Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MENDES COELHO | ||
Descritores: | LIVRANÇA EM BRANCO PRESTAÇÃO DE AVAL CLÁUSULAS GERAIS | ||
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Nº do Documento: | RP202106213313/19 | ||
Data do Acordão: | 06/21/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Sendo o aval um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, independente e formal e que se constitui como uma garantia cambiária com as características imanentes às relações cartulares – a saber, a abstracção, a literalidade e a autonomia –, o mesmo, a partir do seu pronunciamento voluntário, torna-se incondicional, irrevogável e obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado ou a determinar; II – Além disso, sendo pessoal e insusceptível de renúncia unilateral por quem o presta, o facto de o mesmo ser aposto em livrança ainda não preenchida não altera qualquer destas características, pois, tendo o mesmo nesse caso sido prestado para garantia de crédito ou créditos futuros, o preenchimento futuro de tal título, inerente ao accionamento deste, mais não é do que a concretização do crédito pelo mesmo antecipadamente garantido; III – O dever de comunicação que recai sobre quem negoceia apresentando à outra parte um contrato com cláusulas gerais é uma obrigação de meios, não se exigindo para o seu cumprimento que o contratante, abrangido por tais cláusulas, delas tome conhecimento efectivo, mas que lhe sejam facultadas as condições para, em termos de razoabilidade e actuando com diligência, obter conhecimento sobre o seu conteúdo. IV – Ao dar o aval ao subscritor de livrança em branco, o avalista fica sujeito ao direito potestativo do portador de o preencher nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela estiver efectivamente configurada. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº3313/19.4T8LOU-A.P1 (Comarca do Porto Este – Juízo de Execução de Lousada – Juiz 1) Relator: António Mendes Coelho 1º Adjunto: Joaquim Moura 2º Adjunto: Ana Paula Amorim Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Por apenso aos autos de execução comum sob a forma ordinária que “B…” move a C…, D… e E…, veio este último deduzir oposição por embargos, alegando e peticionado, em síntese, o seguinte (seguimos quase integralmente o relatório da decisão recorrida):I – Relatório 1º - A inexigibilidade da obrigação cambiária decorrente da livrança avalizada pelo embargante, tendo por base a cessação da qualidade de sócio da sociedade devedora, a manifestação de vontade de desvinculação do aval e o abuso de direito por parte da exequente. Nesta parte, o embargante alega o seguinte: A livrança exequenda foi emitida e avalizada em branco, associada ao contrato de abertura de crédito em conta corrente junto com o requerimento executivo, datado de maio de 2016. Sucede que o embargante, que avalizou a livrança e era, na altura, sócio e administrador da sociedade subscritora/devedora, renunciou aos cargos que tinha na dita sociedade devedora e vendeu as ações, entre junho e setembro de 2016. E, nessa sequência, o embargante, por cartas de 18.04.2017 e 19.04.2017, comunicou à exequente a resolução do pacto de preenchimento, solicitando a exclusão do aval, sendo que, apesar de a exequente ter respondido no sentido de não aceitar a exclusão do aval, o certo é que, nessa data, não existia crédito vencido. A qualidade de sócio e administrador da sociedade avalizada foi sempre pressuposto que as partes consideraram essencial à sua vinculação como avalista da livrança em branco. Uma vez que está em causa o preenchimento da livrança, em 06.02.2019, por valores vencidos posteriormente à denúncia do aval (o crédito venceu-se em 2018), a quantia exequenda não é exigível ao embargante. Além disso, no caso, foi gerada uma situação de confiança, “expressa na presença de elementos objetivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível, consistente em da parte do Embargante ter havido um assentar efetivo de atividades jurídicas sobre a crença criada, e que é exclusivamente imputável à aqui Exequente.”, face à inação da exequente durante três anos. Ao preencher a livrança cerca de três anos depois do vencimento do contrato subjacente, a exequente aproveitou-se da sua inércia para preencher a livrança por valores que não seriam devidos se a exequente tivesse atuado com a diligência devida. Mais alega que a irrevogabilidade do aval é contrária à ordem pública, bem como é proibida pelo regime das cláusulas contratuais gerais (art. 18.º, al. j), do DL n.º 446/85), sendo inconstitucional, por violação do art. 20.º da CRP, interpretação da lei que acolha aquela irrevogabilidade, por sonegação do avalista à tutela judiciária efetiva. 2º - A nulidade de cláusulas contratuais gerais do contrato subjacente à emissão da livrança. Nesta parte, o embargante alega a falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais, pois o embargante soube no dia anterior, pelo administrador de facto da sociedade devedora, que teria de assinar o contrato, sem que a exequente tenha enviado ao embargante qualquer documentação. Conclui que deverão ser excluídas as cláusulas contratuais gerais, incluindo o pacto de preenchimento a que o embargante se limitou a aderir e que, apesar de lamentar, se limitou a assinar sem ler. Mais alega o embargante a nulidade da cláusula 8ª do contrato, por ser absolutamente proibida, pois permitiria a exequente preencher a livrança quando entendesse, sendo que se deve julgar inerente às relações jurídicas de duração indeterminada a faculdade de se lhes pôr termo mediante denúncia/resolução. Alega ainda o embargante a nulidade da cláusula 15ª do contrato, por ser absolutamente proibida, pois tal “cláusula confere de modo direto, a quem a predisponha, no caso ao banco …, a faculdade exclusiva de interpretar qualquer cláusula do contrato, de acordo com a sua vontade, sem que o Embargante possa interferir nessa apreciação.”. 3º - A anulabilidade da constituição do aval, por erro-vício ou erro sobre os motivos. Nesta parte, o embargante alega que apenas assinou o contrato, que não previa um prazo para o cumprimento da obrigação, em virtude de ameaças por parte do administrador de facto da sociedade devedora, sendo que, não fora estas, não teria assinado o contrato, pelo menos com o conteúdo que dele consta. 4º - O direito a receber indemnização pelo exequente, no valor de €30.000,00. Nesta parte, o embargante, ainda que sob o título de impugnação, deduz um pedido reconvencional contra o exequente, pelo montante acima referido, a título de responsabilidade civil pelos danos patrimoniais e não patrimoniais provocados pela exequente, com a sua conduta persecutória, de má fé e de abuso de direito, ao não atender à denúncia do aval. A embargada deduziu contestação, na qual impugnou os factos alegados pelo embargante e contraditou a argumentação jurídica pelo mesmo deduzida. Dispensada a audiência prévia, foi logo em sede de despacho saneador proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos, vistos os princípios expostos e as indicadas normas jurídicas: a) Julgo os presentes embargos de executado totalmente improcedentes, determinando-se, em conformidade, o prosseguimento da execução contra o embargante; b) Absolvo o exequente da instância quanto ao pedido reconvencional deduzido pelo embargante.” De tal sentença veio o Embargante interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem (fazendo-se notar que, com certeza por lapso, existem duas conclusões seguidas com a numeração “50ª”): “1ª. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que, julgou a presente oposição de embargos de executado totalmente improcedente por não provada. 2ª. Incide o presente recurso sobre matéria de direito, nos termos supra expostos. 3ª. Pretende o Recorrente ver reprovada a sentença por a douta opinião do Tribunal carecer da ponderação de circunstâncias concretas ao caso, constantes da fundamentação de facto e adequada aplicação do direito, que admitem o reconhecimento de tal faculdade de resolução do aval prestado pelo Administrador que vendeu as suas ações e deixou de fazer parte da sociedade creditada. 4ª. Tal razoabilidade funda-se na “ponderação da interface que, através do acordo de preenchimento, se estabelece com a relação jurídica pela sociedade. Nos financiamentos bancários típicos, como a abertura de crédito simples ou em conta corrente, o fluxo financeiro que determina a dívida cambiariamente garantida depende das solicitações feitas pela sociedade em cada momento – o que confere pleno sentido à tese segundo o qual a cessação da qualidade de sócio implica uma inexigibilidade de permanecer vinculado como garante”. 5ª. Pelo que, se pode já vislumbrar, que a permanência do ora Recorrente enquanto garante da obrigação cambiária, face aos factos provados, não é admissível, por representar uma violenta distorção da vontade presumível das partes. 6ª. Não se poderá, no entendimento do ora Recorrente, e em linha com o entendimento do Venerando Conselheiro Paulo Armínio de Oliveira e Sá – expresso, inclusive, no douto acórdão de uniformização de jurisprudência 4/2013 - “excluir, sem mais, a possibilidade de denúncia do aval, em quaisquer circunstâncias, não se acolhendo o entendimento de constituir “um princípio geral de direito só derrogável por expressa disposição legal, a livre denunciabilidade das obrigações por tempo indeterminado”. 7ª. Assim sendo, estaremos perante um violentar da vontade presumível das partes, contrário à ordem pública, pois é inerente às relações jurídicas de duração indefinida (sem prazo de duração) como a aqui verificada, particularmente pelo exposto supra, a faculdade de pôr-lhes termo mediante resolução/ denúncia. 8ª. Para o ora Recorrente, o cerne da questão reside na admissibilidade em operar a resolução, verificadas determinas circunstâncias. 9ª. Mormente, como entende resultar da factualidade deste caso, quando a permanência como garante se torne excessiva e irrazoável em face dos riscos abrangidos por essa mesma relação substancial da sociedade avalizada (a desvinculação do “acordo de preenchimento” celebrado entre a sociedade avalizada, o portador da livrança em branco e o avalista). 10ª. Nessa condicionante, entende o ora Recorrente que deve ser considerada lícita a faculdade de resolução do aval e, consequente, resolução de tal acordo por parte do avalista com base na invocação de uma causa de inexigibilidade superveniente, desde que atendível e não exercida abusivamente. 11ª. Parece ser o caso de uma cessão das participações sociais para o sócio que deixa de o ser na sociedade garantida, uma vez confrontado com um contrato de financiamento com entregas e montante variável e indeterminado à partida. 12ª. Conforme resulta do exposto, na douta sentença recorrida não foi considerado que no caso em análise foi gerada uma situação de confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível, consistente em, da parte do recorrente, ter havido um assentar efetivo de actividades jurídicas sobre a crença criada, e que é exclusivamente imputável à ora recorrida. 13ª. Ao pretender responsabilizar o recorrente por garantias prestadas no âmbito de contratos de crédito vencidos, a conduta do Exequente sempre integraria manifesto abuso dos seus pretensos direitos, pois: - Foi gerada uma situação de confiança, expressa na presença de elementos objectivos capazes de, em abstrato, provocarem uma crença plausível no ora Recorrente, face à total inação do ora Exequente durante três anos, perante um Administrador que permaneceu na sociedade apenas um mês, e que após a sua saída teve pelo menos mais três Administradores, facto conhecido pela Exequente no momento da renovação da contas correntes caucionadas, onde sempre o banco solicita uma certidão permanente atualizada; - Além do mais, sendo um contrato de conta corrente com um prazo de seis meses, verificou-se que o Recorrente cumpriu com o estipulado na cláusula segunda do contrato de crédito de conta corrente caucionada, ao comunicar por escrito à Exequente, no dia 18 de Abril de 2017, que deixou de ser Administrador da empresa, denunciando tal contrato e cumprindo com o dever dessa comunicação no prazo de 30 dias antes de nova renovação; - Ao preencher a livrança-caução anos após a data de vencimento dos contratos garantidos, o ora Exequente aproveita-se da sua própria inércia, para imputar ao ora Recorrente, o pagamento de valores que não seriam devidos, caso a Exequente tivesse actuado com a diligência devida (artigo 334º do C. Civil e artigos 70º e 77º da LULL); 14ª. Nesta conformidade, cremos ser inquestionável que a conduta do Exequente sempre integraria manifesto abuso dos seus pretensos direitos (artigo 334º do C. Civil). 15ª. Não desconhece, o ora Recorrente, o conteúdo do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2013. No entanto, entende o Recorrente, que este não é subsumível à presente factualidade a argumentação nela exposta. 16ª. Pois seria contrário à liberdade económica a compaginação de inadmissibilidade de tal resolução, por representar a validação de um vínculo de duração indefinida, com vigência ilimitada no tempo. 17ª. É de referir que a finalidade dos acórdãos de uniformização de jurisprudência, já sem força vinculativa, reside na mera finalidade de persuasão dos órgãos jurisdicionais de que, no caso de, determinada matéria de direito sobre determinada legislação chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, ele decidirá de determinada maneira. 18ª. Por tudo o exposto, no que concerne à distinta factualidade verificada no caso sub judice, entende o ora Recorrente como incompreensível, o afastamento, sem necessidade de maiores considerações, de solução que o douto Tribunal toma a iniciativa de, na fundamentação da Sentença ora recorrida, reputar de juridicamente sustentável. 19ª. O ora Recorrente, ao proceder à resolução do aval, nas circunstâncias de tempo em que o fez, não agravou a situação creditícia do Exequente, antes pelo contrário, permitiu, de boa-fé, que este atuasse de forma adequada. 20ª. A ponderação das consequências da decisão constitui um factor relevante da realização do direito, habilitando as regras da “interpretação sinépica” o intérprete/aplicador a pensar “através de consequências” que permitem, pelo conhecimento e ponderação dos efeitos das decisões, repudiar qualquer resultado injusto, ainda que de conformidade formal, assim prosseguindo, na vida jurídica, a realização integral do direito. 21ª. Sendo o Recorrente a parte fraca, por débil economicamente e a menos preparada tecnicamente, de uma relação concluída com um contraente profissional, dever-lhe-á ser amplamente permitido o recurso a todos os meios de defesa, como forma de o proteger face à sua evidente fragilidade. 22ª. Mostra-se violado o disposto no n.º 3 do artigo 9.º do C. Civil, em cujos termos a solução injusta no resultado não pode ser entendida como vontade da lei. 23ª. Pelos motivos invocados na precedente conclusão, o banco, enquanto parte forte, económica e juridicamente, dispondo de quadros com uma preparação e formação muito superior à média, estava obrigado, ao receber a carta do Recorrente solicitando a retirada do seu aval a partir daquela data, a responder-lhe, informando-o de que iria considerar o seu pedido, ao invés de negar tal aceitação e, contando com o aval cuja pretensão de retirada fora manifestada, não prosseguir com sucessivas renovações do contrato, efetuando novos financiamentos à empresa do avalizado, sem que nelas o Recorrente tivesse qualquer participação por dela não fazer parte. 24ª. Mostra-se violado o n.º 2 do artigo 762.º do C. Civil e o princípio geral da boa-fé que nele se contém, de onde decorre a obrigação de informação que, uma vez violada, implica a libertação da responsabilidade do Recorrente em relação ao aval cuja retirada solicitou. 25ª. A relação que intercede entre o avalista do subscritor e o beneficiário de uma livrança é uma relação imediata, na medida em que a obrigação daquele encontra como primeiro credor o beneficiário, o qual assim se lhe opõe diretamente. 26ª. Mostra-se incorretamente interpretado o regime jurídico das letras e livranças, mormente o artigo 17.º da Lei Uniforme respetiva, o qual postula interpretação como a que se contém na precedente conclusão. 27ª. Deve considerar-se perfeitamente válida e eficaz, pelo menos para a não renovação do contrato, a comunicação de um dos seus subscritores a solicitar a retirada do seu aval, quando o contrato depende em absoluto da prestação do aval de todos os intervenientes, sempre teve prazo certo e nele se prevê, desde o início, que qualquer das partes, por sua iniciativa, pode denunciá-lo através do meio usado pelo recorrente (carta registada com aviso de receção). 28.ª Sendo este contrato que funda o pacto de preenchimento de livrança invocado para este acto no título dado à execução, a resolução daquela forma operada, implica a caducidade da autorização de preenchimento da livrança no que ao Recorrente concerne. 29ª. Mostra-se violado o artigo 10.º da LULL, do qual resulta a contrario sensu, que o preenchimento da letra pelo subscritor do pacto respectivo, contra este pacto – no caso, para além da sua vigência, no que ao Recorrente concerne – pode ser-lhe oposta, já que demonstra inequívoca má-fé e, logicamente, falta grave. 30ª. Mesmo que inexistissem as cláusulas referidas na conclusão anterior, deve sempre considerar-se válida a desvinculação ad nutum do avalista, face a eventual inexistência de convénio ou acordo nesse sentido, atenta a “repugnância, retratada no n.º 2 do artigo 280.º do C. Civil”, da lei pelas obrigações “ad aeternum”, devendo julgar-se inerente às relações jurídicas de duração indeterminada a faculdade de se lhes pôr termo mediante resolução/denúncia. 31ª. Mostra-se violado o n.º 2 do artigo 280.º do Código Civil, já que a tese de que o aval é irrevogável, convertendo-o assim em obrigação desprovida de limite de tempo é contrária à ordem pública, bem como a al. j) do artigo 18.º do D. L. N.º 446/85 (Lei das Cláusulas Contratuais Gerais) que expressamente proíbe em absoluto a existência de cláusulas com tal conteúdo. 32ª. A decisão que se pretende ver repudiada e se acusa nas anteriores conclusões, encerra uma interpretação inconstitucional do regime jurídico das letras e livranças, nomeadamente, dos artigos 10.º e 17.º da Lei Uniforme respetiva, já que qualquer delas conduz à sonegação do acesso, pelo avalista, à tutela judiciária efetiva, deixando-o totalmente à mercê do avalizado e do credor, os quais, assim, até se podem conluiar para o prejudicarem a seu bel-prazer, sem que lhe seja permitido qualquer controle. 33ª. Mostra-se violado o artigo 20.º da C.R.P., o qual impunha a interpretação que se propugna nas conclusões referidas no corpo desta. 34.ª Por outro lado acresce, que o contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada é um contrato de Adesão, que contém cláusulas contratuais gerais, sujeito ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais aprovado pelo DL nº 446/85, de 25.10. 35.ª Quer quanto ao devedor principal, quer também relativamente ao avalista, parte acessória ou secundária daquele contrato plurilateral, mas igualmente Aderente. 36.ª Os deveres de comunicação e de informação decorrentes da LCCG (artigos 5º e 6º), abrangem as cláusulas das quais resultam obrigações para o avalista, sendo irrelevante a invocação de que se está perante uma obrigação autónoma e independente da obrigação do avalizado. 37.ª A decisão do tribunal a quo integra as cláusulas contratuais gerais anexas ao contrato de crédito em conta corrente no artigo 5º do referido diploma, cuja violação levará à sua exclusão por forçada alínea a) do artigo 8º da LCCG. 38.ª Acrescente-se, ainda, que “para efeitos da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, o dever de comunicação é distinto do dever de informação: aquele destina-se a dar a conhecer o conteúdo do contrato ao cliente, este visa que o cliente tome adequado conhecimento do conteúdo do clausulado, máxime quando este se mostre ambíguo ou obscuro. O dever de informação que impende sobre o predisponente - e a quem incumbe o ónus do respetivo cumprimento – é independente do dever de prestação de todos os esclarecimentos razoáveis solicitados pelo cliente” acórdão TRL nº 928/13.8TJLSB.L1-7, de 28.04.2015”. 39.ª Para além da subsunção das cláusulas contratuais gerais presentes no contrato de crédito em conta corrente ao artigo 5º do regime geral das cláusulas contratuais gerais, estas enquadram-se também no artigo 6º do referido diploma: “1- O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados”. 40.ª Atento o estatuído no artigo 8º, alínea a) do DL 486/85, de 25.10, a sanção para as cláusulas que não tenham sido objeto de comunicação, antes referido, é a sua exclusão dos contratos singulares. E a alínea b) do mesmo diploma legal fulmina com a mesma sanção as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo. 41.ª E, segundo o nº 2 do artigo 9º, os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número 1 do mesmo artigo, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé” -o que já concluímos acontecer, tendo havido um “desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa-fé”. 42.ª Tendo em consideração a superioridade em que por via da regra o proponente do contrato de adesão se encontra perante o cliente que ao mesmo adere, a lei procura através de mecanismos legais - entre nós o D.L. 446/85 de 25.10 - que a decisão deste último seja tomada no pleno conhecimento de todos os termos contratuais, onerando o primeiro com o ónus da prova que os comunicou de forma cabal ao aderente. 43.ª Sendo omitido aquele ónus em relação às cláusulas fulcrais para o negócio tido em vista, terão as mesmas que considerar-se excluídas, o que pode afetar integralmente os termos do contrato com reflexo sobre os direitos e obrigações constituídos pelo mesmo. 44.ª No caso em análise não pode o Tribunal considerar provado o preenchimento de tal ónus, que não foi demonstrado por quem dele pretende beneficiar, nomeadamente, pelo Exequente. 45.ª Não podendo ainda o Tribunal a quo ter fundamentado a sua decisão baseado em factos falsos que não foram invocados pelo Recorrente, mormente, que este último tenha afirmado que recebeu o contrato de crédito em conta corrente no dia anterior à assinatura e tenha optado por não o ler. 46.ª O Contrato de crédito em conta corrente celebrado em 13.05.2016 é nulo, como são nulas todas as cláusulas contratuais do contrato cujo conteúdo não foi explicado ao Recorrente. 47.ª Ora sendo nulo como é, não é válido o título dado à execução. 48.ª Acresce que não se encontra o Recorrente a quem não foi transmitido os deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais do contrato de crédito a agir com manifesto abuso de direito (venire contra factum proprium), 49.ª Pois como se deixou dito, não resultou provado que, por um lado, o Exequente tenha cumprido esse ónus de informação e, por outro lado, não resulta dos embargos de executado que o Recorrente tenha recebido o contrato e optado por não o ler, deixando a “negociação” do mesmo a outros representantes de facto ou de direito. 50.ª Mais uma vez, concluindo a sentença recorrida em factos falsos, sem qualquer correspondência com os factos relatados nos embargos, não se tendo acautelado os verdadeiros motivos pelos quais o Recorrente se viu obrigado a assinar o contrato no único dia em que foi com o mesmo confrontado, ou seja, apenas no dia 13 de maio de 2016. 50.ª É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. 51.ª No caso dos presentes autos executivos, resultou provado que quem excedeu manifestamente os limites da boa fé foi o banco Exequente, quando colocou à disposição da sociedade Creditada determinadas quantias em dinheiro, mesmo após a comunicação da cessação da qualidade de sócio e resolução do aval prestado nessa qualidade. 52.ª Mais alegou o Recorrente a existência de um vício na formação da sua vontade negocial, nos termos do disposto no artigo 251º e 247, ambos do Código Civil. 53. ª Não se verificando a existência dessa manifestação de vontade de aderir ao contrato de forma livre, expressa e esclarecida por parte do Recorrente. 54.ª O erro-vício ou erro-motivo, traduz-se num erro na formação da vontade e do processo de decisão, e existe quando ocorre uma falsa representação da realidade ou a ignorância de circunstâncias de facto ou de direito, que intervieram nos motivos da declaração negocial. 55.ª De modo que, se o Recorrente tivesse perfeito conhecimento das circunstâncias falsas ou inexatamente representadas, não teria assinado o contrato de crédito. 56.ª A demonstração do factos integradores dessa essencialidade e respetiva cognoscibilidade, por constituírem requisitos de relevância do erro e fundamento da anulabilidade do contrato de crédito (artigos 251.º e 247.º ambos do C. Civil), constitui ónus de quem invoca o erro (artigo 342.º do C. Civil) que, no caso presente, uma vez mais, o tribunal considerou não se encontrarem preenchidos esses requisitos por parte do Recorrente, não fundamentando nesta parte a referida decisão, limitando-se antes a transcrever os normativos que regem esta matéria. 57. O M. º Juiz a quo fez assim na sentença recorrida, errónea interpretação dos facto e inadequada aplicação do direito. 58. ª O Recorrente está, pois convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria de facto alegada invocada nos seus embargos de executado, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, revogarão a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente os embargos deduzidos pelo Apelante, com o que se fará.” A Embargada apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar: a) – apurar da faculdade de resolução/desvinculação do aval (conclusões 3ª a 11ª e 15ª a 33ª); b) – apurar da existência de abuso de direito por parte da Exequente (conclusões 12ª a 14ª e 51ª) c) – apurar da nulidade de cláusulas do contrato subjacente à emissão da livrança com base no regime das cláusulas contratuais gerais (conclusões 34ª a 50ª); d) – apurar da existência de vício na formação da vontade negocial (conclusões 52ª a 57ª). ** É a seguinte a matéria de facto a ter em conta (a referida na decisão recorrida, já que o recurso, como dele se vê, versa exclusivamente sobre matéria de direito; acrescenta-se apenas ao seu nº1 a referência à data de emissão da livrança):II – Fundamentação 1. Na execução a que os presentes autos estão apensos foi apresentada à execução a livrança junta com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo inscrito, em algarismos e por extenso, a importância de €153.201,34, donde consta: como data de emissão a de 2016-05-13, no local da data de vencimento, 2019-02-06, no local do subscritor, “F…, S.A.”, com assinatura sobre carimbo; e, no verso, a seguir à expressão “Bom por aval ao subscritor”, três assinaturas, uma delas do embargante. 2. A livrança foi emitida e entregue à exequente em branco (quanto à data e valor), como garantia do cumprimento do acordo escrito intitulado “Contrato de abertura de crédito em conta corrente”, datado de 13.05.2016, no qual, entre o mais, a exequente outorga como primeiro outorgante e o embargante outorga como segundo outorgante, na dupla qualidade de administrador da sociedade “F…” e avalista, acordo esse submetido às cláusulas constante do aludido documento, cujo teor se dá aqui por reproduzido, constando do mesmo, além do mais, o seguinte: ………………………………….. ………………………………….. ………………………………….. 3. Do registo comercial da sociedade “F…, S.A.” consta, além do mais, o seguinte registo: a. Cessação de funções como administrador de E…, sob a ap. 16, de 10.10.2016. 4. O embargante comunicou, mediante carta registada com AR assinado em 20.04.2017, à exequente o escrito junto como documento 1 dos embargos, do seguinte teor: ………………………………….. ………………………………….. ………………………………….. 5 - O embargante comunicou, mediante carta registada com AR assinado em 20.04.2017, à exequente o escrito junto como documento 2 dos embargos, do seguinte teor …………………………………… …………………………………… …………………………………… 6 - A exequente respondeu ao escrito referido em 4, conforme missiva junta como documento 2 dos embargos, do seguinte teor: ………………………………….. ………………………………….. ………………………………….. 7 - A exequente respondeu ao escrito referido em 5, conforme missiva junta como documento 2 dos embargos, do seguinte teor: ……………………………………. ……………………………………. ……………………………………. 8 - A exequente remeteu posteriormente ao embargante, com data de 06.02.2019, o escrito junto como documento 2 dos embargos, do seguinte teor: …………………………………… …………………………………… …………………………………… ** Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada.Alegou o embargante que avalizou a livrança exequenda em 13/5/2016, numa altura em que era sócio e administrador da sociedade subscritora da mesma, que entre Junho e Setembro de 2016 renunciou aos cargos que tinha na referida sociedade e vendeu as suas acções e, nessa sequência, por cartas datadas de 18/4/2017 e 19/4/2017 (referidas sob os nºs 4 e 5 da factualidade acima referida), defende que comunicou à exequente a resolução do pacto de preenchimento daquela livrança, solicitando a sua exoneração do aval dado a esta, sendo que, apesar de a exequente ter respondido que não aceitava tal exoneração, o que é certo é que, à data de 1/6/2017, não existia crédito vencido. Nesse seguimento, defende que, uma vez que está em causa o preenchimento da livrança em 6/2/2019, por valores vencidos posteriormente àquela sua comunicação (o crédito venceu-se em 13/11/2018), há que o considerar excluído do aval dado a tal livrança. No caso vertente, estamos perante um aval geral (sobre esta figura, vide “Direito das Garantias” de L. Miguel Pestana de Vasconcelos, 2ª edição, Almedina, 2013, págs. 122 a 124), na medida em que aquando da subscrição cambiária a obrigação cartular não estava ainda determinada, tendo por isso sido subscrito um pacto de preenchimento (o qual consta sob a cláusula 8ª do contrato) a conferir poderes à recorrida para o preenchimento da livrança avalizada pelo recorrente e pelos outros executados. O aval geral, desde que acompanhado de pacto de preenchimento, é válido, pois através deste (tem-se em vista o disposto no art. 280º, nº1, do C.Civil) resulta assegurada a determinabilidade da obrigação cartular (vide Acórdão desta mesma Relação de 24/9/2018, proc. 20207/16.8T8PRT.P1, rel. Carlos Gil, disponível em www.dgsi.pt). A sentença recorrida, a nosso ver, e com abundante e substanciada fundamentação jurídica, resolve a questão supra enunciada no sentido que também nós defendemos deve ser resolvida, nomeadamente por, como ali se fez, se perfilhar a orientação do STJ exarada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº4/2013 (DR nº14/2013, Série I, de 21/1/2013), no sentido de que “tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada”. Este entendimento, devido à evidente similitude da situação destes autos com a analisada naquele aresto, é plenamente aplicável à questão em análise, pois, como aliás se nota na sentença recorrida, além de “ser recente e inexistir alteração legislativa”, as questões, como as dos autos, que têm sido suscitadas para não aplicar a jurisprudência uniformizada que dele consta “traduzem, unicamente, discordância jurídica da fundamentação, tanto mais que, por um lado, tais questões foram apreciadas e refutadas em tal acórdão, e, por outro lado, a situação versada no acórdão uniformizador tem as características que as vozes dissonantes entendem justificar jurisprudência contrária, pois estava em causa a emissão de uma livrança em branco, avalizada por sócio da sociedade subscritora no quadro de um contrato de financiamento reutilizável” (no nosso caso, o contrato de abertura de crédito em conta corrente referido sob o nº2 da factualidade supra referida, renovável nos termos da sua cláusula 2ª). Sendo o aval, como se diz naquele Acórdão Uniformizador, “um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, independente e formal e que se constitui como uma garantia cambiária com as características imanentes a este tipo de relações (cartulares), a saber a abstracção, a literalidade e a autonomia”, o mesmo, a partir do seu pronunciamento voluntário (pela expressão “bom para aval” ou por qualquer fórmula equivalente e pela assinatura do seu dador aposta no respectivo título cambiário, tudo nos termos previstos nos arts. 31º e 77º da LULL) “torna-se incondicional, irrevogável e obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado ou a determinar”, já que, atenta a necessidade de segurança jurídica inerente à circulação do título cambiário, quer as inscrições neste contidas, quer a responsabilidade pelas obrigações decorrentes de tal garantia, têm de ser imediatamente perceptíveis pela simples inspecção do respectivo título, pois aquela responsabilidade perdura enquanto o mesmo circular e até ao seu pagamento. Por outro lado, sendo ele, como se acaba de referir, uma garantia da obrigação cartular de natureza autónoma (art. 32º da LULL), pessoal e insusceptível de renúncia unilateral por quem o presta, o facto de o mesmo ser aposto em livrança ainda não preenchida não altera qualquer destas características, pois, tendo o mesmo nesse caso sido prestado para garantia de crédito ou créditos futuros, o preenchimento futuro de tal título, inerente ao accionamento deste, mais não é do que a concretização do crédito pelo mesmo antecipadamente garantido. Isto é, ainda que não haja título constituído, já há vinculação válida através da aposição neste do aval nos termos previstos no art. 31º da LULL e do pacto de preenchimento a que a pessoa livremente se obrigou. A pretensão do embargante, no sentido da sua desvinculação pela comunicação acima referida, é manifestamente carecida de apoio jurídico, por causa da natureza e características do aval que se referiram, e acolhê-la seria frustrar a própria necessidade vista pela exequente/embargada na exigência de emissão da livrança e da garantia da mesma por aquela forma por aquele e restantes executados, sendo de notar que é indiferente, face à natureza pessoal do aval, que este tivesse sido prestado pelo embargante quer como sócio da sociedade subscritora quer como terceiro em relação a esta (como, aparentemente, face aos termos do contrato, o seriam à data os outros co-executados, também avalistas), pois o que releva é que, no momento da prestação do aval, quem figure como avalista reúna as condições necessárias de fiabilidade e de pagamento, caso este seja necessário, requisitos esses que são apreciados única e exclusivamente pela exequente (neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 28/10/2014, proc. 617/11.8TCFUN-A.L1-7, rel. Dina Monteiro, disponível em www.dgsi.pt). Diga-se ainda que a argumentação do recorrente, vertida sob a conclusão 27ª, no sentido de que “Deve considerar-se perfeitamente válida e eficaz, pelo menos para a não renovação do contrato, a comunicação de um dos seus subscritores a solicitar a retirada do seu aval, quando o contrato depende em absoluto da prestação do aval de todos os intervenientes, sempre teve prazo certo e nele se prevê, desde o início, que qualquer das partes, por sua iniciativa, pode denunciá-lo através do meio usado pelo recorrente”, não pode proceder. Como se vê do sector da motivação a que corresponde tal conclusão (pontos 68º, 69º e 70º), está em causa a pretensa desvinculação do embargante do aval por via da denúncia prevista na cláusula 2ª do contrato (referida sob o nº2 da factualidade acima referida). Ora, essa cláusula é atinente ao prazo, renovação e denúncia do contrato de abertura de crédito em conta corrente celebrado entre a exequente e a sociedade que contratou a abertura de crédito (“F…, S.A.”) e, como do seu teor claramente resulta, aquela denúncia está apenas referenciada à vigência de tal contrato de abertura de crédito e configurada, por isso, como accionável só pela exequente e por tal sociedade, não sendo por isso susceptível de funcionar em relação ao aval aposto na livrança subscrita para garantia do mesmo. De resto, e voltando de novo ao referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, “tratando-se de uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente, não poderá, em nosso juízo, o avalista valer-se da renovação/prorrogação do contrato de abertura de crédito para se desobrigar de uma obrigação que, pela sua abstracção e literalidade, se emancipou da relação subjacente para subsistir como obrigação independente e autónoma. O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente”. Deste modo, conclui-se, atenta a referida irrevogabilidade do aval – decorrente da sua natureza não receptícia, a qual significa “que não necessita de aceitação para que possa gerar todos os efeitos, o que exclui poder considerar-se o aval como um contrato” (como se refere no citado acórdão de uniformização) – e na sequência do que se vem de referir, não procede a pretendida desvinculação do mesmo por parte do embargante. * O recorrente defende que há abuso de direito por parte da exequente no seu accionamento como avalista, com base na seguinte argumentação (conclusões 12ª a 14ª e 50ª e 51ª):Passemos à segunda questão enunciada. - foi gerada uma situação de confiança no recorrente, pela “total inação do ora Exequente durante três anos, perante um Administrador que permaneceu na sociedade apenas um mês, e que após a sua saída teve pelo menos mais três Administradores, facto conhecido pela Exequente no momento da renovação da contas correntes caucionadas, onde sempre o banco solicita uma certidão permanente actualizada”; - que “sendo um contrato de conta corrente com um prazo de seis meses, verificou-se que o Recorrente cumpriu com o estipulado na cláusula segunda do contrato de crédito de conta corrente caucionada, ao comunicar por escrito à Exequente, no dia 18 de Abril de 2017, que deixou de ser Administrador da empresa, denunciando tal contrato e cumprindo com o dever dessa comunicação no prazo de 30 dias antes de nova renovação”; - que “ao preencher a livrança-caução anos após a data de vencimento dos contratos garantidos, o ora Exequente aproveita-se da sua própria inércia, para imputar ao ora Recorrente, o pagamento de valores que não seriam devidos, caso a Exequente tivesse actuado com a diligência devida”; - que “excedeu manifestamente os limites da boa fé foi o banco Exequente, quando colocou à disposição da sociedade Creditada determinadas quantias em dinheiro, mesmo após a comunicação da cessação da qualidade de sócio e resolução do aval prestado nessa qualidade”. Vejamos. Como se prevê no art. 334º do C.Civil, há abuso do direito, tornando ilegítimo o exercício do mesmo, “quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Estando em causa, no caso vertente, o exercício do direito de accionar os executados com base na livrança por parte da exequente, é desde logo de notar que não tem qualquer atinência com tal exercício o argumento referido sob o último dos itens acima elencados. Tal argumento, independentemente do crédito que se lhe pudesse querer dar, diz respeito à execução do contrato de abertura de crédito e não ao exercício do direito de accionar a livrança. Como tal, é logo de afastar qualquer relevância do mesmo para a apreciação do instituto em apreço. Analisando, por sua vez, o referido sob o segundo dos itens acima indicados, temos a dizer o seguinte: como já se analisou quanto à pretensa denúncia do contrato ali invocada, tal figura de cessação do vínculo contratual, prevista na cláusula 2ª do contrato, está apenas referenciada ao contrato de abertura de crédito e configurada, por isso, como accionável só pelas partes no mesmo – a exequente, como disponibilizadora dos respectivos fundos, e a sociedade ali referida, “F…, S.A.”, como beneficiária de tal disponibilização nos termos ali referidos –, não sendo por isso fonte válida de qualquer desvinculação por parte do embargante enquanto avalista. Assim, há que concluir que tal argumento também não apresenta qualquer relevo para a questão em apreciação. Restam os outros dois itens. Reconduzem-se ambos a uma pretensa situação de confiança criada no embargante por uma alegada “inacção” da exequente “durante três anos, perante um Administrador que permaneceu na sociedade apenas um mês” e também por uma alegada inércia da mesma ao preencher a livrança “anos após a data de vencimento dos contratos garantidos”. O exercício do direito de accionar a livrança em contraposição com tal situação de confiança invocada pelo embargante seria porventura questionável como situação de abuso de direito através da figura da supressio, uma das modalidades nominadas enquadrável naquele instituto. Como refere Menezes Cordeiro [in Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, 3ª edição aumentada e actualizada à luz do Código de Processo Civil de 2013, Almedina 2014, página 114, e também in Tratado de Direito Civil, V, Parte Geral, Exercício Jurídico, 2ª edição revista e actualizada, Almedina 2015, página 355], são os seguintes os pressupostos de tal modalidade: - um não exercício prolongado do direito, embora necessariamente inferior ao prazo de prescrição, sob pena de inutilidade; - uma situação de confiança derivada desse não exercício; - uma justificação para essa confiança; - um investimento de confiança; - a imputação da confiança àquele que não exerce o direito. Sinceramente, não vemos uns quaisquer mínimos contornos de uma qualquer situação de confiança que a exequente possa ter criado ao embargante no sentido de o não demandar/responsabilizar como avalista da livrança. Em primeiro lugar, a sua cessação de funções como administrador, alegada como ocorrida a 17 de Junho de 2016 (artigo 4º da petição inicial), só veio a ser registada a 10/10/2016 (nº3 da factualidade acima elencada) e só por carta datada de 18/4/2017 é que o embargante comunicou à exequente que tinha deixado de ser sócio por ter vendido as suas acções em 5 de Setembro do ano anterior e que manifestou a sua pretensão de ser desonerado das suas responsabilidades (nº4 da factualidade). Ora, tendo esta sua missiva sido objecto de resposta pela exequente por carta de 1 de Junho de 2017 – cerca de um mês e meio depois –, em que esta lhe disse que não aceitava tal pretensão de desoneração (mantendo-se por isso a sua vinculação pelo aval por si prestado), não vemos como possa para o embargante ter sido criada uma qualquer situação de confiança com base naquela sua comunicação que viesse a ser frustrada, pois tal comunicação teve resposta, e negativa, em curto espaço de tempo. Por outro lado, mostrando-se apurado que a exequente preencheu a livrança com a data de vencimento de 6/2/2019 (nº2 da factualidade), data mesma esta em que enviou ao embargante carta a interpelá-lo, como avalista, para proceder ao pagamento de quantias em mora, e portanto em dívida, desde 13/11/2018 e derivadas do contrato em causa (nº8 da factualidade), é manifesto que a exequente não preencheu a livrança “anos após a data de vencimento”, pois entre aquela data referida em tal carta e a data de vencimento aposta na livrança com vista à execução desta mediaram apenas pouco mais de 2 meses e entre aquela data e a propositura da execução (esta ocorreu a 3/10/2019) mediaram cerca de 11 meses, sendo que a simples inacção da exequente na propositura da execução por este prazo é também manifestamente insuficiente para concluir pela criação de uma qualquer situação de confiança na sua não responsabilização. De facto, além do prazo de prescrição da livrança ser de 3 anos a contar da data de vencimento de 6/2/2019 nela aposta (arts. 70º e 77º da LULL), o que leva desde logo a que o respectivo direito fosse exercitável com segurança até 13/11/2021, não resulta – não vem sequer alegado – que a exequente, após ter enviado a referida carta de interpelação, em que chegou a referir a sua intenção de intentar acção judicial, algo tenha dito, comunicado ou feito em contrário do que ali disse, sendo certo que, como se viu, tal acção acabou por dar entrada cerca de 11 meses depois. Como tal, conclui-se pela não verificação de abuso do direito por parte da exequente. * Passemos à terceira questão enunciada.Defende o recorrente que não foi demonstrado pela exequente o ónus de comunicação das cláusulas do contrato, que considera cláusulas contratuais gerais, do que decorre a nulidade das mesmas, a nulidade do contrato de abertura de crédito em conta corrente e, por via desta, a invalidade do título dado à execução (como se argumenta sob as conclusões 43º, 44º, 45º, 46º e 47º). Analisemos. Tendo o embargante, embora na qualidade de avalista, intervindo no contrato subjacente à livrança (conforme clausulado do mesmo referido sob o nº2 da factualidade), tal contrato, entre si e a exequente, está no domínio das relações imediatas. Estando-se neste domínio, pode invocar o incumprimento do dever de comunicação e de informação próprio do regime legal das cláusulas contratuais gerais. Admitindo-se que o contrato em causa, relativamente a algum do seu clausulado (como o constante, por exemplo, as cláusulas 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 15ª), integra modelo negocial aplicável a outros ou à generalidade de outros contratos da mesma espécie celebrados pela exequente no exercício da sua actividade de comércio bancário e aos quais a outra parte praticamente se limita a aderir, é de reconhecer que o conteúdo das suas cláusulas possa ser sujeito ao escrutínio daquele regime jurídico, previsto no Dec.Lei 446/85 de 25/10. Como previsto no art. 5º de tal diploma, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que as subscrevam ou aceitem (nº1), deve tal comunicação ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo para quem use de comum diligência (nº2) e o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeteu a outrem tais cláusulas (nº3). Por outro lado, como se prevê no art. 6º, o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (nº1) e devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (nº2). É o próprio embargante que alega que foi alertado para a assinatura do contrato no dia anterior a tal assinatura e que o assinou sem ter lido o seu conteúdo (artigos 79º e 82º da petição inicial), do que decorre que o embargante tinha conhecimento de que o contrato iria ser assinado e foi-lhe entregue, pelo menos no momento da assinatura, o contrato com todas as cláusulas que dele constam. Ora, estando em causa um perfeitamente normal e recorrente contrato de abertura de crédito em conta corrente, que foi, como é usual, com certeza negociado antecipadamente com os responsáveis da sociedade – da qual o embargante ao tempo era administrador –, é claramente de aceitar, como se refere na sentença recorrida, que naquela fase final da sua assinatura “a mera apresentação do contrato ao representante legal da empresa mutuária, com a possibilidade de o contrato ser por ele lido e de poder, nessa sequência, solicitar explicações, é suficiente para, norteado pelo princípio da boa-fé, se ter por cumprido o dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais. Não se vislumbra, na verdade, que fosse exigível qualquer outra ação comunicativa por parte do credor/exequente – nomeadamente a explicação não solicitada das cláusulas -, pois, por um lado, uma pessoa normalmente diligente que se presta a celebrar um contrato como o em causa nos autos, na qualidade de administrador de sociedade anónima e avalista, tem todas as condições para saber que o incumprimento implica o pagamento de valores acrescidos e a vinculação do avalista, a título pessoal, e, por outro lado, a previsão das consequências do incumprimento insere-se em cláusulas de fácil compreensão, bastando uma mera leitura para que qualquer pessoa medianamente alfabetizada perceba o que daí consta.” Assim, considerando que o contrato foi comunicado ao embargante nos termos que se referiram e não se apurou qualquer pedido de aclaração ou de esclarecimento por parte deste e considerando também que o dever de comunicação que recai sobre quem negoceia apresentando à outra parte um contrato com cláusulas gerais é uma obrigação de meios, não se exigindo para o seu cumprimento que o contratante, abrangido por tais cláusulas, delas tome conhecimento efectivo, mas que lhe sejam facultadas as condições para, em termos de razoabilidade e actuando com diligência, obter conhecimento sobre o seu conteúdo (seguimos aqui o Acórdão desta mesma Relação de 11/4/2019, rel. Judite Pires, proc. 88/17.5T8VLC.P1, disponível em www.dgsi.pt), é de concluir que os referidos deveres de comunicação e informação não deixaram de ser observados. E tanto basta para se afirmar a não aplicação, no caso, de qualquer efeito derivado da violação daqueles deveres. Porém, ainda que, ao contrário, se viesse a concluir pela violação de tais deveres e que tal tivesse algum efeito, esse efeito, relativamente ao embargante, porque só ali figura como avalista da livrança entregue e não como parte no contrato de abertura de crédito que lhe subjaz, apenas poderia ser o da exclusão, em relação a si, do clausulado sobre o preenchimento da livrança (no caso, constante da cláusula 8ª), como decorre do art. 8º a) do Dec.Lei 446/85 de 25/10. Ora, excluindo-se tal clausulado do contrato em relação ao avalista, então o pacto de preenchimento da livrança, continuando a funcionar relativamente à credora cambiária e à subscritora da livrança – no caso, a exequente e a sociedade “F…, S.A.”, outorgantes no contrato de abertura de crédito em conta corrente referido –, apenas passaria a ser estranho ao avalista/embargante, que, como é óbvio e já se referiu, não é titular daquele contrato. Assim sendo, a exclusão de tal clausulado apenas teria como efeito a desvinculação do avalista em relação ao pacto de preenchimento da livrança previsto naquele contrato, mas tal desvinculação, como nos parece claro, além de não fazer desaparecer aquele acordo de preenchimento existente entre a credora cambiária e ao sociedade subscritora, que por isso se lhe impõe [formalizado ou não, expresso ou tácito, a emissão de um título de crédito em branco necessariamente implica um acordo de preenchimento, como se escreve no Acórdão desta mesma relação de 29/6/2015, no proc. 549/13.5TBGDM-A.P1, rel. Manuel Domingos Fernandes, disponível em www.dgsi.pt], não elimina o aval prestado, pois este, como decorre do art. 32º da LULL, integra uma garantia autónoma [neste sentido, a propósito de situações idênticas, vide, por exemplo, o Acórdão do STJ de 4/3/2008 (proc. nº07A4251, rel. Moreira Alves) e o Acórdão desta mesma Relação de 25/3/2019 (proc. nº9585/16.7T8PRT-A.P1, rel. Augusto de Carvalho), disponíveis também em www.dgsi.pt]. Isto é, o avalista continua a ser responsável pelo pagamento da livrança, de cujos termos ou condições de preenchimento fica de fora, já que, face ao preceituado no art. 10º da LULL e naquele já referido art. 32º também da LULL, ex vi do art. 77º deste mesmo diploma, ao dar o aval ao subscritor de tal título em branco, fica sujeito ao direito potestativo do portador de o preencher nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela “estiver efectivamente configurada” (neste sentido, cfr. Paulo Sendim “Letra de Câmbio”, II, 149). Deste modo, quer porque os referidos deveres de comunicação e informação não deixaram de ser observados, quer porque, ainda que não tivessem sido observados, tal não afecta a responsabilidade inerente ao aval prestado, é de concluir pela manutenção da responsabilidade cambiária do embargante, enquanto avalista, relativamente à livrança exequenda. * Passemos à quarta questão enunciada.Pretende o recorrente que se reconheça a existência de vício na formação da vontade negocial – conclusões 52ª a 57ª. Esta questão foi também já objecto de tratamento na sentença recorrida e em termos que com que não podemos deixar de concordar. Efectivamente, o erro como vício de vontade, sob o aspecto de erro na declaração (a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor da declaração), só é motivo de anulabilidade, como se prevê no art. 247º do C.Civil, “desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”, e tal erro, sob o aspecto dos motivos determinantes da vontade e quando se refira ao objecto do negócio, só é motivo de anulabilidade, como decorre do art. 251º do C.Civil, quando se verifique aquele mesmo circunstancialismo exigido naquele art. 247º. Ora, compulsando a petição de embargos, nela não se descortina a alegação de factos que se reconduzam à verificação de qualquer daqueles requisitos, pois ali nada se diz que possa ser interpretável no sentido de que a exequente conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o embargante, de um qualquer concreto elemento que pudesse estar a viciar a vontade deste. Como tal, improcede também tal pretensão do embargante. Face ao que se veio de analisar e decidir anteriormente, é de concluir pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida. As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente, que decaiu (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * .............................................Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC): ............................................. ............................................. ** Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. III – Decisão Custas pelo Recorrente. *** Porto, 21/6/2021Mendes Coelho Joaquim Moura Ana Paula Amorim |