Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
770/07.5TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00043942
Relator: SOARES DE OLIVEIRA
Descritores: FIXAÇÃO DE PRAZO
PERSONALIDADE JURÍDICA
Nº do Documento: RP20100531770/07.5TVPRT.P1
Data do Acordão: 05/31/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO - LIVRO 419 FLS. 98.
Área Temática: .
Sumário: I- A decisão tomada no processo para fixação de prazo é desprovida da autoridade de caso julgado que se imponha na acção em que se discuta a existência, validade e eficácia do direito correspondente.
II- Ao Consórcio não é atribuída personalidade jurídica distinta dos respectivos contratantes, nem personalidade e capacidade judiciárias.
III- A vinculação dos membros do Consórcio perante terceiros exige a intervenção de cada um deles, nomeadamente através de mandato a favor de quem actue em seu nome.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 770/07.TVPRT.P1
Apelação n.º 1472/09
TRP – 5ª Secção
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto (5ª Secção)

I – RELATÓRIO
1.
B………….., solteira, economista, residente na Rua ……….., n.º …., …. …., Porto, veio intentar esta Acção Ordinária n.º 770/07.5TVPRT.P1 contra
C……………., S.A., com sede na Rua ……….., …, ….., Lisboa; e
D…………., S.A., com sede na Praça ….., …., Porto,
pedindo
que seja declarado resolvido o contrato-promessa celebrado entre os RR. e E………….., cuja posição contratual foi assumida pela A.;
e condenados os RR. a restituir à A. a quantia recebida a título de sinal, em dobro, no valor de € 45.608,00 (Esc. 9.143.600$00) e juros, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Para esse desiderato alegou a A., em resumo, o seguinte:

por sentença proferida em 26-11-2004, na Acção Especial n.º ……./03.3TVPRT, em que foram partes a ora A. e os ora RR., nessa mesma qualidade, resultou como provado que no dia 23-12-1998, a Ré C…………, em representação de um consórcio constituído entre si e o F…………., SA, prometeu vender a E……………. e este prometeu comprar, pelo preço de Esc. 22.698.000$00, uma fracção tipo T2, com a numeração provisória H.5.4, com lugar de garagem e arrumos;
na data da celebração do contrato foi paga a quantia correspondente a 10% do preço;
aquele promitente-comprador cedeu a sua posição contratual à ora A.;
o Banco F………….., SA, foi incorporado no D……………, SA;
naquela sentença, que foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, foram fixados o prazo de 30 dias para que os RR. indiquem quem vai encabeçar a construção do empreendimento e em que termos; e o prazo de 24 meses para finalização da obra;
as Rés nada disseram quanto ao determinado naquela sentença;
as Rés não cumpriram o acordado no contrato-promessa e já não podem cumprir, pois que o empreendimento já não lhes pertence, mas a G………….., SA.

2.
O D…………., SA, contestou, tendo concluído pela sua absolvição do pedido.

Para tal, alegou este banco, essencialmente:

que não foi parte no contrato-promessa;
nunca foi proprietário do imóvel em apreço;
o consórcio que o Banco F………… celebrara com a Ré C………… foi extinto, por acordo celebrado em 19-12-2003;
o próprio consórcio não prometeu vender a fracção à A., sendo a Ré C………… a proprietária à data da celebração do contrato-promessa;
desconhece se o contrato-promessa foi cumprido ou se houve interpelação à C…………...

3.
A Ré C………….. contestou, tendo concluído pela sua absolvição do pedido, para o que alegou, sumariamente:

não há incumprimento definitivo, mas simples mora, por falta de interpelação da A.;
não houve concessão de prazo razoável para realização da prestação;
não ocorre impossibilidade de cumprimento do contrato.

4.
A A. replicou ao R. D…………., tendo concluído como na P. I., e pediu a condenação do D…………., SA, como litigante de má-fé, em multa e em indemnização a favor da A., esta nunca inferior a € 2.500,00.

Alegou que a C………… interveio no contrato-promessa como chefe e em representação do consórcio;
os membros do consórcio criaram a confiança na boa concretização do empreendimento;
o D…………., SA, deduziu oposição cuja falta de fundamento não era possível ignorar e omitiu factos relevantes para a decisão da causa.

5.
Também a A. replicou à Ré C…………, tendo concluído como na P. I., e pediu a condenação desta Ré, como litigante de má-fé, em multa e em indemnização a favor da A., esta nunca inferior a € 2.500,00.

Alegou, para tal, em síntese:

a notificação da sentença e do acórdão dispensam outra interpelação;
ocorreu incumprimento definitivo, por falta de cumprimento do prazo fixado;
nunca a Ré comunicou à A. a transmissão da titularidade do prédio;
dela teve conhecimento por terceiros;
no seguimento da decisão judicial a A. não recebeu qualquer comunicação por parte desta Ré;
a Ré C………… aceitou o montante ora alegado como tendo sido entregue;
a C………… contestou com violação da boa-fé.

6.
Vieram as Rés (são ambas sociedades) insurgir-se quanto aos pedidos de condenação como litigantes de má-fé.

7.
Dispensada a Audiência Preliminar, foi saneado o processo e seleccionados os Factos já Assentes e os que passaram a integrar a Base Instrutória.

8.
Ocorreu a Audiência Final, tendo culminado com a Decisão de Facto de fls. 344 e 345.

9.
Da parte dispositiva da Sentença, entretanto proferida, consta:

“… decido:
Julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
Declaro (o) resolvido o contrato promessa identificado nos autos, por incumprimento definitivo imputável à Ré C…………, S.A., e condeno-a a pagar à A. a quantia de € 22.643,42, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Julgar improcedente a presente acção quanto ao Réu Banco D…………., S.A. Sociedade Aberta e, em consequência, absolvo este Réu do pedido.
Julgar improcedentes os pedidos de condenação dos Réus por litigância de má fé.
…”

10.
A A. veio recorrer, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem nos precisos termos em que constam das Alegações:

«1ª. Por sentença proferida em 26-11-2004, pelo 3º Juízo, 3ª Secção, da Comarca do Porto, na acção especial de fixação de prazo n.º …../03TVPRT, em que foram partes, a ora autora e os ora réus, nessa mesma qualidade, resultou provado que no dia 23 de Dezembro de 1998, a ré C…………, em representação do consórcio constituído entre si e o banco F…………, S.A., prometeu vender a E…………. e este prometeu comprar, pelo preço de 22.698.000$00, uma fracção de tipo T2, com a numeração provisória H.5.4, com lugar de garagem e arrumos, melhor descrita na dita sentença, que consta de fls 8 e segs dos autos.

2ª Ficou, ainda, provado naquela acção que, na data da celebração do contrato, foi paga a quantia correspondente a 10% do preço a título de sinal e princípio de pagamento,

3ª e que no dia 13 de Agosto de 1999, o promitente-comprador supra referenciado cedeu a sua posição contratual que detinha no respectivo contrato-promessa de compra e venda da fracção designada à requerente conforme contrato de fls. 16 e ss. junto aos autos, cujo teor se dá integralmente reproduzido.

4ª Ficou também provado que tal cedência foi comunicada às RR conforme doc. nº 3, junto com a p.i.

5ª Com base nos factos provados (conclusões 1ª e 4ª), o pedido formulado pela A/Apelante naquela acção foi julgado totalmente procedente tendo a douta a sentença condenado ambos os Réus, C…………. e Banco D…………., para virem em 30 dias (para) indicar quem iria encabeçar a construção do empreendimento e em que termos, e o prazo de 24 meses para finalizarem a obra.

6ª Tal sentença foi integralmente confirmada pelo Acórdão do tribunal da relação do Porto de 7 de Julho de 2005, junto a fls. 18 e segs.

7ª Tendo como base e fundamento esta sentença, integralmente confirmada por douto acórdão (conclusões 1ª e 6ª), a A/Apelante intentou a presente acção de resolução do contrato promessa de compra e venda contra os dois Réus, C………… e Banco D…………., alegando o respectivo incumprimento definitivo e culposo das prestações a que ambos foram condenados pela douta sentença: esta acção é a consequência de factos já provados e do incumprimento da própria sentença/acórdão.

8ª Os fundamentos (quer de facto, quer de direito) e sequência processual seguidos pela A/Apelante nas duas acções intentadas contra os Réus C……….. e Banco D…………., resultam dos ditames processuais civis: primeiro tem de ser fixado aos Réus e só depois de fixado um prazo certo e razoável, com a respectiva interpelação do promitente vendedor para concluir a construção do bem, assim como o decurso do mesmo com a manutenção da prestação em falta, que originaria a mora no cumprimento da prestação, poderá então conferir ao promitente-comprador, A/Apelante, o direito de resolver o contrato por perda do interesse ou recusa de cumprimento.

9ª Todas as questões analizadas e decididas na primeira acção, de fixação judicial de prazo, como as referentes ao contrato, a forma em que foi celebrado, ou o da comunicação da cessão da posição contratual encontram-se decididas em decisão judicial já transitada em julgado, não cabendo nesta sede voltar à sua discussão: são factos já integralmente compreendidos na causa de pedir da primeira acção.

10ª Todas as questões atinentes aos meandros do contrato do consórcio, nomeadamente no que concerne à propriedade do imóvel, ou a quem estava incumbido a qualidade de Chefe de Consórcio não foram chamados à colação pela A/Apelante nesta acção que simplesmente se serve desta acção como meio jurídico próprio de reclamar o seu direito em ver resolvido o contrato de compra e venda, face ao incumprimento culposo e definitivo dos Réus nas prestações a que judicialmente foram condenados.

11ª A reclamação apresentada pela A/Apelante do douto despacho saneador deveria ter sido totalmente procedente, e consequentemente:
a) deveria na matéria dada como assente na alínea B), ter ficado a constar como já se encontrava na acção de fixação judicial de prazo, ou seja que “na data da celebração do contrato-promessa foi paga a quantia correspondente do preço a título de sinal e princípio de pagamento;
b) quanto à alínea D) da matéria assente, deveria também ter sido transcrita conforme os termos já constantes da alínea 7 da acção de fixação judicial de prazo: “Tal cedência foi comunicada às Rés, conforme doc. nº 3 junto à p.i.,
5. por outro lado os factos constantes dos quesitos 1º, 2º e 3º da Base Instrutória desta acção, deveriam transitar imediatamente para a matéria assente, por serem factos já dados como provados na outra sentença, confirmada pelo douto acórdão, constituindo, assim, caso julgado.

12ª No contrato promessa de compra e venda consta expressamente que no dia 23 de Dezembro de 1998, “a C…………., em representação do consórcio constituído entre si e o banco F………….., S.A., prometeu vender a(….)”, fls. 8 e segs. dos autos.

13ª Em parte alguma do contrato promessa de compra e venda se vislumbra que a Ré C…………. agia na qualidade de Chefe do Consórcio.

14ª Constando do contrato promessa de compra e venda que a “Ré C…………, em representação do consórcio constituído entre si e o banco F……….., S.A., prometeu vender a(…)”, foi interpretado pela A/Apelante, declaratário normal, que age empossado dos poderes para exercer, naquela qualidade, as respectivas funções de promitente vendedor, ou seja, que “o contrato celebrado obrigava todas as pessoas que integram esse mesmo consórcio, uma vez que, em conjunto ambas se obrigavam a executar, de uma forma concertada, um determinado empreendimento”, - interpretação, aliás, já fixada na douta sentença, pág. 4, que novamente se transcreve.

15ª O Réu Banco D…………. (anterior Banco F………..), ao outorgar poderes de representação à Ré C………….. fica, com os actos praticados pelo procurador no exercício desses poderes, também vinculado aos efeitos jurídicos que tais actos produzem, e directamente na sua esfera jurídica, uma vez que da procuração não resulta nenhuma obrigação do representado instruir o representante quanto à maneira de executar os poderes que lhe conferiu.

16ª Encontrando-se provados factos nesta mesma acção que consubstanciam o fundamento ao direito invocado pela A/Apelante de ver resolvido o contrato promessa de compra e venda, por os ora Réus não terem cumprido com os termos da sentença a que foram condenados, e provado que ficou também que até à audiência de discussão e julgamento a A/Apelante não recebeu qualquer comunicação/informação conforme referido na alínea F), e que o empreendimento em que se integra a fracção autónoma prometida vender está concluído e que já é inclusive propriedade de uma outra empresa denominada G…………. (quesitos 4º ao 6º), deveria a douta sentença ter também condenado o Banco D…………. nos exactos termos e com os mesmos fundamentos com que fez para a Ré C…………. (o incumprimento é culposo e definitivo por parte dos dois Réus).

17ª Na interpretação de qualquer negócio jurídico, como é o presente contrato promessa de compra e venda, há sempre que ponderar todas as circunstâncias de tempo, lugar, meio profissional, usos comuns utilizados, uma vez que as partes estão vinculadas aos deveres de lealdade, de informação e de protecção que têm de apresentar no contrato final, razão pela qual vale o sentido que seria apreendido por um destinatário normal entendido como uma pessoa medianamente preparada para os eventos negociais correntes e com diligência média, quando colocada na posição de declaratário real face ao comportamento do declarante, como o foi a A/Apelante.

18ª A vontade real dos outorgantes e constantes do referido contrato promessa de compra e venda já foi determinada e bem, pelo Tribunal que julgou e decidiu a acção de fixação judicial do prazo.»

11.
O D………… contra-alegou, concluindo pela manutenção da Sentença, tendo para o efeito argumentado, essencialmente, com o carácter especial da acção de fixação de prazo na qual não cabe discutir a existência da obrigação; estão excluídas do seu objecto as questões de nulidade ou inexistência, bem como as da eventual impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa celebrado.

II – OS FACTOS

Na Sentença em apreço foram considerados como adquiridos para os autos os seguintes FACTOS:

1. por sentença proferida em 26-11-2004, pelo ….º Juízo, ….ª Secção, da comarca do Porto, na acção especial de fixação de prazo n.º ……/03.3TVPRT, em que foram partes a ora A. e os ora RR., nessa mesma qualidade, resultou provado que no dia 23-12-1998, a Ré C…………., SA, em representação do consórcio constituído entre si e o Banco F…………, SA, prometeu vender a E………… e este prometeu comprar, pelo preço de Esc. 22.698.000$00,uma fracção tipo T2, com a numeração provisória H.5.4., com lugar de garagem e arrumos, melhor descrita na dita sentença, que consta de fls. 8 e segs. dos autos – A);

2. na data da celebração do contrato-promessa, foi paga à sociedade C…………, SA, que tinha a qualidade de chefe do consórcio constituído entre si e o Banco F………….., SA, a quantia correspondente a 10% do preço acima referido, a título de sinal e princípio de pagamento – B) e 1º da B.I.;

3. no dia 13-8-1999, o promitente-comprador supra referido cedeu a posição que detinha naquele contrato-promessa à aqui A. – C);

4. tal cedência foi comunicada à Ré C…………, SA (que tinha a qualidade de chefe do consórcio constituído entre si e o Banco F…………., SA), que a aceitou – D), 2º e 3º da B.I.;

5. o Banco F……….., SA, foi incorporado no D……….., SA, que assumiu todos os seus direitos e obrigações – E);

6. na sentença referida em A) foram fixados os seguintes prazos:
30 dias para que os RR. indicassem quem vai encabeçar a construção do empreendimento e em que termos;
24 meses a ambos os RR. para finalização da obra – F);

7. tal sentença foi integralmente confirmada pelo Ac. da Relação do Porto, de 7-7-2005, junto a fls. 18 e segs. dos autos – G);

8. até à presente data, a A. não recebeu qualquer comunicação/informação, conforme referido em F) e 4º da B.I.;

9. o empreendimento em que se integra a fracção autónoma prometida vender está concluído – 5º da B.I.;

10. tal empreendimento é, neste momento, propriedade de uma empresa denominada G…………., SA, matriculada na CRC do Porto sob o n.º 23784, com sede na Av. ……, n.º …., …º andar, sala …, Porto – 6º da B.I.;

11. em 19-12-2003, foi acordado entre a C………., SA, e o D…………, SA, a revogação do contrato de consórcio acima mencionado – 7º da B.I..

III – O RECURSO

Antes de apreciar o Recurso, face ao constante dos autos foi proferido o seguinte Despacho:
“Da leitura da P. I. não consta a referência às cláusulas do Contrato-Promessa, mas à Sentença proferida em 26-11-2004, no ..º Juízo, ..ª Secção, da comarca do Porto.
Apesar das posições assumidas nas Contestações, a A. manteve aquela sua postura processual, não alterando a causa de pedir.
Em consequência, dos Factos seleccionados como já Assentes e como integradores da Base Instrutória não consta a transcrição do Contrato-Promessa ou de cláusulas suas que possam ser relevantes para a decisão da causa.
Assim, poderá ser entendido que tal matéria não integra a Causa de Pedir.

E esta questão pode ter relevo para a apreciação do Recurso de Apelação interposto pela A. se, como é orientação corrente, se entender que sobre os fundamentos da Decisão proferida naquela acção especial se não formou caso julgado, nem ocorre situação em que se deva respeitar a autoridade de caso julgado, face à natureza de jurisdição voluntária desse processo e sua causa de pedir.

Porém, tal questão não foi anteriormente abordada, tendo a Sentença recorrida referido o Contrato-Promessa e suas cláusulas como causa de pedir, apesar de não constar dos factos seleccionados.

Desta forma, tendo em atenção o disposto no artigo 3º, 3, do CPC, notifique a Recorrente para que se pronuncie, querendo, sobre esta questão da Causa de Pedir desta acção, ouvindo-se, de seguida, os Recorridos.”

A Recorrente veio esclarecer que a Causa de Pedir desta acção é dupla e complexa:
por um lado o incumprimento pelos RR. da Sentença proferida no Proc. n.º ……/03.TVPRT;
por outro lado o conteúdo do contrato-promessa, nomeadamente quanto ao pagamento do sinal.

O Banco D…………, SA, em resposta, referiu que nesta acção as cláusulas do contrato-promessa não integram a Causa de Pedir, sendo esta, em exclusivo, constituída pelo incumprimento da Sentença.

Vertente Factual e do Direito Adjectivo conexo

A Recorrente defende, contrariamente à posição assumida pela Sentença, que na Acção Especial para fixação dos prazos referidos ficaram definitivamente assentes, entre as Partes, os Factos aí discutidos relativamente ao Contrato-Promessa em causa, assim como o Direito, de tal forma que, nesta acção, seria quase automática a condenação das Rés, por nada terem feito dentro dos mencionados prazos fixados pelo Tribunal.
De tal forma que estaria, na presente acção, vedada a apreciação daquele contrato e as obrigações e direitos dele resultantes, pois que sobre tal questão haveria caso julgado.

Este é, pois, o primeiro aspecto do Recurso a apreciar.

Como resulta do próprio CPC, o Processo para Fixação Judicial do Prazo está incluído no grupo dos denominados Processos de Jurisdição Voluntária, sujeito a regras processuais diferentes, mais simples do que as do processo declaratório contencioso e em que as próprias “resoluções” não têm o normal efeito do caso julgado – ver artigo 1411º, 1, do CPC, e nas providências a tomar o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna – ver artigo 1410º do CPC[1].

Por outro lado, neste tipo de processo a causa de pedir é a falta de acordo quanto ao momento em que se vence a obrigação e o pedido é a fixação de prazo[2].
Por assim ser, ultrapassa o âmbito de tal tipo de processo ou o seu objecto próprio qualquer discussão sobre a existência, validade ou eficácia do direito correspondente[3].
Só em acção declarativa com processo comum é possível às partes suscitar questões relativamente ao conteúdo do contrato-promessa, incluindo existência e validade da obrigação de contratar e todas as que imponham aprofundada indagação, que o processo de fixação de prazo não comporta[4].

Assim, há que concluir que nesse processo é fixado um prazo, sem prejuízo de vir a ser apurado no meio próprio, com mais garantias processuais e subordinado a critérios decisórios diferentes, se existe e é válido ou não o contrato-promessa, se nasceu e existe ou não o direito e obrigação invocados.
Isto é, ao fixar o prazo permite que, se existir o direito e correspondente obrigação, se possa passar para as fases da mora e/ou impossibilidade definitiva de cumprimento. Não define sobre a substância, mas cria a possibilidade de passar de uma fase para outra, ultrapassando o impasse da falta de prazo e/ou falta de acordo quanto ao mesmo.
A apreciação sobre a substância será para processo ulterior, que siga os normais termos do processo declaratório comum.

Sendo, pois, diferentes a causa de pedir e o pedido nesta acção e na de fixação de prazo, não estaremos, evidentemente, perante uma situação em que ocorra caso julgado – ver artigos 497º, 1, e 498º, 1, 3 e 4, do CPC.
E sendo diferente todo o formalismo, com menos garantias e sujeito a diferentes critérios na decisão, é impensável falar em formação de caso julgado sobre os fundamentos de facto.
Assim como, do acima exposto, há que concluir que também não pode ser admitida, na hipótese dos autos, a autoridade de caso julgado como inibidor de qualquer resultado diferente[5].

Daqui somos levados à situação de improcedência do Recurso quanto à pretendida alteração dos Factos adquiridos para a presente acção.

Analisemos agora o contrato-promessa, que foi junto pela A. já em sede de Audiência Final, no que à vinculação do D……….. diz respeito.
Passamos, então à

Vertente do Direito Substantivo

Neste campo, em sede do presente Recurso, há que apreciar se o D………… está ou não vinculado pelo contrato-promessa.

E, para começar, há que abordar a problemática do Consórcio.
A respectiva noção encontra-se plasmada no artigo 1º do DL n.º 231/81, de 28-7, do qual consta que “Consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas que exercem uma actividade económica se obrigam entre si a, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos objectos referidos no artigo seguinte”.

O Contrato de Consórcio cria direitos e obrigações entre as respectivas partes, mas não dá origem a uma pessoa jurídica diferente dos contraentes, nem sequer lhe é atribuída personalidade ou capacidade judiciária[6].

Para que os seus membros assumam obrigações perante terceiros é necessária a sua intervenção, nomeadamente através de mandato a favor de quem em seu nome actue – ver artigos 12º, 13º e 14º do DL n.º 231/81, de 28-7[7].

O Recorrente não teve qualquer intervenção no contrato-promessa em causa. Não se vinculou directamente ou outorgando procuração para o efeito. Nem os poderes conferidos no Contrato de Consórcio poderão ser interpretados nesse sentido. Uma realidade é constituída pelo Contrato de Consórcio e outra, bem diferente, é a dos direitos e deveres perante terceiros por parte de cada um dos seus membros.
E o artigo 19º, 1 e 3, deste DL afasta, no caso presente, a responsabilidade do Banco.

Da leitura do Contrato-Promessa não se pode concluir que o Recorrente ficava obrigado, porquanto não é referido ser representado pela C…………..; além de que ao longo do Contrato apenas se alude à C………… e nunca ao próprio Consórcio, pois que é sempre identificado no feminino quem promete vender e nunca no masculino, o que não deixaria de suceder caso se referisse ao Consórcio; muito menos é usado o plural para referência aos membros do Consórcio.

Assim, mesmo considerando a existência da referida dupla Causa de Pedir, sempre teria o Recorrente de ver reconhecida a sua absolvição do pedido.

IV – DECISÃO

Acordamos, pelo que exposto fica, em negar provimento ao recurso, confirmando a Sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Atendendo ao acima escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO:
1 – A acção especial para fixação de prazo é um processo de jurisdição voluntária, cujas resoluções não são dotadas do normal efeito do caso julgado.
2 – O objecto de tal acção não envolve o apuramento da existência e validade da obrigação, apenas definindo o prazo para o cumprimento, na falta de acordo quanto ao momento em que se vence.
3 – A decisão tomada no processo para fixação judicial de prazo é desprovida da autoridade do caso julgado que se imponha na acção em que se discuta a existência, validade e eficácia do direito correspondente.
4 – Ao Consórcio não é atribuída personalidade jurídica distinta dos respectivos contraentes, nem personalidade e capacidade judiciárias.
5 – A vinculação dos membros do Consórcio perante terceiros exige a intervenção de cada um deles, nomeadamente através de mandato a favor de quem actue em seu nome.

Porto, 2010-05-31
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
António Manuel Mendes Coelho
José Augusto Fernandes do Vale
____________________
[1] ARTUR ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, I, Almedina, Coimbra, 1987, pp. 154 e 155.
[2] ACS. DA RELAÇÃO DO PORTO, de 16-2-1989, CJ, XIV, 1, p. 194, e de 17-1-1994, BMJ, 433º, p. 620.
[3] AC. DA RELAÇÃO DE ÉVORA, de 9-11-1995, CJ, XX, V, p. 283.
[4] ACS DA RELAÇÃO DO PORTO, de 17-1-1994, e DE ÉVORA, de 9-11-1995, já citados. Ainda, o AC. DO STJ, DE 14-12-2006, especialmente a sua nota (4), em www.dgsi.pt.
[5] Ver, quanto a autoridade do caso julgado, MARIANA FRANÇA GOUVEIA, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 504 e 505. Ver, sobre questões de prejudicialidade, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 575.
[6] ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, I, Almedina, Coimbra, 2001, p. 459; JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, p. 399 e sua nota 725 e p. 405 (nota 741). Ver AC. RELAÇÃO DE ÉVORA, DE 25-6-1998, CJ, XXIII, 3º, 278.
[7] Ver AC. RELAÇÃO DE COIMBRA, DE 19-1-1995, CJ, XX, 2º, 48.