Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RITA ROMEIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO DEVER DE LEALDADE TRABALHADOR DESPEDIMENTO JUSTA CAUSA SANÇÃO DISCIPLINAR ANTECEDENTES DISCIPLINARES TEMPO DA RELAÇÃO LABORAL | ||
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Nº do Documento: | RP2018092417813/17.7T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/24/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 282, FLS 48-76) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – A justa causa de despedimento pressupõe a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador, a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador, que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo. II – É lícita a sanção disciplinar de despedimento aplicada à conduta do trabalhador (vigilante em empresa que se dedica à actividade de segurança privada), o qual emitiu junto da sua empregadora duas declarações de sentido oposto relativamente a um mesmo acidente, inicialmente, comunicando-o como de trabalho, o que levou a que a empregadora desse modo o participasse à seguradora. III – Perante este comportamento, não é exigível à empresa/empregadora que o mantenha ao seu serviço, já que o mesmo é susceptível de criar dúvidas sérias e legítimas quanto à conformidade da conduta futura do trabalhador, no âmbito da relação laboral existente e que decorre da actividade profissional para que foi contratado e desempenha, destruindo a confiança necessária à existência do vínculo estabelecido entre as partes. IV – De acordo com o dever de lealdade, no âmbito do relacionamento laboral, o trabalhador deve abster-se de qualquer acção contrária aos interesses da empregadora, susceptível de gerar a diminuição de confiança naquele. V - A ausência de antecedentes disciplinares e o tempo que durou a relação laboral são elementos a ponderar no juízo sobre a existência de justa causa, mas têm uma relevância relativa aferida, em cada caso concreto, face à gravidade da conduta ilícita do trabalhador, já que não reduzem a obrigação daquele se pautar, sempre, pela lisura de comportamentos na sua relação profissional com a empregadora. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. N° 17813/17.7T8PRT.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1 Recorrente: B... Recorrida: C..., Lda, Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO O A., B... intentou, mediante o formulário a que aludem os art.s 98º-C e 98º-D, do Código de Processo do Trabalho, a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra C..., Lda, requerendo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo, com as legais consequências. Frustrada a conciliação na audiência de partes, foi a empregadora notificada para, querendo, apresentar articulado a motivar o despedimento, o que veio a fazer, nos termos que constam a fls. 27 e ss., fundamentando-o, em síntese, em participação fraudulenta efectuada pelo A. quanto a, alegado, acidente de trabalho. Alega que o Autor lhe declarou ter sido vítima de acidente de trabalho motivo porque esteve o mesmo de baixa vindo-se, posteriormente, a apurar que o acidente que originara os danos sofridos não ocorreu nos termos por ele declarados. Mais, alega que o comportamento do Autor quebrou a relação de confiança existente, impossibilitando a subsistência da relação laboral. Conclui que deve a sanção de despedimento com justa causa do autor ser considerada procedente e provada. Notificado o Autor veio contestar, nos termos que constam a fls. 51 e ss., alegando que foi despedido pela Ré sem que se verificassem os factos que lhe foram imputados e considerados justa causa de despedimento. Alega, ainda, que não mentiu à Ré e que o despedimento de que foi alvo lhe causou danos de natureza não patrimonial. Termina pedindo que deve ser declarada a ilicitude do despedimento, por inexistência de justa causa e deve, em consequência, condenar-se a Ré: a) a reconhecer a subsistência e a plena vigência do contrato de trabalho com o Autor; b) a reintegrar o Autor nas suas funções e local de trabalho, com todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho, da categoria e antiguidade, c) ou, em alternativa, se essa for a opção do Autor até à sentença, a pagar-lhe uma compensação correspondente a 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fracção de antiguidade, d) a pagar ao Autor i. € 3.068,44, de retribuições já vencidas (até outubro de 2017); ii. as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado; iii. € 775.25. de indemnização por falta de formação profissional; iv. 27.500 € por danos morais; v. os juros moratórios sobre as quantias pedidas, calculados à taxa legal, desde a data do vencimento de cada retribuição mensal e desde a notificação da reconvenção quanto às demais prestações pecuniárias pedidas, até ao respectivo pagamento; Notificada a Ré, veio impugnar os factos alegados pelo Autor e termina pedindo a improcedência da Contestação-Reconvenção e a procedência e licitude da sanção de despedimento com justa causa aplicada ao A.. * No prosseguimento dos autos, foi proferido despacho saneador tabelar e dispensada a designação de audiência preliminar, fixados o objecto do litígio e os temas de prova.Como se mostra documentado nas actas de fls. 84 e ss. realizou-se a audiência de julgamento e, em 11.04.2018, foi proferida sentença, na qual se respondeu à matéria de facto e se motivou a mesma, terminando a parte decisória, com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se totalmente procedente o articulado de motivação do despedimento apresentado pela Ré/Empregadora – C..., Lda em consequência, declara-se lícito o despedimento do Trabalhador B.... Julga-se parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelo Trabalhador B..., condenando-se a Entidade Empregadora C..., Lda a pagar-lhe a quantia de € 464,00 relativa à falta de formação profissional, absolvendo a mesma dos demais pedidos por este formulados. Custas a cargo da Entidade Empregadora e do Trabalhador, sem prejuízo da isenção de que goza este último, na proporção de 1/10 e 9/10. Registe e notifique. Fixo à ação o valor de € 2.000.00”. * Inconformado o Autor interpôs recurso, cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES:1. Entendemos ser demérito da decisão em crise, em suma e basicamente, a avaliação do comportamento do Autor/Recorrente, que não consubstancia, nem pode consubstanciar, um ato de tal forma grave que justifique a cessação imediata da relação de trabalho com fundamento em justa causa. 2. A justa causa do despedimento é definida no código do trabalho como o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (vd. art.º 351 n.° 1). 3. O art.º 351 estabelece ainda critérios que devem ser atendidos na apreciação de uma alegada justa causa, a saber: i) o grau de lesão dos interesses do empregador, ii) o carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros; e iii) as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. 4. A noção presente no código representa, sem mais, a ideia de inexigibilidade que está subjacente à ideia de justa causa. 5. Nos factos provados da sentença ora em crise ficou provado que o Autor explicou como sofreu o acidente de trabalho e a forma como a segunda versão daquele acidente apareceu. Ficou assente que o Autor teve uma conversa com o "perito" em dia por apurar e, dessa conversação, resultaram duas declarações, uma a informar a alteração do local do acidente e outra a prescindir do seguro. 6. Nenhuma dessas declarações tinha como destinatário a Entidade Patronal (ora Ré) do Autor/Recorrente, sendo esta apenas informada do que se passara. 7. o Autor/Recorrente "apresenta um quadro depressivo grave, com inicio de sistomatologia em janeiro dc 2017". 8. O Autor/Recorrente era um "trabalhador zeloso, diligente, cumpridor dos deveres laborais c com bom relacionamento com os superiores hierárquicos e colegas de trabalho, assíduo e que nunca tinha sido objeto dc qualquer procedimento disciplinar". 9. A justa causa invocada pela Ré e que a sentença em crise abraçou resume-se, tão só, à existência de duas descrições diferentes do acidente, tendo a segunda, como alegado, sido produzido apenas após a conversa com o perito e por uma pessoa com uma evidente depressão, como resulta dos próprios autos. 10. A justa causa, como justificação para a cessação do contrato de trabalho, terá de resultar de um comportamento culposo e ilícito do trabalhador. 11. Para que surja uma situação de justa causa (...), é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.° 351.º, n.º 1 do CT. Estes requisitos, de verificação cumulativa, são os seguintes: um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa): a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o elemento objetivo da justa causa): a verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sentido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador". 12. No caso em concreto, é de particular importância a análise do elemento subjetivo, ou seja, é necessário perceber se o comportamento do Autor/Recorrente, com as limitações que padecia à data, é ilícito, grave em si mesmo e culposo. 13. A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351º n.° 1, mas constitui um pressuposto geral do conceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. 14. O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. 15. O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser reportada ao comportamento em si mesmo ou às consequências que dele decorram para o vínculo laboral 16. A estes elementos acresce ainda o elemento objetivo, ou seja, do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral. 17. O que está em causa é averiguar se a elaboração e envio de uma declaração, cujo o destinatário era a seguradora, é um comportamento de tal forma grave que não permite a subsistência do contrato de trabalho. 18. A sentença aqui em crise considera que o Autor/Recorrente foi despedido com justa causa, baseando afirmando que "o dever de lealdade (...) corresponde a uma obrigação acessória de conduta, que advém da boa fé e que se encontra ínsita no princípio geral constante do art.º 126 do Código do Trabalho e no n.º 2 do art.º 762 do Código Civil", qualificando o comportamento do Autor/Recorrente como "censurável, culposo e ilícito". 19. Ao dever de lealdade devem ser reconhecidas duas dimensões, uma dimensão restritiva - concretizada essencialmente no dever de não concorrência e no dever de sigilo -, e uma dimensão ampla - ou seja, o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato. Nesta vertente ampla, e para o que importa neste caso, fala-se do elemento pessoal, ou, por outras palavras, da relevância das condutas extralaborais para o contrato de trabalho. 20. Com o devido respeito, o Tribunal a quo faz um julgamento da situação censurável. 21. O Autor/Recorrente, como ficou assente, é um trabalhador exemplar e zeloso do seu dever, sempre cumprindo, em mais de uma década, com todas as suas obrigações, pelo que não teria qualquer razão para o deixar de fazer. 22. E sofre de uma depressão grave, desde janeiro de 2017, e, naturalmente, quando pressionado, produziu uma descrição diferente da que inicialmente apresentou para o seu acidente. 23. Tal declaração não foi emitida de forma a enganar a Entidade Empregadora nem tão pouco com o objetivo de a prejudicar. 24. O comportamento aqui em causa não é nem pode ser uma violação do dever de boa fé. 25. Como qualificar um ato irreflectido e sem qualquer intenção de uma pessoa com problemas (tal como provado), como uma ação consciente, ilícita e culposa, que tem como consequência o fim de uma relação laboral sem percalços e com mais de dez anos?! 26. Não se pode considerar uma declaração cujo destinatário não era a Entidade Empregadora, criada nos condicionalismos apresentados e provados, ou seja, pressionado pelo perito e a sofrer dc uma depressão profunda, como um comportamento grave o suficiente para violar um dever laboral de tal forma que tornou impossível a subsistência de um contrato de trabalho. 27. No caso em concreto, estamos perante uma declaração viciada, o que consubstanciaria uma causa de exclusão da culpa... 28. O Autor não quis, nem teve a intenção, de prejudicar a Entidade Empregadora, não violou, conscientemente, qualquer dever. Nestes termos e nos mais de direito, deve ser revogada a sentença e condenar-se a Ré conforme a reintegrar o Autor, com todas as consequências legais peticionadas, assim se fazendo JUSTIÇA! * A Ré apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes Conclusões:1. O A. prestou conscientemente, falsas declarações à R. relativamente à existência de um acidente de trabalho, com o intuito de obter, para si, benefícios que sabia serem ilegítimos, por meio de factos que sabia não corresponderem à realidade; 2. O quadro clínico invocado pelo A. não resultou de nenhum acidente de trabalho, mas antes em circunstâncias ocorridas no âmbito da vida privada; 3. A alteração da verdade dos factos que estão na base do acidente, não resultou de qualquer alegada - e não provada - sugestão do perito da seguradora, mas antes da própria e exclusiva autoria do R. e da sua livre e consciente vontade; 4. O A., mentiu, consciente e voluntariamente à R., admitindo depois a falsidade da descrição dos factos ínsitos da primeira declaração, e apenas e quando confrontado com a falsidade daquela; 5. Ainda assim, justificando-se com base em factos que sabia, mais uma vez, não corresponderem à realidade; 6. Tal comportamento, para mais reiterado, produziu na R. uma situação de dúvida quanto à sua palavra, perdendo totalmente a confiança na pessoa deste; 7. As funções desempenhadas pelo A. requerem um elevado grau de responsabilidade e confiança no desempenho das respetivas funções; 8. A perda de confiança resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos materiais ou económicos para a entidade patronal; 9. Tal violação do dever de lealdade e, em suma, o comportamento grave e culposo do A., pôs em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho e que, insubsistindo, torna imediata e praticamente impossível a respetiva manutenção, verificando-se, assim, justa causa para o seu despedimento (351º, n°l CT). Termos nos quais se advoga o Mérito da Sentença da 1ª Instância e a improcedência da Apelação, devendo ser mantida a decisão em recurso pelo Tribunal ad quem. * O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, com efeito meramente devolutivo e foi ordenada a subida dos autos a esta Relação.* Neste Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser rejeitado o recurso, no essencial, por verificar que as conclusões apresentadas pelo A. são a reprodução do corpo das alegações.A este, respondeu o A., discordando da interpretação efectuada naquele. * Cumpridos os vistos, nos termos do disposto no art. 657º, nº 2, do CPC, há que apreciar e decidir.* É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).Assim, a questão, única, suscitada e a apreciar consiste em saber se ocorre a ilicitude do despedimento, com as consequências legais daí decorrentes, como defende o recorrente, ou se o seu comportamento é justa causa de despedimento, como se considerou na decisão recorrida. * II - FUNDAMENTAÇÃOA) - Os Factos Com relevo para a decisão, a 1ª instância deu como apurados os seguintes factos: “1. A C..., Lda é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de segurança privada, designadamente à vigilância e controle de acesso, permanência e circulação de pessoas em instalações, edifícios ou recintos fechados, vedados ou de acesso condicionado, ao público em geral, atividade esta enquadrada e regulada pela Lei da Segurança Privada aprovada pela Lei n.° 34/2013, de 16 de Maio. 2. A mesma, enquanto empresa de segurança privada celebra contratos de prestação de serviços com terceiros clientes com vista à proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes. 3. B... foi admitido ao serviço da C..., Lda., no dia 20 de fevereiro de 2005 para desempenhar as funções de Vigilante. 4. As funções de vigilante consubstanciam-se, no fundo e em suma, na prevenção e segurança em instalações industriais, comerciais e outras, públicas ou particulares, para as proteger contra incêndios, inundações, roubos e outras anomalias; fazer rondas periódicas para inspecionar as áreas sujeitas à sua vigilância e registar a sua passagem nos postos de controlo, para provar que fez as rondas nas horas prescritas, controla e anota o movimento de pessoas, veículos ou mercadorias, de acordo com as instruções recebidas. 5. O Trabalhador exercia, por isso, funções que requeriam um elevado grau de responsabilidade e confiança, no desempenho das tarefas a que estava afeto ao serviço da sua entidade patronal. 6. No dia 7 de março de 2017 o Trabalhador exercia as funções de vigilante no Cliente D..., no Porto com horário de trabalho das 09h - 17.30. 7. No dia 8 de março de 2017, o Trabalhador preencheu Declaração interna de acidente de trabalho, na qual declarou ter sofrido um acidente de trabalho no dia 7 de março de 2017 pelas 17h45m. 8. Declarou o Trabalhador que tinha sofrido o acidente no trajeto para casa (hora de saída 17.30), ao sair do metro na estação ..., tendo tropeçado e embatido com a cara no chão, partido um dente e ficado com escoriações na cara, na mão direita e no joelho. 9. De acordo com esta Declaração interna de acidente de trabalho e informações dela constantes foi preenchida a participação de sinistro de acidentes de trabalho para a Companhia de Seguros E.... 10. No seguimento da participação do sinistro de acidente de trabalho, o Trabalhador começou a ser acompanhado clinicamente, tendo ficado em situação de incapacidade temporária absoluta de 8 de março de 2017 até 16 de março de 2017. 11. No dia 23 de março de 2017 em nova consulta de acompanhamento, a situação de incapacidade temporária absoluta manteve-se de 23 de março de 2017 até 7 de abril de 2017. 12. A 3 de abril de 2017, foi-lhe dada alta sem qualquer incapacidade. 13. No total, e decorrente do acidente de trabalho, o Trabalhador esteve sem trabalhar aproximadamente um mês, estando de baixa por incapacidade temporária absoluta. 14. Durante este período não trabalhou e o seguro de acidentes de trabalho da entidade empregadora custeou as despesas com os tratamentos decorrentes do acidente de trabalho. 15. No dia 3 de abril de 2017, o Trabalhador telefonou para o chefe de grupo F..., comunicando que já podia ir trabalhar, dado que o seguro lhe tinha dado alta. 16. Em data não apurada o perito da seguradora deslocou-se à Portaria do Cliente D..., pedindo para falar com o responsável do trabalhador-Arguido. 17. Posto em contacto com o chefe de grupo F..., disse que necessitava de uma Declaração da empresa a prescindir do seguro. 18. O chefe de grupo respondeu que não podia prescindir de algo que seria o lesado/Trabalhador o beneficiário, e que não podia passar declaração nenhuma, que esse assunto teria de ser tratado com os Recursos Humanos. 19. O perito da seguradora respondeu-lhe que o lesado/Trabalhador já tinha preenchido essa Declaração (que aliás, tinha feito duas cartas: uma a prescindir do seguro e outra a admitir que tinha alterado o local do acidente), e que a participação que tinha feito ao seguro era fraudulenta, dado que o local do acidente participado não correspondia ao local real do mesmo. 20. No dia 10 de Abril de 2017, a Entidade Empregadora recebeu comunicação do seguro com a informação de recusa da participação de acidente de trabalho, por terem averiguado que o acidente não teria ocorrido conforme participado, mas sim no âmbito da vida privada do trabalhador, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 72, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 21. Após ter conhecimento desta ocorrência (comunicada pelo perito da seguradora quando se deslocou à Portaria do cliente D...), o chefe de grupo F... questionou o Trabalhador sobre o sucedido. 22. Ao ser confrontado pelo chefe de grupo, o mesmo disse que não tinha explicação para ter mentido e que tinha informado o perito que o local da queda teria sido a casa dos pais, e que o perito tinha sugerido o local que consta na participação do acidente 23. No dia 21 de abril de 2017, o Trabalhador entregou, à sua Entidade Empregadora a declaração por si emitida junta aos autos a fls. 47, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 24. Por decisão da C..., Lda., foi instaurado processo disciplinar, com vista ao despedimento por justa causa, ao Trabalhador, processo no qual foi nomeada instrutora a Dr.ª G..., Advogada, com escritório na Rua ..., n.° .. - 4.°andar, em Lisboa. 25. Foi elaborada Nota de Culpa junta aos autos a fls. 43 a 44, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida e que foi remetida ao Trabalhador, em 22 de maio de 2017, através de carta registada com aviso de recepção. 26. O Trabalhador respondeu à nota de culpa, nos termos constantes de fls. 36 v° a 40, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 27. Por carta recebida pelo Trabalhador a 3 de julho de 2017, foi o mesmo notificado da decisão de fls. 3 a 11, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 28. O Trabalhador está Filiado no Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticos e Profissões Similares e Atividades Diversas (STAD), onde lhe foi atribuído o número de sócio ...... 29. No dia 7 de março de 2017, o Trabalhador caiu, bateu com a cara no chão, partiu um dente, ficou ferido no rosto, no pulso direito e num joelho. 30. Esses ferimentos não impediram que ele continuasse o caminho para a sua habitação. 31. Chegou a casa algum tempo depois das 18h. 32. Relatou o sucedido à sua Esposa. 33. Depois, telefonou para a Ré e esta, através do Chefe de Grupo, F..., informou-o da queda e dos ferimentos. 34. Em resposta, a Ré, por intermédio do mesmo F..., disse-lhe que, se tivesse dores, fosse ao Hospital e, em todo o caso, que no dia seguinte seria feita a participação ao seguro. 35. No dia seguinte - 8 de março de 2017 dirigiu-se às instalações da Ré, em Ramalde, repetiu que tinha caído, o sítio e as circunstâncias, bem como repetiu os ferimentos sofridos. 36. Logo depois, a Ré mandou o Trabalhador ir à H... para ser examinado e tratado no âmbito do seguro de acidentes do trabalho. 37. O Trabalhador obedeceu e, na consulta, o Médico considerou-o com incapacidade para o trabalho, em resultado dos ferimentos do acidente. 38. O Trabalhador esteve nessa situação de incapacidade até ao dia 3 de março de 2017, em que lhe foi dada alta, declarando à Entidade Empregadora a disponibilidade para retomar normalmente o trabalho. 39. Em dia que não foi possível apurar, o Autor foi contactado por um individuo que se apresentou como "Perito da Seguradora'' e disse chamar-se "I...". 40. Tendo tido uma conversa, no café junto de casa do Trabalhador, sobre as circunstâncias em que ocorrera o acidente de 7 de março de 2017; 41. O Trabalhador escreveu duas comunicações, sendo que uma respeitava à participação do acidente e visava negar que a queda se verificara à saída da estação do Metro ..., a caminho da ... e a outra visava prescindir do seguro. 42. Após essa conversa o Trabalhador ficou perturbado. 43. O "Perito" deu a conhecer aquelas declarações à Ré. 44. A 31 de maio de 2017, o Trabalhador recorreu à urgência do Hospital ... (...). 45. O Trabalhador esteve internado no Hospital J... desde o dia 10 de junho de 2017 até ao dia 19 de junho de 2017. 46. O Trabalhador esteve internado no Centro Hospitalar de ... desde 19 de junho de 2017. 47. O Trabalhador andou e anda em consultas de psiquiatria, tomando medicamentos. 48. O Trabalhador perdeu o sono, sentia-se excessivamente cansado, impaciente, com irritabilidade fácil, às vezes desorientado, sem prazer de viver, com ideias de suicídio e evitando ou recusando sair de casa ou levantar-se da cama. 49. O Trabalhador apresenta quadro depressivo grave, com início de sintomatologia em janeiro de 2017. 50. O Trabalhador elaborou do documento referido em 23) dos factos assentes após sugestão dos colegas de trabalho F... e Sr. K...; 51. O Trabalhador nunca tinha sido objeto de qualquer procedimento disciplinar nem a Entidade Empregadora lhe aplicou qualquer sanção laboral ou outra. 52. O Trabalhador era um trabalhador assíduo, sem nenhuma falta injustificada, 53. Era um trabalhador zeloso, diligente, cumpridor dos deveres laborais e com bom relacionamento com superiores hierárquicos e colegas de trabalho. 54. O Trabalhador manteve-se ao serviço da Entidade Empregadora desde 20 de fevereiro de 2005, até ao despedimento. 55. A Entidade Empregadora atribuiu-lhe a categoria de vigilante e mantinha-o ultimamente a exercer as correspondentes funções, no Porto, no cliente "D...". 56. A Entidade Empregadora pagava ao Trabalhador o salário base de € 641,93 a que acrescia o subsídio de alimentação de € 5,69 por cada dia de trabalho efetivo, o que, em média, importa em 767,11 € (641,93€+5,69€*22d). 57. Desde o despedimento - 3 de julho de 2017, a Ré deixou de pagar retribuições ao Autor. 58. A Entidade Empregadora não proporcionou ao Trabalhador formação profissional. Factos não provados: a) que a deslocação do perito da seguradora à Portaria do Cliente D... ocorreu a 30 de março de 2017 pelas 16h55m; b) que no dia 21 de abril de 2017, foi o Trabalhador confrontado com o Registo de Infracção Disciplinar, pelo chefe de grupo F..., na presença do Supervisor K..., contendo a narração dos factos transmitidos pelo perito da seguradora acerca do acidente de trabalho nomeadamente com o facto do mesmo ter ocorrido em local diferente do participado; c) que foram verdadeiras as declarações iniciais prestadas pelo Trabalhador à Ré sobre o local e o modo como ocorreu o acidente de trabalho e que serviram de base à participação deste à Seguradora responsável pelos respetivos danos; d) que no dia 7 de março de 2017, o Autor, pelas 17h30, deixou a viatura de serviço, como de costume, no parque da Ré, em ..., próximo da estação do Metro; e) que logo após, iniciou o regresso a casa, seguindo pelo Metro até à estação da ... e aqui mudou para a "linha amarela", prosseguindo em direção a ...; f) que na Avenida ..., em Gaia, saiu, como habitualmente, na estação ... (a penúltima antes do fim da linha); g) que após a saída do Metro, iniciou, como faz habitualmente, a deslocação a pé para a sua habitação, através da Estrada ...; h) que no início dessa caminhada, logo nas imediações da estação do Metro, caiu, bateu com a cara no chão, partiu um dente, ficou ferido no rosto, no pulso direito e num joelho. i) que no dia 29 de março de 2017 apareceu inesperadamente em casa do Autor um individuo que se apresentou como Perito da Seguradora e disse chamar-se I...; j) que esse individuo chegou à habitação do Autor pelas 18h e só saiu de lá pelas 23h; I) que durante as cinco horas decorridas nesse encontro, o "Perito da Seguradora", garantindo que já tinha visionado as gravações da Estação ..., repetiu teimosamente que, por não haver registos de imagens do acidente, não podia confirmar a queda e as lesões que o Autor alegava ter sofrido; m) que o "Perito" insistiu demoradamente que se o Autor mantivesse a versão do acidente vertida na participação, a Seguradora ia com o caso para Tribunal, acusando-o de fraude e que ele, por causa do crime, corria o risco de ficar sem emprego, de perder para sempre o cartão profissional de vigilante, emitido pelo Ministério da Administração Interna, fazendo sofrer também os seu filhos menores; n) que o Autor, ao fim de duas ou três horas, exausto e sem jantar, ficou alterado, confuso, tolhido pelo medo de responder por crime e poder perder o emprego, ficar sem possibilidade de trabalhar na sua atividade e prejudicar o sustento dos filhos menores; o) que o Autor ficou em pânico; p) que foi nessas condições que o Autor, incapaz de resistir por mais tempo, acabou por escrever duas comunicações para dar a participação do seguro sem efeito; q) que o '"Perito" declarou para o Autor o teor de cada uma das declarações; r) que embora fosse mentira, o Autor lá satisfez o "Perito" escrevendo que, ao contrário do que tinha dito, no dia do acidente saíra na estação anterior, na ..., para ir a casa de sua Mãe pela Rua ..., onde se teria verificado a queda. s) que o outro escrito querido e obtido pelo ''Perito" dirigia-se à Ré a "'prescindir do seguro": t) que o "Perito" garantiu ao Autor que não iria ter qualquer problema com as novas "declarações", pois ia fazer um relatório que o ilibava de tudo; u) que o Autor não fez estas novas declarações por sua iniciativa e com vontade livre; v) que o que realmente sucedeu foi o que relatou de início à Ré e lhe repetiu já depois de ter sido burlado pelo "Perito", que o enganou em benefício exclusivo da Seguradora; x) que o "Perito" gerou medo no Autor, assustou-o, mergulhou-o num estado de confusão, de perturbação, de descontrole emocional, de incapacidade de raciocinar e de tomar decisões livres e conscientes; z) que tal sucedeu também e sobretudo porque o Autor andava doente, com perturbações psíquicas geradoras de fragilidades emocionais, de situações de confusão e de falta de discernimento; aa) que o estado fragilizado era notório para quem se relacionava com o Trabalhador; bb) que os colegas de trabalho sabiam disso, para além dos familiares; cc) tal como a Ré; dd) que foi nas condições de doença depressiva que foram obtidas as falsas declarações extorquidas ao Trabalhador, em benefício exclusivo da Seguradora, que foi exigida nova declaração escrita nos serviços da Ré, que foi instaurado o processo disciplinar e proferido o despedimento; ee) que o Trabalhador não mentiu à Ré; ff) que foi a Seguradora que lhe sacou a mentira; gg) que o Trabalhador esclareceu a Ré, em reunião dos seus representantes, F... e Sr. K..., de que não lhe mentira e que a Seguradora é que lhe sacara a mentira; hh) que o Trabalhador elaborou o documento referido em 23) dos factos assentes, na sequência de lhe terem apresentado uma sugestão ou proposta de se despedir, face aos documentos que o tal "Perito" tinha apresentado na Ré; ii) que a Entidade Empregadora com a sanção de despedimento agravou muito a doença do Trabalhador; jj) que por causa do despedimento o Trabalhador se refugiou em casa, deixou de conviver com os familiares e outros conhecidos seus; ll) que perdeu de todo o sono; mm) que não queria alimentar-se; nn) que mergulhou em profunda tristeza, desânimo e sem vontade de viver; oo) que tinha vergonha da sua situação de inutilidade e dependência; pp) que andou desorientado e sem cuidar de si próprio; qq) que a Entidade Empregadora sabia que o Autor andava doente, fragilizado. * B) O DireitoA questão a apreciar, restringe-se à decisão de direito, uma vez que não foi impugnada a decisão de facto, nem este Tribunal vê razões para proceder à sua alteração oficiosamente. E, ao contrário do que se refere no parecer proferido nos autos, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, não vemos razões para proceder à rejeição da apelação, nem sequer se vislumbra que as conclusões apresentadas padeçam de vícios merecedores de correcção. Vejamos, então. Discorda o recorrente da decisão recorrida, alegando que o Tribunal “a quo” fez um julgamento da situação censurável e defende que, “Não se pode considerar uma declaração cujo destinatário não era a Entidade Empregadora, criada nos condicionalismos apresentados e provados, ou seja, pressionado pelo perito e a sofrer de uma depressão profunda, como um comportamento grave o suficiente para violar um dever laboral de tal forma que tornou impossível a subsistência de um contrato de trabalho.”. Analisando as suas conclusões, verifica-se que o recorrente invoca os seguintes argumentos: - Que sofre de uma depressão grave, e “naturalmente”, quando pressionado, produziu uma descrição diferente; - Sem intenção de enganar a entidade empregadora, nem tão pouco com o objectivo da prejudicar. Da fundamentação da sentença, após a enunciação do essencial sobre o conceito de justa causa, aplicando-o ao caso concreto, consta o seguinte: “Ora, no caso sub judice, conforme apurado ficou, o Autor a quem incumbem as funções de vigilância, declarou à sua entidade empregadora a 8 de março de 2017, o Trabalhador preencheu Declaração interna de acidente de trabalho, na qual declarou ter sofrido um acidente de trabalho no dia 7 de março de 2017 pelas 17h45m. Efetivamente, declarou o mesmo que tinha sofrido o acidente no trajeto para casa (hora de saída 17.30), ao sair do metro na estação ..., tendo tropeçado e embatido com a cara no chão, partido um dente e ficado com escoriações na cara, na mão direita e no joelho. De acordo com esta Declaração interna de acidente de trabalho e informações dela constantes foi preenchida a participação de sinistro de acidentes de trabalho para a Companhia de Seguros E..., tendo o Trabalhador começado a ser acompanhado clinicamente, tendo ficado em situação de incapacidade temporária absoluta de 8 de março de 2017 até 7 de abril de 2017. Durante este período não trabalhou e o seguro de acidentes de trabalho da entidade empregadora custeou as despesas com os tratamentos decorrentes do acidente de trabalho. Acontece que no dia 10 de Abril de 2017, a Entidade Empregadora recebeu comunicação do seguro com a informação de recusa da participação de acidente de trabalho, por terem averiguado que o acidente não teria ocorrido conforme participado, mas sim no âmbito da vida privada do trabalhador, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 72, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. Após ter conhecimento desta ocorrência (comunicada pelo perito da seguradora quando se deslocou à Portaria do cliente D..., o chefe de grupo F... questionou o Trabalhador sobre o sucedido. Ao ser confrontado pelo chefe de grupo, o mesmo disse que não tinha explicação para ter mentido e que tinha informado o perito que o local da queda teria sido a casa dos pais, e que o perito tinha sugerido o local que consta na participação do acidente No dia 21 de abril de 2017, o Trabalhador entregou, à sua Entidade Empregadora a declaração por si emitida junta aos autos a fls. 47. Vejamos. É o seguinte o conteúdo de tal declaração "Eu B... ...... no decorrer de uma deslocação para casa sofri uma queda. No dia a seguir estive com a minha chefia para efetuar a participação para o seguro sendo que os factos nela escritos por mim relatados não corresponderam à verdade tendo eu omitido à minha chefia e impresa o sitio real da queda. Quem me levou a mentir foi o perito da companhia de seguros porque como não havia imagens era fácil comprovar a mentira tendo o mesmo perito sugerido outro local diferente do participado a companhia, o mesmo não deixou ligar para a chefia uma vez que queria falar com ele. O perito disse que iria fazer um relatório a meu favor para não ter problemas ". Resulta pois dos autos que o Trabalhador em duas alturas distintas e em relação ao um mesmo evento fez duas declarações de sentido oposto. Inicialmente - no dia a seguir ao acidente - declarou ter sofrido um acidente no percurso para sua casa e posteriormente veio dizer que os factos ali relatados não corresponderam à verdade tendo o mesmo omitido o sítio real da queda. Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião e porque o Trabalhador não conseguiu demonstrar, como lhe incumbia, como efetivamente e onde efetivamente ocorreu o acidente que veio originar a participação e a sua baixa médica bem como não demonstrou que a declaração emitida a 21 de abril de 2017 estava ferida de qualquer vício, verifica-se com estas duas condutas uma situação de quebra do dever de agir de boa fé para com a sua entidade empregadora que, perante tal conduta vê quebrada a confiança naquele Trabalhador. Como acreditar em alguém que inicialmente refere ter tido um acidente num local, que leva a que o mesmo seja tratado como acidente de trabalho e posteriormente refere que o local onde o mesmo ocorreu não foi aquele mas outro, levando a que o acidente seja descaracterizado por parte da Seguradora. E não se diga que foi o mesmo enganado, burlado pela Companhia de Seguros ou pelo seu Perito. Para além de não o ter demonstrado, muito menos conseguiu o Trabalhador demonstrar que tal engano ou burla era do conhecimento da sua Entidade Empregadora. Este comportamento é, sem a mínima dúvida, censurável, culposo e ilícito e consubstanciadores de justa causa de despedimento nomeadamente nos termos previstos na alínea e) do n° 2 do art° 351º do Código do Trabalho. Com efeito, esses atos violaram os interesses do Empregador que pode ser chamado a restituir o que ao Trabalhador foi pago pela Companhia de Seguros ou a ver aumentado o prémio a esta pago. Apurada a ilicitude da conduta do Autor/Trabalhador, resta determinar se estes comportamentos culposos revestem de uma gravidade tal que, em consonância com a decisão da Empregadora, torne imediatamente impossível a subsistência da relação laboral. Para a resposta a tal questão, há-de ponderar os factores previstos no n° 3 do art° 351° do Código do Trabalho, ou seja, deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador; ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros, e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Face a finalidade da Empregadora/Ré, que se dedica à atividade de segurança privada, designadamente à vigilância e controle de acesso, permanência e circulação de pessoas em instalações, edifícios ou recintos fechados, vedados ou de acesso condicionado, ao público em geral, celebrando contratos de prestação de serviços com terceiros clientes com vista à proteção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes e às funções exercidas pelo Trabalhador - vigilante - que se consubstanciam, no fundo e em suma, na prevenção e segurança em instalações industriais, comerciais e outras, públicas ou particulares, para as proteger contra incêndios, inundações, roubos e outras anomalias: fazer rondas periódicas para inspecionar as áreas sujeitas à sua vigilância e registar a sua passagem nos postos de controlo, para provar que fez as rondas nas horas prescritas, controla e anota o movimento de pessoas, veículos ou mercadorias, de acordo com as instruções recebidas e que requerem um elevado grau de responsabilidade e confiança, no desempenho das tarefas a que estava afeto ao serviço da sua entidade patronal, entendemos que a conduta do Trabalhador se mostra de gravidade tal que impossibilita a manutenção da relação laboral existente. Ao emitir junto da sua entidade empregadora duas declarações de sentido opostos, o Trabalhador cria naturalmente naquela, uma situação e dúvida quanto à sua palavra, abalando assim a confiança neste. Ou seja, face à conduta do Autor/Trabalhador, a Entidade Empregadora perdeu totalmente a confiança na pessoa deste, o que afetou de uma forma irreversível o normal desenvolvimento da relação laboral e, como tal, justificava plenamente a aplicação da sanção mais grave. A violação do dever de lealdade constitui uma das infrações com maior gravidade que pode ocorrer no âmbito de uma relação, qualquer que esta seja, mormente numa relação laboral. Faltando a lealdade, pedra basilar de um relacionamento harmonioso, a inter- subjectividade, neste caso laboral, fica totalmente comprometida. Por conseguinte, neste caso concreto, não subsiste a mínima dúvida de que o despedimento do Autor/Trabalhador teve por base fundamentos que integram o conceito legal de justa causa, sendo, por isso, lícito.”. Afirmamos, desde já, que esta fundamentação, pela sua sustentação e acerto, merece o nosso inteiro acolhimento e, consequentemente, concorda-se sem dúvida com a decisão final, não nos suscitando qualquer reserva a declaração de licitude do despedimento do Autor. Acrescendo, como imediatamente se apreende, que a fundamentação dá a resposta suficiente e acertada aos argumentos do autor acima enunciados, não resultando das conclusões, nem sequer das alegações, que tenham sido invocados fundamentos diversos e idóneos para a pôr em causa, atenta a factualidade que ficou assente. Para que tudo fique bem claro, o tribunal pronunciou-se sobre todos os argumentos, agora, esgrimidos, a gravidade da conduta do trabalhador, ao emitir junto da empregadora duas declarações de sentido oposto, que não conseguiu justificar, porquê, sobre as circunstâncias do acidente que sofreu em 7 de Março de 2017, o que abalou a confiança daquela em relação ao mesmo, atenta a actividade a que se dedica e, ainda, as consequências advindas desses actos, violadores dos interesses da empregadora, que pode ser chamada a restituir o que ao trabalhador foi pago pela Companhia de Seguros ou a ver aumentado o prémio a esta pago, ainda que, diga-se, a existência de prejuízo, não seja relevante, atenta a afirmada violação do dever de lealdade. Pois, como bem se refere no (Ac. do STJ de 15.09.2016, Proc. nº 14633/14.4T2SNT.L1.S1 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram os demais acórdãos a seguir citados)), “a quebra de confiança” pode existir, ainda que a conduta do trabalhador não tenha causado prejuízos patrimoniais ao empregador. Estas questões foram suscitadas pelo trabalhador na sua contestação e o Tribunal “a quo” deu-lhes, em nosso entender, resposta acertada e devidamente justificada com fundamentação criteriosa. Ao contrário, sempre com o devido respeito, entendemos que o Autor, nesta sede, não faz mais do que replicar os argumentos que já usou, sem trazer seja o que for de novo para pôr em causa a fundamentação que alicerça aquela decisão. Reitera a sua discordância invocando factualidade que não logrou provar, nomeadamente, que as referidas declarações “opostas”, se tenham ficado a dever ao facto de andar doente. Aliás, diga-se que, pese embora, o facto constante do ponto 49, onde se refere que o A. “apresenta quadro depressivo grave, com início de sintomatologia em Janeiro de 2017”, não permite retirar qualquer outra conclusão sobre o seu estado de saúde de modo a justificarem, como pretende, os actos em causa, já que nada se apurou em que termos isso o afectava, não deixando de ser relevante verificar-se que tal não o impediu de realizar o seu trabalho até ao dia do acidente. Diremos, assim, que além das constantes da decisão recorrida, não se justificariam outras considerações nossas. Pese embora, tentando não incorrer numa repetição inútil da fundamentação do Tribunal “a quo”, deixaremos algumas considerações para justificar a nossa concordância. Como é sabido, através da celebração do contrato de trabalho o trabalhador assume uma obrigação principal, a de prestar a sua actividade ao empregador, executando o trabalho de harmonia com as instruções daquele a quem compete o poder de direcção, ou seja, de harmonia com o enunciado no art. 97º do CT/2009 (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos sem outra indicação de origem), “Compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem.”. Mas, para além dessa obrigação principal, sobre o trabalhador recaem ainda outras obrigações, nas palavras de (Monteiro Fernandes in Direito do Trabalho, 14ª ed., Almedina, 2009, pág. 23), “conexas à sua integração no complexo de meios pré-ordenados pelo empregador”. Esses deveres acessórios estão, a título exemplificativo, enumerados nas várias alíneas do art. 128º, entre eles constando, no que aqui releva, a al. f), que dispõe que é dever do trabalhador, “Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios”, uma decorrência, sem dúvida do princípio orientador geral da boa fé no cumprimento dos contratos, consagrado no Código do Trabalho no art. 126º nº1, que dispõe o seguinte: “O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”. Por sua vez, dispõe o nº 1 do art. 351º que, “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”. Segundo este dispositivo continua a entender-se, quer na doutrina quer na jurisprudência, tal como era defendido nos anteriores regimes perante idênticas normas, nomeadamente, no Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) o art. 9º nº1 e no Código do Trabalho de 2003 o art. 396º nº1, que a noção de justa causa de despedimento, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa); b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa); c) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador. À semelhança das normas anteriores, no nº2, do art. 351º, o legislador complementa o conceito de justa causa com a enunciação, meramente exemplificativa, de comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa de despedimento. O que significa que os comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento não se esgotam naquela enunciação, mas abrangem, qualquer outro comportamento do trabalhador, desde que ilícito, culposo e violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências. Apesar de, como decorre do nº 3, do mesmo dispositivo, não bastar a verificação de um ou mais comportamentos assim qualificáveis para se concluir que há justa causa, havendo necessidade de apreciá-los, à luz do conceito de justa causa, para determinar a sua gravidade e consequências, atendendo “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão do interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus trabalhadores e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bónus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundos critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto, (cfr. Ac. STJ de 12.3.2009). No que respeita ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por acção ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral, estabelecido entre si e o empregador, que (como se disse) pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo. Refere (Abílio Neto, in “Despedimentos e contratação a termo”, 1989, pág. 45) que o procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa. Mas, como já referido, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, é necessário que o mesmo, em si e nas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa. Sendo, também, necessário, que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal. Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, refere o (Ac. desta Relação de 14.11.2011) “a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.”. Nas palavras de (Monteiro Fernandes in “Manual do Direito do Trabalho”, 12ª ed. pág. 557), “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”. Ou, como refere mais adiante (pág. 575), “a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”. Deste modo, o vêm afirmando a doutrina e a jurisprudência e a propósito do carácter genérico e amplo que decorre daquele art. 351º, que só poderá ser densificado atentas as relações concretas, no (Ac. do STJ, de 15.09.2016, já citado), lê-se o seguinte: “Subsumível no conceito de justa causa serão as situações que, em concreto, – isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiam tais situações – tornem inexigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo. E a referência legal à “impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho” significa que, nas circunstâncias concretas aferidas, a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. É Jurisprudência uniforme deste STJ que “a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou”. E, continua, “haverá justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes – intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes –, se conclua pela premência da desvinculação. Premência justificada, em nosso entender, quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador que seja susceptível de criar no espírito daquele a dúvida objectiva sobre a idoneidade futura da conduta do trabalhador no âmbito das relações laborais existentes e que decorrem do exercício da actividade profissional para que foi contratado. Sendo certo que a quebra da confiança entre empregador e trabalhador não se afere pela existência de prejuízos, podendo existir sem estes. Basta que o comportamento do trabalhador seja suficientemente grave para que o empregador legitimamente duvide da conduta futura do trabalhador.”. No balanço das posições do A./recorrente e da R./recorrida, deverá ter-se presente que o despedimento, face à tutela constitucional do princípio da segurança no emprego, só é juridicamente aceitável quando nenhuma outra medida sancionatória não expulsiva se mostre adequada a salvaguardar a preservação e o equilíbrio da relação contratual. Ou seja, como é dito entre outros nos (AC. do STJ de 29.4.2009, Procº 08S2589; Ac. desta Relação de 29.11.2010, Procº 379/09.9TTMAI.P1 e Ac. da RL de 21.05.2014, Procº 665/12.0TTBRR.L1-4), terá de concluir-se que se está perante uma crise contratual irremediável, isto é, pela impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho em concreto, reconduzida à ideia de “inexigibilidade da manutenção vinculística”, no sentido de comprometer, desde logo, e sem mais o futuro do contrato. Não devendo esquecer-se que, o despedimento sem indemnização ou compensação é a derradeira sanção disciplinar, encimando um leque prévio de sanções disciplinares conservatórias, com crescente gravidade, nomeadamente, art. 328º nº 1, as seguintes: “Repreensão; Repreensão registada; Sanção pecuniária; Perda de dias de férias; Suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade.”. A par de parte da doutrina nacional, como assinala, (Maria do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II, 3ª ed., Almedina, 2010, pág. 412) distingue entre os “deveres acessórios integrantes da prestação principal e os deveres acessórios independentes da prestação principal”, nesta última categoria, que também designa por “deveres acessórios autónomos”, por não dependerem da prestação de trabalho, incluindo os deveres de lealdade, em geral, e de respeito e urbanidade. A mesma autora prossegue, assinalando que em sede de apresentação geral dos deveres acessórios do trabalhador deve ter-se em conta a dimensão pessoal de alguns desses deveres, bem como a dimensão organizacional, o que se aplica, entre outros, aos deveres de lealdade e de respeito e urbanidade, para depois explicar que “A dimensão pessoal de alguns deveres dos trabalhadores decorre do envolvimento integral da sua personalidade no contrato de trabalho e explica também a imposição ou limitação de condutas pessoais ao trabalhador, em determinados parâmetros, bem como o relevo geral da confiança pessoal entre as partes no contrato de trabalho”. Debruçando-se, em concreto, sobre o dever de lealdade, mais adiante, faz notar que, “Embora seja referido na lei sem particular destaque (art.º 128.º n.º 1 al. f), o dever de lealdade é, a par do dever de obediência, o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador”. E, prossegue na análise deste dever, (Obra. Cit. págs. 420/424) escrevendo que, “Em sentido amplo, o dever de lealdade é o dever geral de conduta do trabalhador no cumprimento do contrato. (…) O dever de lealdade do trabalhador entronca, em primeiro lugar, no dever geral de cumprimento pontual dos contratos. Nesta perspectiva, o dever de lealdade do trabalhador tem como destinatário o empregador, contraparte no contrato de trabalho, e não é mais do que a concretização laboral do princípio da boa-fé, na sua aplicação ao cumprimento dos negócios jurídicos, tal como está vertido no art.º 762.º n.º 2 do CC. É também neste sentido que deve ser compreendida a referência ao dever de comportamento do trabalhador e do empregador segundo as regras da boa fé no cumprimento dos seus deveres e no exercício dos seus direitos, que consta do art.º 126.º, n.º 1 do CT”. Assinalando, ainda, que para além dessa dimensão obrigacional, o dever de lealdade tem uma outra “(..) que decorre dos dois elementos do contrato de trabalho que o tornam singular no panorama dos contratos obrigacionais: o elemento do envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo; e a componente organizacional do contrato”, para concluir que “(..) a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização (..) para além da lealdade ao empregador, enquanto contraparte num negócio jurídico, releva também a lealdade à empresa ou à organização do empregador.”. Pois, como bem se refere no (Acórdão do STJ, de 29.4.2009, relator Conselheiro Sousa Grandão), “A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança”. Aliás, entendimento há muito seguido pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, como o ilustra o (Ac. do STJ de 22.01.1992, relatado pelo Conselheiro Castelo Paulo), lendo-se no seu sumário que, “I - No conceito de justa causa de despedimento concorrem os seguintes elementos: a) o elemento subjectivo; b) o elemento objectivo e c) o nexo de causalidade entre aqueles dois elementos. II - De acordo com o dever de lealdade, do qual a interdição de concorrência constitui uma manifestação típica, mas não essencial, o trabalhador deve abster-se de qualquer acção contrária aos interesses da entidade patronal, não lhe sendo licita qualquer actividade susceptível de constituir um atentado à segurança da posição do empregador ou que possa prejudicar a actividade da empresa, para cuja realização ele deva colaborar. III - No conceito de violação do dever de lealdade não esta ínsita a produção de um prejuízo efectivo, como sua consequência necessária, sendo suficiente que exista a possibilidade de prejuízo para o empregador, já que a extinção da confiança por parte deste no empregado representa um valor negativo e absoluto, não sendo susceptível de gradação.”. * Transpondo o que se deixa exposto para o caso, é para nós seguro que a decisão recorrida não merece censura.Sem dúvida, sempre com o devido respeito, os argumentos invocados pelo recorrente, não têm a virtualidade de alterar o que foi decidido pelo Tribunal “a quo”, acertadamente, após a correcta subsunção jurídica, que efectuou, da factualidade que ficou provada na decisão recorrida. Pois, como bem refere a R./recorrida, o recorrente “prestou conscientemente, falsas declarações à R. relativamente à existência de um acidente de trabalho, com o intuito de obter, para si, benefícios que sabia serem ilegítimos, por meio de factos que sabia não corresponderem à realidade; O quadro clínico invocado pelo A. não resultou de nenhum acidente de trabalho, mas antes em circunstâncias ocorridas no âmbito da vida privada; A alteração da verdade dos factos que estão na base do acidente, não resultou de qualquer alegada - e não provada - sugestão do perito da seguradora, mas antes da própria e exclusiva autoria do R. e da sua livre e consciente vontade; O A., mentiu, consciente e voluntariamente à R., admitindo depois a falsidade da descrição dos factos ínsitos da primeira declaração, e apenas e quando confrontado com a falsidade daquela; Ainda assim, justificando-se com base em factos que sabia, mais uma vez, não corresponderem à realidade” e fundamenta a sua discordância, com o decidido naquela, com base em factos, vejam-se conclusões 22º, 23º, 24º, 25º, e 26º, que não foram dados como provados e, ao contrário do que considera, os factos dados como provados não permitem formular a conclusão de que a declaração por si emitida se trata de “uma declaração viciada”, de modo a excluir a sua culpa. A apreciação dos factos assentes, que não coincidem nem demonstram o que o recorrente alega, naquelas suas conclusões, é bem demonstrativa de um comportamento culposo e grave, da sua parte, violador dos seus deveres enquanto trabalhador, (art. 128º) susceptível de abalar seriamente a confiança que deve existir entre as partes e a criar no espírito da R./empregadora dúvidas e reservas sobre a idoneidade da sua conduta futura, de molde a, considerarmos, não lhe ser exigível a manutenção do vínculo laboral estabelecido entre si, sendo, sem dúvida, o despedimento proporcional à gravidade da situação e como bem o considerou, a decisão recorrida, lícito. Atentas as funções que exercia, (vigilante) “que requeriam um elevado grau de responsabilidade e confiança, no desempenho das tarefas a que estava afecto”, (cfr. facto provado nº 5) na sequência do contrato celebrado com a R., (que se dedica à actividade de segurança privada) o seu comportamento em relação ao acidente que sofreu (emitindo duas declarações opostas, em relação àquele) (vejam-se factos assentes 7, 8, 22 e 23), é suficientemente grave e susceptível de criar no espírito da primeira dúvida, legítima, sobre a idoneidade futura da sua conduta, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral (cfr. se refere no Ac. desta Relação de 5.11.2012), destruindo a confiança necessária à existência do vínculo laboral entre as partes. E, não se diga, por ter ficado assente, que o A./recorrente era um trabalhador zeloso, diligente, cumpridor dos deveres laborais e com bom relacionamento com superiores hierárquicos e colegas de trabalho e por, em mais de uma década, nunca ter sido objecto de qualquer procedimento disciplinar, tal seja sintomático, como conclui e pretende fazer crer que “não teria qualquer razão para o deixar de fazer”, porque como se apurou fê-lo. E, o tempo de trabalho do A. para a recorrida “mais de uma década”, não é argumento para desconsiderar a gravidade da sua conduta. Pois é, para nós, óbvio que, o facto do A. trabalhar para a R., há cerca de 12 anos, sem qualquer outro incidente disciplinar, não tem qualquer virtualidade para atenuar a gravidade do que ocorreu. Atentas as funções que o A. desempenha, a confiança da R., em si, tem de ser plena e total, especialmente sem receio de aquele ter comportamentos como o que teve, que geram, inevitavelmente, a quebra da confiança que tem de existir, em relações desta natureza, sempre. Sem dúvida que, a questão da ausência de antecedentes disciplinares e o tempo de duração do contrato, são elementos a ponderar, no entanto, são factores que não podem deixar de ter uma relevância relativa e aferida, em cada caso concreto, face à gravidade da conduta ilícita do trabalhador. Pois, no caso do seu comportamento atingir um grau de gravidade tal, o bom passado em termos disciplinares e profissionais, ou o tempo de duração da relação estabelecida, muito pouca relevância acabam por poder assumir, em nada reduzindo a obrigação, sempre, como dissemos, de o trabalhador se pautar pela lisura de comportamentos na sua relação profissional com a empregadora. Havendo um acto do trabalhador, como o que ocorreu, que legitimamente gere a dúvida na empregadora sobre o comportamento futuro daquele, o tempo antes decorrido não basta para restabelecer a confiança que tem de existir entre eles, nem atenua as consequências do que aconteceu, o mesmo se passando com o facto de, eventualmente, o seu comportamento não ter acarretado prejuízos patrimoniais para a empregadora. Pois, como bem se refere no (Ac. do STJ de 15.09.2016), supra citado, “a quebra de confiança” pode existir, ainda que a conduta do trabalhador não tenha causado prejuízos patrimoniais ao empregador. Está, sem dúvida, em causa a quebra do dever de lealdade do trabalhador, bem como a confiança do empregador no trabalhador, co-relação que não pode deixar de estar presente em qualquer relação laboral. Ou seja, o dever geral de lealdade que impende sobre o trabalhador, decorrente da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (elementos essenciais subjacentes à celebração do contrato e à continuidade das relações que nele se fundam), pressupõe que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança do empregador. O que, seguramente, cremos não foi acautelado pelo recorrente, com a conduta que se demonstrou nos autos. Nas palavras de (Paula Quintas e Hélder Quintas in “Código do Trabalho Anotado”, 2ª ed., pág. 34) “há violação do dever de lealdade, quando o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, afecta a relação de confiança estabelecida com o empregador, causando, ainda que, potencialmente, uma violação dos interesses da empresa”. Pelo que, como bem se refere na decisão recorrida, “ao emitir junto da sua entidade empregadora duas declarações de sentido opostos, o Trabalhador cria naturalmente naquela, uma situação e dúvida quanto à sua palavra, abalando assim a confiança neste.”. E, sendo deste modo, verificando-se que, no caso, a R./empregadora logrou provar, como lhe competia, que o comportamento que imputou ao A./trabalhador integra o conceito de justa causa de despedimento, ou seja, provou que aquele praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, resta concluir pela licitude do despedimento atento o comportamento do recorrente, que se concluiu destruiu a confiança necessária à manutenção da relação laboral. Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação. * III – DECISÃOFace ao exposto, acorda-se nesta secção em julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida. * Custas pelo recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza.* Porto, 24 de Setembro de 2018Rita Romeira Teresa Sá Lopes Rui Ataíde de Araújo |