Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANABELA DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | HERANÇA CAUSA DE PEDIR RESTITUIÇÃO DE BENS QUALIDADE DE HERDEIRO | ||
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Nº do Documento: | RP20221011973/18.7T8MTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/11/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE/DECISÃO CONFIRMADA. | ||
Indicações Eventuais: | 2. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A acção de petição de herança tem como pedidos típicos o reconhecimento da qualidade de herdeiro, e a restituição de bens da herança. II – A sua causa de pedir é complexa, sendo integrada pelos seguintes elementos: - que o autor seja herdeiro do de cujus; - que o bem peticionado faça parte da herança do de cujus – e que o réu possua o bem peticionado. III – Tendo a autora por via da presente acção invocado a sua qualidade de herdeira relativamente a determinada herança e pedido, com base nessa qualidade, a restituição de determinados bens da herança, ao abrigo do disposto no citado art.º 2075.º do C.Civil, mas a mera circunstância de não o ter formulado expressamente o pedido de reconhecimento judicial da qualidade de herdeira, não obsta ao deferimento da pretensão solicitada, devendo considerar-se que o pedido formulado (de restituição daqueles bens da herança) contém implícito o de reconhecimento judicial daquela qualidade. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação Processo n.º 973/18.7 T8MTS.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 2 Recorrentes – AA e BB Recorrida – CC Relatora – Anabela Dias da Silva Adjuntos – Desemb. Ana Lucinda Cabral Desemb. Rodrigues Pires Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ª secção cível) I – CC, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos a presente acção declarativa, com processo comum, contra AA e BB, pedindo que seja reconhecida a falecida como única proprietária do montante total depositado na conta bancária da qual os réus, na qualidade de titulares, procederam à transferência de €36.548,00 e, consequentemente, sejam os réus condenados: a) A restituir à herança de que a autora é beneficiária, a quantia de €28.048,61; b) A pagar os juros de mora vencidos desde a data em que procederam à transferência e até à data da propositura da acção; c) Os vincendos até ao efectivo e integral pagamento; à taxa de juros legal em vigor. Para tanto, alegou em síntese que é herdeira e cabeça de casal da herança de DD, por a mesma ter outorgado testamento a seu favor e a favor dos seus filhos. Mais alegou que a autora do testamento era titular de várias contas no Banco 1... que, face à sua idade e dificuldades de mobilidade, aquela em 2015 aditou a uma dessas contas os réus, em quem confiava por serem seus amigos. Daí em 18.09.2015 os réus transferiram o montante de €36.548,61, que pertencia exclusivamente a DD para uma conta destes, sem autorização daquela. Pelo que quando a referida DD tomou conhecimento desse facto, solicitou que lhe devolvessem o dinheiro, o que eles fizeram em parte, abatendo ao montante €7.655,98, liquidando o IRS da falecida de 2015. Mais alegou que a referida DD interpelou várias vezes os réus para lhe devolverem o restante dinheiro, o que estes não fizeram. * Pessoal e regularmente citados, os réus vieram contestar, pedindo a improcedência da acção.Para tanto, começaram por invocar a ilegitimidade substantiva da autora para a propositura da acção, por o montante peticionado não fazer parte da herança. Mais alegaram que a conta bancária em causa era solidária e era movimentada a crédito e a débito por cada um dos seus titulares e que nunca careceram do auxílio de DD, que por força de doença da ré, os réus ficaram com mobilidade reduzida, ficando impossibilitados de visitar e manter o frequente relacionamento que tinham com a referida DD e que foi nesse contexto que aquela lhes doou a quantia de €36.548,61, que transferiu em 18.09.2015 dessa conta solidária e, finalmente que a doadora nunca lhes manifestou a intenção de reaver esse dinheiro. * A autora respondeu pugnando pela sua legitimidade, como cabeça de casal, com vista à cobrança das dívidas activas da herança e mantendo a versão dos factos apresentada na petição inicial, aduzindo ainda que foi pela perda de confiança nos réus, por lhe não terem devolvido o seu dinheiro, que esta revogou o testamento que havia feito a favor dos mesmos, pelo que, caso esta pretendesse doar-lhes esse dinheiro o teria referido no seu testamento.Finalmente pediu a condenação dos réus como litigantes de má-fé. * Foi dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, sem selecção de temas de prova.* Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença de onde consta: “Face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:1 – Condeno os réus: a) a restituírem à herança de DD, de que a autora é herdeira, a quantia de €28.048,61; b) a pagarem à referida herança juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, sobre a quantia referida em a), desde 06.12.2015, até efectivo e integral pagamento. 2 – Absolvo os réus do mais que lhes foi peticionado. Custas por autora e réus na proporção de 2% pela autora e 98% pelos réus por ser esta a proporção dos respectivos decaimentos – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.Civil (…)”. * Inconformados com esta decisão, dela vieram os réus recorrer de apelação pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente absolva os réus do pedido.Os apelantes juntaram aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões: 1. Segundo o art.º 607.º, 4 C.P.Civil “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras da experiência.”; 2. A sentença apelada foi sustentada em manifesto erro de apreciação da prova produzida nos autos, quer a documental, quer a testemunhal, não tendo a 1.ª instância analisado devidamente, de forma crítica e correcta, a prova ao seu alcance, dessa forma violando a norma processual referida na 1.ª conclusão; 3. Foi a violação referida na 2.ª conclusão que motivou a resposta errada da 1.ª instância à matéria de facto que consta dos pontos 14, 19, 23, 24 e 36 dos factos provados e das alíneas m), n), r), s) e t) dos factos tidos como não provados tendo ocorrido erro de julgamento; 4. Se bem analisada a prova produzida nos autos, deverá ser alterada a resposta dada pela 1.ª instância à matéria de facto anteriormente identificada da seguinte forma: a) a resposta aos factos dos pontos 14, 23 e 24 considerados provados deve ser alterada para não provados; b) na resposta ao facto do ponto 19 considerado provado devem ser suprimidos os vocábulos “Por essa razão”, apenas se considerando provado que “Os réus, amigos de longa data e pessoas da inteira confiança da falecida, passaram a ser co-titulares da conta bancária.”; c) o facto do ponto 36 considerado provado está conexionado com o facto dado como não provado na alínea m) da douta sentença, devendo ser alterada a resposta àquele facto do ponto 36 que deve englobar o facto da alínea m), devendo ser considerado provado que “os réus pagaram o IRS do ano de 2014 da responsabilidade da D. DD no valor de €7.655,98 cuja data limite de pagamento ocorreu em 31 de Agosto de 2015.”; d) em virtude do referido na alínea anterior, deve ser suprimida a alínea m) dos factos dados como não provados na douta sentença em crise; e) a resposta não provado ao facto constante da alínea n) deve ser alterada para provado que “Os réus também incrementaram a dita conta com depósitos por eles feitos com o seu dinheiro, embora em pequenos montantes.”; f) a resposta não provado aos factos constantes das alíneas r), s), t) deve ser alterada para provado. 5. Alterando-se – como se espera e confia - a resposta à matéria de facto dada como não provada pela 1.ª instância à matéria de facto das alíneas r), s), t) e considerando este Venerando Tribunal a mesma provada, resulta que a D. DD doou aos seus amigos AA e BB, réus/recorrentes, em 18.09.2015, a quantia de €36.548,61, por meio de transferência bancária de uma conta solidária que mantinha com aqueles seus amigos no Banco 1..., balcão ..., para uma conta bancária de que os réus/recorrentes eram titulares únicos; 6. De acordo com o disposto no art.º 940.º C.Civil a “doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito … em benefício de outro contraente.” 7. Nos termos do art.º 954.º do mesmo diploma, os efeitos essenciais da doação são, nomeadamente, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; 8. De acordo com o disposto no art.º 947.º, 2. C.Civil “A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito.” 9. A doação é, assim, um meio translativo da propriedade da coisa ou do direito doados (art.º 954.º a) C.Civil); 10. No caso, com a doação a D. DD de 18.09.2015 ela pretendeu beneficiar os réus/recorrentes, seus amigos, um ano antes de ter feito o testamento a favor da autora (12.10.2016) e um ano e meio antes da sua morte (08.02.2017); 11. Nada impedia que a referida D. DD dispusesse dos seus bens próprios, tanto mais que a doadora não tinha herdeiros na linha recta (ascendentes ou descendentes), nem na linha colateral, não havendo, por isso, herdeiros legitimários, não se colocando in casu a questão da colação, ou seja, a restituição à massa da herança das liberalidades recebidas por alguns herdeiros em vida do autor da herança (art.º 2104.º C.Civil). 12. Tão pouco o valor doado em vida aos réus/recorrentes tem cabimento no art.º 2069.º d) C.Civil, pois que tal preceito apenas faz incluir no âmbito da herança todos os frutos percebidos desde a data da abertura da herança até à realização da partilha provenientes dos bens da própria herança e que por isso fazem parte da massa hereditária, sendo administrados pelo cabeça-de-casal (art.º 2087.º C.Civil). 13. Por outro lado, não foi objecto da acção a questão de eventual vício de vontade de que a referida doação sofra, não tendo sido invocada a nulidade de tal acto (art.ºs 285.º, 286.º e 292.º C.Civil). 14. O valor doado em 18.09.2015 não faz parte do acervo de bens deixados por óbito de D. DD ocorrido em 08.02.2017, uma vez que a sucessão se abre no momento da morte do seu autor (art.º 2031.º C.Civil), sendo a herança composta pelos bens deixados à data da morte (2162.º, 1. C.Civil), sendo que o herdeiro ou o legatário só à morte do autor adquire um verdadeiro direito sobre os bens deixados em tal data (art.º 2032.º C.Civil). 15. O testamento é um acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe dos seus bens para depois da morte (art.º 2179.º C.Civil), exprimindo integralmente a sua vontade (art.º 2182.º, 1. C.Civil). 16. O testamento outorgado em 12.10.2016 por D. DD, sem ascendentes nem descendentes, constituiu legados a favor da autora e seus filhos e também instituiu a autora como herdeira do remanescente da herança (art.º 2030.º, 3. C.Civil). 17. Na interpretação do testamento o intérprete deve procurar descobrir a vontade real do testador, contanto que tal vontade tenha no contexto do testamento, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa (art.º 2187.º C.Civil). 18. Dos princípios e conceitos anteriormente explanados resulta que a testadora, quatro meses antes da sua morte, exprimiu a sua vontade no sentido de deixar todos os seus bens, ou seja, o recheio da sua casa de habitação, os prédios de que era proprietária e o remanescente que existisse à data da sua morte. 19. Nenhuma alusão foi feita no testamento da D. DD relativamente a qualquer crédito da autora da herança e testadora sobre os réus/recorrentes, nomeadamente o alegado valor de €36.548,61 transferido em 18.09.2015 ou o valor peticionado de €28.048,61 e a testadora podia tê-lo feito, nomeadamente pela constituição do legado do crédito a favor da autora (art.º 2261.º C.Civil) - o que não fez. 20. Por tudo, parece-nos evidente que nem o valor doado de €36.548,61 transferido em 18.09.2015 para os réus/recorrentes, nem o valor peticionado de €28.048,61, fazem parte do remanescente da herança deixada por óbito de D. DD, nem esta pretendeu legar qualquer crédito à autora/recorrida, nomeadamente o peticionado. 21. A autora/apelada não tem o direito de que se arroga na acção, carecendo de legitimidade activa substantiva para a demanda que intentou contra os réus/recorrentes, devendo proceder a excepção peremptória alegada na contestação. 22. Foram violados os comandos legais que fomos invocando. A autora juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida. II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos: 1. No dia .../.../2016, DD, outorgou um testamento, em que instituiu legatária a autora - do recheio de sua casa e do usufruto de dois imóveis -; e os filhos desta, EE e FF – da raiz desses imóveis -, tendo ainda instituído a autora herdeira do remanescente da herança – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 2. DD morreu no dia .../.../2017. 3. Foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros de DD, em 23.02.2017,da qual consta que a mesma faleceu no estado de solteira, que deixou testamento, no qual fez vários legados e instituiu a autora como herdeira do remanescente da herança – cfr. doc. n.º 2, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 4. No dia 11 de Abril de 2017 a autora procedeu à participação do facto à Autoridade Tributária, tendo sido atribuído à herança de DD o número de identificação fiscal ... e aí feito constar a autora como cabeça de casal – cfr. doc. n.º 3, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 5. DD era titular de várias contas bancárias. 6. DD abriu no Banco 1..., no dia 26.12.2011, a conta denominada Poupança Garantida a que foi atribuído o número ...... 7. Para tanto, transferiu da conta de que já era titular nesse banco com o número ..... o valor de €50.000,00 – cfr. doc. nº 4, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 8. Em 31.12.2012 o saldo dessa conta mantinha-se nesse valor – cfr. doc. n.º 5, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 9. E em 19.05.2015 era de €36.321,01 – cfr. doc. n.º 6 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 10. Em 18.09.2015 essa conta era solidária, tendo como titulares DD e os réus. 11. DD confiava nos réus por serem seus amigos de longa data. 12. No dia 18 de Setembro de 2015, o réu BB procedeu à transferência do montante de €36.548,61 (trinta e seis mil quinhentos e quarenta e oito euros e sessenta e um cêntimos) para conta bancária titulada pelos réus e não por DD – cfr. docs. juntos pelo Banco 1... em 4.02.2019, juntos a fls. 96 a 98, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 13. Ficando a conta bancária referida em 6., em 15.06.2016, com o saldo de €52,31. 14. Pelo menos a partir de 2 de Dezembro de 2015 a falecida solicitou aos réus que lhe devolvessem o montante referido em 12 na sua totalidade. 15. A quantia referida em 12. era, exclusivamente, propriedade da falecida DD. 16. Os réus sabiam desse facto. 17. A quantia referida em 7. correspondia a parte da verba que a falecida DD recebeu quando vendeu uma quinta que era propriedade sua, de sua mãe e de seu irmão. 18. DD nasceu em .../.../1933. 19. Por essa razão, os réus, amigos de longa data e pessoas da inteira confiança da falecida, passaram a ser co-titulares da conta bancária. 20. Já em 2005, a falecida DD institui os réus como seus procuradores – cfr. doc. n.º 8 junto com a petição inicial, que aqui se da por integralmente reproduzido. 21. De 2005 a 2015 a falecida DD nunca teve qualquer motivo para quebrar a confiança depositada nos réus, seus amigos. 22. Os réus sabiam que o dinheiro referido em 12. era da referida DD. 23. A falecida DD mandatou a sua advogada para que, também esta, fosse insistindo para que lhe devolvessem todo o dinheiro. 24. A sua mandatária e a autora na qualidade de sua procuradora, enviaram por correio cartas aos réus, datadas de 02.12.2015; 17.05.2016 e 12.08.2016, solicitando a reposição da quantia referida em 12. na conta bancária de onde foi retirada – cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 25. Os réus não precisavam dinheiro ou da ajuda da falecida D. DD ou de terceiros, porquanto sempre se dedicaram, com sucesso, à indústria da restauração em estabelecimento próprio sito na Rua ..., ..., Matosinhos. 26. Sempre tendo provido, por isso, autonomamente, ao seu sustento e à criação e educação das suas duas filhas, ambas com cursos superiores. 27. A ré AA nasceu em .../.../1947 e o réu BB nasceu em .../.../1938 – cfr. docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 28. Por graves questões de saúde da ré AA ao nível da perna esquerda que obrigou a que tivesse sido sujeita a diversas cirurgias a partir do ano de 2013, aquela ficou grandemente reduzida na sua mobilidade – cfr. docs. n.ºs 3 a 7 juntos com a contestação, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 29. A doença surgida em 2013 manteve-se até à actualidade. 30. A doença da ré mulher determinou que lhe tivesse sido conferida uma incapacidade permanente global de 68% - cfr. doc. n.º 8 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 31. Fruto da doença da ré mulher, o réu marido ficou também com a sua liberdade reduzida, porquanto passou a prestar maior assistência àquela, nomeadamente para a transportar aos médicos e aos hospitais. 32. Pelas razões referidas em 28. a 31., os réus, a partir de meados de 2013, ficaram impossibilitados de visitar a referida D. DD e de manter o relacionamento normal e frequente com ela, passando a contactá-la telefonicamente. 33. DD era reconhecida e agradecida para com os réus por todo o apoio, disponibilidade, carinho e acompanhamento que por eles lhes foi prestado durante décadas. 34. Em .../.../2015, DD constituiu a autora sua procuradora, conferindo-lhe, entre outros poderes, “receber quaisquer importâncias em dinheiro e valores ou rendimentos, certos ou eventuais, vencidos ou vincendos, que pertençam à outorgante por qualquer via ou título, passando recibos e dando quitações” – cfr. doc. n.º 1, junto com a resposta, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 35. O testamento referido em 1. revogou o testamento que DD havia outorgado em 10.12.2014, no qual havia constituído legados de dinheiro e bens móveis a favor dos réus, conforme doc. nº 2 junto com a resposta que aqui se dá por integralmente reproduzido. 36. Os réus pagaram impostos devidos por DD, após o referido em 12. Não se julgaram provados os seguintes factos: a) Em 17 de Setembro de 2015, o saldo da conta referida em 6. era de €36.548,61 (trinta e seis mil quinhentos e quarenta e oito euros e sessenta e um cêntimos). b) Por essa altura (ano de 2015) e atentando à idade com que então a falecida contava à qual acresciam muitas dificuldades de mobilidade, esta acrescentou à conta como titulares os réus. c) Os réus fizeram a transferência referida em 12. sem autorização e à revelia da falecida. d) DD tinha alguma dificuldade de locomoção. e) Por essa razão, e pela sua idade tinha receio de figurar como única titular da conta porquanto, sempre que precisasse de tratar assuntos relacionados com a mesma não conseguiria deslocar-se ao Banco. f) A quebra de confiança nos réus só se verificou quando a falecida DD recebeu em casa um extracto bancário e percebeu que os seus amigos, ora réus, tinham transferido da conta quase todo o dinheiro que aí se encontrava depositado. g) Quando a falecida tomou conhecimento ficou inconformada com a atitude dos réus. h) A falecida procurou reaver o seu dinheiro por contacto telefónico e por cartas escritas por intermédio de terceiros. i) Já com imensa dificuldade na escrita pedia às suas empregadas domésticas o favor de lhe escreverem as cartas. j) Exemplo disso é a carta que se encontra junta com a petição inicial, como doc. nº 9, datada de 1 de Agosto de 2016 e escrita pela D. GG, através da qual, com a educação que a caracterizava começou por tratar os réus como “Amigos queridos” e pedia para que restituíssem tudo o que era dela, ou seja que lhe “endireitassem” a conta bancária. k) Nesta carta aproveitou para pedir também muitos papéis que caracterizou como sigilosos, como testamentos, heranças, doações, documentos bancários e outros. l) Os réus assumiam que iam pagar mas nunca o faziam. m) Os réus acabaram por liquidar o IRS da falecida do ano de 2015, no montante de €7.655,98, abatendo assim esta quantia ao valor a devolver. n) Os réus também incrementaram a dita conta com depósitos por eles feitos com o seu dinheiro, embora em pequenos montantes. o) Tal conta era movimentada indistintamente por qualquer dos titulares, quer pelos réus, quer pela falecida D. DD. p) Os movimentos a débito daquela conta eram feitos essencialmente no interesse pessoal da falecida D. DD, para pagamento de necessidades suas, mas também, embora em menor valor, para pagamento e em benefício dos réus. q) Os réus vivem sós há vários anos, assistindo-se mutuamente no dia-a-dia. r) Foi no contexto da doença da ré mulher e do forçado menor convívio entre os réus e a D. DD que esta doou àqueles o valor dos €36.548,61, que transferiu em 18.09.2015, conforme referido em 12., para conta pessoal e singular dos réus. s) Os réus aceitaram a doação materializada na tradição daquele montante da referida D. DD. t) Tratou-se de um acto livre e consciente da referida D. DD, em vida desta, a favor dos réus, seus amigos. III – Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida. * Ora, visto o teor das alegações dos apelantes são questões a apreciar no presente recurso: 1.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto. 2.ª – De Direito. * 1.ª questão – Da impugnação da decisão da matéria de facto.1.1. – Da reapreciação da prova. Começam os réus/apelantes por defender que a 1.ª instância incorreu em manifesto erro na apreciação da prova, documental e testemunhal, prova produzida nos autos e consequentemente errou ao decidir o que consta dos pontos 14, 19, 23, 24 e 36 dos factos provados e das alíneas m), n), r), s) e t) dos factos julgados não provados. Requerem assim a reapreciação da prova, para o que chamam à colação os depoimentos proferidos pelas testemunhas HH, II, JJ e KK e o teor de vários documentos juntos aos autos que identificam. Consequentemente pedem que os factos julgados provados em 1.ª instância e elencados sob os n.ºs 13, 23 e 24 sejam agora julgados não provados. Que do facto 19 julgado provado em 1.ª instância seja eliminada a expressão “Por essa razão”. E que do facto 36 também julgado provado passe a constar “Os réus pagaram o IRS do ano de 2014 da responsabilidade da D. DD no valor de €7.655,98 cuja data limite de pagamento ocorreu em 31 de Agosto de 2015.”. Quanto aos factos julgados não provados em 1.ª instância, pedem os réus/apelantes que os constantes das alíneas r), s) e t) sejam julgados provados. E que o facto constante da alínea m) seja eliminada, e o facto constante da alínea n) deverá ser julgado provado, com a seguinte redacção: “Os réus também incrementaram a dita conta com depósitos por eles feitos com o seu dinheiro, embora em pequenos montantes”. * Como se sabe, no que concerne à impugnação da decisão de facto proferida em 1.ª instância, importa atentar no que dispõe no art.º 662.º do C.P.Civil.Como refere F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pág. 127, resulta de tal preceito que “...o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação…”, ainda que não em toda a sua pureza, porquanto comporta excepções, as quais se mostram referidas pelo mesmo autor na obra citada. Os recursos de reponderação, segundo o ensinamento do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudo Sobre o Novo Processo Civil”, pág. 374, “...satisfazem-se com o controlo da decisão impugnada e em averiguar se, dentro dos condicionalismos da instância recorrida, essa decisão foi adequada, pelo que esses recursos controlam apenas - pode dizer-se - a “justiça relativa” dessa decisão”. Por isso, havendo gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, como no presente caso se verifica, temos que, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, desde que, em função dos elementos constantes dos autos (incluindo, obviamente, a gravação), seja razoável concluir que aquela enferma de erro. Não nos podemos esquecer de que ao reponderar a decisão da matéria de facto, que, apesar da gravação da audiência de julgamento, esta continua a ser enformada pelo regime da oralidade (ainda que de forma mitigada face à gravação) a que se mostram adstritos, entre outros, o princípios da concentração e da imediação, o que impede que o tribunal de recurso apreenda e possa dispor de todo o circunstancialismo que envolveu a produção e captação da prova, designadamente a testemunhal, quase sempre decisivo para a formação da convicção do juiz; pois que, como referem A. Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 657, a propósito do “Princípio da Imediação”, “...Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar. ...”. Decorre também do preâmbulo do DL n.º 39/95 de 15.12, que instituiu no nosso ordenamento processual civil a possibilidade de documentação da prova, que a mesma se destina a correcção de erros grosseiros ou manifestos verificados na decisão da matéria de facto, quanto aos pontos concretos da mesma, dizendo-se aí que “a criação de um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto”. Vendo ainda esse preâmbulo, dele consta também que “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede da matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”. Quanto ao resultado da apreciação da prova testemunhal não pode esquecer-se que, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do C.P.Civil, “O juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, mantendo o princípio da liberdade de julgamento. E, quanto à força probatória os depoimentos das testemunhas são apreciados livremente pelo Tribunal, como resulta do disposto no art.º 396.º do C.Civil. Atendo em atenção o que preceitua o art.º 640.º n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil, ou seja, que é ónus do apelante que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, isto é, não basta ao apelante atacar a convicção que o julgador formou sobre cada uma ou a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, sendo ainda indispensável, e “sob pena de rejeição”, que: a) especifique quais os concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados; b) indique quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem decisão diversa da recorrida sobre cada um dos concretos pontos impugnados da matéria de facto; c) indique com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição, devendo ainda, desenvolver a análise crítica dessas provas, por forma demonstrar que a decisão proferida sobre cada um desses concretos pontos de facto não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável; d) indique a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Está assim hoje legalmente consagrada o dever deste tribunal de recurso alterar a decisão de facto proferida em 1.ª instância, devendo para tal reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo ainda em consideração o teor das alegações das partes, para o que terá de ouvir os depoimentos chamados à colação pelas partes. E assim, (re) ponderando livremente essas provas, deve, por força do disposto no art.º 662.º n.º 1 do C.P.Civil, “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Ou seja, deve o Tribunal de recurso formar a sua própria convicção relativamente a cada um dos factos em causa não desconsiderando, principalmente, a ausência de imediação na produção dessa prova, e a consequente e natural limitação à formação desta convicção, o que em confronto com o decidido em 1.ª instância terá como consequência a alteração ou a manutenção dessa decisão. E isso, por se ter concluído que a decisão de facto em causa, (re) apreciada “segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica”, corresponde, ou não, ao decidido em 1.ª instância. Vendo o teor das alegações e respectivas conclusões recursórias dos réus/apelantes, é de concluir que os mesmos respeitaram o ónus alegatório que sobre eles recaíam, à luz do preceituado no art.º 640.º do C.P.Civil. * Efectivamente a 1.ª instância julgou provado, além do mais, que:14. Pelo menos a partir de 2 de Dezembro de 2015 a falecida solicitou aos réus que lhe devolvessem o montante referido em 12. na sua totalidade. 19. Por essa razão, os réus, amigos de longa data e pessoas da inteira confiança da falecida, passaram a ser co-titulares da conta bancária. 23. A falecida DD mandatou a sua advogada para que, também esta, fosse insistindo para que lhe devolvessem todo o dinheiro. 24. A sua mandatária e a autora, na qualidade de sua procuradora, enviaram por correio cartas aos réus, datadas de 02.12.2015; 17.05.2016 e 12.08.2016, solicitando a reposição da quantia referida em 12 na conta bancária de onde foi retirada – cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 36. Os réus pagaram impostos devidos por DD, após o referido em 12. E julgou, também, além do mais, não provado que: m) Os réus acabaram por liquidar o IRS da falecida do ano de 2015, no montante de €7.655,98, abatendo assim esta quantia ao valor a devolver. n) Os réus também incrementaram a dita conta com depósitos por eles feitos com o seu dinheiro, embora em pequenos montantes. r) Foi no contexto da doença da ré mulher e do forçado menor convívio entre os réus e a D. DD que esta doou àqueles o valor dos €36.548,61, que transferiu em 18.09.2015, conforme referido em 12., para conta pessoal e singular dos réus. s) Os réus aceitaram a doação materializada na tradição daquele montante da referida D. DD. t) Tratou-se de um acto livre e consciente da referida D. DD, em vida desta, a favor dos réus, seus amigos. * Em fundamentação assaz detalhada do assim decidido pode ler-se na decisão recorrida que ”(…) No que concerne à relação de amizade e confiança que DD mantinha com os réus e ao reconhecimento que aquela sentia por todos os cuidados e atenções que estes lhe prestavam, o Tribunal fez fé no depoimento da referida testemunha e ainda nos depoimentos de II, que foi empregada doméstica da referida senhora durante 10 anos e de JJ, cliente habitual do estabelecimento dos réus, tendo as referidas testemunhas deposto de forma que se afigurou simples, directa e espontânea, logrando convencer o tribunal.(…) Relativamente à autoria da ordem de transferência referida em 12 dos factos provados, ela resulta claramente dos documentos juntos pelo Banco 1... em 4 de Fevereiro de 2019. Não ficou o tribunal convencido de que tenha sido DD a fazer a transferência do montante referido em 12 dos factos provados, nem de que essa transferência tenha tido intenção de doação. Desde logo, não obstante a testemunha KK, à data director do balcão ... do Banco 1..., tenha referido que foi ele que atendeu os clientes e que estavam nessa altura presentes os três titulares dessa conta – o que se estranha face às grandes dificuldades de locomoção da ré e porque os próprios réus nada referiram a este respeito na sua contestação, nem referiram sequer ter estado com DD nesse ano, mas apenas que a contactavam por telefone – não revelou esta testemunha conhecimento de ter sido dada ordem de transferência pela referida senhora, nem em que medida a mesma se apercebeu ou autorizou a transferência, sendo certo que ela podia ser realizada, como foi, por apenas um dos contitulares da conta. Ademais, nenhuma prova foi produzida que confirme que essa transferência se tratou de uma doação de DD a seu favor. Pelo contrário, toda a prova produzida, indicia que o não foi. Desde logo, à data os réus eram beneficiários do testamento da referida DD, mormente dos montantes que existissem em instituições bancárias, e só mais de um ano depois veio a mesma a revogar esse testamento e a excluir os réus do mesmo, pelo que não se vislumbra que essa transferência de dinheiro visasse qualquer compensação dos mesmos por amizade e cuidados prestados. Por outro lado, a testemunha HH informou que a referida D. DD não tinha muito dinheiro e que não costumava fazer doações em dinheiro, antes se preocupando com assegurar a sua velhice, o que contraria a tese dos Réus. Contrário a tal versão dos factos é ainda o facto de ainda em 2015 e em 2016 a própria D. DD, através da sua procuradora, aqui autora, e da sua advogada, terem enviado várias cartas aos réus solicitando a devolução do dinheiro, como resulta do doc. nº 10 junto com a petição inicial, que não mereceu nenhuma resposta dos réus. Caso tal transferência de dinheiro consistisse numa doação, fácil seria aos réus esclarecer esse facto junto da própria D. DD, quando ainda era viva e se encontrava lúcida - conforme resultou do depoimento da testemunha HH -, mormente obtendo declaração da mesma que o confirmasse, o que não sucedeu. Nenhuma prova foi produzida que confirmasse a razão de ser de a conta bancária solidária ter sido aberta quando o foi, nem do modo como ela era utilizada pelos réus e por DD, nem a que se destinavam os seus fundos; nem da reacção da D. DD à transferência realizada pelos réus, nem das tentativas de cobrança através de telefonemas e cartas pessoais da D. DD, nem da carta junta como doc. n.º 9 com a petição inicial - que se desconhece por quem foi redigida -, nem da existência de outras cartas com vista à devolução do dinheiro, razão pela qual se deram estes factos como não provados. Tão pouco foi produzida qualquer prova que confirme que os réus alguma vez se tenham reconhecido devedores desse montante e prometido a sua devolução, nem sequer de que tenham pago por conta desse montante o IRS da falecida D. DD, sendo que o doc. n.º 11, junto com a contestação, não confirma esse facto. Por essa razão se deram estes factos como não provados. Quanto ao pagamento de impostos pelos réus, apenas se considerou provado o que foi referido pela testemunha HH a este propósito. Relativamente à situação económica e familiar dos réus, o tribunal levou em conta as declarações de JJ, que se revelou Quanto à situação de saúde da ré AA, acompanhamento do réu à mesma e dificuldades em visitar DD, o tribunal levou em conta os documentos juntos como docs. n.ºs 3 a 7 da contestação e o depoimento das testemunhas II; JJ e HH, que revelaram conhecimento desses factos”. * Ouvida, cuidadosamente, a gravação de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, designadamente os invocados pelos réus/apelantes - das testemunhas HH, II, JJ e KK, além do mais, intuindo da espontaneidade e convicção das respostas, dos silêncios, das frases incompletas e mesmo dos diversos níveis das vozes, que resultam bem audíveis, e depois de tudo devidamente interpretado e criticado à luz da razoabilidade e da experiência da vida, tendo em conta ainda o teor dos documento juntos aos autos, julgo que não assiste razão à apelante, ou seja, temos de concluir que a decisão sobre a matéria de facto supra mencionada não enferma de erro na apreciação da prova e consequentemente deverá manter-se inalterada.Mas vejamos. Quanto às vicissitudes da conta bancária em apreço nos autos, considerando o global da prova produzida nos autos, mormente a documental, já que as testemunhas ouvidas puco relevaram saber em concreta da questão em apreço, pois que a testemunha II, divorciada, reformada, empregada doméstica e que trabalhou em casa e para a falecida durante 10 anos, todos os dias das 9h às 17h que fez um depoimento parco mas sereno, isento e seguro quanto ao que directamente sabia, e disse tão somente que a falecida lhe falou várias vezes dessa conta que tinha com os réus e do dinheiro que nela estava depositado que tinha provindo da venda de uma quinta de Lamego, e ainda que a falecida estava convencida que não podia mexer nesse dinheiro sozinha, ou seja, sem os réus assinarem também e não mexia nesse dinheiro. Por outro lado, a testemunha JJ, casado, engenheiro, amigo dos réus por ser frequentador habitual do restaurante destes desde 1983/1984. Fez também um depoimento parco em factos relevantes, mas isento, com alguma segurança e convincente, o qual declarou que era notório que a falecida era amiga dos réus e vice-versa, que a falecida reconhecia o apoio que os réus lhe davam, o que sucedia antes da ré mulher ter ficado doente, mas que nunca ouviu falar em contas solidárias dos réus com a falecida. A testemunha KK que por estar na África do Sul, fez depoimento por escrito, disse que à data dos factos era o Director do Balcão do ... do Banco 1... e comprovou a realização da operação de transferência de determinado montante da conta da falecida para uma conta do réu/apelante, no mais escudou-se no tempo decorrido desde então para assumir que tudo correu “conforme o habitual”, de discutível relatou que foram os três titulares da conta que se deslocaram ao banco, o que é contrariado pelo depoimento da testemunha HH que foi procurador da falecida para tratar de todos os assuntos da mesma, mormente, as questões com dinheiros e com os banco, porque a mesma não era pessoa de ir aos bancos. Finalmente relativamente a esta testemunha, divorciado, agente da PSP, reformado, não obstante ser a que, teoricamente, poderia relatar ao tribunal a realidade de toda esta situação, pois foi inquilino da falecida e desde 1985 teve uma procuração da falecida com todos os poderes para tratar de tudo (dos imóveis da mesma) e tinha acesso a tudo que havia naquela casa – bens, dinheiros, contas bancárias, etc, sendo que todos os dias jantava com a falecida em casa dela, tendo até tratado das partilhas do irmão da falecida que morreu em 1985, com cancro, todavia acabou por fazer um depoimento manifestamente não isento, eivado por ressentimentos pessoais, designadamente para com a autora “a cabeleireira” tendo começado o seu depoimento a dizer que ela “não é grande bisca” e “a D. CC foi uma pessoa muito má”, cuja razão se veio a revelar ao longo do seu depoimento, ou seja, a falecida havia feito um testamento em que legava dois dos seus imóveis à testemunha e outros legava à ré mulher, e com a elaboração do testamento em apreço nos autos, o mesmo foi pura e simplesmente revogado, ou seja, nada foi deixado pela testemunha ao falecido que assim se sente “roubado” pela autora que no dizer da testemunha, “a cabeleireira em 2016 apanhou uma procuração com todos os poderes à falecida, a qual foi entretanto hospitalizada e quando saiu não tinha dinheiro para pagar os impostos … porque a autora lhe rapou as contas … e então foi o réu quem foi pagar alguns impostos da falecida… e quando a falecida estava quase a virar ela arrastou um notário para revogar os testamentos anteriores e ela apanhou tudo e procurou logo vender tudo de qualquer maneira….” Todavia, esta testemunha depois de assim depor foi confrontada com dados objectivos, mormente datas de determinados factos, vg. a procuração que a falecida outorgou à autora é de .../.../2015 e o levantamento (transferência) do dinheiro foi realizado em 18.09.2015, ou seja, em data anterior àquela, declarou que “ao que sabe a falecida nunca deu nada a ninguém em vida, ela não tinha…passou a ter dinheiro porque vendeu um prédio por 3.000 contos e arrecadou esse dinheiro e tinha dinheiro noutras contas… na Banco 2... – afinal não tinha assim muito….mas tinha de guardar dinheiro para ela para algum azar que tivesse na vida… Sabia da conta solidária … nunca mexi nessa conta…ela nunca me disse que deu dinheiro a ninguém, passou a ter dinheiro depois de vender o prédio… Não faço ideia se a falecida deu dinheiro aos amigos….”. Finalmente reconheceu ainda esta testemunha que a autora tratou da falecida – era ela quem tratava dela…. Ora, pelo global destes depoimentos interpretados à luz do teor dos vários documentos juntos aos autos, do que resulta das circunstâncias de vida da falecida e das suas ligações pessoais com os réus, as testemunhas e a própria autora e ainda da nossa experiência de vida e razoabilidade das coisa, é nossa segura convicção da realidade dos factos que constam dos pontos 14, 23, 24 e 36 do elenco factual julgado provado nos autos. Por outro lado, é óbvio que nenhuma prova foi feita de que o pagamento de alguns impostos devidos pela falecida e pagos pelo réu marido após a realização da transferência em apreço nos autos, fizesse respeito ao IRS de 2015, ou a qualquer outro imposto de quantia determinada. Também não foi feita a mínima prova da intenção e da concretização e qualquer doação verbal de qualquer bem, mormente de determinada quantia em dinheiro por parte da falecida aos réus. Assim como nenhuma prova foi feita de que os valores depositados na referida conta solidária de falecida e réus eram provenientes, em parte, de depósitos aí efectuados pelos réus. Finalmente, é para nós manifesto que a expressão “por essa razão” que inicia o facto n.º 14 do elenco factual provado, resulta de mero “copy and paste” do alegado na p. inicial, e não se tendo provado a razão que levou a falecida a “aditar” os réus na titularidade da conta bancária em causa – vide respostas de não provado aos factos das alíneas d) e e) do respectivo elenco – a mesma é pura e simplesmente impertinente/despropositada, logo ela tem de ser expurgada de tal facto. * Pelo que se deixa consignado, considerando ainda o teor do despacho de fundamentação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, o teor dos depoimentos prestados em audiência final e o teor dos documentos juntos aos autos, e como é sabido, devendo o Juiz apreciar livremente todas as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, cfr. art.º 607.º n.º5 do C.P.Civil, julgamos que a decisão proferida em 1.ª instância sobre os factos em apreço neste recurso – provados e não provados - deve manter-se inalterada, já que não se vislumbra que a mesma enferme de erro e, muito menos, erro grosseiro ou manifesto, não merecendo esta, por isso, qualquer censura. Improcedem as respectivas conclusões dos réus/apelantes. * 2.ª questão – De Direito.Como se deixou acima consignado a 1.ª instância julgou a acção julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência condenou os réus a restituírem à herança de DD, de que a autora é herdeira, a quantia de €28 048,61 e a pagarem à referida herança juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, sobre tal quantia desde 06.12.2015, até efectivo e integral pagamento. Para tanto, considerou-se na decisão recorrida, além do mais, que: “(…) A autora invoca a qualidade de herdeira do remanescente da herança aberta por óbito de DD e de cabeça de casal dessa herança para peticionar dos réus a restituição à herança da quantia de €28.048,61, que faz parte da mesma. Face ao pedido e à causa de pedir invocada é de concluir que se trata de uma verdadeira acção de petição de herança. O art.º 2075º do C.Civil, que dispõe sobre a acção de petição de herança refere (…) (…) Prevê ainda o art.º 2078º, nº 1, que sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro. (…) Embora a acção de petição da herança siga a mesma forma de processo da acção de reivindicação, parta de um tipo semelhante de interesses e vise igualmente uma pretensão real à restituição, não se confunde com esta. A petição da herança versa sobre uma universalidade de bens e tem como causa de pedir a sucessão mortis causa – cfr. Rabidranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª ed. 41. Da restituição dos bens operada em consequência da petição da herança decorre a integração dos bens restituídos na massa hereditária. No caso em apreço a autora logrou provar que DD, fez testamento em que a instituiu legatária do recheio de sua casa e do usufruto de dois imóveis e ainda a instituiu herdeira do remanescente da herança. Igualmente se provou que a autora do testamento faleceu em .../.../2017, tendo disposto dos seus bens conforme o referido testamento. Da matéria de facto provada resulta ainda que DD abriu no Banco 1..., no dia 26.12.2011, a conta denominada Poupança Garantida a que foi atribuído o número ..... e que essa conta era solidária, tendo como contitulares, para além daquela, ainda os réus. Mais se apurou que 18.09.2015, o réu BB procedeu à transferência do montante de €36.548,61 que se encontrava depositado nessa conta bancária e que pertencia exclusivamente a DD e transferiu-o para conta bancária titulada pelos réus e não por aquela DD. Ainda em vida DD solicitou aos réus a devolução desse montante. A Autora peticiona apenas a devolução da quantia de €28.048,61, admitindo que os réus já haviam restituído o montante correspondente à diferença entre esse valor e o que retiraram da conta da falecida DD, através do pagamento de impostos devidos por esta. Logrou, assim, a autora provar, não apenas a sua qualidade de herdeira de DD, mormente do dinheiro que pertence à sua herança, como ainda que os réus detêm na sua posse a quantia de €28.048,61 que pertencia à referida DD e que foi transferido pelo réu para conta de ambos os réus. Provou, assim, os factos constitutivos do direito que invoca. Já os réus invocaram como título justificativo para a não devolução desse montante o facto de a referida DD lhes ter doado essa quantia. Porém, não lograram provar esse facto impeditivo do direito invocado pela autora, sendo que o ónus da prova desse facto lhes cabia, por força da regra da distribuição do ónus da prova consagrada no art.º 342º, nº 2, do C.Civil. Dos factos provados, resulta, assim, que a quantia peticionada pertence à herança de DD e, consequentemente assiste à sua herdeira, a aqui autora, legitimidade substantiva para peticionar a sua devolução à herança, como faz, pelo que improcede a excepção de ilegitimidade da autora, invocada pelos réus. Cabe, assim aos réus a obrigação de restituir à referida herança a quantia peticionada”. * 2.1. – Da alegada falta de legitimidade da autora/apelada. Insistem os réus/apelantes que a “autora/apelada não tem o direito de que se arroga na acção, carecendo de legitimidade activa substantiva para a demanda que intentou contra os réus/recorrentes, devendo proceder a excepção peremptória alegada na contestação”. Mas não lhes assiste razão, senão vejamos. Em síntese pode dizer-se que a legitimidade é um pressuposto processual de que depende a apreciação do mérito da causa, e a ele se refere o art.º 30.º do C.P.Civil, segundo o qual: “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar”; “o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, exprimindo-se o interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. Esse interesse, nos termos do n.º 3 daquele artigo, é atribuído aos sujeitos da relação controvertida, tal como é desenhada pelo autor na petição inicial, o que significa que ao apuramento da legitimidade processual interessa apenas a alegação da titularidade da relação controvertida pelo autor, não se exigindo a verificação da sua efectiva titularidade, razão pela qual ela será, as mais das vezes, determinável através da mera análise do pedido e causa de pedir, independentemente da verificação dos factos que integram a última. A este propósito veja-se A. Varela, J. M. Bezerra, Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, pág. 129 onde referem que ser parte legítima na acção “…é ter o poder de dirimir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida.” Como bem se concluiu no Ac. do STJ de 29.01.2003, in www.dgsi.pt “Para o apuramento da legitimidade há apenas que atender à materialidade fáctica descrita pelo autor na petição inicial e dela cotejar a utilidade e o prejuízo que da procedência ou improcedência da acção pode advir para as partes, abstraindo-se da relevância jurídica substantiva da matéria da mesma acção”. Em suma a legitimidade processual não exige a verificação da efectiva titularidade da situação jurídica invocada pelo autor, bastando-se com a alegação dessa titularidade. E assim sendo, a legitimidade, enquanto pressuposto processual, facilmente se distingue da legitimidade material ou substantiva, já que esta é um requisito de procedência do pedido, uma vez que tem que ver com a efectividade da tal relação material, dizendo directamente respeito ao mérito da causa e, constitui, por isso, no entender de alguma parte da doutrina e da jurisprudência, uma excepção peremptória inominada que leva à absolvição do réu do pedido e que se prende, no fundo, com uma condição de procedência da acção e que levaria à sua improcedência, cfr. Castro Mendes in “Direito Processual Civil” Vol. II, págs. 176, 177 que reconduz a legitimidade substantiva às “condições subjectivas da titularidade do direito”. “In casu” a autora/apelada tem manifesta legitimidade processual para demandar os réus/apelantes como o fez, ou seja, pedindo que os mesmos fossem condenados a restituir à herança de que é beneficiária a quantia de €28.048.61 e a pagarem os juros de mora vencidos desde a data em que procederam à transferência e até à data da propositura da acção. Na verdade, e para tanto, a autora/apelada intitulou-se herdeira e cabeça de casal da herança de DD, entretanto falecida, e que no dia .../.../2016, outorgou um testamento em que instituiu legatários a autora e os filhos desta, EE e FF, e nele também a nomeou herdeira do remanescente dos seus bens. Mais alegou que, ainda em vida da testadora, os réus se apropriaram sem o conhecimento ou consentimento e contra a vontade daquela de determinada quantia que se encontrava depositada em determinada conta bancária que fizeram sua e que até hoje não restituíram. Ora, que perante tal, ou seja, vista a forma como a acção foi configurada e atento o preceituado nos art.ºs 2075.º e 2078.º, ambos do C.Civil, é manifesta a legitimidade processual activa da autora/apelada para demandar os réus/apelantes, como o fez. E considerando a decisão de 1.ª instância, também é evidente que se reconheceu a legitimidade substantiva ou material da autora/apelada, ou seja, reconheceu-se plenamente o direito a que se arrogava por via da presente acção. E no mais concordamos com a apreciação feita em 1.ª instância de que estamos perante uma acção de petição de herança (aliás as partes não impugnam essa qualificação). E para além do que a este respeito consta da decisão recorrida, dir-se-á ainda que efectivamente preceitua o art.º 2075.º do C.Civil, que o “herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento do direito da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou, por outro título, ou mesmo sem título”. Essencial na petição de herança é o duplo fim que ela visa: por um lado, o reconhecimento judicial do título ou estatuto de herdeiro que o autor se arroga; por outro, a integração dos bens que o demandado possui no activo da herança ou da fracção hereditária pertencente ao herdeiro. Na verdade, a petição da herança “é a acção por meio da qual aquele que pretende ser chamado a uma herança reclama o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro. Esta acção, não tende tanto à entrega das coisas como ao reconhecimento da qualidade de herdeiro, com o propósito de recuperar, no todo ou em parte, o que constituir o património hereditário”, cfr. Rodrigues Bastos, in “Direito das Sucessões” pág. 158). Quanto à legitimidade activa, dir-se-á que pode ser intentada por qualquer herdeiro, ainda que desacompanhado dos demais, mas sempre sem prejuízo dos poderes de administração do cabeça-de-casal, cfr. art.º 2078.º do C.Civil. E no tocante à legitimidade passiva, ela cabe a quem, sendo herdeiro do de cujus ou terceiro, possua algum bem da herança, com ou sem título, cfr. art.º 2075.º, n.º 1 do C.Civil. Os pedidos típicos desta acção são o reconhecimento da qualidade de herdeiro, e a restituição de bens da herança. Por seu turno, a causa de pedir é complexa, sendo integrada pelos seguintes elementos: - que o autor seja herdeiro do de cujus; - que o bem peticionado faça parte da herança do de cujus – e que o réu possua o bem peticionado. Por outro lado, e como refere Jorge Duarte Pinheiro, in “Direito das Sucessões Contemporâneo”, pág. 336, “A petição de herança deve ser intentada até à partilha. Partilhada a herança, o meio adequado para o herdeiro pedir a restituição dos bens que ficaram a preencher a sua quota é a acção de reivindicação”. Finalmente dir-se-á ainda que é manifesto que a autora/apelada por via da presente acção invocou a sua qualidade de herdeira relativamente a determinada herança e pediu, com base nessa qualidade, a restituição de determinados bens da herança, ao abrigo do disposto no citado art.º 2075.º do C.Civil, todavia não formulou expressamente o pedido de reconhecimento judicial daquela qualidade de herdeira, contudo, a mera circunstância de não o ter feito expressamente não obsta ao deferimento da pretensão solicitada, devendo considerar-se que o pedido formulado (de restituição daqueles bens da herança) contém implícito o de reconhecimento judicial daquela qualidade. Pelo que sem necessidade de outros considerandos, confirma-se a decisão proferida em 1.ª instância da legitimidade quer processual, quer substantiva ou material da autora/apelada. Improcedem as respectivas conclusões dos réus/apelantes. 2.2. – Da alegada doação. Não obstante o global da prova produzida em julgamento, insistem ainda os réus/apelantes que “No caso, com a doação a D. DD de 18.09.2015 ela pretendeu beneficiar os réus/recorrentes, seus amigos, um ano antes de ter feito o testamento a favor da autora (12.10.2016) e um ano e meio antes da sua morte (08.02.2017); Nada impedia que a referida D. DD dispusesse dos seus bens próprios, tanto mais que a doadora não tinha herdeiros na linha recta (ascendentes ou descendentes), nem na linha colateral, não havendo, por isso, herdeiros legitimários, não se colocando in casu a questão da colação, ou seja, a restituição à massa da herança das liberalidades recebidas por alguns herdeiros em vida do autor da herança (art.º 2104.º C.Civil). Tão pouco o valor doado em vida aos réus/recorrentes tem cabimento no art.º 2069.º d) C.Civil, pois que tal preceito apenas faz incluir no âmbito da herança todos os frutos percebidos desde a data da abertura da herança até à realização da partilha provenientes dos bens da própria herança e que por isso fazem parte da massa hereditária, sendo administrados pelo cabeça-de-casal (art.º 2087.º C.Civil)”. O artigo 940.º n.º1 do C.Civil define a doação como “o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”. São requisitos, essencialmente, constitutivos da doação a disposição gratuita de certos bens, em benefício do donatário, ou seja, a atribuição patrimonial sem contrapartida económica, isto é, gratuitamente, independentemente de um correspondente de natureza patrimonial, à custa da diminuição da substância efectiva do património do doador, e o espírito de liberalidade, por parte do disponente, ou seja, o «animus donandi», a ideia da generosidade ou da espontaneidade, oposta à da necessidade ou do dever. Efectivamente, para haver doação, impõe-se que a atribuição patrimonial seja gratuita, e que não exista, portanto, um correspectivo de natureza patrimonial, embora possa existir uma contrapartida de natureza moral, sem que o acto perca a característica da gratuitidade. Porém, a doação é, desde logo, um contrato e, como tal, é necessário o concurso da vontade do proponente doador e do aceitante donatário. * Vejamos o caso dos autos. Ora, atento o complexo factual não provado, em contraposição ao complexo factual provado, é manifesto que os réus/apelantes não lograram fazer a mínima prova dos factos constituintes dessa realidade por si alegada, ónus de alegação e de prova que sobre si impendia, à luz do preceituado no art.º 342.º n.º2 do C.Civil. Aliás é patente a necessidade dos réus/apelantes em tentar justificar o injustificável, veja-se por exemplo que além de terem alegado que a referida quantia de €36.548,00 de que se apoderaram sem o consentimento e contra a vontade da falecida e da qual, até hoje, não restituíram à herança da mesma, a quantia de €28.048,61 lhe foi doada verbalmente pela dita falecida, mais alegaram ainda que a referida conta bancária solidária, que tinha como titulares DD e eles próprios, mas cujo montante aí depositado era pertença única e exclusiva da referida DD, como resultou provado nos autos, afinal também continha valores resultantes de depósitos que eles aí fizeram com o seu dinheiro, embora em pequenos montantes, sem sequer alegar quando, quanto e em que circunstâncias tal ocorreu. Destarte e sem necessidade de outros considerandos, manifesto é de concluir que inexistiu a invocada doação, à míngua de prova dos respectivos factos constitutivos. Improcedem as respectivas conclusões dos apelantes. * 2.3. – Do mérito da causa.Atento o complexo factual provado nos autos, concretamente tendo a autora/apelado logrado alegar e provar que DD fez testamento em que a instituiu legatária do recheio de sua casa, do usufruto de dois imóveis e ainda a instituiu herdeira do remanescente da herança. Mais alegou e provou que a referida DD faleceu em .../.../2017, tendo disposto dos seus bens conforme consta do referido testamento. Mais alegou ainda e logrou provar a autora/apelada que, em 23.02.2017, foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros de DD da qual consta que a mesma faleceu no estado de solteira, que deixou testamento, no qual fez vários legados e instituiu a autora como herdeira do remanescente da herança, mais ainda que, no dia 11.04. 2017, a autora procedeu à participação do facto à Autoridade Tributária, tendo sido atribuído à herança de DD o número de identificação fiscal ... e aí feito constar a autora como cabeça de casal. Como se viu, DD faleceu a .../.../2017, ora, a sua sucessão abriu-se no momento da morte da autora da herança e no lugar do seu último domicílio, cfr. art.º 2031.º do C.Civil. “In casu”, tendo a referida DD falecido no estado de solteira, sem ascendentes ou descendentes vivos, mas deixou testamento, no qual fez vários legados e instituiu a autora como herdeira do remanescente da sua herança. Assim sendo, o título de vocação sucessória da ora autora/apelada é o testamento, cfr. art.º 2026.º do C.Civil, sendo qualificada, além do mais, como herdeira, cfr. n.º3 do art.º 2030.º do C.Civil, sucedendo no remanescente da herança, não havendo especificação dos bens que a integram, sendo aquilo que eventualmente resta ou sobeja os legados instituídos nesse testamento. Também não restam dúvidas que a autora/apelada, atentas as diligências efectuadas após a morte e por via da morte da dita DD, que aceitou a referida herança. Quanto ao conteúdo do testamento em apreço, sem olvidar que na interpretação dos testamentos a vontade real do testador deve aferir-se, atento o disposto no art.º 2187.º do C.Civil, em função do contexto do testamento e da prova complementar que não relevará se o sentido que assim se alcançar não tiver “um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso nesse contexto”. * Dizem os réus/apelantes que DD, 4 meses antes da sua morte, exprimiu a sua vontade no sentido de deixar todos os bens de que era proprietária à autora/apelada e aos filhos desta, instituindo legados a favor dos mesmos incidentes dobre os imóveis de que era proprietária, e instituiu ainda a autora/apelada herdeira do remanescente dessa herança. Todavia, nenhuma alusão foi feita nesse testamento relativamente a qualquer crédito da autora da herança e testadora sobre os réus/apelantes, nomeadamente o alegado valor de €36.548,61, transferido em 18.09.2015, ou o valor peticionado de €28.048,61, e podia tê-lo feito, nomeadamente pela constituição do legado do crédito a favor da autora, cfr. art.º 2261.º C.Civil, o que não fez. Concluem, sem o mínimo de razão e mesmo de razoabilidade, que nem o invocado valor doado de €36.548,61, transferido em 18.09.2015 para os réus/apelantes, nem o valor peticionado de €28.048,61, fazem parte do remanescente da herança deixada por óbito de DD, nem esta pretendeu legar qualquer crédito à autora/recorrida, nomeadamente o peticionado.É certo que DD não legou qualquer crédito, mormente o que está em apreço nos autos a quem quer que fosse. Todavia, dúvidas não subsistem que DD instituiu a autora/apelada herdeira do remanescente da sua herança, e dela fazem parte todos os bens que se prove pertencerem à falecida à data da morte desta, mesmo que a título de direito de crédito, para além dos instituídos legados. E visto o complexo fáctico provado nos autos, dúvidas não subsistem de que à data da morte de DD esta, por via das demais circunstâncias provadas nos autos, era titular de um direito de crédito no valor de €28.048,61 sobre os réus/apelantes e fazendo esse crédito parte do remanescente da herança, compete à autora/apelante cobrá-lo para a dita herança. Assim e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as derradeiras conclusões dos réus/apelantes. Sumário: ……………………… ……………………… ……………………… IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente confirma-se a decisão recorrida. Custas pelos réus/apelantes. Porto, 2022.10.11 Anabela Dias da Silva Ana Lucinda Cabral Rodrigues Pires |