Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12918/16.4T9PRT-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: FALTA DE CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
EFEITOS DA NULIDADE
PROVA PROIBIDA
Nº do Documento: RP2025031212918/16.4T9PRT-E.P1
Data do Acordão: 03/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - A falta de constituição obrigatória de arguido no decurso do inquérito constitui nulidade pp. art.120º nº2 alínea d) do CPP, exceto se o mesmo vier, ainda nessa fase, a ser constituído, circunstância que exclui e extingue os pressupostos da referida nulidade, apenas subsistindo a constituição tardia de arguido, somente sobrando a proibição de prova que decorre dos arts.58º nº 6 “ex vi” art.59º nº4 do CPP, quanto ao primeiro depoimento.
II - A declaração de uma nulidade, e sobretudo, os “efeitos à distância” ou o fruto envenenado, como consequência do nº1 do art.122º nº1 do CPP, não só supõe a existência e uma nulidade, ou de uma proibição de prova cfr.art.58º nº6 do CPP (extensão da prova proibida), como deverá estar estabelecida a causalidade e conexão substancial entre o vicio/proibição e a afetação da aquisição de prova ulterior, a qual, supõe que não seja cindível ou de aquisição independente, sem aquela prova proibida.
III - Todas as provas que decorram de outras fontes, ou dos elementos da participação criminal, situando-se na complexidade da fase de investigação, onde os procedimentos de investigação têm diversas nuances que superaram qualquer causalidade, a qual é, por vezes, de exegese difícil, não é possível estender a esses domínios a proibição da prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 12918/16.4T9PRT-E.P1


X X X





Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


1 – Nos autos de processo de instrução que correu termos no Tribunal de Instrução Criminal de … da Comarca do Tribunal Judicial de Aveiro foi proferida decisão de pronúncia, posteriormente já em fase de julgamento, veio a ser proferido despacho que indeferiu as pretensões incidentais respeitantes a questões prévias e nulidades formuladas pelo arguido AA em sede de contestação.
*


Não se conformando com essa decisão interlocutória proferida em fase de julgamento, concretamente com a apreciação das questões que suscitara em contestação, o arguido veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes CONCLUSÕES.

I. Em sede de Contestação apresentada a 15.01.2024 (ref.ª citius n.º 37838196) veio o Recorrente invocar a nulidade do Inquérito e da acusação previstos no artº 120º/2/d) do CPPenal, ao abrigo do disposto no artº 310º/2 do CPPenal, por omissão da sua constituição como arguido no momento em que a lei o impunha (art.º 58 n.º 1 al a) e 59º ambos do CPP), preterindo-se uma formalidade obrigatória (art.º 272 n.º 1 do CPP).
II. Mais, invocou a extemporaneidade da apresentação das queixas por parte dos denunciantes, BB e CC,
as quais, tendo por objecto factos que consubstanciam a prática de crime contra o património, na sua forma simples - burla/usura (art.º 217 n.º 1 do CP /226 n.º 1 do CP) e cujos procedimentos, em qualquer dos casos, dependem (art.º 217 n.º 3 do CP /226 n.º 3 do CP). (sublinhado nosso), foram apresentadas muito para além dos prazos previstos no art.º 115 n.º 1 do CP
III. O qual estabelece que o direito de queixa se extingue no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado
IV. No caso em apreço, o denunciante BB apresentou queixa contra o arguido a 21 do Setembro de 2016, por facto que, alegadamente, se consumou a 26 de Agosto de 2015, por seu turno, CC apresentou queixa a 13 de Março de 2017 por facto que, alegadamente, se consumou a 2 de Maio de 2016.
V. Em suma, entende o Recorrente, que ambas as queixas apresentadas, o foram muito para além do prazo estabelecido para a extinção do direito de queixa previsto no art.º115 n.º 1 do CP, impondo o conhecimento desse facto a prolação de despacho de arquivamento, por inadmissibilidade legal do procedimento do CPP.
VI. Invocou ainda o Recorrente que, tendo ambos os denunciados, no decurso do processo, apresentado desistência das queixas e, porque na presença de crimes de natureza semi-pública, ainda que se não considerasse a sua extemporaneidade, forçoso seria conhecer das mesmas, homologando-as daí retirando a necessárias consequências, ou seja o arquivamento dos autos, (art.º 51, 49 e 50, todos do CPP).
VII. O poder de desistência de queixa é um direito subjectivo público e de carácter pessoal que a lei consagra (art.º 116º n.º 2 do CP) e que está implícito no direito de queixa.
VIII. Estabelece o referido normativo que aquele que exerce o direito de queixa pode desistir da mesma desde que o faça até à publicação da sentença em 1ª instância e não haja oposição do arguido, o que tendo ocorrido impunha ao Ministério Público, em sede de inquérito, homologar a referida desistência, tratando-se de um poder vinculado, o que também se invocou a título subsidiário, pelo que ao não decidir assim, violou o tribunal a quo o estatuído nos art.º 49, 51 n.º 1 e 277 n.º 1 in fine todos do CPP .
IX. Finalmente invocou o Recorrente a título subsidiário e ainda que se considerasse estarmos perante crimes de natureza pública, sempre as desistências apresentadas pelos referidos ofendidos e porque na presença de crimes de natureza patrimonial, deveriam ter conduzido ao arquivamento dos autos.
X. Alegou para tanto que a reforma penal de 2007 veio permitir e/ou acrescentar a ideia de acordo entre o ofendido e o arguido como causa de extinção da responsabilidade penal. C processual de crimes: crimes públicos cuja procedibilidade depende da vontade do ofendido. A qual tem aplicação nos crimes patrimoniais, tendo em conta estarmos na
XI Na génese de tal entendimento está uma ideia de justiça restaurativa nos crimes de natureza patrimonial, considerando-se que as necessidades preventivas desaparecem quanto a um agente que repõe integralmente as coisas/ situação. Entendimento que no caso da usura tem consagração expressa no n.º 5 do art.º 226 CP.
XII. Nos presentes autos e tal como resulta dos requerimentos de desistência, (a aderir-se à tese do MP) o arguido/ ora Recorrente renunciou à entrega da alegada vantagem e modificou os negócios que lhe estiveram subjacentes. Pelo que os factos por si praticados deixaram, nos termos da lei, de ser puníveis, o que, também por esse facto, impunha o arquivamento dos autos, por força do art.º 277 n.º 1. O que se requereu também subsidiariamente.
XIII. Também subsidiariamente, impunha-se ao MP não plasmar na acusação proferida a factualidade respeitante a estes ofendidos, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.
XIV. O douto despacho de que ora se recorrer considerou em síntese que os arguidos foram acusados e pronunciados pela prática, em co-autoria material de um crime de usura agravada prevista e punida pelo art.º 226º, nº1 e nº4 al a) do Código Penal, que sendo um crime de natureza pública e não semi-pública, não admite homologação da desistência da queixa a qual não obstante verificada no processo não poderia ser homologada.
XV. Pela consideração de tal natureza, decidiu ainda o Tribunal por não verificada a nulidade dos arts. 119.º, al. b) do CPP ou 48.º-49.º do Código Penal, quer por falta de queixa, quer por falta de queixa tempestiva.
XVI. Entendeu ainda o Tribunal no que concerne à prescrição do procedimento criminal, que não obstante o recorrente apenas ter sido constituído arguido a 5.7.2022 por factos ocorridos a 2 de Maio e e 21 de Setembro de 2016, e porque na presença de um crime agravada prevista e punida pelo art.º 226º, nº1 e nº4 al a) do Código Penal, sendo punido com pena de prisão até 5 anos, tem um prazo de prescrição de 10 anos (cfr. art. 118.º, n.º1, al. b), do Cód. Penal) e não 5 anos como referem os arguidos.
XVII Quanto à Invocação do ora recorrente que prestou declarações em 18/01/17, na qualidade de testemunha, sem que tivesse sido constituído arguido, como a lei impunha nos termos dos arts. 58.º, n.º 1, al. a) e 59.º do CPP, o que sendo de natureza obrigatória, constitui nulidade do inquérito, sendo inconstitucional o entendimento contrário, considerou o Tribunal estarmos perante uma mera irregularidade, sanada em 05/07/22, com o interrogatório de AA como arguido, apenas havendo lugar à proibição de valoração da prova do seu depoimento prestado na qualidade de testemunha em 18/01/17.
XVIII. Reconhece o Tribunal a quo no despacho de que ora se recorre que a constituição de arguido do Recorrente ocorreu a 5 de Julho de 2022, por factos ocorridos, respectivamente, a 26 de Agosto de 2015 e 2 de Maio de 2016, mais de cinco anos volvidos sobre o decurso do prazo de prescrição previsto para o tipo de crimes imputados ao Recorrido (art.º 118 n.º 2 do CP).
XIX. O conhecimento de tal factualidade, constitui, à semelhança da restante matéria invocada, questão prévia que ao Tribunal incumbia conhecer. O que poderia e deveria ter feito na presente sede.
XX. Entende o Recorrente que na presente sede se verifica a nulidade por falta de inquérito que ao Tribunal se impunha conhecer. Vejamos:
XXI. Os presentes autos tiveram o seu início com uma queixa apresentada por BB, junto do DIAP Porto, em que este participou criminalmente contra pessoas determinadas, entre eles, o arguido AA, sua mãe DD (entretanto falecida) e EE, imputando-lhes a prática de um crime de burla.
XXII. A 18 de Janeiro de 2017, o arguido e a senhora sua mãe prestaram depoimento, na qualidade de testemunhas, junto dos órgãos de polícia criminal.
XXII. No decurso de tal inquirição o então suspeito AA (linha 39 e seguintes de fls.107) veio afirmar:
dúzia, através da firma do Sr. EE e outras pessoas cuja designação não se recorda. Disse que a primeira vez que adquiriu um imóvel através deste tipo de contrato terá sido há cerca de 2 ou 3 anos
XXIV. Na sequência do depoimento assim prestado os órgãos de polícia criminal oficiaram a Direcção Geral de Impostos para vir aos autos juntar informação de todos os prédios inscritos em nome do, então denunciado e ora Recorrente, AA e da denunciada DD. Em tal ofício fez-se constar que o pedido assim efectuado se destinava a investigação de um crime de burla (Cfr. ofício de fls. 163)
XXV Acontece que, contrariamente ao que por lei estava vinculado, o órgão de polícia criminal não constituiu o denunciado na qualidade de arguido.
XXVI Não o fez, inquirindo-o na qualidade de testemunha, não obstante do teor da denúncia (ao menos na tese sufragada pelo queixoso e pelo MP) resultarem indícios quanto a este da prática de um crime de burla e de a queixa ter sido expressamente contra ele apresentada como autor material do ilícito.
XVII. Como o não fez, quando no decorrer da inquirição o ora Recorrente afirmou já haver.
XXVIII. Prevê a al. a) do n.º 1 do art.º 58 do CPP e 59 n.º 1 que neste caso a constituição de arguido é obrigatória,
XXIX. Mais, estabelece o art.º 272 n.º 1 do CPC:
determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-lo. Neste sentido se encontra fixada jurisprudência do STJ (Ac. 1/2006 de 23-11-06).
XXX E nesta medida, porque o denunciado não foi constituído arguido no momento em que a lei o impunha (art.º 58 n.º 1 al a) e 59º ambos do CPP), preterindo-se uma formalidade obrigatória (art.º 272 n.º 1 do CPP), o Recorrente invocou a nulidade de todo o inquérito, nos termos do art.º 120 n.º 2 al d) do CPP.
XXXI. Pugnando para que fossem declarados inválidos não só a inquirição do ofendido na qualidade de testemunha, mas todos os actos subsequentes, pois conforme se enunciou, toda a demais prova carreada para os autos o foi na sequência, dependência e em consequência das declarações por si prestadas prestadas (art.º 122 n.º 1 do CPP).
XXXII. Mais invocou o ora Recorrente que o disposto no artigo 58 n.º 1 e 59 n.º 1 do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a constituição de arguido e o momento em que a mesma ocorrer reveste natureza de acto discricionário que pode ser deixado ao arbítrio do titular do Inquérito e dos órgãos de policia criminal, é inconstitucional por violação do comando contido nos artºs 2º, 18º/1, e 32º, nºs 1, 2 e 5, todos da Constituição da República Portuguesa.
XXXIII. A obrigatoriedade de constituição de arguido é, no entender do Recorrente, um corolário lógico dos fins e do âmbito do inquérito e das finalidades do processo criminal, bem como das garantias de defesa que a Constituição da República proclama dever o processo criminal assegurar - artigo 32.º, n.º 1.
XXXIV o Tribunal a quo, ao sufragar a posição assim assumida pelo JIC veio a pronunciar pela não verificação da nulidade e inconstitucionalidade invocadas.
XXXV - Proferindo despacho no sentido de estarmos perante uma mera irregularidade, a qual veio a resultar sanada com a constituição do ora Recorrente, como arguido, em 05.07.2023, onde teve conhecimento dos factos que lhe eram imputados e dos meios de prova recolhidos e optou pelo silêncio.
XXXVI. Entendendo, não se estar perante qualquer nulidade de inquérito, mas tão só a proibição de valoração como prova do depoimento prestado pelo aqui Recorrente, enquanto testemunha a 18/01/2017.
XXXVII Ora, salvo o devido respeito, a decisão assim proferida viola de uma assentada o art.º 118 n.º 3 do CPP, o art.º 120 n.º 2 al.d) e 122 n.º 1 e 3 também do CPP e bem assim os art.º 58 n.º 1 al a), 59 n.º 1, 272 n.º 2 todos do CPP .
XXXVIII. Como se referiu supra e resulta dos autos de inquérito, foi o arguido quem, aquando da sua inquirição como testemunha (18/01/2017), afirmou ter adquirido vários imóveis do modo descrito na queixa apresentada, ou seja, através da firma do Sr. EE e outras pessoas cuja designação não se recordava.
IXL. E nesta medida considera o Recorrente, contrariamente ao que foi entendimento do Tribunal de Instrução e sufragado, por adesão, no despacho de que ora se recorre pela Mmª Juiz a quo que, no caso, a não constituição de arguido no momento em que a lei o impunha, constitui uma verdadeira nulidade in casu, nos termos conjugados dos art.º,art.º 58 n.º 1 al a) e 59º ambos do CPP, por preterição de uma formalidade obrigatória (art.º 272 n.º 1 do CPP), e dos art.º 120 n.º 2 al d) do CPP e 122 n.º 1 e 3 também do CPP.
XL. É que, assim carreada, tal importará que se verifique a nulidade absoluta e insanável por falta de inquérito, pois não existe no processo a realização de qualquer outra diligência de prova, o que importa a nulidade absoluta por falta de inquérito, nos termos do art.º 119 al d) do CPP, o que nesta sede também se invoca. E também por este facto a decisão proferida ao entender diferentemente, violou o art.º 119 al d) do CPP.
XLI Mas ainda que assim se não se considerasse, o que se concebe sem conceder e, admitindo-se estarmos perante uma mera irregularidade, sempre a decisão proferida, nos termos em que o foi violou o art.º 122 n.º 1 a 3 do CPP, 125 e 126 do CPP e art. 118 n.º 3 do mesmo diploma CPP que o regime das nulidades, sejam elas absolutas ou relativas, e das irregularidades, não prejudica o disposto noutras normas sobre a proibição das provas.
XLII. Ora a doutrina costuma destrinçar dois níveis de proibição: o da produção da prova e o da sua valoração. No primeiro caso a lei veda a realização da própria prova, no segundo, o que se veda é a valoração, nomeadamente nos casos em que se considera que foram ilegalmente obtidas
XLIV Dito isto retomemos os autos, ainda a considerar-se estarmos perante uma mera irregularidade, cfr o afirmado no despacho a decisão o que como se referiu se concebe sem conceder, nunca as consequências daí advenientes se poderiam cingir, no caso concreto, à proibição de valorar as ditas declarações como meio de prova em sede de julgamento.
XLV. Na verdade a proibição de valoração daí decorrente não poderia, contrariamente ao que foi entendimento do Tribunal a quo, pelos motivos já invocados abranger apenas e em singelo, o depoimento prestado pelo ora Recorrente na qualidade de testemunha.
XLVI. Antes e necessariamente terá de se estender à proibição de valoração dos factos resultantes da relação endereçada pela Autoridade Tributária, dos derivados das certidões de registo, escrituras e registos, bem como, também por deles decorrentes directamente dos depoimentos testemunhais das pessoas neles intervenientes, ou seja, a proibição deverá abranger todos os meios de prova obtidos na sequência e como consequência das mesmas, o que importa, no caso sub judice a proibição de valoração de todos os meios de prova constantes do inquérito.
XLVII O entendimento assim sufragado tem sido objecto de análise da doutrina, que a tal se refere como a teoria da árvore envenenada, neste sentido veja-se o afirmado pelo Prof. Germano Marques da Silva in As proibições de Prova no Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, ed. Liv. Almedina, Coimbra 2004 pag. 140.
XLVIII94.Mas refere ainda o referido autor in Curso de Processo Penal II, pag. 120 e 121:
as próprias provas proibidas, já que, por efeito do mal congénito de que padecem, tornam também inutilizáveis, pelo menos algumas provas obtidas à sua sombra, como sejam as resultantes ou consequências daquelas por efeito à distância. (doutrina da árvore en (carregado e sublinhado nosso).
XLIX Acresce que, no caso concreto dos autos dadas as declarações concretamente prestadas pelo Recorrente enquanto testemunha e a extensão destas quanto aos seus efeitos sobre a prova produzida abrangendo, como se referiu, toda a prova que serviu para instruir a acusação, entende o Recorrido que ao Tribunal mais não restaria que declarar a nulidade de todo o inquérito nos termos do art.º 119 al d).
L. Ou, caso assim se não entenda, nos termos do art.º 120 n.º 1 al d), reconhecendo a ilegalidade de toda a prova produzida e consequentemente a impossibilidade da sua ponderação.
LI E a ser assim, como se impõe, toda a pronúncia que transcenda a factualidade alegada por BB (o denunciante nos presentes autos) e CC (denunciante no processo ... que veio a ser apenso aos presentes), deverá ser dada por não escrita e o Inquérito ser considerado, nessa parte, nulo e assim parcialmente anulado, e impassível de valoração, o que desde já expressamente se requer.
LII. Foi também a utilização das ditas declarações como meio de prova que permitiu identificar todos os restantes contratos e, consequentemente, identificar os pretensos queixosos e contratos celebrados.
LIII Assim, as menções respeitantes à factualidade enunciada nos art.º 10º a 43º, 66º a 108º, 135º a 177º, 187º a 266º, 291º a 336º e, finalmente de 364º a 408º da douta acusação/ pronúncia, porque consubstanciam efeitos à distância decorrentes de prova proibida, deverão ser abolidas, o que não tendo sido decidido em sede de despacho o fere da enunciada ilegalidade.
LIV. Pelo que a decisão proferida que limita o conhecimento da irregularidade cometida à valoração do depoimento prestado pelo ora Recorrente na qualidade de testemunha, sem mais viola o art.º 120º, 123.º e 118 n.º 3 do CPP.
LV. Invocou ainda o recorrente, também como questão prévia e incidental veio invocar a extinção do direito de queixa por decurso do prazo e bem assim a falta de legitimidade do Mp para promover a acção penal, após registo das desistências de queixas apresentadas pelos ofendidos.
LVI. O presente processo e o seu apenso tiveram origem em denúncias apresentadas pelos ofendidos, respectivamente BB e CC, em ambas as denúncias era imputada ao arguido a prática de um crime de burla, tendo o MP entendido estarmos perante um crime de usura.
LVII. A previsão do ilícito encontra-se consagrada no art.º 226 CP., estabelecendo-se no seu n.º 3, que o procedimento criminal depende de queixa
LVIII. Por seu turno os art.º s 113 do CP vem estabelecer o titular desse direito e art.º 115º estabelece a extinção do mesmo
LIX. Em suma, nos presentes autos os crimes imputados ao arguido, ora Recorrente, são crimes contra o património, de natureza semi-pública, em que o exercício do direito de queixa é condição essencial de procedibilidade do exercício da acção penal por parte do MP e, pelo menos à publicação da sentença da 1ª instância, condição de prosseguimento dos autos. (art.º 49 e 51º do CPP art.º 116 n.º 2 do CP).
LX. Ora, nos crimes desta natureza, o legislador veio estabelecer um prazo até ao qual ao ofendido, sob pena de caducidade, pode apresentar queixa, tendo fixado esse prazo em 6 meses (art.º 115 do CP)
LXI. Findo esse prazo e porque na presença de um prazo de caducidade, verifica-se a extinção do direito de queixa, efeito que opera pelo seu mero decurso.
LXII. No caso em apreço o denunciante BB apresentou queixa contra o arguido a 21 do Setembro de 2016, por facto que, alegadamente, se consumou a 26 de Agosto de 2015, data da outorga da escritura de compra e venda.
LXIII. Por seu turno, CC apresentou queixa a 13 de Março de 2017 por facto que, alegadamente, se consumou a 2 de Maio de 2016, também com a outorga da escritura de compra e venda.
LXIV. Ou seja, no primeiro dos casos o denunciante apresentou queixa contra o arguido volvidos 13 meses sobre a prática do alegado ilicito e no segundo,, a denunciante apresenta queixa volvidos 10 meses. Em ambos os casos muito para além do prazo que lhes é concedido por lei (art.º 115 do CP).
LXV. Pelo que a decisão proferida, ao não reconhecer a extinção do direito de queixa que, nos termos dos art.º 277 n.º 1 in fine do CPP impõe ao MP proferir despacho de arquivamento, violou art.º 226 n.º 1 e 3 do CP, art.º 113, 115 e 116 n.º 2 do CP e, finalmente e de uma mesma assentada os art.º 49 e 51 do CPP.
LXVI E sendo no caso sub judice a apresentação da queixa condição de procedibilidade, por na presença de um crime semi-público, ao MP impunha-se, verificada a extinção do direito de queixa, proferir despacho de arquivamento, por inadmissibilidade legal do procedimento (art.º 277 n.º 1 in fine do CPP) e, consequentemente à Mmª Juiz a quo ter proferida decisão que conhecesse de tal irregularidade, o que não fez, violando assim o referido preceito.
LXVII Pelo que a decisão proferida, nos termos em que o foi, viola os art.º 226 n.º 1 e 3 do CP, art.º 49 e 51 do CPP e art. 113º, 115º e 116 n.º 2 do CP e configura nulidade nos termos do art.º 119 al b) .
LXVIII. Quer se considere estarmos na presença de um crime de burla ou de usura estamos, em qualquer dos casos, na presença de crimes contra o património e na presença de crimes de natureza semi-pública (art.º 217 n.º 3 e 226 n.º 3 do CP) dependendo assim, o procedimento criminal, de queixa dos ofendidos.
LXIX. Ora, o poder de desistência de queixa é um direito subjectivo público e de carácter pessoal que a lei consagra (art.º 116º n.º 2 do CP) e que está implícito no direito de queixa.
LXX. Significa tal que a validade e eficácia da desistência de queixa, por parte do seu legitimo detentor, apenas está dependente da verificação de três pressupostos:
d) a vontade do ofendido;
e) a não oposição do arguido;
f) a sua apresentação até à publicação da sentença em primeira instância.
LXXI. Ao Ministério Público, em sede de inquérito, compete homologar a referida desistência. Contudo o poder assim conferido é um poder vinculado, não podendo opor-se à mesma, tudo e quando seja apresentada pelo seu legítimo titular, sem oposição do arguido e atempadamente.
LXXII Sendo que também aqui o MP não homologou a desistência da queixa, contrariamente ao que estava obrigado, por força do estatuído no art.º 51º e 49º do CPP, o que lhe era imposto e configura nulidade nos termos do art.º 119 al b) e que como tal se impunha ao Tribunal de julgamento conhecer. Pelo que a decisão proferida viola os referidos preceitos e incorre na nulidade nos termos do art.º 379 n.º 1 al. c).
LXXIII Veio o Tribuna a quo considerar que in casu, pronunciados pela prática, em co-autoria material de um crime de usura agravada natureza pública e não semi-pública extemporaneidade da mesma (não sendo eplicável o disposto nos art.º 115 e 116 do CP) bem como são ineficazes as desistências de queixa apresentadas
LXXIV - Uma vez mais não pode o arguido conformar-se com tal decisão, pois a usura, que se encontra tipificado no n.º 1 do artigo 226º do CP, quer na sua forma simples, quer na sua forma agravada, é um crime de natureza semi-pública, atendendo que o procedimento criminal depende de queixa, como resulta do seu n.º 3. Não constituindo o n.º 4 do sobredito artigo um tipo autónomo de crime, relativamente à previsão tipificada do crime prevista no seu n.º 1, pois que o n.º 4 apenas enumera as circunstâncias agravantes que influem na medida da pena e já não na natureza semipública do tipo de crime.
LXXV - Aliás refira-se que a interpretação assim efectuada é a única compaginável com a evolução que este tipo de crime foi sofrendo ao longo dos anos no nosso ordenamento jurídico. Na sua versão original o CP de 1982 estabelecia a usura como um crime de natureza publica e previa a usura habitual como um tipo de crime autónomo, situação que veio a abandonar, pelo que a posição sufragada, viola na interpretação que faz do art.º as mais elementares regras da interpretação das normas, mormente o art.º 9 do CC.
LXXVI - Neste sentido, atente-se nas disposições introdutórias à parte especial do Código Penal de 1995, como resulta do DL n.º 48/95, de 15/03, que o aprovou, que o legislador com a referida reforma teve a intenção e opção de alterar a natureza de vários crimes públicos, aliás, como foi o caso do crime de usura, entendendo que o procedimento criminal deveria passar a estar nas mãos das partes em conflito, fazendo com que tais crimes passassem a depender de queixa, leia-se o ponto 25 das disposições introdutórias à parte especial do Código Penal de 1995:
-se - e foi isso o que o Código teve presente - que o direito penal deve sempre actuar como ultima ratio. E quando, nos casos evidentemente menos graves, as partes em conflito se compõem, é natural e saudável não dever o direito penal intervir. A concretização desta ideia atingiu-se através da necessidade, nos casos especificados na lei, de o procedimento criminal depender de queixa. Isto é, sempre que uma sã política criminal o aconselhava (para salvaguarda de outros bens de natureza institucional, v. g., a família), retirou-se a certas infracções a qualificação de crimes públicos. O que, sem ser a mesma coisa, pode compreender-se como parte de um movimento de
LXXVII A interpretação decorrente do despacho de que ora se recorre, no sentido de que o crime de usura na sua forma agravada tem natureza pública, sempre viola o princípio da legalidade criminal consagrado nos artigos 29º n.º 1, 3 e 4, e 165º n.º 1 al. c) da Constituição da República Portuguesa, que proíbe a interpretação analógica no direito penal português, pelo menos, no que concerne à configuração de tipos de crime.
LXXVIII. E nesta medida deverá levar, obrigatoriamente, à homologação da desistência de queixa, com consequente arquivamento dos autos artigo 51º do CPP.
LXXIX. Mas ainda que assim se não considerasse, o que por mera hipótese se concebe, sem conceder, aderindo-se a uma qualquer tese de que a natureza dos crimes em questão é pública, por qualificada, o que impede a desistência dos ofendidos, ainda assim, no caso sub judice, impunha-se o arquivamento dos autos.
LXXX. O crime de burla e o crime de usura são tipos de ilícitos em que se visa tutelar o património. A reforma penal de 2007 veio permitir e/ou acrescentar a ideia de acordo entre o ofendido e o arguido como causa de extinção da responsabilidade penal.
LXXXI O que pode suceder, mesmo nos crimes públicos, como refere Francisco Aguilar:
reforma, uma nova categoria processual de crimes: crimes públicos cuja procedibilidade depende da vontade do ofendido. A qual tem aplicação nos crimes
LXXXII. Na génese de tal entendimento está uma ideia de justiça restaurativa nos crimes de natureza patrimonial, considerando-se que as necessidades preventivas desaparecem quando a um agente que repõe integralmente as coisas/ situação.
LXXXIII. Também Costa Pinto, in A categoria da punibilidade na teoria do crime II Almedina, 2013 pag. 768 refere: considerando estar em causa um juízo normativo de desnecessidade da pena, equivalente ao que legitima o privilégio da desistência. (O mesmo entendimento é sufragado por Cavaleiro Ferreira e Costa Andrade)
LXXXIV Entendimento que no caso da usura tem consagração expressa no n.º 5 do art.º226CP. Ora, nos presentes autos e tal como resulta das desistências das queixas juntas aos autos, quer num caso, quer noutro, (a aderir-se à tese do MP) o arguido renunciou à entrega da alegada vantagem e modificou os negócios que lhe estiveram subjacentes.
Pelo que os factos por si praticados deixam, nos termos da lei, de ser puníveis.
LXXXXV. Ora, face a tal entendimento outra alternativa não restaria, que mais não fosse, que proceder ao arquivamento dos presentes autos, por força do art.º 277 n.º 1.
LXXXVI. Ainda que assim não se considerasse, impunha-se ao MP não plasmar na acusação proferida a factualidade respeitante a estes ofendidos, pois tal configura a violação do princípio ne bis in idem, porquanto no entendimento sufragado pela Acusação e a que a Juiz a quo adere no seu despacho, os alegados factos em causa, não obstante terem sido objecto de acordo por parte dos ofendidos e arguido, terem levado à alteração dos contratos e renúncia de vantagens, terem estado na origem de desistência das respectivas queixas, podem, ainda assim ser valorados novamente como
LXXXVII. Ou seja: a eficácia ou não das desistências apresentadas, a sua admissibilidade,
deve ser aferida segundo juízos de prognose póstuma, e não em face dos resultados das posteriores diligências, já inquinadas por essa ilegalidade e que só foram possíveis .
LXXXVIII A acusação proferida apenas foi possível porque quem investigou princípios basilares do processo penal, se permitiu deles fazer tábua rasa.
XC Desde logo, o princípio da celeridade processual que impõem, como bem salientam os Juízes Conselheiros Sima Santos e Leal Henriques e o Procurador João Simas Santos in Noções de Processo Penal ed. Rei dos Livros pag. 48 e seguintes: que o processo penal se desenvolva e conclua no mais curto espaço de tempo possível, de modo a poder dar realização efectiva ao direito penal de que é instrumento (sublinhado e carregado nosso).
XCI. Afirmam ainda os referidos autores e na citada obra:
evita um desnecessário sofrimento para o próprio arguido, porque a incerteza da decisão e a ameaça da pena que sobre ele paira pode significar e frequentemente significa o condicionamento da sua vida pessoal e profissional e até mesmo a sua liberdade; por outro lado, furta o ofendido a consequências perniciosas na medida em que quanto mais cedo houver decisão (e decisão justa) mais sedo ele retomará a paz, mais cede ele retomará a paz, mais cedo ele retomará a confiança na sociedade que lhe fez justiça e finalmente porque tranquiliza a sociedade uma vez que, a paz social assenta em grande parte na certeza de que os criminosos são condenados e os inocentes absolvidos, não deixando, pois, que germine a ideia de impunibilidade e descrédito da justiça (carregado e sublinhado nosso)
XCII. Ora a consagração/imposição de prazos de duração do inquérito cfr. art.º276 do CPP é corolário de tal princípio.
XCIII. Impondo aos Titulares dos processos, a quem compete dirigir o inquérito (art.º 53 do CPP) abster-se de eternizar as investigações.
XCIV. Ora esta eternização com que há muito a justiça vem sendo confrontada e que há muito a mina no seu âmago, ganhou agora novos contornos, muito por força dos processos que envolvem figuras com responsabilidades políticas da nossa sociedade, e têm gerando movimentos que ameaçam fazer perigar princípios de que um Estado de Direito não pode abrir mão, nomeadamente da separação de poderes e independência.
XCV., a todos deve e tem de importar a eterização das investigações que permitem que processos se mantenham ilícitos que deles não constam mas que se pressupõem, novas perspectivas, novos desenrolares, que ao seu tempo não eram conhecidos e que a investigação então não revelou devendo também a sua defesa intransigente nos unir.
XCVI. A tal nos obriga a Justiça e a constituição, que no seu art.º 32 n.º 2 in fine impõe que todo o arguido seja julgado no mais curto espaço de tempo.
XCVII. Interpretar a factualidade enunciada diferentemente, para além de contender com à presunção da inocência do arguido.
XCVIII. Com efeito, a primeira e mais importante garantia do arguido é a presunção da ao trânsito em julgado da decisão condenatória.
XCIV. Trata-se de uma garantia que tem assento constitucional no nosso direito, art.º 32º n.º 2 da CRP, como aliás sucede em praticamente todos os Estados de Direito, sendo também uma garantia acolhida nos principais instrumentos internacionais e regionais sobre os direitos do homem.
XCV. Sendo que a presunção de inocência é também uma regra importante de sobre a apreciação da prova, o que impõe a todos os intervenientes que um non liquet na questão da prova tem sempre de ser valorado a favor do arguido.
XCVI Ora o princípio da presunção da inocência vale não só para o julgamento, como para as demais fases processuais, nomeadamente do inquérito, pelo que deveria ter sido reconhecida a extinção, por caducidade, do direito de queixa e, consequentemente, ordenado o arquivamento dos autos, nos termos do art.º 271 in fine, o que se requer a título subsi
Termos em que se requer a Vªs Exªs Senhores Desembargadores que seja dado provimento ao presente recurso, e o douto despacho agora recorrido ser revogado e substituído por Douto Acórdão que, conhecendo das nulidades invocadas e das irregularidades, ordene o arquivamento dos autos e a não sujeição do arguido a julgamento.
COMO É DO DIREITO E DA JUSTIÇA.

*


O MP em Primeira Instância apresentou contra-motivação, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida.
*

Os arguidos vieram responder ao recurso, suscitando várias questões.
*

Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pugnando pela improcedência do recurso.
III - Do mérito.
(…) Sempre me permitirei no entanto, em total sintonia com os argumentos e razões lucidamente defendidas na doutíssima resposta do Ministério Público apresentada em 1.ª instância, e reduzindo a analise à matéria que consta apenas do processo5, dizer ainda o seguinte num brevíssimo, lacunar e curto opusculo em plain language.
Sem pretender quebrar o elevadíssimo respeito por opinião divergente, e até, porventura, mais avisado e sedimentado entendimento (com a especial e inarredável ressalva que ao contrário dos “factos”, as opiniões não são “falsas” nem “verdadeiras”, e muito menos, a minha, constituirá o critério barométrico da solução jurídica ideal e infalível) não se compreende o presente recurso.
O recorrente, antes de tempo e de forma prematura, nas doutas alegações fez uma interpretação dos factos cuja demonstração deveria ser relegada para a audiência de discussão e julgamento.
Saber se estamos perante um crime de burla ou de usura, na forma simples ou agravada, (e, por conseguinte, susceptiveis de desistência de queixa e homologação válida) pressupõe a discussão e abordagem de factos e isso só pode e deve ser feito no momento próprio e não “a meio” de uma fase processual, cuja economia normativa não prevê qualquer antecipação do conhecimento destas questões, que devem ser apuradas em julgamento.
Encontrando-se o recorrente pronunciado pelo crime de usura agravado previsto, sancionado e punido pela norma do artigo 226.º n.º 4 do Código Penal – C.P., não pode pretender que o tribunal a quo conheça dos factos antes de tempo e por mero despacho interlocutório decida das questões que colocou. Entre a pronuncia e o julgamento os factos encontram-se estabilizados e não são susceptíveis de serem alterados. O mesmo se diga em sede da qualificação jurídica dos factos operada pelo despacho de pronuncia, que também deverá manter-se intocável e imodificável até ao julgamento.
Também não tem qualquer sentido nem apoio legal afirmar-se que o crime de usura agravada, pelo qual o arguido foi pronunciado, reveste a natureza de crime semipúblico, que admite a desistência de queixa e que no caso concreto se impõe a sua homologação, pois esta é uma afirmação completamente destituída de fundamento legal. É uma evidencia tipo clarão autoexplicativo que não necessita de doutrina ou jurisprudência para se afirmar – in claris non fit demonstratio.
O facto de no artigos 226.º n.º 1 se ter utilizado a técnica de se prever o crime na sua forma simples, de se declarar, no seu n.º 3, que o respectivo procedimento criminal depende de queixa (isto é, que tal crime têm a natureza de semi-pública), e de, nos números seguintes, se indicarem os factores agravativos que transformam tal crime em qualificado, não significa que legislador tenha querido manter a forma semi-pública a todas as indicadas formas desses crimes, mas tão somente tem o sentido de traduzir a intenção do legislador de só querer tratar como crime semi-público o correspondente crime "simples". O crime agravado do artigo 226.º n.º 4 é de natureza publica – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – S.T.J. de 24/09/1998 in www.dgsi.pt .
As previsões legais descritas no artigo 226.º n.º 4 do Código Penal – C.P., foram consideradas pelo legislador de tal forma graves pela ordem jurídica que se considerou não ser compaginável com os valores reinantes deixar a proteção dos bens jurídicos à mercê da vontade do ofendido, atribuindo-se logo ao Ministério Publico – M.P. a legitimidade para perseguir e apurar os factos independentemente da apresentação da queixa e manifestação de vontade do procedimento criminal.
Estamos numa situação em que foi utlizada uma técnica legislativa em tudo idêntica ao crime de abuso de confiança agravado previsto, sancionado e punido pela norma do artigo 205.º do Código Penal – C.P., que também reveste natureza de crime público7. São
7 - Neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – T.R.L. de 12/09/2007 in www.dgsi.pt:
«I - Somente o crime de abuso de confiança simples, a que se refere o art. 205º, n.º 1, tem natureza semi-pública, revestindo as demais situações previstas no preceito a natureza de crime público.
II - Estando em causa o crime de abuso de confiança especialmente qualificado em razão do valor consideravelmente elevado [art. 205.º, n.º 4, al. b)], de natureza pública, é manifesto que o mesmo não admite desistência de queixa».
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – T.R.L. de 12/07/2001 in www.dgsi.pt:
«I - O nº 3 do art. 205 do C. Penal vigente, versão de 1995, ao fazer defender a queixa o procedimento criminal pelo crime de abuso de confiança, reporta-se tão somente à sua forma simples definida no nº 1 daquele normativo, e não abrange qualquer dos casos enunciados no seu nº 4: coisa de valor elevado ou de valor consideravelmente elevado;
II - Estando, pois, em causa nos autos a imputação ao arguido de factos integradores do crime de abuso de confiança na sua forma qualificada, p. e p. nos termos dos números 4, b) e 5 do referido art. 205º do C. Penal, o Mº Público tem legitimidade para, sem necessida de queixa do ofendido, exercer a acção penal. É que o aludido crime, tal como a generalidade dos crimes contra o património, na sua forma qualificada, tem natureza pública».
prerrogativas da legística que o interprete tem de observar e não distorcer a seu bel prazer.
Quanto às demais questões e em acrescento ao já exposto, o pensamento critico e a retórica argumentativa arregimentada nas doutas alegações de recurso, apesar de briosas e eloquentes, esbarram, desintegram-se e são juridicamente desbaratadas pelas proficientes considerações alinhadas no despacho de pronuncia, que, por economia e profundo respeito por trabalho (e esforço) alheio (principalmente quando se encontra bem feito), se respigam na parte relevante e que ora interessa:
«….
O arguido AA requereu a abertura de instrução, alegando que não se mostram recolhidos indícios suficientes da prática pelo mesmo do crime de que vêm acusado, Invoca ainda a nulidade por falta de Inquérito, porquanto o arguido foi ouvido como testemunha, devendo no entender do mesmo ser constituído como arguido, logo apos terem sido denunciados pelo denunciante BB. Mais alega que essa não constituição como arguido, à data, é inconstitucional por violar o disposto no art.º 32º, nº1 da CRP .
Mais alega que a constituição como arguido no processo 719/17. 7JAPRT, não se pode comunicar a este processo.
-Invoca também a por falta de legitimidade do Ministério Público na promoção do processo penal, nos termos do artigo 119 alínea b), 48, 49 e 50 todos do CPP e 29 n. 1, 3 e 4, e 165 n. 1 al. c) da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o crime porque vêm acusados tem natureza semi-pública; pelo que o prazo para o exercício do procedimento criminal se extingue decorrido que se mostre o prazo legal de seis meses.
-Mais invoca que o arguido renunciou à entrega da alegada vantagem e modificou os negócios que lhe estiveram subjacentes, pelo que nos termos do art.º 226º, nº 5 do Código Penal, os factos por si praticados deixam de ser punidos.
Mais refere que tais factos respeitantes ao denunciado BB e CC, não deviam constar da acusação, face à desistência de queixa apresentada por ambos.
………………
O Ministério Público tem legitimidade para acusar.
As questões levantadas pelos arguidos, respeitantes a de legitimidade do Ministério Público na promoção do processo penal, nos termos do artigo 119 alínea b), 48, 49 e 50 todos do CPP e 29 n. 1, 3 e 4, e 165 n. 1 al. c) da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o crime porque os arguidos vêm acusados tem natureza semi-pública; e dai e o prazo para o exercício do procedimento criminal se extingue decorrido que se mostre o prazo legal de seis meses, prendem-se com a natureza publica ou semi- publica do crime de usura agravado p. p. pelo art.º 226.º/1 e 4-a) do Cód. Penal.
A promoção da acção penal rege-se pelo princípio geral da oficialidade ou publicidade, consagrado pelo art. 48º do CPP, nos seguintes termos: O Ministério Público tem legitimidade para promover ao processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49º a 52º do CPP O art. 49º do CPP tem por epígrafe «Legitimidade em procedimento dependente de queixa» e o seu nº 1 é do seguinte teor: Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo. O nº 2 do mesmo normativo considera feita ao MP a queixa apresentada a entidade que tenha obrigação legal de a transmitir àquele. Dos preceitos legais agora citados pode extrair-se a regra segundo a qual a legitimidade do MP para a promoção da acção penal só depende de queixa do ofendido, ou de outra pessoa a quem a lei reconheça o direito de a apresentar, nos casos exista disposição legal expressa que exija o preenchimento de tal requisito. Nos demais casos, e abstraindo agora das situações em que é exigida acusação particular, a promoção do procedimento criminal tem carácter estritamente público. O nº 2 do art. 116º do CP dispõe: O queixoso pode desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1ª instância. A desistência impede que a queixa seja renovada. Contudo, a desistência de queixa, sem oposição do arguido, só tem por efeito extinguir o procedimento criminal nos casos em que lei condicione a promoção deste à apresentação daquela. Relativamente aos crimes de natureza procedimental pública, a desistência de queixa é ineficaz.
Dispõe o art.º 226 do Código Penal: 1 - Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial, para si ou para outra pessoa, explorando situação de necessidade, anomalia psíquica, incapacidade, inépcia, inexperiência ou fraqueza de carácter do devedor, ou relação de dependência deste, fizer com que ele se obrigue a conceder ou prometa, sob qualquer forma, a seu favor ou a favor de outra pessoa, vantagem pecuniária que for, segundo as circunstâncias do caso, manifestamente desproporcionada com a contraprestação é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
4 - O agente é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias se:
a) Fizer da usura modo de vida;
b) Dissimular a vantagem pecuniária ilegítima exigindo letra ou simulando contrato; ou
c) Provocar conscientemente, por meio da usura, a ruína patrimonial da vítima.
5 - As penas referidas nos números anteriores são especialmente atenuadas ou o facto deixa de ser punível se o agente, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância:
a) Renunciar à entrega da vantagem pecuniária pretendida; b) Entregar o excesso pecuniário recebido, acrescido da taxa legal desde o dia do recebimento;ou
c) Modificar o negócio, de acordo com a outra parte, em harmonia com as regras da boa fé.
No direito penal português, são numerosos os casos em que a lei penal faz depender de queixa o procedimento criminal por determinados crimes, na sua variante simples (isto é não qualificada ou agravada), consagrando o carácter público do procedimento relativo aos crimes qualificados ou agravados. Tal é o que sucede, por exemplo, desde a entrada em vigor da reforma do Código Penal introduzida pelo DL nº 48/95 de 15/3, com grande parte dos crimes contra propriedade e contra o património, como sejam os crimes de furto, abuso de confiança, dano, burla, burla relativa a seguros, burla informática, abuso de cartão de garantia ou de crédito e usura (vd. arts. 203º, 204º, 205º, 212º, 213º, 214º, 217º, 218º, 219º, 221º, 225º e 226º do CP). No caso dos crimes de furto, dano e burla, a definição do tipo criminal básico e a cominação da pena aplicável à variante simples destes ilícitos constam de determinado artigo da lei, enquanto que em artigo ou artigos subsequentes se encontram descritas as circunstâncias qualificativas do crime e cominadas as molduras punitivas aplicáveis às respectivas variantes qualificadas. Nestes casos, o artigo relativo ao crime simples contém a disposição «o procedimento criminal depende de queixa», sendo esta aplicável apenas às situações tipificadas nesses artigos e que não incluam qualquer das circunstâncias qualificativas previstas nos artigos subsequentes.
Relativamente aos restantes ilícitos referenciados, as normas que descrevem o tipo criminal fundamental e cominam a pena aplicável ao crime simples e aquelas que prevêem as circunstâncias, que qualificam o crime, e as penalidades cominadas ao crime qualificado contam de um mesmo artigo da lei, encontrando-se intercaladas por uma disposição «o procedimento criminal depende de queixa», a qual, segundo é entendimento pacífico, vigora apenas para as situações previstas para as situações a que se referem os segmentos normativos que, no texto do artigo, a antecedem.
Assim, não restam dúvidas de que o crime imputado aos arguidos reveste natureza pública uma vez que o mesmo lhe é imputado de forma agravada (n.º 4) e não simples (nº1).
E, assim sendo, não se aplica o disposto no art.º 116 /2 do CPenal, nem o prazo de caducidade para exercício do direito de queixa, de seis meses (art.º 115 do C Penal), é aplicável a este caso.
Por outro lado as desistências de queixa apresentadas pelos ofendidos, referidos pelos arguidos no RAI, são ineficazes, já que não depende da vontade dos titulares do direito de queixa, a prossecução do procedimento criminal, atenta a natureza publica do crime de usura agravado. Por outro lado, encontrando-se os arguidos acusados pela prática do crime de usura agravado, punível com pena de prisão até 5 anos, o prazo de prescrição é de 10 anos, nos termos do art.º 118.º/1-b) do Cód. Penal, pelo que, não se verifica a alegada prescrição.
As denuncias forma efetuadas antes de terem decorrido os dez anos, prazo de prescrição do procedimento criminal.
Improcedem assim:
-a nulidade insanável da acusação, por falta de legitimidade do Ministério Público na promoção do processo penal, nos termos do artigo 119 alínea b), 48, 49 e 50 todos do CPP e 29 n. 1, 3 e 4, e 165 n. 1 al. c) da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o crime porque vêm acusados tem natureza pública, sendo pois ineficazes juridicamente as desistências de queixa referidas pelos arguidos nos RAIS;
………………….
O arguido AA invocou igualmente, a nulidade de inquérito por ter sido inquirido na qualidade de testemunha quando deveria ter sido interrogado na qualidade de arguido. «O artigo 58 do Código de Processo Penal português consagra, atualmente, os casos de constituição obrigatória como arguido e as formalidades inerentes a essa mesma constituição. Para o legislador, o ato é demasiado importante, quer no seu quando, quer no seu como, para poder ser deixado ao mero arbítrio do aplicador, estando por isso rodeado de cautelas suplementares. Na base destas formalidades processuais mínimas está, sobretudo, o princípio do nemo tenetur se ipsum accusare; ou seja, o princípio segundo qual ninguém deverá ter que contribuir ativamente para a sua própria condenação. Num Estado de direito, o visado não tem que se auto incriminar: goza do privilege against self-incrimination, que, entre nós, muito embora não tenha logrado consagração expressa, tem, quer segundo a doutrina, quer segundo a jurisprudência, natureza constitucional implícita. A omissão ou a violação das formalidades relativas à constituição como arguido implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova (artº 58, nº 5, do CPP): não valem nem para a culpabilização do arguido, nem para a incriminação de terceiros por ele eventualmente implicados. Numa palavra, não têm qualquer valor probatório. É como se não existissem no processo (do qual, em bom rigor, deviam ser, imediatamente, retiradas).» - JOÃO CONDE CORREIA, in “A proibição de valoração decorrente da violação das formalidades relativas à constituição como arguido”, e-book do CEJ, Direito Penal e Processual Penal, 2012-2015, p. 87. Como diz o citado autor, “a generalidade das proibições de produção e de valoração de prova mergulha as suas raízes nas grandes opções jurídico-constitucionais do Estado de direito, relativas à prova em processo penal. No fundo, são verdadeiras limitações à descoberta da verdade, decorrentes de princípios constitucionais, penais e, mesmo, processuais penais, inerentes à salvaguarda da dignidade da pessoa humana. O ius puniendi estadual não pode ser exercido a todo o custo, devendo respeitar certos limites ético jurídicos prévios. Meios (como, por exemplo, a tortura) ou temas (como, por exemplo, o segredo de Estado ou o núcleo irredutível da intimidade da vida privada) são inadmissíveis num Estado de direito ou, então, são admissíveis, mas ficam sujeitos a um certo formalismo, que garante a sua fiabilidade processual penal mínima e sem o qual também não são toleráveis. Numa palavra, são abusivos e, como tal, incompatíveis com a Lei Fundamental (art. 32.º, n.º 8, segunda parte, da CRP) – op. cit. p. 89”. Sobre esta matéria, acolhe-se plenamente a posição acima exposta e refuta-se a defendida por Paulo Pinto de Albuquerque, que entende que a violação das formalidades previstas no citado artº 58 do CPP se trata de uma proibição de prova «cujo efeito é o da nulidade sanável das provas obtidas, salvo consentimento do visado (artigo 32, nº 8, da Constituição da República e artigo 126, nº 3, do CPP)». Em causa estará uma «intromissão na vida privada da pessoa visada», pelo que «nada obsta ao aproveitamento dos atos processuais realizados pelo visado se essa for a sua vontade depois de constituído como arguido, isto é, depois de devidamente informado dos seus direitos e deveres» - Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora (2007), p. 182, comentário que, nesta parte, se manteve inalterado nas edições posteriores.
Na verdade, como entende João Conde Correia na obra citada, tal tese é inadmissível, não podendo tais declarações valer como prova em qualquer fase do processo, nomeadamente para justificar a decisão final, pois não podem nunca ser valoradas, não se podendo retirar das mesmas qualquer elemento suscetível de contribuir para a formação da livre convicção do tribunal, na medida em que a consequência processual não é uma qualquer nulidade sanável, mas sim uma proibição de valoração, de conhecimento oficioso, a todo o tempo. É por isso que, no caso, as declarações prestadas pelo arguido AA a 18/01/2018 junto dos órgãos de policia criminal não podem valer como meio de prova. Pela similitude da situação em análise e pela clareza do seu entendimento, que aqui acolhemos, passamos a citar o douto Acórdão do TRE, de 07.04.2015, proferido no processo nº 1161/11.9PBFAR, relatado por João Gomes de Sousa (in www.dgsi.pt): «…no caso presente a “comunicação” reduziu-se à eventual verbalização voluntária de uma “queixa” contra desconhecidos por parte do arguido antes de ter essa qualidade. Ou seja, as forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, que a tal resultado conduz o excesso, o radicalismo, na análise destas situações e na fase inicial do processo. Esta situação teórico-processual é de fronteira e de difícil solução em muitos casos (…) E é de fronteira quando o ainda não arguido, mas já pode ser suspeito, ainda não foi constituído arguido, podendo considerar-se que há motivo para tal. Só após a sua afirmação surge a possibilidade – que pode não ser imediata, por necessidade de obter mais indícios – de constituição de arguido. (…) Para este caso parece-nos, deveria valer o disposto nos artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal, aquele sob a epígrafe “Constituição de arguido”, norma que é o cerne da nossa questão concreta (e não a questão do “depoimento indireto” ou das “conversas informais”):
1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, é obrigatória a constituição de arguido logo que: d) For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for manifestamente infundada.
2 - A constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explicação dos direitos e deveres processuais referidos no artigo 61.º que por essa razão passam a caber-lhe.
3 - …
5 - A omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova.
6 - A não validação da constituição de arguido pela autoridade judiciária não prejudica as provas anteriormente obtidas.
E, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal, a omissão ou violação das formalidades previstas nos números anteriores implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova. Tratar-se-ia de clara proibição de prova (produção e valoração) se tal tivesse ocorrido. Assim não ocorre qualquer nulidade de inquérito, mas tão só a proibição de valoração como prova do depoimento prestado pelo aqui arguido, enquanto testemunha a 18/01/2017. Tal irregularidade no entanto foi sanada a 5.07.2022-interrogatório do arguido AA. O arguido foi sujeito a interrogatório presidido pelo Magistrado do Ministério Publico, sobre todos os factos que constituem o objeto do processo, conforme se retira de fls. 1409 a 1431 dos autos, ocorrido em 5.07.2022, tendo pois conhecimento de todos os factos e meios de prova, não existindo pois qualquer prejuízo para a defesa do mesmo, que nesse ato podia requerer prazo para apresentar provas que entendesse, sendo que no exercício do direito que lhe cabe optou pelo silêncio. Não se verifica qualquer violação da constituição. Entendemos também que os factos invocados não constituem qualquer nulidade, como de resto resulta do arts.º 118 e 119.º do nos quais as nulidades se encontram devidamente tipificadas.
Improcedem assim as invocadas nulidades.
Tão pouco se verifica qualquer violação do principio ibis idem, pois o arguido não foi julgado e condenado por sentença transitada em julgado, por factos que constem na presente acusação.
Quanto à aplicação do disposto no 5 do art.º 226 do Código Penal, face à redação de tal preceito, entendemos que tal dispositivo só pode ter lugar na fase de julgamento, onde verificados os pressupostos aí especificados o juiz do julgamento opta pela atenuação especial da pena ou pela não punibilidade do facto, não tendo pois, aplicabilidade na fase de instrução….».
Mais palavras para quê?
Diremos apenas, em jeito de summing up ou in tribus verbis, que discordamos da classificação do vicio efetuado pelo despacho recorrido, que foi também veiculada no despacho de pronuncia e igualmente na resposta da Digníssima magistrada do Ministério Publico na 1.ª instância, isto é – id est – que estaríamos perante uma mera irregularidade do artigo 123.º do Código de Processo Penal – C.P.P..
Antes porém, convém esclarecer que nos dias de hoje não existe na lei vigente a obrigatoriedade legal e automática da constituição de arguido pois essa obrigatoriedade está dependente de se verificar no caso concreto uma fundada suspeita da eventual prática de um crime8.
8 - Acórdão do T.R.P. de 05/01/2011 in www.dgsi.pt:
«3 - É obrigatória a constituição de alguém como arguido a partir do surgimento de fundada suspeita de haver cometido um crime. A preterição de tal formalidade leva a que as declarações prestadas não possam ser valoradas em audiência de julgamento».
Acórdão do T.R.L. de 17/12/2008 in www.dgsi.pt:
«III – Na fase de inquérito, o único acto legalmente obrigatório é o interrogatório do arguido, se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Penal, ou seja, se o inquérito correr contra pessoa determinada em relação à qual haja “fundada suspeita” da prática de crime e desde que seja possível notificá-la».
Acórdão do T.R.P. de 28/11/2012 in www.dgsi.pt:
«I - Conquanto a Lei 48/2007 mantenha a obrigatoriedade da constituição como arguido, no âmbito de um inquérito, restringe aquela obrigatoriedade aos casos em que haja “fundada suspeita” de uma pessoa ter praticado um crime.
II – A conclusão do Acórdão de fixação de jurisprudência 1/2006 deve ser actualizada, face à nova redacção do preceito legal (art.º 272º, n.º 1 do CPP), no sentido em que se reporta a obrigatoriedade de constituição e interrogatório de arguido apenas aos casos de fundada suspeita da prática de um crime».
Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 08/11/2023 in www.dgsi.pt:
«III – A constituição de alguém como arguido depende, nos termos do artigo 58.º do Código de Processo Penal, da verificação de fundada suspeita da prática de crime, não bastando para tal que a pessoa se afirme autora».
No mesmo sentido, entre muitos outros e constituindo jurisprudência uniforme pacífica, uniforme e bem estabelecida nos nossos tribunais superiores, o Acórdão do T.R.P. de 23/09/2009 in www.dgsi.pt.
Acórdão do T.R.L. de 15/04/2010 in www.dgsi.pt:
«I - Da leitura dos artigos 272.º, nº 1 e 58.º, nº 1, al. a), do CPP resulta a obrigatoriedade de no inquérito se interrogar como arguido pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime.
II - A injunção legal de interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito dirige-se à entidade que conduz o inquérito mas não compreende uma directriz sobre o momento do interrogatório do suspeito, o qual deve ser decidido no quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito.
III - Nos termos da disciplina legalmente prevista, a efectivação do direito de informação concretizada sobre os factos e provas contra o arguido reunidos encontra-se reservada para o momento em que aquele vier a ser chamado a prestar declarações».
Acórdão do T.R.L. de 15/04/2010 in www.dgsi.pt: «I - Da leitura dos artigos 272.º, nº 1 e 58.º, nº 1, al. a), do CPP resulta a obrigatoriedade de no inquérito se interrogar como arguido pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime.
II - A injunção legal de interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito dirige-se à entidade que conduz o inquérito mas não compreende uma directriz sobre o momento do interrogatório do suspeito, o qual deve ser decidido no quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito.
III - Nos termos da disciplina legalmente prevista, a efectivação do direito de informação concretizada sobre os factos e provas contra o arguido reunidos encontra-se reservada para o momento em que aquele vier a ser chamado a prestar declarações».
Acórdão do T.R.L. de 15/10/2009 in www.dgsi.pt:
«1 - O único acto legalmente obrigatório no Inquérito é o interrogatório do arguido, se se verificarem as circunstâncias previstas no n.º 1 do artigo 272.º do CPP, ou seja, se o inquérito correr contra pessoa determinada em relação à qual haja fundada suspeita da prática de crime e desde que seja possível notificá-la.
II - Não consubstanciando o denunciado comportamento qualquer infracção criminal, não haveria lugar à abertura de um inquérito.
III - Tendo sido aberto, a não realização nele do interrogatório dos denunciados ou de qualquer outra diligência, não constitui qualquer nulidade, sanável ou insanável».
Aliás, salvo melhor opinião, este entendimento mais não é do que uma concretização e densificação do percurso histórico dos textos legais actualmente em vigor, como o anterior artigo 272.º n.º 1 do Código de Processo Penal, onde se estipulava, «Correndo inquérito contra pessoa determinada, é obrigatório interrogá-la como arguido. Cessava a obrigatoriedade quando não for possível a notificação» e o artigo 58.º n.º 1 alínea a) do mesmo compêndio legislativo estipulava que «…é obrigatória a constituição de arguido logo que correndo inquérito sobre pessoa determinada, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de policia criminal». Por sua vez, o artigo 61.º do Código de Processo Penal enumerava (embora não exaustivamente) um conjunto de direitos de que o arguido gozava, que, na sua estrutura, ainda se mantém intocados.
Com a reforma de 2007 introduzida pela Lei n.º 48/2007 de 29.Agosto, a redacção do artigo 272.º n.º 1 do Código de Processo Penal, foi redesenhada estipulando-se agora que «Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da pratica de crime é obrigatório interroga-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la», de acordo e consonância, aliás, com a reformulação do artigo 58.º do mesmo Código, que agora estipula e delimita as condições e os pressupostos da constituição obrigatória de arguido. Efectivamente, a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, mantém a obrigação de interrogatório no inquérito, mas restringe essa obrigação ao caso em que haja "fundada suspeita" de a pessoa ter cometido o crime. A ratio da lei é a mesma que orientou a modificação do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), isto é, evitar a constituição e o interrogatório como arguido nos casos de queixa manifestamente infundada, em que o Ministério Público desde logo vislumbra a possibilidade de arquivar o inquérito e vem a arquivá-lo.
E as suspeitas só são fundadas se do inquérito - e não da mera apresentação da queixa - resultar minimamente corroborada o teor da referida queixa.
Pode-se então concluir que durante o inquérito a constituição de arguido apenas é obrigatória, entre outras situações que não relevam no caso, logo que correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal - art.º 58º n.º1 al. a) do Código de Processo Penal.
A jurisprudência do Acórdão n.º 1/2006 do Supremo Tribunal de Justiça – a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal – tem de ser actualizada e interpretada9 em conjugação com as alterações da Reforma de 2007, nomeadamente o acrescento que introduziu no artigo 58.º n.º1 alínea a) ao exigir para a constituição de arguido em inquérito a suspeita fundada da prática de crime, que não constava do artigo 58.º do Código de Processo Penal à data em que foi firmada aquela jurisprudência. A constituição como arguido em inquérito deixou de ter, no caso da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do Código de Processo Penal, o carácter automático que tinha antes da Reforma de 2007.
9 - Acórdão do T.R.P. de 25/11/2009 in www.dgsi.pt:
«A jurisprudência do Acórdão n.º 1/2006 do Supremo Tribunal de Justiça – a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal – tem de ser actualizada e interpretada em conjugação com as alterações da Reforma de 2007, nomeadamente o acrescento que introduziu no art.º 58º n.º1 al. a) ao exigir para a constituição de arguido em inquérito a suspeita fundada da prática de crime, que não constava do art.º 58º do Código de Processo Penal à data em que foi firmada aquela jurisprudência. A constituição como arguido em inquérito deixou de ter, no caso da al. a) do n.º1 do art.º 58º do Código de Processo Penal, o carácter automático que tinha antes da Reforma».
Talvez isso possa de alguma forma explicar a omissão por parte dos Órgãos de Policia Criminal – O.P.C. em constituir como arguido o recorrente, pois teriam eventualmente considerado que essa fundada suspeita não existia naquele momento, o que foi depois contrariado anos depois pelo magistrado do Ministério Publico titular do inquérito quando os indícios se densificaram e constituiu o recorrente como arguido, que interrogou em acto oficial e no decurso do qual o recorrente remeteu-se ao silêncio. Ora, neste acto o recorrente optou de forma voluntária por não contrariar todos os elementos de prova contra si reunidos. Desta forma, se nada disse e ficou silente, não pode agora queixar-se e construir em sua defesa uma retórica argumentativa puramente artificiosa e sem fundamento. Mas mesmo dando-se “de barato” que que essas fundadas suspeitas existiam, a omissão da constituição de arguido por parte dos Órgãos de Policia Criminal – O.P.C. não integraria a irregularidade do artigo 123.º do Código de Processo Penal – C.P.P., mas sim a nulidade sanável que referiremos a seguir, como tentaremos demonstrar.
Ora, o direito do arguido a ser ouvido nessa qualidade, em obediência estrita ao princípio do contraditório, implica que este não seja tratado como uma entidade abstracta, como um arguido puramente formal e presumivelmente culpado, mas como, uma pessoa que tem uma versão dos factos a apresentar e um conjunto de circunstâncias a transmitir ao tribunal – artigo 32.º da Constituição Política da Republica Portuguesa.
Como se disse no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/02/2016 in www.dgsi.pt: «I - A nível infraconstitucional, o princípio do contraditório mostra-se presente em todas as fases do processo penal, na fase do inquérito (art. 271º, nº 1) na fase da instrução (art. 294º, 298º e 301º, nº 2), na fase do julgamento (art. 323º, nº 1, f), 327º, 360º, nºs 1 e 2 e 361º, nº 1), ainda que com muito distintas intensidades».
Num quadro constitucional onde avulta a dignidade da pessoa humana e o seu valor moral intrínseco, bem como, a preocupação com o respeito e a garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, é essencial que o visado tenha poderes de intervenção activa no processo, embora assente numa geometria variável em razão da fase processual em que se encontra.
Decorre ainda do princípio da presunção da inocência do arguido que este não é um mero objecto ou meio de prova, e como tal impõe que o arguido seja titular de um estatuto e receba um tratamento e uma consideração próprios de alguém que é considerado, à partida e à chegada, como presumivelmente inocente.
Conforme ensina o Prof. FIGUEIREDO DIAS o «…afirmar-se que o arguido é sujeito de direitos e não objecto do processo significa … ter de assegurar-se aquele uma posição jurídica que lhe permita uma participação constitutiva na declaração do direito do caso concreto, através da concessão de autónomos direitos processuais legalmente definidos que hão-de de ser respeitados por todos os intervenientes no processo penal». Isto significa que se ao arguido é imputado um conjunto de factos que podem originar responsabilidade criminal, certo também que lhe é garantido o contraditório, ou seja a possibilidade de o arguido questionar ou negar esses factos ou o seu enquadramento jurídico. Neste sentido decidiu também, entre muitos, o Acórdão do Tribunal Constitucional – T.C. n.º 172/92 de 06.Maio onde se defende e apregoa «…o processo penal de um estado de direito há-de cumprir dois objectivos fundamentais: assegurar ao Estado a possibilidade de realização do seu jus puniendi e oferecer aos cidadãos as garantias necessárias para os proteger contra os abusos que possam cometer-se ao exercício do poder punitivo…».
Em anotação ao preceito do artigo 1.º da Constituição Política da Republica Portuguesa, escrevem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA:
Ao basear a República na dignidade da pessoa humana, a Constituição explicita de forma inequívoca que o «poder» ou «domínio» da República terá de assentar em dois pressupostos ou pré-condições: (1) primeiro está a pessoa humana e depois a organização política; (2) a pessoa é sujeito e não objecto, é fim e não meio de relações jurídico-sociais. Nestes pressupostos radica a elevação da dignidade da pessoa humana a trave mestra de sustentação e legitimação da República e respectiva compreensão da organização do poder político.… A dignidade da pessoa humana não é jurídico-constitucionalmente apenas um princípio limite. Ela tem um valor próprio e uma dimensão normativa específicos. Desde logo, está na base de concretizações do princípio antrópico ou personicêntrico inerente a muitos direitos fundamentais (…). Por outro lado, alimenta materialmente o princípio da igualdade proibindo qualquer diferenciação ou qualquer pesagem de dignidades: os «deficientes», os «criminosos», os «desviantes», têm a mesma dignidade da chamada «pessoa normal».
A dignidade da pessoa humana pressupõe ainda relações de reconhecimento intersubjectivo, pois a dignidade de cada pessoa deve ser compreendida e respeitada em termos de reciprocidade de uns com os outros. (…) É a dignidade como reconhecimento recíproco (mas não só) que está na base, por exemplo, de princípios jurídicos como o princípio de culpa e o princípio da ressocialização em matéria penal».
Ora, do supra transcrito resulta que este princípio inerente ao nosso ordenamento jurídico se deve manifestar de forma particularmente evidente no âmbito do processo penal, dada a limitação dos direitos, liberdades e garantias que dele podem decorrer.
E é tanto mais importante quando está em causa assegurar os direitos de defesa do arguido.
De facto, outro princípio fundamental da nossa constituição processual penal consta do n.º 1 do artigo 32.º — o princípio do processo justo e equitativo, onde sejam asseguradas todas as garantias de defesa.
Dispõe o citado preceito que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
Do princípio plasmado no preceito citado decorre, conforme apontam os supra citados constitucionalistas, que “em «todas as garantias de defesa» engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação. Dada a radical desigualdade material de partida entre a acusação (normalmente apoiada no poder institucional do Estado) e a defesa, só a compensação desta, mediante específicas garantias, pode atenuar essa desigualdade de armas. Este preceito pode, portanto, ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma, a «orientação para a defesa» o processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite intangível”.
Não obstante a nossa lei fundamental não clarificar a partir de que momento do processo criminal se podem fazer valer as «garantias de defesa», deverá ter-se por assente que “todo o feixe de direitos inseridos no direito constitucional de defesa deve ser posto em acção pelo menos a partir do momento em que o sujeito assume a qualidade de arguido”.
Mas cremos que se pode e deve ir um pouco mais além. De facto, ocorrendo o inquérito, contra pessoa certa, o suspeito, deverá este ser constituído arguido, de molde a poder exercer o amplo leque de direitos inerente a este estatuto, mas também de forma a assegurar que sejam cumpridos os respectivos deveres decorrentes dessa condição de sujeito no processo.
Os mais básicos direitos de defesa do arguido não podem ser atropelados em função da prossecução “cega” e irrestrita do processo penal. Há um certo formalismo a observar e ritualismo a percorrer.
Conforme assim afirma FIGUEIREDO DIAS, “O estatuto jurídico que ao arguido seja assegurado em um certo processo penal, constitui, por excelência, a pedra de toque para avaliar o espírito do ordenamento jurídico processual penal respectivo, enquanto é naquele que faz crise a questão que já atrás dissemos decisiva nesta matéria: a da forma de conceber as relações entre o Estado e a pessoa individual e a consequente posição desta na comunidade”.
Daí, ou também por isto e neste enquadramento, o Acórdão - com valor persuasivo reforçado e qualificado ou interpretação argumentativa obrigatória e vinculativa - do S.T.J., de fixação ou uniformização de jurisprudência n.º 1/2006 in D.R. de 02/01/2006, I.ª Série, que acima já referimos, estipulou a seguinte orientação reforçada:
«A falta de interrogatório como arguido, no Inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Penal».
A interpretação efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça, neste aresto, passou já, por diversas vezes, pelo escrutínio, crivo e monitorização do Tribunal Constitucional que sempre a considerou conforme e respeitadora da Lei Fundamental. Vide por todos, o Acórdão do T.C. n.º 53/2011 proferido no âmbito do processo n.º 528/10 e publicado no D.R. II.ª Série de 09.Março.2011, que vincou a doutrina de «Não julgar inconstitucionais as normas constantes dos artigos 272.º, n.º 1, 119.º, alínea c), e 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, de pessoa determinada contra quem o mesmo corre, sendo possível a notificação, constitui a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal».
No mesmo sentido, o Parecer n.º 16/2009 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Republica: «Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime é obrigatório interrogá-la como arguido, salvo se não for possível notificá-la (artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Penal)». Como já dissemos supra este A.F.J./A.U.J. - Acórdão de Fixação ou Uniformização de Jurisprudência emanado e editado pelo Supremo Tribunal de Justiça – S.T.J. tem de ser afeiçoado às exigências decorrentes da reforma processual penal ocorrida em setembro de 2007.
Também a alinhar pelo mesmo diapasão, entre outros, «A nulidade consubstanciada em insuficiência do inquérito só ocorrerá se se omitir a prática de acto que a lei prescreva como obrigatório» - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Porto – T.R.P. de 24/05/2006 in www.dgsi.pt.
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18/09/2013 in www.dgsi.pt:
«II – A não constituição da denunciada como arguida configura nulidade sanável, dependente de arguição pela própria interessada.
III – Também a falta de interrogatório como arguido, no inquérito, configura nulidade sanável, dependente de arguição pela própria interessada».
Por outro lado, ao contrario do que defende o recorrente, a nulidade insanável da falta de inquérito [art. 119.º, alínea d), do Código de Processo Penal – C.P.P.] refere-se à falta completa e total do conjunto de diligências ou actos compreendidos no artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – C.P.P. ou seja só ocorre quando se verifica ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito10, o que não ocorreu. No
10 - Acórdão do T.R.C. de 27/06/2007 in www.dgsi.pt:
«Só é susceptível de ocasionar a nulidade prevista no art.º 120, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal a omissão pelo M.ºP.º de diligência que a lei inculque como necessária e obrigatória para a realização dos fins para que tende a organização do inquérito, qual seja a de formar um corpo de indícios que permita substanciar uma pretensão punitiva contra alguém ou então abster-se de formular essa pretensão, por considerar que as diligências reputadas necessárias não comportam um juízo de responsabilidade jurídico-penal relativamente a determinado sujeito».
Acórdão do T.R.C. de 16/03/2011 in C.J. 2011/II,57 e seguintes:
1 – O Inquérito tem por finalidade investigar a existência de um crime determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas em ordem à decisão sobre a acusação.
2 – Se os factos que são participados por si só não constituem crime, colocar a máquina judicial a funcionar, para, de seguida, determinar o arquivamento é uma inutilidade a todos os níveis (humanos e económicos).
3 – Se, porém, estamos perante factos que nos oferecem dúvidas pela sua complexidade, pelos valores em causa, pelos contornos da situação que não são tão simples como se desenham na denúncia e pela abundante prova que há a investigar, significa que estão reunidos todos os pressupostos do dever de investigar e começar pelo interrogatório do arguido.
4 – Em tal caso, se o Ministério Público profere despacho de arquivamento sem proceder a qualquer diligência comete-se s nulidade insanável de falta de Inquérito prevista no artigo 119.º alínea d) do Código de Processo Penal».
Acórdão do T.R.P. de 15/06/2011 in www.dgsi.pt:
«II - A nulidade insanável da falta de inquérito [art. 119.º, al. d), do CPP] refere-se à falta do conjunto de diligências ou actos compreendidos no art. 262.º, n.º 1, do CPP: ocorre quando se verifica ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito.
III - A insuficiência do inquérito [art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP], por sua vez, consubstancia a omissão da prática de alguns actos legalmente obrigatórios, ou a omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essênciais para a descoberta da verdade».
Acórdão do T.R.P. de 06/07/2011 in www.dgsi.pt:
«I – A não realização de diligências de prova sugeridas pelo assistente durante o inquérito não constitui a nulidade insanável da alínea d) do art. 119.º, do CPP [falta de inquérito]».
Acórdão do T.R.L. de 02/02/2011 in C.J. 2011/I, 157 e seguintes:
«Se do confronto dos factos relatados na denúncia com a lei não resultar evidente a inexistência de crime ou a inviabilidade de determinar os seus agentes, a ausência de qualquer diligência de investigação do Ministério Público configura a “inexistência de Inquérito”, ou seja, a nulidade insanável da alínea d) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a qual é de conhecimento oficioso em qualquer fase processual».
Acórdão do T.R.P. de 15/06/2011 in www.dgsi.pt:
«II - A nulidade insanável da falta de inquérito [art. 119.º, al. d), do CPP] refere-se à falta do conjunto de diligências ou actos compreendidos no art. 262.º, n.º 1, do CPP: ocorre quando se verifica ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito.
III - A insuficiência do inquérito [art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP], por sua vez, consubstancia a omissão da prática de alguns actos legalmente obrigatórios, ou a omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essênciais para a descoberta da verdade».
Acórdão do T.R.P. de 06/07/2011 in www.dgsi.pt:
«I – A não realização de diligências de prova sugeridas pelo assistente durante o inquérito não constitui a nulidade insanável da alínea d) do art. 119.º, do CPP [falta de inquérito].
II – A utilização de cartas-missivas (correspondência individual) sem menção de confidencialidade, destinadas e recepcionadas pela arguida e por si juntas ao processo para prova de factos da defesa, não constitui o uso de meio de prova proibido».
Aliás, a reforma processual-penal de Setembro de 2007 introduzida pela Lei n.º 48/2007 de 29.Agosto, veio consagrar expressamente no texto legal – artigo 120.º n.º 2 alínea d) do Código de Processo Penal – que constitui nulidade dependente de arguição a «insuficiência de inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade».
11 - Acórdão do T.R.C. de 26/01/2011 in www.dgsi.pt:
«1. Só pode haver insuficiência de inquérito naquelas situações em que, após a respectiva abertura, o mesmo prossegue para investigação e não naquelas, em que o Ministério Público, pura e simplesmente, decide pelo arquivamento da denúncia, por entender que os factos participados, feito o confronto dos mesmos com a lei, não preenchem os elementos constitutivos de algum tipo de ilícito» E na parte narrativa deste aresto diz-se a determinado passo: «…. Só pode haver insuficiência de inquérito naquelas situações em que, após a respectiva abertura, o mesmo prossegue para investigação e não naquelas, como a configurada no caso em apreço, em que o
caso concreto realizou-se o inquérito e procedeu-se a variegadas diligências tendo o recorrente sido interrogado como arguido e acusado, defendendo-se com a abertura da instrução, que nada lhe adiantou pois foi pronunciado.
Por sua vez a insuficiência do inquérito [artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal – C.P.P.], consubstancia a omissão da prática de alguns actos legalmente obrigatórios, ou a omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade - Acórdão do Tribunal da Relação de Porto – T.R.P. de 15/06/2011 in www.dgsi.pt
11. Ministério Público, pura e simplesmente, decide pelo arquivamento da denúncia, por entender que os factos participados, feito o confronto dos mesmos com a lei, não preenchem os elementos constitutivos de algum tipo de ilícito. E nada obsta a que o Ministério Público assim proceda – ver, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/5/2008, Processo n.º 1544/2007-3, relatado pela Exma. Desembargadora Conceição Gonçalves, in www.dgsi.pt, no qual pode ser lido o seguinte: “(…)Para aferir se os factos participados objectivamente preenchem os elementos constitutivos de algum tipo de ilícito, basta o simples confronto dos mesmos com a lei. Se, feito este confronto, os factos manifestamente não configuram qualquer crime, o MºPº procede pura e simplesmente ao arquivamento da denúncia.” Na verdade, a partir do momento em que o Ministério Público ordena, logo numa primeira fase, o arquivamento do inquérito, como é evidente, não faz sentido falar numa insuficiência do mesmo, pois esta pressupõe que algo tenha sido omitido num processo de investigação em curso (não é possível encontrar falhas em algo que não chega a existir…). É de compreender facilmente que o Magistrado do Ministério Público não deve desenvolver actividade investigatória, logo que considere que os factos denunciados não podem constituir, na sua perspectiva, sem margem para dúvidas, crime, sob pena de estar a efectuar uma actividade inútil. E não se diga que um tal arquivamento coloca entraves à boa administração da justiça, pois sempre essa decisão pode ser colocada em causa, fazendo apelo ao disposto nos artigos 278.º e 287.º, ambos do CPP. Por conseguinte, não há que declarar a nulidade aludida no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Penal».
Acórdão do T.R.P. de 15/06/2011 in www.dgsi.pt:
«II - A nulidade insanável da falta de inquérito [art. 119.º, al. d), do CPP] refere-se à falta do conjunto de diligências ou actos compreendidos no art. 262.º, n.º 1, do CPP: ocorre quando se verifica ausência absoluta ou total de inquérito ou falta absoluta de actos de inquérito.
III - A insuficiência do inquérito [art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP], por sua vez, consubstancia a omissão da prática de alguns actos legalmente obrigatórios, ou a omissão de algumas diligências que pudessem reputar-se essênciais para a descoberta da verdade».
Como a constituição e interrogatório como arguido é um acto de realização obrigatória e de acatamento jusvinculativo desde que brotem dos autos a fundada suspeita da pratica de um crime, a existir o suposto vicio seria então enquadrado como uma nulidade sanável.
Ora, com a audição e constituição como arguido, que foi interrogado nessa qualidade pelo magistrado do Ministério Publico – M.P. titular do inquérito, a aludida nulidade sanou-se e o acto pretensamente invalido tornou-se regular, perfectibilizando-se a ignição legal que legitimou a produção de todos os efeitos jurídicos daí decorrentes com a sanação da omissão anteriormente cometida.
Para além disso, constitui jurisprudência uniforme e pacifica que a não constituição de arguido no momento devido implica a proibição da utilização das declarações prestadas pelo suspeito antes daquela constituição, nos termos do n.º 5 do artigo 58.º do Código de Processo Penal – C.P.P., sendo completamente impertinente convocar aqui a nulidade dos actos processuais posteriores por via dos efeitos à distancia da pretensa nulidade, não se registando qualquer contaminação da prova subsequente - Acórdão do T.R.C. - Tribunal da Relação de Coimbra de 26/04/2023 in www.dgsi.pt. Aliás, a falta de serenidade e “gula” do recorrente é de tal forma marcante que defende a invalidade de todos os actos de inquérito e aqueles praticados nas demais fases processuais, por arrastão e sem distinguir quais seriam aqueles que deveriam manter-se por via da sua autonomia, cindibilidade e aquisição independente12. Olvida porém o recorrente que a teoria do «fruit of the poisonous tree» tem
12 - De facto, resulta dos artigos 126.º do Código de Processo Penal e 32.º, n.º 8, da C.R.P., que as provas obtidas mediante métodos proibidos pela lei, são nulas, não podendo, por isso, ser utilizadas, sendo que tal nulidade torna inválido não apenas o ato em que se verifica, mas também os que dele dependerem e aquelas puderem afetar - artigo 122.º, n.º1, do Código de Processo Penal.
É o chamado efeito à distância [«fruit of the poisonous tree» ou «ferwirkung des bewweisverbots»], que se refere ao efeito de contágio que as proibições de prova produzem ou podem produzir, nos meios de prova e/ou nos meios de obtenção de prova que se sucedem, na tramitação processual, a partir da prova proibida, à «comunicabilidade ou não da proibição de valoração aos meios secundários de prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova».
Porém, cumpre atentar que se por um lado o artigo 122.º n.º 1 do Código de Processo Penal prevê que a invalidade do ato nulo se estende aos que deste dependerem ou que ele possa afetar, por outro lado no seu n.º 3 o legislador salvaguarda o aproveitamento de todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito da nulidade.
Ou seja, a projeção dos efeitos da invalidade emergente das proibições de prova, nos atos processuais subsequentes não é ilimitada, nem absoluta.
As três limitações: a da fonte independente, a da descoberta inevitável e a da mácula dissipada desenvolvidas pela jurisprudência norte-americana, como excepções ao efeito inelutável de dominó da invalidade da prova original proibida sobre toda a que se lhe seguir, são conciliáveis com os princípios constitucionais que inspiram o sistema jurídico-penal português.
De resto, constituem importantes factores de equilíbrio entre os valores que justificam as proibições de prova – o interesse em assegurar a descoberta da verdade material indispensável à administração da justiça penal, por um lado, e a necessidade de investigar crimes com respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, por outro lado.
Todas têm em comum a inexistência ou uma substancial dissipação do nexo de causalidade ou de imputação objetiva entre a violação da proibição da produção da prova originária e a prova secundária, a tal ponto, que desconsiderar esta última seria atentatório do equilíbrio dos valores em jogo e constituiria um exercício meramente diletante, fútil e, porventura, fraudulento, impedindo o exercício do jus puniendi do Estado, quando já nem sequer se poder afirmar que aquele resultado probatório não seria obtido com os meios disponibilizados segundo a conceção do Estado de Direito democrático, seguindo as regras próprias deste e sem qualquer afronta a direitos fundamentais.
A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que o originário tendia, mas foi impedido, ou seja, quando a ilegalidade não foi conditio sine qua da descoberta de novos factos.
O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da «árvore envenenada» tem lugar quando se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja, quando, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.
A terceira limitação da «mácula dissipada» (purged taint limitation) leva a que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.
A relação de causa e efeito entre a prova inválida e a prova secundária que se lhe segue, tem de ser estabelecida num plano objectivo, avaliado casuisticamente e o efeito remoto da invalidade gerada pela prova proibida à prova ou provas subsequentes só se verificará, quando existir entre a primeira e as segundas uma conexão substancial, real e efectiva. Para a comunicação da nulidade aos actos posteriores é necessário que eles estejam numa relação de dependência ou derivação do acto declarado nulo. Dependência real e efectiva, e não apenas acidental, ocasional, ou relação de coincidência episódica. Por outras palavras, o acto pretensamente nulo tem de constituir premissa lógico-jurídica dos actos sucessivos, de tal modo que, caindo tal premissa, deve igualmente falecer validade dos actos que lhe seguem.0
“(…) VI.- A doutrina dos “frutos da árvore venenosa”, não tem o sentido de um forçoso e inevitável “efeito dominó” que arraste, forçosamente, em cascata, todas as provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior à prova proibida e com ela possam, de alguma forma, ser relacionadas, antes abrindo um amplo espaço à ponderação das situações concretas, não conduzindo necessariamente à invalidação de todas as provas posteriores à prova ilegal;
VII.- Assumindo a decisão recorrida que as denúncias e documentos anexos constituíram a “prova primária” nula, todas as demais provas não podiam ser “anuladas” indiscriminadamente, sem que a fosse ponderada “prova” a “prova”, analisando a conexão de sentido existente entre cada prova e a dita “prova primária.”.[26]
In casu, a prova que o recorrente coloca em causa suscetível de, na sua ótica, inquinar a prova subsequente, consiste nos documentos e sentido de investigação q essas declarações permitiram. Porém todas a demais provas poderia ter sido adquirida sem a participação do recorrente, como, no final de contas veio a acontecer.
Acresce que não se descortina de que forma se possa concluir que todos os atos subsequentes ao interrogatório só tenham sido possíveis por terem sido utilizadas esta prova alegadamente proibida, ou foram a causa direta e necessária do prosseguimento do inquérito, sendo certo que o próprio recorrente não o concretiza, seguramente porque tal relação causa-efeito não existe.
Aliás, embora originariamente a doutrina dos “frutos da árvore envenenada”, iniciada nos Estados Unidos, afirmasse, em princípio, um total efeito-à-distância das proibições de prova, a jurisprudência foi elaborando um conjunto de exceções, como forma de atenuar esse efeito.
Entre as exceções ou limitações ao efeito-à-distância, o Supremo Tribunal de Justiça reconhece a exceção da fonte independente, podendo ler-se no acórdão de 12 de março de 2009, que “nada obsta a que as provas mediatas possam ser valoradas quando provenham de um processo independente de conhecimento independente e efetivo, uma vez que não há nestas situações qualquer relação de causalidade entre o comportamento ilícito inicial e a prova mediatamente obtida. Pode afirmar-se que o efeito metastizante da violação de regras de proibição de prova apenas tem razão de ser em relação à prova que se situa numa relação de conexão de ilicitude.”.0
Ou seja, não existe qualquer comunicabilidade da alegada proibição de prova e a subsequente.
Assim sendo, sempre improcederia a requerida declaração de nulidade e inerente ineficácia da prova alcançada após os ditos reconhecimentos fotográficos. Vide para maiores desenvolvimentos o Acórdão do T.R.L. - Tribunal da Relação de Lisboa de 28/03/2023 in www.dgsi.pt, no qual nos inspiramos com adaptação do seu excurso.
caracter subsidiário ou residual como critério de decisão e só opera ou possui capacidade operativa quando não exista norma especial que estipule um regime diverso, como é caso, pois o artigo 58.º do Código de Processo Penal – C.P.P. prevê expressamente e tout court a proibição sem contaminação, em suma, que as declarações prestadas pelo arguido não podem ser, em caso algum, valoradas.
De todo o modo, sob pena de afronta ao caso julgado, não pode o recorrente insurgir-se contra um despacho de pronuncia já transitado, que estabeleceu de forma clara e preto no branco, que essa invalidade se encontra sanada e renovar na fase do julgamento o conhecimento de questões e matérias já discutidas, analisadas e decidas anteriormente, sob pena de violação expressa do principio da preclusão e afronta ou desconsideração do caso julgado, repetindo os mesmos argumentos de forma sucessiva até encontrar porventura uma decisão favorável. A questão foi apreciada e decidida pelo Juiz de Instrução Criminal – J.I.C. por despacho que não é agora sindicável, pois transitou em julgado. Se me é permitida uma linguagem coloquial e rasteira, na cor das minhas lentes, o assunto (da constituição de arguido) morreu e não pode ser sucessivamente ressuscitado, ficando precludida essa possibilidade, sob pena de eternizarmos uma discussão estéril que percorra e esgote todas as fases processuais e sirva de deleite à formulação de sucessivas pretensões sem fundamento legal
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Em jeito conclusivo, com o devido respeito, que para além de sincero é superlativo, os elementos de racionalidade jurídica, factual e intelectual em que se apoiam os alicerces da retórica argumentativa utilizada requintadamente pelo recorrente na presente instância recursória, não obstante a inteligência, argúcia e erudição que manifestamente apresentam, são francamente assépticos, estruturalmente frágeis, globalmente estéreis, tendencialmente omissos e todos sem cabimento legal, razões pelas quais, o recurso está votado ao insucesso e não merece provimento13.
13 - No final de variegadas peças forenses todos pedem Justiça, mais ou menos enfaticamente, mais ou menos, ritualisticamente. Não será a mesma Justiça que uns e outros em cada caso invocam e pretendem obter. O mesmo ocorre, cum grano salis, nos despachos e nas decisões judiciais, onde nunca deve deixar de estar presente uma ideia de Justiça. No que respeita a este parecer, pode-se assegurar que as únicas certezas que possui foram as minhas duvidas, partindo sempre da incerteza que os meus pontos de vista são incontestáveis e com uma profunda tolerância vigilante para com as opiniões que não perfilho, estando esta peça inevitavelmente sujeita ao teste do falibilismo jurídico. Porém, acima de tudo, veicula uma tentativa de contribuir para se fazer a tal Justiça apoiada numa perspetiva marcadamente institucional, articulada com uma convicção pessoal amadurecida e assente na pretensão de afirmar o primado ou maximização jus natural da consagração da prioridade do justo na aplicação jurisdicional do Direito. Ora, na cor das minhas lentes (que não são negras nem opacas), a actividade leginterpretativa em confronto com a factualidade apurada, reclama uma hermenêutica sistémica das disposições legais, na unidade do sistema jurídico, que permite formular o entendimento seguro que as razões apresentadas nas doutas alegações de recurso estão destituídas na necessária capacidade demonstrativa que atribua ou confira à pretensão recursória o indispensável apoio ou respaldo legal.
Nessa conformidade, essencialmente pelo exposto, sem necessidade de mais aturadas considerações, tudo visto, analisado e ponderado, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, à reflexão doutrinária e jurisprudencial que as questões equacionadas tem merecido, à plêiade, força e validade dos argumentos aduzidos, à dogmática vigente, numa interpretação sistémica, integrada e entrelaçada das normas legais pertinentes, compatibilizando o que é conciliável, não desvalorizando o que deve ser valorizável e face à altíssima complexidade de tudo o que é humano, bem como, no empoderamento de um acto prudencial de eliminação, esbatimento ou minimização do risco para patamares socialmente suportáveis inerente a qualquer decisão judicial cujo objecto diga directamente respeito aos
direitos, liberdades e garantias como aquela que criteriosamente se proferirá no enquadramento de uma ponderação final de síntese, afigura-se-me que, na desinência da pretensão formulada, se deverá julgar o presente recurso improcedente e manter-se a decisão recorrida nos seus precisos e exactos termos, com todas as legais consequências substantivas e adjectivas.
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Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada foi acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
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II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

É assim composto por.
- arguição da nulidade por falta de constituição do arguido;
- sustentando o caráter semi-público do crime de usurpação, dai argui a intempestividade das queixas, falta de legitimidade do MP, e a não ponderação das desistências de queixa.
- a aplicação do disposto no art.226º nº5 do CP.
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Do enquadramento dos factos.
Do despacho datado de recorrido consta:

“Em sede de contestação, além do mais, o arguido AA, reiterou as nulidades já invocadas em sede de instrução e indeferidas no despacho de pronúncia.
Assim, invocou a nulidade por falta de inquérito, uma vez que os autos tiveram origem com a queixa apresentada por BB, contra o arguido AA, sua mãe DD (entretanto falecida) e EE, imputando-lhes a prática de um crime de burla.
Nessa sequência, AA prestou declarações em 18/01/17, na qualidade de testemunha, sem que tivesse sido constituído arguido, como a lei impunha nos termos dos arts. 58.º, n.º 1, al. a) e 59.º do CPP, o que sendo de natureza obrigatória, constitui nulidade do inquérito, sendo inconstitucional o entendimento contrário.
Segundo refere, o despacho de pronúncia considerou estamos perante uma mera irregularidade, sanada em 05/07/22, com o interrogatório de AA como arguido, apenas havendo lugar à proibição de valoração da prova do seu depoimento prestado na qualidade de testemunha em 18/01/17, entendimento com o qual o arguido não concorda uma vez que tais declarações deram origens a investigações e meios de prova que, consequentemente, devem ser considerados proibidos.
Invocou ainda a extinção do direito de queixa pelo decurso do prazo, alegando que o presente processo e apenso tiveram origem em denúncias apresentadas por BB e CC, que imputou aos arguidos um crime de burla. BB apresentou queixa em 21/09/2016, por factos alegadamente consumados em 26/08/2015, data da escritura de compra e venda e CC, apresentou queixa em 13/03/2017, por factos alegadamente consumados em 02/05/2016, data da escritura de compra e venda, em ambos os casos num período muito superior a 6 meses.
No entanto, ambos os denunciantes invocaram que só posteriormente tomaram conhecimento do crime, o primeiro quanto recebeu a carta para pagamento do IMI e constatou que o imóvel não se encontrava na sua propriedade e a segunda quando alegadamente fez obras e verificou na caderneta predial do imóvel que não figurava como titular do mesmo.
No entanto, ambos configuraram a prática do ilícito do mesmo modo, na sequência de um empréstimo solicitado em que o imóvel de que eram proprietários serviria de garantia, o arguido “enganando-os” celebrou um contrato de compra e venda.
Os contratos foram celebrados em cartório, com toda a formalidade, onde os denunciantes estavam presentes, pelo que não é credível que os ofendidos, na data da escritura, não tivessem conhecimento do acto que praticaram e, consequentemente, do alegado acto de consumação do crime.
Assim as queixas apresentadas são intempestivas, pelo que o Ministério público não tinha legitimidade para promover o processo penal.
Refere ainda que em 23/02/2018, o denunciante BB apresentou desistência da queixa apresentada contra o contestante AA e sua mãe; em 25/01/18 foi determinada a notificação dos arguidos nos termos do art. 51.º, n.º3, do CPP, que nada disseram; o contestante AA e sua mãe não foram notificados nesses termos porque ainda não tinham sido constituídos arguidos.
No entanto, o Ministério Público não homologou a referida desistência de queixa, como estava obrigado a fazer.
Por seu turno a denunciante CC -conforme consta de fls. 35 J a 42 J do vol 2 de prova- juntou acordo quanto ao pedido cível referente ao Proc. ..., no qual, na sua cláusula 2.ª, referia que desiste da queixa apresentada contra DD e filho AA.
O Ministério Público também não homologou esta desistência de queixa.
Refere ainda que quer se trate de crime de burla, quer de usura, estamos perante crimes de natureza semi-pública, pelo que a desistência de queixa devia ser ou ter sido homologada.
O Ministério Público teve vista nos autos e pronunciou-se no sentido do indeferimento do requerido, quanto às questões suscitadas pelos arguidos em sede de contestação, nos termos da douta promoção de 30/03/24, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Cumpre decidir:
……
2- Contestação do arguido AA:
Invoca o arguido contestante que prestou declarações em 18/01/17, na qualidade de testemunha, sem que tivesse sido constituído arguido, como a lei impunha nos termos dos arts. 58.º, n.º 1, al. a) e 59.º do CPP, o que sendo de natureza obrigatória, constitui nulidade do inquérito, sendo inconstitucional o entendimento contrário.
O despacho de pronúncia considerou estarmos perante uma mera irregularidade, sanada em 05/07/22, com o interrogatório de AA como arguido, apenas havendo lugar à proibição de valoração da prova do seu depoimento prestado na qualidade de testemunha em 18/01/17, entendimento com o qual o arguido não concorda uma vez que tais declarações deram origens a investigações e meios de prova que, consequentemente, devem ser considerados proibidos.
Ora, tal como consta da douta promoção que antecede e foi decidido na douta decisão instrutória –exaustivamente fundamentada e cujo teor aqui se dá por reproduzido-, entende-se que a referida irregularidade ficou sanada com a constituição do mesmo como arguido em 05/07/2022, onde tendo conhecimento dos factos que lhe eram imputados e meios de prova recolhidos, optou pelo silêncio.
Concorda-se com o decidido em sede de instrução, que o não pode valer como meio de prova são as declarações que o mesmo prestou na qualidade de testemunha, não havendo lugar a qualquer inconstitucionalidade.
Por outro lado, conforme acima se referiu, os arguidos AA, FF e EE, foram acusados e pronunciados pela prática, em co-autoria material de um crime de usura agravada prevista e punida pelo art.º 226º, nº1 e nº4 al a) do Código Penal.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, tal como acima se referiu já, o referido crime, nos termos imputados aos autos arguidos, é um crime de natureza pública e não semi-pública, sendo, pois, irrelevante a falta de queixa ou extemporaneidade da mesma (não sendo aplicável o disposto nos arts. 115.º e 116.º do CPP), bem como, são ineficazes as desistências de queixa apresentadas.
Assim sendo, indeferem-se as invocadas nulidades.
*


Cumpre apreciar.
Relativamente ao conjunto das nulidades invocadas pelo recorrente:
Sobre o conjunto de razões que o recorrente tece sobre a nulidade arguida nos termos do art.120º nº2 alínea d) do CPP (pela ausência de atos obrigatórios) quanto à falta de constituição de arguido do ora recorrente, quando em 18/01/17, foi ouvido como testemunha sobre factos que o responsabilizavam, o que nos termos do art.58º nº1 alínea a), especialmente o art.59º, e 272º nº1, todos do CPP, tornaria obrigatória aquela constituição de arguido, que depois, o recorrente transmuta para nulidade insanável por falta de inquérito, prevista no art.119º alínea d) do CPP, como efeito dos elementos, de que as autoridades de investigação se não podiam valer, por derivarem de um depoimento que não foi validado, por falta de constituição de arguido do depoente, assim inquinando todo o inquérito, redundando na sua falta, contudo, como veremos, são nulidades que carecem de fundamento.
Com efeito, tem sido defendido na jurisprudência e doutrina (Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., Lisboa, 2011, p.320), que a falta de constituição do arguido, dentro do catálogo e regime das nulidades previsto nos arts.118º nº1, 119º, 120º nº2, 126º nº1 e 3 do CPP, constitui a nulidade sanável, nos termos do art.120º nº2 alínea d) do CPP. Contudo, a temporalidade, ou o momento devido, que resulta do art.58º nº1 alínea a) do CPP não é inteiramente preciso, embora se suponha que após o início do inquérito, mas depois de verificadas as suspeitas fundadas da prática de crime, num juízo que se fixe e sobrevenha nos elementos disponíveis, altura então, em que se deve proceder à constituição do arguido, mas numa temporalidade que se antevê relativa. Já a temporalidade que resulta do art.59º do CPP, respeita ao momento da inquirição como testemunha, mas aqui, deve esta suscitar a nulidade antes que termine a inquirição, sob pena da nulidade se ter por sanada cfr.art.120º nº3 alínea a) do CPP. Em todo o caso, situando-nos no âmbito do art.58º nº1 alínea a) do CPP, onde a temporalidade não é precisa, como resulta dos autos, o ato obrigatório de constituição de arguido veio a concretizar-se em 05/07/22, ainda em sede de inquérito, circunstância que extinguiu a omissão desse ato obrigatório nessa fase, que persistia até então, sobrando apenas o carácter tardio do ato que veio a ser praticado, mas em tempo, pois, ocorre em sede de inquérito, assim dissipando a sua insuficiência, e que desse modo, tornou inoperante e até intempestiva, a arguição dessa nulidade (pois, até à sua constituição essa na qualidade, poderia ter sido arguida a referida nulidade). Daí também, não derivou prejuízo para a defesa, porquanto o arguido, nessa qualidade, tomando conhecimento sobre o que se discutia no inquérito, podendo nesse momento pronunciar-se sobre as questões essenciais do inquérito, optou por não falar (direito que lhe assiste), pelo que, em nada se mostram atingidas as suas garantias de defesa no âmbito do art.32º do CRP.
Se a falta de constituição de arguido no referido momento da prestação de depoimento, em si, poderia desenhar os termos da nulidade por insuficiência de inquérito, que depois não se consuma, por essa falta haver sido suprida, porém, como resulta do art.58º nº5 do CPP a consequência mais relevante e expressa nesse preceito, é a proibição de valoração desse depoimento como prova, circunstância que não é sanável, diversamente do que sucede com a nulidade a verificar-se. De notar que, as proibições de prova são um conceito que não se interceciona totalmente com o regime das nulidades. Com a subsequente constituição como arguido, o que apenas subsiste é a impossibilidade de se tomar em consideração aquele outro depoimento prestado em 18/01/17, o que também em audiência de julgamento, por regra, já não seria possível. Portanto, não estará em causa a nulidade prevista no art.120º nº2 alínea d) do CPP, que não se verifica, muito menos a arguida nulidade insanável do art.119º alínea d) do CPP, pois existiu inquérito com todas os seus atos e componentes de investigação, ao qual sobreveio a acusação. Contudo, o que subsiste em discussão, pretende-se com o âmbito da proibição de prova prevista no art.58º nº5 do CPP que, o recorrente pretende maximizar ao extremo, visando um efeito dominó total, atribuindo, excessivamente, toda a causalidade da investigação àquele depoimento de prestado em 18/01/17, o que não se demonstra, de todo, nos termos do recurso. Não só, o processo não nasceu desse depoimento, como já resultavam pistas de investigação das participações dos ofendidos. Depois, os procedimentos de investigação tiveram diversas nuances que superaram qualquer causalidade que o recorrente pretende estabelecer na curta referência lacónica do seu depoimento, e que jamais poderiam justificar a causalidade da investigação, sobretudo, com a facilidade das remissões conclusivas e indemonstradas que faz para grupos de factos que constam da pronúncia, como resulta da conclusão LIII), quase parecendo que desse depoimento nasceu e resultava todo o objeto intrincado de processo. Aqui improcedendo as respetivas conclusões do recurso.
São igualmente completamente infundadas as razões que o arguido tece sobre pretendida natureza semi-pública do crime de usura de que está acusado, previsto no art.226º nº1 e nº4 alínea a) do CP, pretendo opor-se diretamente ao que resulta da lei, para assim dar vida a queixas e desistências de queixa, todas desnecessárias e irrelevantes neste crime de natureza pública. Com efeito, o agravamento do tipo legal previsto no nº4 do preceito, coloca-se fora do alcance do nº3 que o antecede, esse sim, conferindo natureza semi-pública ao tipo base. Perante a inquestionável natureza pública do crime pelo qual está pronunciado, improcedem as conclusões do recurso a esse respeito, incluindo as respeitantes à ilegitimidade do MP ou falta de pronuncia sobre as desistências de queixa. Igualmente a pretensão que o recorrente deduz em torno do art.226º nº5 do CP, que poderia conduzir ao “arquivamento”, conforme resulta da mesma disposição, as consequências aí previstas só serão aferidas pelo juiz ao proferir a sentença, como, aliás já fora vaticinado pelo Mmº Juiz de instrução na decisão instrutória.
Improcedem todas as conclusões do recurso.



DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão proferida pelo Tribunal “A Quo”.

Condena-se o arguido nas custas do recurso, fixando a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
Notifique.






Porto, 12 de março de 2025.


(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)

Nuno Pires Salpico

Maria Luísa Arantes

Paula Cristina Guerreiro