Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ NUNO DUARTE | ||
| Descritores: | VENDA DE COISA DEFEITUOSA DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO CADUCIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP202511102185/23.9T8VCD.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Não é pelo facto de determinado acordo negocial envolver, a par das obrigações típicas de certa espécie de contrato, o cumprimento pelas partes de outro tipo de obrigações, que esse acordo deixa de se integrar na espécie contratual correspondente ao modelo em que, devido à sua estrutura nuclear, se enquadra. II – O facto de a lei atribuir ao comprador de uma coisa defeituosa os meios de tutela previstos no regime dos artigos 913.º a 922.º do Código Civil, não afasta a possibilidade de esse comprador, à luz dos princípios gerais da responsabilidade contratual (cf. artigo 798.º do CC), peticionar uma indemnização do vendedor pelos danos que sofreu em consequência do cumprimento defeituoso da obrigação III – Apesar de o artigo 917.º do Código Civil referir-se apenas à acção de anulação, é entendimento consolidado nas nossas doutrina e jurisprudência que o prazo de seis meses aí previsto também se deve aplicar, por interpretação extensiva, às acções em que o comprador surge a exercer os demais direitos que a lei lhe confere por ter comprado coisa defeituosa. Não obstante, ao nível da interpretação extensiva que permite a aplicação de prazos curtos de caducidade às acções de indemnização, existe fundamento para se efectuar uma restrição de modo a que somente fiquem sujeitos a estes prazos os pedidos formulados pelo comprador para ser ressarcido dos prejuízos patrimoniais que lhe foram causados directamente pelo cumprimento defeituoso da prestação, aplicando-se já o regime geral da prescrição (cf. artigo 390.º do CC) aos pedidos de indemnização pelos demais danos que o comprador possa ter sofrido por causa de factos originados pelo defeito da coisa que adquiriu. IV – Face às regras de distribuição do ónus da prova previstas no artigo 342.º do Código Civil, o comprador que reclama do vendedor uma indemnização fundada no facto de este lhe ter entregado coisa defeituosa carece de provar que se verificou um mau cumprimento da obrigação a cargo do vendedor (impondo-se, por isso, que prove que recebeu uma coisa com defeito), mas, face ao disposto no artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil, está dispensado de provar que o cumprimento defeituoso da obrigação procedeu de culpa do vendedor, antes incumbindo a este último demonstrar não ter tal culpa. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 2185/23.9T8VCD.P1 Relator: José Nuno Duarte; 1.ª Adjunta: Teresa Fonseca; 2.º Adjunto: José Eusébio Almeida. Acordam os juízes signatários no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO A..., S.A., NIPC ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B..., Lda., NIPC ..., pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 9.161,77 euros (correspondente ao capital 8.220,77€ e a 941,00€ de juros de mora já vencidos à data da propositura da acção), acrescida dos juros moratórios que se vencerem até efectivo e integral pagamento. Para fundamentar o seu pedido, a A. alegou, em síntese, que: - no âmbito da sua actividade, em 26-07-2021, adquiriu à R. diversas bombas de condensados que foram colocadas num prédio vocacionado para o turismo de luxo; - em Outubro de 2022, após ser informada de que havia ocorrido uma inundação num dos quartos desse prédio, verificou que a mesma foi causada por uma avaria numa bomba de drenagem de condensados, o que levou a que tivesse substituído tal bomba e dado conhecimento imediato desses factos à R.; - a A., porque a R. declinou qualquer responsabilidade pelo sucedido, teve de proceder à reparação dos danos que a inundação causou no prédio da sua cliente, tendo despendido com isso a quantia de 8.220,77 euros; - em 03.11.2022 a A. remeteu à Ré a factura n.º ..., datada de 03.11.2022, no montante de 8.220,77€ (oito mil duzentos e vinte euros e setenta e sete cêntimos), relativo aos custos que teve de suportar com a substituição e reparação dos danos. A Ré, B..., Lda., contestou, invocando a excepção peremptória da caducidade do direito exercido pela A., por terem decorrido os prazos estabelecidos nos artigo 916.º, n.º 2, e 917.º, do Código Civil para a denúncia e a reclamação de eventuais defeitos dos bens vendidos, mais alegando que desconhece os danos e os gastos que foram invocados pela A. e, ainda, que: - as bombas de drenagem que forneceu não apresentavam qualquer defeito; - desconhece se esses equipamentos foram ou não devidamente instalados; - a A. procedeu à substituição do equipamento à revelia da Ré; - foi apurado, através de uma peritagem técnica à bomba de condensados, que a mesma está operacional. A A. apresentou resposta, sustentando que o seu direito não caducou, pois não peticiona a anulação do contrato que celebrou com a R., mas, sim, que esta pague uma indemnização por cumprimento defeituoso da respectiva obrigação, mais argumentando que “a venda de coisa defeituosa confere ao comprador o direito de ser ressarcido dos danos provocados pelo defeito, nos termos gerais do incumprimento defeituoso” e que “seria complemente contrário aos princípios de certeza e segurança Jurídica a existência de um prazo de 8 dias para a denúncia de defeitos de bens móveis que não são aparentes, mas sim intrínsecos ao funcionamento dos mesmos e apenas detectáveis após a sua utilização pelo consumidor final”. O processo seguiu os seus regulares termos e, após o encerramento da audiência final, foi proferida sentença na qual, depois de ser expresso “…temos de concluir que o direito à indemnização que a Autora pretende exercer com a presente acção, caducou”, se decidiu o seguinte: «(…) decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a Ré B..., Lda. do pedido formulado pela Autora A..., S.A.. Custas da acção a cargo da Autora.» - A A. veio recorrer desta decisão, apresentado alegações que foram finalizadas com as seguintes conclusões:(…) - A R. apresentou contra-alegações, formulando, no final, as seguintes conclusões:(…) - O recurso foi admitido por despacho, que o classificou como sendo de apelação e lhe atribuiu efeito meramente devolutivo, ordenando a sua subida imediata, nos próprios autos, a este Tribunal da Relação.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOConsiderando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), as questões a tratar são as seguintes: 1. qual a qualificação jurídica do contrato que foi celebrado entre as partes; 2. se o direito indemnizatório exercido pela A. na presente acção está sujeito ao prazo de caducidade estabelecido no artigo 917.º do Código Civil, ou ao prazo ordinário de prescrição constante do artigo 309.º do Código Civil; 3. se a R. deve indemnizar a A. pelos danos que esta invoca ter sofrido por causa de lhe ter sido vendida coisa defeituosa. *** III – FUNDAMENTAÇÃOA) Dos factos A matéria de facto a considerar para a apreciação da apelação, ante a ausência de qualquer impugnação da decisão que, quanto à mesma, foi proferida pelo tribunal a quo (e por não se vislumbrar motivo para ex officio nela operar qualquer modificação) é aquela que foi fixada na sentença recorrida, a saber: Factos Provados 1) A Autora dedica-se à comercialização de materiais para a indústria da construção civil. 2) No âmbito da sua actividade comercial, a Autora encomendou à Ré diversas bombas de drenagem de condensados, modelo ..., pelas quais pagou a quantia de €: 1.845,00. 3) A encomenda referida em 2) foi realizada em 23.07.2021 e o pagamento ocorreu em 20.09.2021. 4) Nesse momento, a Autora não apresentou quaisquer reclamações das bombas de drenagem de condensados. 5) Parte dos equipamentos adquiridos à Ré referidos em 2), foram colocados num sistema de ar condicionado que foi instalado pela Autora num prédio sito na Rua ..., na cidade do Porto. 6) A moradia unifamiliar onde foi instalado o sistema de ar condicionado, designa-se ... e está vocacionada para o segmento de turismo de luxo. 7) Entre o final do mês de Setembro e 5 de Outubro de 2022, a proprietária da moradia referida em 6) interpelou a Autora, dando-lhe conta da ocorrência de uma inundação num dos quartos, provocada pela unidade interna do ar condicionado. 8) A Autora deslocou-se, de imediato, à moradia e verificou que uma bomba de drenagem de condensados associada a uma unidade interior de ar condicionado, aquecia e não fazia a drenagem dos condensados e, como tal, a água acumulada saía para o interior do quarto. 9) A Autora substituiu a bomba de drenagem de condensados, daquela unidade de ar condicionado. 10) Pelo menos, a 07.10.2022, a Autora deu conhecimento do referido em 6) a 8) à Ré. 11) A inundação causada pela avaria da bomba de drenagem de condensados provocou danos num roupeiro de madeira, posicionado por baixo da unidade interior e na alcatifa junto esse mesmo roupeiro. 12) A cliente da Autora, proprietária da moradia referida em 6), por email de 05.10.2022, solicitou à Autora a reparação dos danos que estimou em €: 7.591,00. 13) A Autora, por email de 07.10.2022, informou a proprietária do imóvel que estava a analisar o assunto e que a bomba de drenagem de condensados tinha sido enviada para o fabricante para ser analisada e testada, e que aguardava o relatório sobre as eventuais causas do seu incorrecto funcionamento. 14) A bomba de drenagem de condensados foi entregue à Ré para avaliação técnica, em 07.10.2022 15) A Ré enviou email para a Autora em 18.10.2022, onde informa que «recordamos que tal como informamos diretamente no momento de recolha do material, foi-nos impossível fazer a avaliação técnica da má instalação do produto pois procederam ao levantamento de todas as unidades em obra sem qualquer documentação, relatório e quaisquer autorização da nossa parte (…) automaticamente qualquer produto nestas condições perde a garantia.» 16) A Ré não informou o resultado do teste o funcionamento da bomba de drenagem de condensados, pelo que a Autora enviou novo email datado de 19.10.2022 a solicitar o relatório da peritagem técnica à bomba entregue e que deu origem aos danos em obra, solicitando o seu enviou no máximo até final da semana. 17) A Ré nada fez, nem informou a Autora do resultado do teste o funcionamento da bomba de drenagem de condensados entregue. 18) A Autora procedeu à substituição da alcatifa da divisão afectada e referida em 6), no que despendeu €:2.574,39 e procedeu à reparação do armário, no que despendeu €: 505,50. 19) Com a deslocação ao prédio referido em 6) e com a mão de obra para substituição da bomba referida em 9), a Autora despendeu €:629.76 (€:512,00+IVA). 20) Em 03.11.2022 a Autora remeteu à Ré a factura n.º ..., datada de 03.11.2022, e com vencimento na mesma data, no montante de 8.220,77, com a descrição «Custos de reparação dos danos causados pelo mau funcionamento de uma bomba de drenagem da condensados na moradia da ..., fornecida pela B......». 21) A Ré não pagou o valor constante da factura n.º ..., nem na data do vencimento, e a Autora enviou carta datada de 14.11.2022 a solicitar o pagamento da quantia de €:8.220,77 no prazo de oito dias. 22) A Autora procedeu à substituição da bomba de drenagem de condensados tal como referido em 9) sem prévia comunicação à Ré e sem autorização da mesma. 23) Na instalação da bomba de drenagem de condensados não foram observadas as instruções constantes do manual que acompanha as ditas bombas. 24) A presente acção deu entrada em juízo no dia 05.12.2023 Factos não provados a) No momento referido em 6) foi ainda comunicado que o sucedido, havia provocado danos avultados. b) O referido em 11) impediu aa exploração comercial do imóvel, para alojamento local. c) A Autora pela reparação integral dos danos causados na moradia referida em 5) despendeu a quantia de €:8.220,77. d) No momento do fornecimento dos referidos equipamentos à Autora, a Ré desconhecia que os mesmos padeciam de quaisquer vícios ou falta de qualidade. e) A Autora tomou conhecimento do problema ainda em Julho de 2022. f) A Autora substituiu as referidas bombas de drenagem de condensados por outras de marca diferente à revelia da Ré, sem qualquer autorização desta e sem lhe dar a oportunidade de avaliar a instalação técnica das mesmas. g) A Autora referiu à Ré que tinha substituído a bomba referida em 8) por outra de marca diferente. h) Aquando do fornecimento, todas as bombas de drenagem de condensados encontravam-se em perfeito funcionamento. i) Se algum problema ocorreu, o mesmo deve-se à deficiente instalação que a Autora, ou outro técnico designado pela mesma, efectuou das bombas de drenagem de condensados. B) Do direito 1. A apreciação jurídica do caso postula que, em primeiro lugar, fique clarificada qual a qualificação que deve ser atribuída ao contrato que foi celebrado entre as partes. Na sentença recorrida é afirmado que se tratou de um contrato de compra e venda comercial. A recorrente contrapõe que o contrato celebrado “…insere-se na tipologia de contratos de fornecimento, uma vez que não se trata de uma simples transmissão de propriedade, mas sim de uma relação jurídica que exige acompanhamento técnico e garantia funcional”. Face à factualidade que se encontra provada, não temos dúvidas em afirmar que a razão se encontra do lado do tribunal a quo, pois, em virtude de A. e R. terem acordado entre si a transmissão da propriedade de uma coisa mediante um preço que, para além do produzir o efeito real (translativo da propriedade) previsto no artigo 879.º do Código Civil, gerou também as obrigações de entrega da coisa e de pagamento do preço aludidas neste mesmo preceito legal, afigura-se-nos claro que foi celebrado entre as partes um contrato típico de compra e venda, regulado nos artigos 874.º e seguintes do Código Civil. Por outro lado, a compra e venda efectuada pode ser reputada de comercial, já que, quer atendendo-se à natureza do acto praticado entre as partes (cf. artigo 463.º, §1.º e §3.º do Código Comercial), quer à qualidade de comerciante das partes (cf. artigo 13.º, §2.º do Código Comercial), é aplicável ao contrato a lei comercial (cf. artigos 1.º e 2.º do Código Comercial), facto este que não obsta, porém, à aplicação subsidiária das normas do Código Civil (cf. artigo 3.º do Código Comercial). No que diz respeito à alegação da recorrente, surge evidente que o contrato celebrado entre as partes não se aproxima minimamente da figura que a nossa literatura jurídica vem denominando de “contrato de fornecimento” e que, em termos simples, se reconduz ao acordo estabelecido entre um fornecedor e um cliente por força do qual o primeiro se compromete a entregar bens ou a prestar serviços ao segundo, mediante um preço e de forma contínua ou periódica [1]. Sustentando, no entanto, a recorrente que o recorte do contrato celebrado entre as partes se afasta da relação jurídica própria dos contratos de compra e venda, por envolver a obrigação de quem entrega a coisa garantir a adequação do equipamento ao fim específico para o qual foi adquirido e prestar apoio técnico ao cliente, nomeadamente ao nível da resolução de eventuais problemas, temos também que discordar desta visão que, caso julgada válida, nos levaria a concluir que A. e R. celebraram um contrato atípico. Na verdade, o contrato que A. e R. celebraram, como dissemos já, operou a transmissão da propriedade de uma coisa mediante um preço e envolveu a produção de todos os efeitos próprios do contrato típico de compra e venda, ou seja, a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação da parte transmitente da propriedade entregar a coisa e a obrigação da outra parte pagar o preço. Quanto ao facto de as partes, a par destas obrigações principais, terem ficado vinculadas a outras obrigações, nomeadamente aquelas que se relacionam com o dever do vendedor assegurar ou garantir a adequação funcional da coisa para o fim a que se destina, bem como o seu bom funcionamento, não se vislumbra que isso desvirtue a tipicidade do contrato, pois, como explica Antunes Varela [2], “[n]as relações obrigacionais derivadas de contratos nominados, como a compra e venda, a locação, o contrato de trabalho, há as prestações principais que definem o tipo ou o módulo da relação (..)”, mas podem surgir também outros deveres, como “os deveres acessórios da prestação principal (destinados a preparar o cumprimento ou a assegurar a perfeita execução da prestação)”, “os deveres relativos às prestações substitutivas ou complementares da prestação principal (o dever de indemnizar os danos moratórios ou o prejuízo resultante do cumprimento defeituoso da obrigação)”, “os deveres compreendidos nas operações de liquidação … das relações contratuais duradouras” e, ainda, deveres acessórios de conduta “que, não interessando directamente à prestação principal, nem dando origem a qualquer acção autónoma de cumprimento (…), são todavia essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra”. Por isso, não é pelo facto de um determinado acordo negocial envolver, a par das obrigações típicas principais de determinada espécie de contrato, o cumprimento pelas partes de outro tipo de obrigações, como as de realização de prestações necessárias para que seja alcançado o fim a que se destinou o contrato, que esse acordo deixa de se integrar na espécie contratual correspondente ao modelo em que, devido à sua estrutura nuclear, se enquadra. Voltando às palavras de Antunes Varela [3], “[S]empre que na convenção celebrada entre as partes se instale um dos esquemas ou modelos previstos na lei e as cláusulas acrescentadas pelas partes não destruam o núcleo essencial do seu acordo, nem lhes aditem qualquer outro dos esquemas legalmente autonomizados, o contrato continuará a pertencer ao tipo correspondente a esse esquema”. No caso sub judice, vista a factualidade que se encontra assente sobre o acordo estabelecido entre as partes e que levou a que a R., mediante um preço, tivesse entregado à A. as bombas de drenagem de condensados que esta encomendou, nenhum elemento se detecta que afaste estarmos perante um contrato típico de compra e venda. Os bens fornecidos pela R. podem até possuir algumas especificidades técnicas que reclamem cuidados particulares ao nível da sua instalação; isso, porém, também sucede com muitas outras coisas que todos os dias são transaccionadas no nosso mercado, não decorrendo daí que o contrato oneroso pelo qual se opera a transferência da sua propriedade não seja uma compra e venda. Do mesmo modo, o facto de, devido às características do bem, poderem incidir sobre as partes deveres acessórios mais exigentes para que seja salvaguardado o seu bom funcionamento também não se trata de uma realidade inabitual ao nível da compra e venda de outros produtos ou equipamentos. Não estamos, manifestamente, perante qualquer contrato atípico, mas, sim, perante um contrato (nominado) de compra e venda, cuja disciplina legal se encontra concentrada nos artigos 874.º e seguintes do nosso Código Civil, sem prejuízo de se lhe aplicarem também normas ínsitas em diferentes lugares desse ou doutros diplomas legais, como acontece com aquelas do Código Comercial que já foram referidas supra e lhe conferem feição de contrato comercial. 2. Concluindo-se foi celebrado um contrato de compra entre duas empresas comerciais (relativamente ao qual ora não se coloca qualquer questão que convoque a aplicação de normas especiais atinentes à responsabilidade do produtor ou à tutela dos consumidores), cumpre determinar agora se a acção que foi movida pela A., reclamando ser indemnizada pela R. dos prejuízos que sofreu por causa de se ter revelado um defeito numa das bombas de drenagem de condensados que adquiriu, se encontra sujeita ao prazo de caducidade estabelecido no artigo 917.º do Código Civil, ou se o direito exercido pela A. apenas se encontra sujeito ao prazo ordinário de prescrição constante do artigo 309.º do Código Civil. Como se sabe, de acordo com o regime da venda de coisas defeituosas previsto nos artigos 913.º a 922.º do Código Civil, o comprador que se depara com um defeito da coisa que adquiriu tem diversos direitos ao seu dispor, nomeadamente o de promover a anulação do contrato de compra e venda (cf. artigo 905.º ex vi art. 913.º do Código Civil), o de, em caso de anulação, obter uma indemnização pelo interesse contratual negativo ou pelos danos emergentes do contrato (cf. artigos 908.º e 909.º ex vi art. 913.º do Código Civil), o de obter uma redução do preço (cf. artigo 911.º ex vi art. 913.º Código Civil) e o de exigir do vendedor a reparação ou a substituição da coisa (cf. artigo 914.º do Código Civil). De qualquer forma, o facto de assistirem ao comprador todos estes meios de tutela, não afasta a possibilidade de ele, à luz dos princípios gerais da responsabilidade do devedor (cf. artigo 798.º do Código Civil), peticionar uma indemnização pelos danos que sofreu em consequência do cumprimento defeituoso da obrigação [4]. No que diz respeito aos prazos de que o comprador de coisa defeituosa dispõe para exercer os direitos que acabam de ser mencionados, o artigo 916.º do Código Civil estabelece o seguinte: 1. o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este tiver usado de dolo. 2. a denúncia será feita até 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa. 3. Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel. Paralelamente, no subsequente artigo 917.º do Código Civil, estabelece-se que “[A] acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º.”. Estas exigências legais justificam-se pela necessidade de, mediante a imposição ao comprador de deveres de diligência ao nível da verificação e da denúncia de eventuais defeitos, conferir segurança e estabilidade ao tráfico jurídico-comercial, impedindo que, a todo o tempo, o vendedor possa vir a ser confrontado com reclamações de vícios ou outras desconformidades da coisa que transaccionou. Apenas não será assim nos casos em que haja dolo do vendedor, nos quais, face ao disposto no n.º 1 do artigo 916.º do Código Civil, não há sequer necessidade de denúncia [5]. Quanto ao prazo de caducidade do direito de acção previsto no artigo 917.º do Código de Civil, apesar de esta norma se referir apenas à acção de anulação, é entendimento consolidado na nossa doutrina e jurisprudência que o prazo de seis meses aí previsto deve aplicar-se, por interpretação extensiva (reclamada por exigências de tratamento jurídico uniforme de situações semelhantes, tendo em vista a harmonia do sistema jurídico), também às acções em que o comprador surge a exercer os demais direitos que lhe são conferidos pelo regime da venda de coisas defeituosas dos artigos 913.º a 922.º do Código Civil [6]. Não obstante, especificamente a propósito das acções em que o comprador apresenta pretensões indemnizatórias por causa de defeitos da coisa que adquiriu, têm surgido diferentes perspectivas quanto ao facto de as mesmas estarem ou não sujeitas aos prazos curtos de denúncia e de caducidade aludidos nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil. Com efeito, foi já bastante defendida a posição de que somente quando o comprador reclama uma indemnização nos termos do disposto nos artigos 908.º e 909.º do Código Civil é que se deve aplicar o regime dos artigos 916.º e 917.º do Código Civil (a exemplo do que acontece quando ele peticiona a anulação do contrato, a reparação ou substituição da coisa, ou a redução do preço); já não assim quando o comprador surge a reclamar uma indemnização por violação do interesse contratual positivo, pois, nestas situações, a sua pretensão funda-se nas normas gerais do não cumprimento das obrigações, mais concretamente no cumprimento defeituoso da obrigação a cargo do vendedor, e, por isso, a acção correspondente apenas deve estar sujeita ao prazo ordinário de prescrição do artigo 309.º do Código Civil [7]. A esta visão, no entanto, sempre se contrapôs uma outra, assente, fundamentalmente, na ideia de que, mesmo quando o comprador surge a reclamar uma indemnização por violação contratual positiva, o fundamento da sua pretensão indemnizatória não deixa de ser o facto de lhe ter sido vendida uma coisa com defeito e, por isso, essa pretensão não pode deixar de ser apreciada à luz do regime jurídico previsto nos artigos 913.º a 922.º do Código Civil. O acolhimento desta perspectiva conduz, portanto, a que se considere que o disposto nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil é aplicável a todas as acções indemnizatórias por violação contratual do vendedor decorrente de defeito da coisa vendida. Se, diferentemente, estiver em causa uma violação dos deveres do vendedor que não se relacione com um vício intrínseco da coisa, a acção correspondente não estará já abrangida por tais normas, antes se lhe aplicando as regras da generalidade das acções de responsabilidade civil contratual, maxime, ao nível da delimitação dos prazos para o exercício de direitos, o disposto no artigo 309.º do Código Civil. A posição que acaba de ser referida tornou-se largamente maioritária nos nossos tribunais superiores, nomeadamente no Supremo Tribunal de Justiça [8], e, ainda há escassos dois anos, recebeu o apoio da doutrina emergente do Ac. STJ n.º 7/2023, de 2-08 [9], o qual, apesar de versar sobre questão distinta, ao uniformizar jurisprudência no sentido de que “[A] acção de indemnização fundada na venda de coisa indeterminada de certo género defeituosa está submetida ao prazo de caducidade previsto no artigo 917.º do Código Civil, a tanto não se opondo o disposto no artigo 918.º do mesmo Código”, acabou por aderir à visão que defende a sujeição da acção de indemnização fundada em defeito de coisa vendida aos prazos curtos de denúncia e caducidade dos artigos 916.º e 917.º do Código Civil. Esta visão – que merece também a nossa adesão – não esgota, porém, a problemática relativa ao prazo de que dispõe o comprador para exercer direitos indemnizatórios contra o vendedor de coisa defeituosa, pois existe ainda a perspectiva de que os prazos curtos de caducidade previstos no artigo 917.º do Código Civil apenas se aplicam aos pedidos de indemnização por danos directamente relacionados com o defeito da coisa vendida, não se aplicando já quando, devido ao cumprimento defeituoso, são afectados outros valores patrimoniais ou pessoais do comprador não directamente relacionados com a coisa objecto do contrato [10]. Este entendimento não está isento de dificuldades, pois, para além das questões delicadas que se colocam ao nível da delimitação da fronteira entre os denominados ‘danos directos’ e os ‘danos indirectos, reflexos ou colaterais’, a atribuição da indemnização, seja quanto a uns, seja quanto aos outros, tem sempre na sua base a violação contratual, ou seja, a prestação de coisa defeituosa; ora, emergindo duma má prestação danos directamente relacionados com a própria coisa (circa rem) ou danos extrínsecos que atinjam a pessoa ou o património do comprador (extra rem), estão sempre em causa prejuízos causados pelo ilícito contratual, pelo que, não fazendo a lei qualquer distinção expressa quanto ao tratamento da dar a uns e aos outros, é difícil conceber que a acção indemnizatória que lhes corresponda não se encontre sujeita aos mesmos prazos de caducidade ou prescrição. Todavia, para efeitos de boa interpretação normativa, não se pode deixar de considerar que a previsão de prazos curtos de caducidade nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil destina-se a conferir segurança e estabilidade ao tráfico jurídico-comercial mediante a imposição ao comprador de deveres apertados de verificação, denúncia e reclamação judicial de defeitos, pelo que, como se pode ler no Ac. RC 19-12-2018 (proc. 2142/15.9T8CTB.C1), “…os direitos que se extinguem pelo decurso desses prazos só podem ser aqueles que têm unicamente como pressuposto a existência do defeito, como seja o direito à sua eliminação, o direito à substituição da coisa, o direito à redução do preço, o direito de resolução do contrato e o direito de indemnização que visa ressarcir apenas o prejuízo resultante da própria existência do defeito”; diferentemente “…relativamente ao direito de indemnização pelos danos reflexos que resultaram da existência do defeito, designados como danos colaterais, não pode o mesmo estar sujeito àqueles prazos, desde logo porque a sua ocorrência não coincide necessariamente com os eventos que determinam a contagem daqueles prazos, podendo muitos deles ter lugar já após tais prazos terem-se esgotado, assim como, relativamente a eles perde justificação o fundamento para a consagração daqueles prazos”. Neste mesmo sentido, observa-se no Ac. RG de 23-01-2020 (proc. 1195/13.9TBEPS.G1) que “…o direito de indemnização estabelecido pelo Código Civil no regime da compra e venda defeituosa destina-se ao ressarcimento do comprador pelos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação, visando a reparação ou ressarcimento do defeito”, mas isso não acontece já com “… a indemnização concernente a prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos do bem”, pois esta destina-se “…a ressarcir outros danos que não a reparação/ressarcimento dos defeitos em si, ainda que a estes ligados por nexo de causalidade (e cuja responsabilidade, como fonte da obrigação de indemnizar, os tem como pressuposto fáctico)”; tal justificará, no primeiro caso, que o direito de indemnização esteja “… sujeito ao regime especial da compra e venda e, assim, também aos consagrados prazos curtos de caducidade”, mas que, no segundo caso, a responsabilidade contratual do vendedor esteja “…sujeita apenas às regras gerais do direito de indemnização, não se lhe aplicando as regras especiais da compra e venda, nomeadamente as que estabelecem prazos de caducidade, valendo quando a tal direito de indemnizatório o prazo de prescrição geral”. Os argumentos que acabam de ser referidos são absolutamente pertinentes e levam-nos a considerar que, realmente, existe fundamento para que, ao nível da interpretação extensiva do artigo 917.º do Código Civil que permite a aplicação de prazos curtos de caducidade às acções de indemnização fundada em defeito de coisa vendida, seja feita uma restrição de modo a que somente fiquem sujeitos a estes prazos os pedidos formulados pelo comprador para ser ressarcido dos prejuízos patrimoniais que lhe foram causados directamente pelo cumprimento defeituoso da prestação (incluem-se aqui os danos relativos aos “… vícios intrínsecos, estruturais da coisa vendida, que a tornam imprópria para o seu destino, e os danos decorrentes de qualquer desses vícios lesivos do interesse na prestação – danos na própria coisa, danos directos, imediatos do vício ou danos da imperfeição do cumprimento, v.g., despesas com a reparação ou com a indisponibilidade da coisa” [11]), aplicando-se já o regime geral da prescrição aos pedidos de indemnização pelos demais danos que o comprador possa ter sofrido devido a factos provocados pelo defeito da coisa que adquiriu (“danos indirectos sofridos pelo comprador em bens pessoais – vida, saúde, integridade física – ou patrimoniais consequentes ao vício intrínseco, estrutural e funcional da coisa comprada” [12]). No caso sub judice, a A. veio peticionar o pagamento pela R. de uma indemnização compensatória dos gastos que suportou com a reparação dos prejuízos que foram causados numa moradia devido a uma inundação provocada, segundo o alegado, pela avaria de uma das bombas de condensados que adquiriu à R. e instalou nessa moradia. Face à distinção acima efectuada entre ‘danos directos’ e ‘danos colateriais’, não temos dúvidas de que o dano do qual a A. pretende ser ressarcida não se trata de um prejuízo patrimonial que lhe tenha sido causado directamente pelo cumprimento defeituoso da prestação, mas sim de um dano que atingiu o seu património devido a um facto reflexamente causado pelo defeito da coisa que comprou. Consequentemente, em virtude de a reclamação de indemnização por esse dano não se encontrar sujeita aos prazos de caducidade previstos nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil, mas somente ao prazo geral de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do mesmo código, é forçoso reconhecer que, diferentemente daquilo que foi julgado na sentença recorrida, o direito à indemnização que a Autora pretende exercer com a presente acção não caducou. 3. Aqui chegados, resta aferir se a R. deve ser condenada a pagar à A. a indemnização que esta peticionou por responsabilidade contratual fundada em venda de coisa defeituosa. Como é por demais consabido, o princípio geral da responsabilidade contratual (ou seja, da responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos) encontra-se plasmado no artigo 798.º do Código Civil, do qual decorre que os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar a cargo do devedor são: o facto ilícito (o incumprimento de uma obrigação contratual, por acção ou omissão); a culpa (a imputação subjetiva do incumprimento ao devedor); o dano (o prejuízo causado ao credor pelo incumprimento); e o nexo de causalidade (a relação de causa e efeito entre o facto ilícito e o dano). De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova (cf. artigo 342.º do Código Civil), incumbe ao credor fazer prova dos factos constitutivos do direito que invoca, pelo que, desde logo, lhe compete demonstrar que se verificou um facto ilícito, ou seja, de que a pessoa com quem celebrou um contrato não cumpriu determinada obrigação contratual, mais lhe competindo provar que esse facto ilícito causou o dano de que pretende ser ressarcido. Ao nível da culpa, porém, o credor tem a sua tarefa facilitada, pois o artigo 799.º, n.º 1, estabelece uma inversão do ónus da prova, dispondo que “[i]ncumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”. Assim, quando, na sequência de um contrato de compra e venda, o comprador reclama do vendedor uma indemnização fundada no facto de este lhe ter entregado coisa defeituosa, carece o mesmo de provar que se verificou, efectivamente, um mau cumprimento da obrigação a cargo do vendedor (o que in casu postula que prove que lhe foi entregue uma coisa com defeito), apenas estando dispensado de provar que o cumprimento defeituoso da obrigação procedeu de culpa do vendedor. No caso sub judice, resulta dos factos provados que, entre o final do mês de Setembro e 5 de Outubro de 2022, verificou-se uma avaria numa bomba de drenagem de condensados vendida pela R. à A., e que por esta foi instalada numa unidade interior de ar condicionado de uma moradia, já que tal bomba evidenciou aquecimento e deixou de fazer a drenagem dos condensados, o que levou a que a água acumulada pelo equipamento começasse a sair para o interior de um dos quartos da moradia. Dado que o artigo 913.º do Código Civil refere que existe um defeito quando a coisa vendida sofre de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada (ou quando não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim), afigura-se-nos claro que, em virtude de a mencionada bomba de drenagem de condensados ter deixado de realizar o papel para o qual foi concebida, está devidamente caracterizada nos autos uma situação de defeito da coisa que foi vendida pela Ré. Provado o cumprimento defeituoso da prestação do vendedor, importa aferir se a R. logrou ilidir a presunção de culpa que, quanto a esse facto, incide sobre si. Desde já se diga que não. Com efeito, não foi feita prova de que o mau funcionamento da bomba de condensados que se verificou tivesse sido causado por qualquer motivo ou circunstância não imputável à Ré. É verdade que foi dado como provado que “na instalação da bomba de drenagem de condensados não foram observadas as instruções constantes do manual que acompanha as ditas bombas”; todavia, uma vez que, não obstante esta inobservância, não foi feita prova de que a avaria ocorrida se tivesse devido a incorrecções na instalação da bomba de drenagem de condensados, não se mostra possível excluir a presunção de culpa que incide sobre quem vendeu o bem em que se revelou o defeito. Os manuais de instruções para a instalação de equipamentos, como é de conhecimento comum, contêm uma multiplicidade de indicações, muitas delas de carácter preventivo, e o facto de as mesmas não serem observadas com rigor não autoriza que, quando se verifica uma avaria do equipamento, se conclua, sem mais, que a avaria concretamente ocorrida tenha sido causada por deficiências ao nível da montagem. No caso dos autos, incidia sobre a R. o ónus de demonstrar que cumpriu todos os deveres que lhe incumbiam e que a avaria ocorrida se deveu a circunstâncias alheias à sua prestação, o que carecia de ser feito pela positiva, ou seja, mediante a demonstração de factos concretos que excluíssem a sua responsabilidade pelo sucedido. A inobservância de instruções ao nível da instalação da bomba, independentemente de ser uma realidade algo impressiva, não preenche essa exigência, pois o que seria decisivo era a demonstração de que a causa da avaria foi a má instalação da bomba; isto não resulta dos factos provados nem pode ser presumido; como tal, ter-se-á que concluir no sentido da responsabilidade da R. pelo facto ilícito. Resta agora determinar se se encontra provado nos autos a A. sofreu o dano que invocou e se este decorre causalmente do facto ilícito que se verificou. Foi dado como assente que a avaria da bomba de drenagem de condensados provocou uma inundação de água num quarto da moradia onde estava instalado o equipamento que danificou um roupeiro de madeira e a alcatifa da divisão, danos estes que a A. reparou despendendo com isso um quantitativo global de €:3.079,89 (2.574,39 + 505,50). Mais se provou que a A. procedeu à substituição da bomba de drenagem avariada, despendendo com a deslocação ao prédio e com a mão-de-obra necessária para os trabalhos de substituição €:629.76 (€:512,00+IVA). Pode-se observar, face a esta factualidade, que o dano directamente causado pela inundação não foi prima facie sofrido pela A., mas sim pela proprietária da moradia onde foi instalado o equipamento vendido. Isso não afasta, porém, que a A. tenha sofrido danos por causa da ocorrência, já que, sendo ela a entidade responsável perante o consumidor final por reparar os prejuízos sofridos por este, o cumprimento dessa sua obrigação reparatória determinou gastos financeiros que – consideramos inegável – se encontram causalmente relacionados com o cumprimento defeituoso da prestação que a Ré efectuou. Por isso, à luz dos princípios gerais da responsabilidade civil contratual, assiste à A. o direito de ser indemnizada pela Ré dos prejuízos patrimoniais que teve. Pelo exposto, deve haver lugar à revogação da decisão recorrida, sendo a R. condenada a pagar à A. o valor dos prejuízos patrimoniais com que esta arcou. Quanto à quantificação destes prejuízos, não se demonstrou que os mesmos tivessem ascendido ao valor da factura (€:8.220,77) que, para efeitos de reclamação da indemnização, a A. emitiu no dia 3-11-2022 em nome da R., pois apenas foi feita prova de que a A. despendeu 2.574,39 euros com a reparação do armário do quarto afectado com a inundação e 505,50 euros com a reparação da alcatifa dessa divisão, mais arcando a A. com uma despesa no valor de 629.76 euros devido aos custos em que importaram a deslocação ao local e os trabalhos de substituição da bomba de drenagem de condensados avariada. A R. deve, por isso, ser condenada a pagar à A. uma indemnização no valor global de 3.709,65 euros. A este valor, acrescerá ainda o pagamento pela R. dos danos decorrentes do retardamento da prestação devida (cf. artigos 804.º, n.º 1 e 798.º do Código Civil), os quais, por estar em causa a falta de pagamento tempestivo de uma obrigação pecuniária, corresponderá aos juros legais a contar do dia [3-11-2022] da constituição em mora (cf. artigo 806.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil), calculado de acordo com a taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais (cf. artigos 102º, § 3º do Código Comercial e 559.º do Código Civil). As custas da acção e da apelação devem ser suportadas por A. e R. segundo a proporção do decaimento que cada uma teve quanto às respectivas pretensões (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil). *** IV – DECISÃOPelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder provimento parcial ao recurso e, revogando-se a decisão recorrida, julga-se parcialmente procedente a acção e, em consequência: 1.º) condena-se a Ré, B..., Lda., a pagar à Autora, A..., S.A, a quantia de €:3.709,65 (três mil, setecentos e nove euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora calculados sobre esta quantia, à taxa supletiva de juros para créditos de que sejam titulares empresas comerciais, desde 3-11-2022 até efectivo e integral pagamento; 2.º) absolve-se a Ré do mais que de si foi peticionado nos autos pela Autora; 3.º) condena-se A. e R. no pagamento das custas da acção, de acordo com a proporção do respectivo decaimento. - Custas da apelação a cargo de A. e R., igualmente segundo a proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).- Notifique.*** SUMÁRIO(elaborado pelo relator nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.) ………………………………. ………………………………. ………………………………. Acórdão datado e assinado electronicamente (redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990) Porto, 10/11/2025 José Nuno Duarte Teresa Fonseca José Eusébio Almeida ______________ [1] No Ac. RL 27-02-2018, proc. 22131/15.2T8LSB.L1-7 (rel. Higina Castelo) é precisado que “[À] expressão contrato de fornecimento podem reconduzir-se ocorrências contratuais de feições diversas que podemos agrupar nos seguintes modelos: a)- Contrato em que o fornecedor disponibiliza o seu produto em contínuo, durante um dado período ou sem termo determinado, obrigando-se a contraparte a pagar em função do que for consumindo ou retirando, sem prejuízo de poder também ser acordada uma prestação fixa, única ou reiterada, por essa disponibilidade; b)- Contrato pelo qual as partes acordam que o fornecedor realizará entregas de certos produtos e quantidades (ou prestará serviços), com dada periodicidade, durante um período de tempo ou sem termo determinado, mediante contraprestações pecuniárias; c)- Contrato-quadro no qual as partes (ou uma delas) se obrigam à celebração de contratos de execução (compras e vendas, prestações de serviços, locações), durante um dado período ou por tempo indeterminado, podendo regular com maior ou menor intensidade esses futuros contratos (sua cadência, preços, formas de pagamento, quantidades globais por período de tempo, locais de entrega, etc.)”. [2] Das Obrigações em Geral, Vol I, 10.ª ed. (revista e actualizada), Coimbra : Almedina, 2004, pp. 121 a 128. [3] Das Obrigações em Geral, cit., p. 275. [4] Vide neste sentido: Antunes Varela «Cumprimento imperfeito do contrato de compra e venda – A excepção do contrato não cumprido», CJ, ano XII – 1987, T. 4, pp. 21 ss; J. Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª edição, Almedina, 2008, p. 77. [5] Sem prejuízo de o comprador, neste caso, ter de exercer os seus direitos dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do dolo (cf. artigo 287.º, n.º 1, do Código Civil). [6] Cf., entre muito outros, o Ac. STJ 12-10-2023, proc. 13330/17.3T8LSB.L2.S1 (rel. Nuno Ataíde das neves) no qual se encontra, quanto a esta questão, referências doutrinárias e jurisprudenciais mais alargadas. [7] Vide, neste sentido, o Ac. Ac. STJ 13-02-2014, proc. 1115/05.4TCGMR.G1.S1(rel. Salazar Casanova) . [8] Vide, entre muitos outros: Ac. STJ 6-11-2007, proc. 07A3440 (rel. Azevedo Ramos); Ac. STJ 06-10-2016, proc. 6637/13.0TBMAI-A.P1.S2, (rel. Orlando Afonso); Ac. STJ 11-07-2023, proc. 1499/21.7T8PVZ.P1.S1 (rel. Jorge Dias) . [9] Diário da República n.º 149/2023, Série I, de 2-08-2023, pp. 115 – 142. [10] Neste sentido, vide: Ac. RC 20-06-2012, proc. 2384/07.0TBCBR.C1 (rel. Henrique Antunes); Ac. RC 19-12-2018, proc. 2142/15.9T8CTB.C1 (rel. Sílvia Pires); Ac. RG 23-01-2020, proc. 1195/13.9TBEPS.G1 (rel. Ramos Lopes); Ac. RG 7-3-2024, proc. 2083/22.3T8BRG.G1 (rel. Raquel Baptista Tavares); Ac. STJ 15-09-2022, proc. 1195/13.9TBEPS.G1.S1 (rel. Rijo Ferreira); Ac. STJ 30-04-2024, proc. 3052/20.3T8STR.E1.S1, (rel. Maria do Rosário Gonçalves). [11] Cf. Ac. RC 20-06-2012 (proc. 2384/07.0TBCBR.C1), cit. [12] Cf., igualmente, Ac. RC de 20-06-2012, cit. |