Contrato de Empreitada, os Requerentes opuseram-se, reiterada e fundamentadamente, a todo o processo arbitral, nunca tendo participado no mesmo, ou sequer designado um dos árbitros (condição para a conformidade da composição do Tribunal Arbitral com a convenção das partes), propugnando pelo recurso à via judicial. C. Ainda assim, o Tribunal Arbitral concluiu pela sua própria competência e proferiu sentença condenatória dos Requerentes, sentença essa que, inegavelmente, padece de nulidade nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv) da LAV, que aqui expressamente se invoca. Nestes termos e nos demais aplicáveis, e em função de tudo o quanto se vem de alegar e fundamentar, deve o presente pedido ser procedente e, em consequência, ser declarada a anulação da presente sentença arbitral. Opuseram-se as requeridas, assim concluindo: A.- Os Requerentes impugnam a competência do Tribunal Arbitral para dirimir o litígio. B.- O Acórdão n.º 164/22.YRPRT do Tribunal da Relação do Porto clarifica um ponto importante sobre a impugnação de decisões interlocutórias dos tribunais arbitrais em Portugal, especialmente no que diz respeito à competência-competência. C.- Este acórdão especifica que, no caso de uma decisão interlocutória onde os árbitros afirmem a sua competência para conhecer do litígio, a parte interessada deve impugná-la no prazo de 30 dias após a sua notificação. Este é um verdadeiro ónus de impugnação com natureza preclusiva. Se a decisão não for impugnada dentro deste prazo, transita em julgado, ganhando força de caso julgado, vinculando os tribunais estaduais. D.- Implicações Práticas ● Obrigação de Impugnação Imediata: Se uma parte deseja contestar a decisão interlocutória que afirma a competência do tribunal arbitral, deve fazê-lo dentro do prazo de 30 dias após a notificação dessa decisão. Este é um prazo preclusivo, o que significa que, se não for cumprido, a oportunidade de impugnar é perdida. ● Força de Caso Julgado: Se a decisão não for impugnada dentro deste prazo, torna-se definitiva e vinculante, não apenas no processo arbitral mas também perante os tribunais judiciais. Isso implica que, após o trânsito em julgado, os tribunais estaduais não podem reavaliar a questão da competência. E.- Comparação com a Interpretação Geral da LAV De acordo com o artigo 18.º, n.º 9 da LAV, uma decisão sobre a competência pode ser contestada imediatamente após a sua notificação. O Acórdão n.º 164/22.YRPRT reforça a interpretação de que esta impugnação deve ser feita dentro de 30 dias para evitar a preclusão do direito de contestar. F.- Conclusão Com base no Acórdão n.º 164/22.YRPRT do Tribunal da Relação do Porto, fica claro que: ● Prazo de 30 Dias: A parte interessada tem um prazo de 30 dias para impugnar uma decisão interlocutória sobre a competência do tribunal arbitral. ● Natureza Preclusiva: Este prazo é preclusivo, ou seja, se a parte não agir dentro deste prazo, perde o direito de impugnar a decisão. ● Força de Caso Julgado: Após o decurso do prazo sem impugnação, a decisão ganha força de caso julgado, vinculando os tribunais estaduais e não podendo ser contestada posteriormente. G.- No caso de ser proferida decisão interlocutória em que os árbitros afirmem a sua competência para conhecer do litígio que lhes foi submetido, a parte interessada, por virtude do disposto no nº 9 do artigo 18º da Lei da Arbitragem Voluntária, deve impugná-la, perante o tribunal estadual competente, no prazo de trinta dias após a sua notificação. Estabelece-se, assim, um verdadeiro ónus de impugnação, assumindo esse prazo natureza preclusiva. H. - Uma vez transitada, essa decisão tem força de caso julgado, com efeitos dentro e fora do processo arbitral, vinculando, portanto, os tribunais estaduais e fazendo precludir, por verificação da exceção de caducidade, o direito dos Requerentes a impugnar tal decisão. I. – A tal arguição de incompetência não se aplica a subalínea iv) do n.º3 do artigo 46.º da LAV, que se reporta à desconformidade da composição do Tribunal ou do processo com a convenção de arbitragem, e que contém implícito o reconhecimento da competência do Tribunal Arbitral. Tal arguição é realizada em desespero de causa pelos Requerentes, que constataram que o prazo de impugnarem a competência do Tribunal Arbitral junto dos Tribunais comuns caducou, e pretendem, por isso, fazer uma integração legislativa que não se compadece com a LAV. Termos em que deve ser declarada totalmente improcedente a anulação da sentença arbitral, por verificação da exceção de caso de julgado e preclusão do direito dos Requerentes a impugnarem a decisão interlocutória que julgou tal Tribunal Arbitral competente. 2. Fundamentos de facto Relevam para a apreciação da acção os seguintes factos: 1. Em 21.02.2015, foi outorgado um contrato de empreitada entre os requerentes e o consórcio A..., LDA. e B..., Ld.ª, tendo por objecto a reabilitação do prédio sito na Rua ..., na cidade do Porto, e cuja cláusula 28.ª, sob a epígrafe “Litígios” dispõe o seguinte: 1 – Para dirimir qualquer questão relacionada com o Contrato, que não tenha sido possível solucionar pelo diálogo, ambos os Outorgantes admitem, como primeira via de solução do litígio, o recurso a um Mediador escolhido de comum acordo ou a uma Comissão Arbitral, constituída por três elementos, sendo dois deles indicados pelos Outorgantes, e um terceiro, que presidirá à Comissão, escolhido pelos dois primeiros ou, em caso de desacordo nesta escolha, nomeado pelo tribunal competente da comarca do Porto, nos termos da Lei de Arbitragem Voluntária na altura em vigor. 2 – O acordo obtido através de Mediador, depois de homologado por tribunal, nos termos da lei aplicável, ou a decisão proferida pela Comissão de Arbitragem, se as partes tiverem acordado utilizar uma qualquer dessas vias, será final, obrigatória e exequível perante qualquer tribunal com competência para executá-la. 3 – Na eventualidade de não haver acordo quanto à nomeação de um Mediador ou à constituição da Comissão Arbitral, poderão as partes recorrer ao foro judicial, aceitando, como tribunal competente, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 2. Ao longo da execução do referido contrato, surgiram determinadas divergências entre os outorgantes, que não se mostraram passíveis de ser resolvidas através de acordo. 3. Através de carta datada de 30.04.2020, os requerentes foram notificados, para efectuar a designação de Árbitro, de forma a proceder à constituição de Tribunal Arbitral para a resolução do conflito, ao abrigo da cláusula 28.ª do referido contrato de empreitada. 4. Em resposta, através de carta datada de 25.05.2020, enviada aos requeridos, os requerentes recusaram o recurso à arbitragem, invocando a cláusula 28.ª, não designando árbitro. 5. Em 15.12.2020, os requerentes foram notificados de um Projecto de Acta e Regulamento de Tribunal Arbitral, que se dizia constituído na base da convenção de arbitragem nos termos da cláusula 28.ª do referido contrato. 6. Em 04.01.2021, o Ilustre Mandatário dos requerentes reiterou junto das requeridas a sua oposição à constituição do Tribunal arbitral. 7. Em 04.06.2021, o Ilustre Mandatário dos requerentes enviou uma carta ao “AUTO ARVORADO TRIBUNAL ARBITRAL”, onde se lê: “… confrontado agora com uma pretensa notificação para contestar o conteúdo de uma peça a que não tive sequer acesso, para que não restem dúvidas ou tergiversações sobre a posição dos meus constituintes acerca desse auto arvorado Tribunal Arbitral, venho reiterar a sua intransigente não aceitação da constituição do mesmo para dirimir o conflito surgido com a A..., LDA e outra.” 8. Em 20.12.2022, o Tribunal arbitral proferiu o seguinte despacho: A questão da (i)legitimidade e (in)competência do presente Tribunal Arbitral Por notificação datada de 15 de dezembro de 2020, foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre os Projetos de Ata e Regulamento no prazo de 10 (dez) dias. Em resposta, através de missiva datada de 04 de janeiro de 2021, alegou o Ilustre Mandatário dos Requeridos que os seus constituintes tinham informado os Requerentes que não subscreviam a interpretação da Cláusula 28.ª do Contrato de Empreitada em apreço como vinculativa da constituição de um Tribunal Arbitral para dirimir quaisquer litígios entre as partes, pelo que não concebiam a constituição do presente Tribunal Arbitral com assento numa convenção de arbitragem extraída da interpretação da referida Cláusula. Nessa senda, a 2 de fevereiro de 2021, este Tribunal, na pessoa da sua Secretária, endereçou missiva aos Requeridos comunicando-lhes que o Regulamento de Arbitragem havia sido aprovado, bem como que o Tribunal se considerava competente para dirimir o presente litígio em razão da natureza de cláusula compromissória da Cláusula 28.a Mais advertiu que a incompetência do Tribunal Arbitral para dirimir o litígio poderia ser suscitada, de forma fundamentada, aquando da apresentação da Contestação. Devidamente notificados para o efeito, as Requerentes apresentaram petição inicial. Por seu turno, os Requeridos, também devidamente notificados para o efeito, não apresentaram contestação. Sendo que, após notificação para apresentação da contestação, o Ilustre Mandatário dos Requeridos endereçou nova missiva, através da qual reiterou a intransigente não aceitação dos seus constituintes da constituição do presente Tribunal, arguindo, assim, a ilegitimidade e a incompetência deste com base no entendimento de que a Cláusula 28.a do Contrato de Empreitada não é vinculativa da constituição de um Tribunal Arbitral sem manifestação expressa da vontade e acordo de qualquer dos outorgantes. Cumpre apreciar e decidir. O Tribunal Arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, nos termos e para efeitos do estabelecido no art.º 18.0 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV). A convenção arbitral é o acordo das partes em submeter a arbitragem um litígio atual ou eventual, assumindo natureza contratual na medida em que é um negócio jurídico bilateral." A convenção arbitral pode, assim, revestir duas modalidades: cláusula com promissória ou compromisso arbitral, mediante tenha por objeto um litígio atual ou litígios eventuais emergentes de determinadas relações jurídicas contratuais ou extracontratuais, respetivamente, nos termos do art,º 1, n.º 3 da LAV. Sendo que a inserção de uma cláusula compromissória em contrato, como in casu, pode assumir as mais diversas formulações. Ou seja, conforme entendimento de MARIANA FRANÇA GOUVEIA, a cláusula compromissória quando estipulada pode «prever quase nada ou quase tudo, remeter para arbitragem constitucionalizada ou fixar critérios de constituição do tribunal arbitral. Dentro das regras imperativas de direito privado (que nesta área não são muitas), as partes poderão livremente convencionar o que entenderem". Isto posto, postula a Cláusula 28a do Contrato de Empreitada o seguinte: «1 - Para dirimir qualquer questão relacionada com o Contrato, que não tenha sido possível solucionar pelo diálogo, ambos os outorgantes admitem como primeira via de solução do litigio o recurso a um Mediador escolhido de comum acordo ou a um Comissão Arbitral constituída por três elementos, sendo dois deles indiciados pelos outorgantes, e um terceiro, que presidirá à comissão, escolhido pelos dois primeiros ou, em caso de desacordo nesta escolha, nomeado pelo tribunal competente da comarca do Porto, nos termos da lei de arbitragem voluntária na altura em vigor. (...)» (sublinhado e negrito nossos) As partes ao estipularem a Cláusula 28.ª como estipularam admitiram, como primeira via de solução do litígio, o recurso a um mediador escolhido de comum acordo ou a uma comissão arbitral constituída por três elementos. Assim, as contraentes tão-só fizeram depender do acordo entre as mesmas a escolha de um mediador, tendo, com efeito, admitido, desde logo, a constituição de uma Comissão Arbitral composta por três elementos nos termos expressamente contratualizados. Ora, a redação conferida à Cláusula 28.a assenta na livre vontade e autonomia das partes, que livremente estipularam que um eventual litígio relacionada com o contrato de empreitada em sub judiee seria, desde logo, submetida a uma Comissão Arbitral. As partes efetivamente admitiram sem mais, na medida em que não a fizeram depender de qualquer acordo ou aceitação, a constituição de uma Comissão Arbitral com vista a solucionar eventuais litígios. Isto posto, a Cláusula 28.a nos termos talqualmente estipulados entre as partes configura uma verdadeira convenção arbitral, sendo que o Tribunal Arbitral é competente quando o litígio que lhe tenha sido submetido se encontre integrado na convenção de arbitragem. Neste conspecto e sem mais considerações porque despiciendas, é o presente Tribunal Arbitral competente para conhecer do presente litígio. 9. Em 10.01.2023 os requerentes, através dom seu mandatário, dirigiram uma carta ao Tribunal arbitral, reiterando a sua posição de que, face à cláusula 28.ª do contrato de empreitada, aquele Tribunal não detém legitimidade / competência para decidir o litígio em causa, e informando que não estarão presentes na audiência preliminar convocada para o dia 17 de Janeiro de 2023. 10. Os requerentes não tiveram qualquer intervenção no processo arbitral. 11. Em 20.11.2023, foi proferida sentença arbitral, condenando os requerentes ao pagamento da quantia global de € 814.198,75 (oitocentos e catorze mil, cento e noventa e oito euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros, bem como dos honorários e despesas de arbitragem. 3. Do mérito da acção O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigos 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se, não tendo sido impugnada a decisão intercalar em que o Tribunal arbitral se considerou competente para decidir o litígio, a parte pode pedir a anulação da decisão arbitral com fundamento em incompetência. A A. pediu a anulação da sentença arbitral, nos termos do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv), da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, nos termos da qual A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se a composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, o tribunal estadual poderá ser chamado a decidir sobre a questão da competência do tribunal arbitral após a produção da sentença arbitral. Nos termos do artigo 18.º, n.º 1, LAV, O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção. Trata-se da consagração do princípio “competência-competência”, que se desenvolve em duas vertentes: o efeito positivo, dirigido aos próprios Tribunais arbitrais, nos termos do qual cabe aos árbitros decidir da sua própria competência, não ficando inviabilizada a decisão de mérito quando uma das partes questione a sua competência para a apreciação do litígio; e o efeito negativo, direcionado aos Tribunais estaduais, que postula que estes apenas podem apreciar competência do Tribunal arbitral após este se ter previamente conhecida da mesma. Contrariamente ao que sucedia no âmbito da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, em que a decisão pela qual o tribunal arbitral se declarava competente só podia ser apreciada pelo tribunal judicial depois de proferida a decisão sobre o fundo da causa (artigo 21.º, n.º 4), a actual LAV admite que o conhecimento da competência possa ter lugar em sede de decisão interlocutória. Assim, de acordo com o artigo 18.º, n.º 8, O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua competência quer mediante uma decisão interlocutória quer na sentença sobre o fundo da causa. E o n.º 9 deste artigo dispõe que A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º. Tendo o Tribunal arbitral proferido decisão interlocutória em que se declarou competente para decidir o litígio posto à sua consideração, a questão que se suscita é a de saber se a A. deveria ter impugnado aquela decisão no prazo de trinta dias a contar da notificação, ou se pode fazê-lo na sequência da notificação da decisão final. A A. responde negativamente a esta questão, num elaborado raciocínio a partir do regime consagrado no artigo 27.º, n.º 3, da LAV pregressa, que previa a situação do concurso de meios de impugnação da decisão arbitral, em termos que, se da sentença arbitral couber recurso e ele for interposto, a anulabilidade só poderá ser apreciada no âmbito desse recurso. Trata-se de um regime paralelo ao estabelecido no artigo 615.º, n.º 4, CPC, de acordo com o qual, cabendo recurso da sentença, as nulidades mencionadas nas alíneas b) e e) do n.º 1, devem ser arguidas no recurso. Discorre a A.: O problema coloca-se porque enquanto a anterior LAV, aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, regulava expressamente a questão no n.º 3 do artigo 27.º, dispondo que «se da sentença arbitral couber recurso e ele for interposto, a anulabilidade só poderá ser apreciada no âmbito desse recurso», a actual Lei da Arbitragem Voluntária não contém qualquer norma que resolva a questão, deixando em aberto a solução para os casos de concursos de meios de impugnação da sentença arbitral. (…) A norma da LAV precedente encerrava uma prescrição clara: se da sentença arbitral coubesse recurso e ele fosse interposto, a anulabilidade só podia ser apreciada no âmbito desse recurso. Trata-se, portanto, de uma norma que vedava a possibilidade de a parte instaurar uma acção de anulação da sentença arbitral no caso de, cabendo recurso da sentença, a parte ter decidido recorrer dela. Em simultâneo, resultava da norma que o recurso, sendo admissível, podia afinal ter como fundamento as causas de nulidade da sentença arbitral. E, por fim, resultava da norma que a apresentação de um recurso fazia precludir o direito de exercer de forma autónoma o direito de pedir a anulação da sentença, isto é, que se o recurso não estivesse fundamentado na nulidade da sentença arbitral, a sua apresentação precludia a faculdade de a parte arguir esse vício através de uma acção declarativa própria com esse objecto. Naturalmente se o actual regime jurídico da LAV não contém uma norma legal com este conteúdo, face ao efeito cominatório e preclusivo que a mesma encerrava, devemos entender que essas consequências estão excluídas do regime legal vigente. Por conseguinte, podemos defender que estamos perante uma lacuna do legislador a resolver nos termos do artigo 10.º do Código Civil – e, não se vislumbrando caso análogo, equacionar a norma que o próprio interprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema – ou então, como nos parece mais viável, entender que não existe propriamente uma lacuna (rectius, que se trata de uma lacuna intencional) porque as regras processuais vigentes já permitem resolver o conflito de meios processuais sem grave entorse para a justiça. Se não existe norma a condicionar o exercício de um meio processual a uma determinada circunstância (positiva ou negativa), devemos considerar, por decorrência do princípio do acesso ao direito e aos tribunais, que a parte pode exercer livremente os meios processuais previstos na lei sem estar dependente dessa circunstância. Se a lei processual permite mais que um meio processual a parte escolhe aquele que de acordo com a sua estratégia lhe parece mais adequado à defesa dos seus interesses. Apenas necessita de exercer cada um deles nas condições, para os objectivos e com os fundamentos que a lei lhe assinala, sendo certo que entre nós vigora o princípio da legalidade processual, nos termos do qual havendo uma forma específica para exercer um direito processual e iniciativa processual deverá obedecer a essa forma específica. O paralelo não colhe. No caso dos autos não estamos perante um concurso de meios de impugnação (recurso / accão de impugnação), mas perante um único meio, a exercer em momentos distintos, e com pressupostos distintos, conforme o Tribunal arbitral conheça da sua competência em decisão interlocutória, ou na decisão final. Na lógica da A., estaria na sua livre disponibilidade escolher o momento de impugnar a decisão de incompetência: ou no prazo de trinta dias a contar da decisão interlocutória (artigo 18.º, n.º 9, LAV), ou de 60 dias a contar da notificação da decisão final (artigo 46.º, n.º 6, LAV). Não lhe assiste razão. A lei não deixa ao critério da parte a escolha do momento de interposição de recurso, isso não faz sentido no nosso sistema processual de preclusões, numa lógica de rápida estabilização da instância. Atente-se na razão de ser da impugnação da decisão relativa à competência absoluta do Tribunal: a economia de meios, pois, se o Tribunal vier a ser julgado incompetente, o processo não prosseguirá os seus termos, com os inerentes custos. A impugnação a final implicaria a realização de diligências com maior ou menor duração, com os inerentes custos, pelo que, quanto mais rápida for a impugnação, eventualmente menores os custos, não só em tempo como em dinheiro, sabido que as instâncias arbitrais são normalmente onerosas. Nessa medida, desvaloriza-se o elemento literal na formulação do artigo 18.º, n.º 9 LAV, ao afirmar-se que a decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada (…). Tal afirmação tem o simples alcance de estabelecer a impugnabilidade da decisão (cfr. o lugar paralelo do artigo 627.º, n.º 1, CPC), o que se torna tanto mais evidente quando se compara com a redacção do artigo 21.º, n.º 4, LAV pregressa: A decisão pela qual o tribunal arbitral se declara competente só pode ser apreciada pelo tribunal judicial depois de proferida a decisão sobre o fundo da causa (..). Não se estabelece, pois, uma faculdade de livre escolha, mas sim um verdadeiro ónus, como se conclui no Acórdão da Relação do Porto, de 14.11.2022, Miguel Baldaia de Morais, www.dgsi.pt.jtrp, proc. n.º 164/22.2YRPRT.P1: No caso de ser proferida decisão interlocutória em que os árbitros afirmem a sua competência para conhecer do litígio que lhes foi submetido, a parte interessada, por mor do disposto no nº 9 do artigo 18º da Lei da Arbitragem Voluntária, deve impugná-la, perante o tribunal estadual competente, no prazo de trinta dias após a sua notificação. Estabelece-se, assim, um verdadeiro ónus de impugnação, assumindo esse prazo natureza preclusiva. Não tendo a A. impugnado oportunamente a decisão interlocutória através da qual o Tribunal arbitral afirmou a sua competência, formou-se caso julgado, vinculativo para as partes e os Tribunais. A questão ficou definitivamente resolvida, não podendo ser novamente suscitada. A acção está votada ao insucesso. * Fixa-se à causa o valor de € 786.185,81 (artigo 297.º, n.º 1, CPC). 4. Decisão Termos em que, julgando acção improcedente, confirma-se /revoga-se a decisão recorrida. Custas pela A. (artigo 527.º CPC), dispensando-se o remanescente da taxa de justiça, atenta a simplicidade da causa (artigo 6º, n.º 7, RCP). Porto, 05 de Novembro de 2024 Márcia Portela Rodrigues Pires Alberto Taveira |