Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4165/21.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NATUREZA
FEITOS E EFICÁCIA DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
NÃO COMPARÊNCIA DO TRABALHADOR
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202310094165/21.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO DA RÉ E PARCIALMENTE O RECURSO DO AUTOR; ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - ‘A comunicação da cessação do contrato de trabalho pelo trabalhador ao empregador consubstancia uma declaração negocial unilateral e receptícia do trabalhador em que este transmite àquele a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho.’
II - ‘(…) O Dec.-Lei n.º 88/96, de 03/07, veio consagrar o direito ao subsídio de Natal para a generalidade dos trabalhadores prevendo a sua aplicação aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a quaisquer entidades empregadoras, incluindo, expressamente, os trabalhadores de serviço doméstico.
III - ‘(…) Assim, o artigo 12º do Dec.-Lei n.º 235/92, de 24/10, encontra-se tacitamente revogado.’

(sumário inclui parte do sumário dos acórdãos desta secção de 19.04.2021 e de 18.12.2013, referenciados no texto)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4165/21.0T8PRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do porto – Juiz 1
Recorrente: AA
Recorrida: BB

4ª Secção
Relatora: Teresa Sá Lopes
1º Adjunto: António Luís Carvalhão
2ª Adjunta: Paula Leal de Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório (com base no relatório efetuado na sentença que se transcreve):
Nos presentes autos veio AA intentar ação emergente de contrato individual de trabalho sob a forma de processo comum contra BB pedindo que se reconheça a ilicitude do despedimento que a R. lhe moveu e a condenação da mesma no pagamento da quantia de € 2.200,00 a título de indemnização pela referida ilicitude, bem como na quantia de € 3.666,67 a título de créditos laborais vencidos e não liquidados.
Para esse efeito a A. veio invocar a existência de contrato de trabalho celebrado com a R. para exercer funções como empregada doméstica da mesma, tendo este contrato cessado por vontade unilateral da demandada, pelo que deverá ser considerado como sendo um despedimento ilícito, peticionando a condenação da R. no pagamento das quantias peticionadas a título indemnizatório e de créditos laborais.
*
Regularmente notificada a R. veio deduzir oposição ao peticionado, impugnando a factualidade descrita pela A. e alegando que, pelo contrário a cessação do vínculo laboral foi da iniciativa desta última, pelo que considera que a ação deverá ser julgada improcedente e a R. absolvida de todos os pedidos deduzidos nos autos. Em sede de reconvenção a demandada invocando que foi a A. quem denunciou o seu contrato de trabalho, sem ter observado o período de aviso prévio deverá ser condenada no pagamento da quantia referente ao mesmo equivalente a € 825,00.

Realizou-se audiência prévia, com elaboração de despacho saneador.
Findos os articulados, realizou-se a audiência de julgamento.

Em 12/07/2022, pelo Tribunal a quo foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 3.080,00 (três mil e oitenta euros) a título de créditos laborais vencidos e não liquidados, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos à taxa legal, desde a citação e nos vincendos até integral pagamento, absolvendo-se a R. do demais peticionado.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que a A. beneficia.
Registe e notifique.”

Inconformada, a Trabalhadora veio apresentar recurso da mesma sentença, terminando o mesmo com as seguintes conclusões (realce nosso):
“1- Decorre da matéria de facto fixada, na sentença recorrida, que a Autora, no âmbito de contrato de trabalho celebrado com a Ré, exerceu as funções de empregada doméstica, durante 3 anos e 13 dias, mediante a retribuição mensal de €550,00, nunca tendo recebido subsídio de Natal.
2- Por conseguinte, foi a Ré condenada a pagar à Autora, o subsídio de Natal correspondente a esse período, mas entendeu-se que a esta tinha direito, apenas, a 50% da retribuição mensal, com fundamento no disposto no art. 12º do DL nº 235/92 de 24-10.
3- É contra este entendimento que se insurge a Autora, por considerar que a referida norma foi tacitamente revogada pelo DL nº 88/96 de 03-07, que conferiu a trabalhadores de diversos setores de atividade e, expressamente, aos do serviço doméstico, o direito a subsídio de Natal equivalente a um mês de retribuição.
4- Este D.L. veio a ser revogado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 (C.T. de 2003) e este pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 (C.T. de 2009), razão pela, entendemos que, atualmente, é aplicável aos trabalhadores do serviço doméstico, o disposto no artigo 263º do C.T.
5- Nos termos da referida norma, a Autora tem direito a subsídio de Natal, de valor igual a um mês de retribuição, no valor total de €1.650,00 (550x3) e não, apenas, a €825,00 (550/2x3).
6- Assim, ao total dos créditos devidos á Autora, calculados em €3.080,00, deverá acrescer o valor de €825,00, injustificadamente excluído, devendo a Ré ser condenada a pagar á recorrente a quantia total de €3 905,00, acrescida dos juros determinados.
7- A douta sentença fez errada interpretação do disposto nos artigos 12º do DL nº 325/92 de 24-10, 1º e 2º do DL nº 88/96 de 03-07 e 263º do Código do Trabalho.
Por conseguinte deve ser, nesta parte, revogada, devendo a Ré ser condenada a pagar á Autora, o montante de €1.650,00, de subsídio de Natal, ao invés da decretada quantia de €825,00;
Assim se fazendo JUSTIÇA.”

A Ré contra-alegou, finalizando com as seguintes conclusões (realce nosso):
“1. O Ministério Público pretende, pelo recurso, que o valor do subsídio de Natal que a R. deve pagar à A. seja de € 1.650,00 em vez dos € 825,00, no qual a R. foi já condenada.
2. Deve como tal ser atribuído ao recurso o valor de € 825,00 por corresponder ao interesse económico que por via do mesmo se pretende obter - o que a R. aqui suscita para todos os efeitos legais, nos termos do disposto nos artigos 296.º, n.º 1, 304.º, n.º1 e 307.º, n.º1 do CPC e artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
3. No caso vertente, não se verifica um dos requisitos cumulativos e sine qua non previstos no artigo 629.º n.º 1 do CPC: o valor do recurso ascende a apenas € 825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros), o que é muito inferior a metade do valor da alçada do Tribunal, pelo que o mesmo é inadmissível e não pode ser conhecido.
4. Aliás, ainda que se verificasse tamanho fundamento excecional (e não é o caso), o mesmo teria de ser sido expressamente invocado pela A. nas conclusões do seu recurso nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 637.º do CPC e do n.º 1 do artigo 81.º do CPT - o que manifestamente não sucedeu, donde sempre a inadmissibilidade do recurso e impossibilidade do seu conhecimento.

Nestes termos e nos que V. Exas mui doutamente suprirão, deve ser atribuído ao recurso interposto pelo Ministério Público o valor de € 825,00 (oitocentos e vinte e cinco euros) e ser o mesmo rejeitado e não conhecido por inadmissibilidade processual, dado ter um valor muito inferior a metade do valor da alçada, com o que farão, como sempre, inteira e sã J U S T I Ç A !”

A deduziu também apelação, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões (realce nosso):
“1. A douta sentença de fls. é nula por não ter sido conhecido o pedido reconvencional formulado pela R. (assim devendo ser interpretado e aplicado o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), admitido em sede de audiência prévia, devendo ser proferida uma nova sentença expurgada de tal vício, sem prejuízo do seu suprimento nos termos do n.º 2 do artigo 617.º do Código de Processo Civil.
2. Sem prescindir, ainda que assim não se entendesse, os factos provados atestam que a A. promoveu a cessação unilateral do contrato sem observar o aviso prévio a que estava obrigada, deixando de comparecer ao serviço e de responder às mensagens pelas quais a Recorrente a exortava a retomá-lo o que a tornou responsável pelo pagamento a esta da retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta, no valor de € 825,00,
3. Sendo assim que os artigos 401.º e 403.º do Código do Trabalho deveriam ter sido interpretados e aplicados e, pelo que sempre padeceria a sentença de erro de julgamento, ao não julgar o pedido reconvencional provado e procedente, devendo haver condenação integral no pedido reconvencional.
4. Note-se que, como vem sendo entendimento unânime da nossa jurisprudência, a expressão “por escrito” que consta do artigo 400.º, n.º 1 do CT não consagra uma exigência de forma especial para a emissão da declaração de denúncia, mas apenas uma mera formalidade ad probationem, relativa ao cumprimento do prazo de aviso prévio imposto ao trabalhador nessa mesma norma,
5. Pelo que a declaração de denúncia de contrato de trabalho por parte do trabalhador, não carecendo de forma especial, pode ser validamente emitida por qualquer meio, incluindo o verbal, ao abrigo do disposto no artigo 219.º do Código Civil.
Por outro lado,
6. A sentença julgou incorretamente os factos e valorou erradamente a prova, pois que deveriam ter sido julgados provados os seguintes factos, alegados sob os artigos 10.º a 14.º da contestação de fls…:
- As partes acordaram, na sequência de pedido da R., em que os valores de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal fossem pagos em regime de duodécimos.
- Tal ia de encontro às pretensões e interesse da A., que assim recebia valor mensal superior, e estava, sobretudo, em linha com as necessidades da própria R., médica do Serviço Nacional de Saúde e que durante vários anos (incluindo o da contratação da A.) estava, também ela, a receber tais rubricas em regime de duodécimos.
- (Só) assim se explica (e compreende) que o valor da retribuição seja o que a A. refere na petição inicial, ou seja, € 550,00 por 27,5 horas de trabalho semanal.
7. Concomitantemente, deve ser dado como “não provado” o facto atualmente com a seguinte formulação e que integra o elenco dos provados:
“- Enquanto permaneceu ao serviço da Ré, a Autora nunca recebeu subsídio de férias, nem recebeu subsídio de Natal”.
Bem como a expressão “em contrapartida” usada no terceiro facto provado constante do elenco integrado no relatório da sentença impugnada.
8. As duas conclusões anteriores encontram, entre o mais, suporte nos seguintes depoimentos testemunhais gravados, atrás citados e (parcialmente) transcritos:
i) CC, que depôs no dia 21/04/2022 e com base nos trechos indicados ou acima transcritos (que aqui se dão como reproduzidos) de minutos 00:25 a 00:45, 3:35 a 3:52, 4:00 a 4:25;
ii) DD, que depôs no dia 30/05/2022 e com base nos trechos indicados ou acima transcritos (que aqui se dão como reproduzidos) de minutos 1:50 a 2:01, 2:42 a 2:50, 3:00 a 3:17, 3:20 a 3:26;
iii) EE, que depôs no dia 30/05/2022 e com base nos trechos indicados ou acima transcritos (que aqui se dão como reproduzidos) de minutos 1:05 a 1:35, 5:06 a 5:22, 5:23 a 5:31, 5:31 a 5:33;
iv) FF, que depôs no dia 30/05/2022 e com base nos trechos indicados ou acima transcritos (que aqui se dão como reproduzidos) de minutos 1:05 a 1:25, 1:30 a 1:45, 2:03 a 2:19, 2:20 a 2:24, 2:24 a 2:31, 3:04 a 3:18, 3:22 a 3:37, 4:16 a 4:19, 4:34 a 4:45.
9. O Tribunal sintetiza os depoimentos testemunhais de modo correto, mas decidiu de modo distinto incorrendo, no entender a Recorrente, em erro de julgamento, quer da valoração da prova, quer no plano jurídico.
10. Aliás, tal erro de julgamento surge, com a devida vénia, explicitado na sentença pois que o Tribunal esclarece que a conclusão a que chegou no sentido de os duodécimos não serem pagos adveio do facto de ter resultado provado que era paga uma “remuneração mensal”, “vencimento mensal” ou “retribuição mensal” de € 550 e hora de € 5,00, expressões que, equivocadamente e em violação dos números 1 e 2 do artigo 258.º do Código do Trabalho, tratou como sendo sinónimas do conceito de retribuição base.
11. As expressões “remuneração mensal” ou “remuneração hora”, ou “vencimento mensal” ou então “retribuição mensal” (esta aliás jurídica e conclusiva), não podem ter nos autos, per se, qualquer significado decisivo, mais a mais contrariando toda a prova produzida, desde logo porque remuneração e vencimento não têm qualquer significado jurídico-laboral preciso – o que, ao invés sucederia com a expressão retribuição base, esta sim com eco na legislação laboral, sendo assim que o artigo 258.º do Código do Trabalho deveria ter sido interpretado e aplicado.
12. Não estranha, de resto, que nos depoimentos recolhidos, não abundem muitos qualificativos (muito menos comuns ou convergentes) a este respeito - para além de “vencimento”, ou “salário” dado que as pessoas tendem a falar pragmática e espontaneamente de quanto ganhavam, de quanto recebiam, de quanto pagavam, seja “à hora”, seja “ao mês”.
13. Por remuneração só pode significar-se, portanto, “valor pago”, pois que remuneração é um conceito que existe, aí sim com dimensão jurídica, na legislação fiscal e na legislação de segurança social, aí sim com dimensão conceptual muito abrangente e não coincidente com o conceito jurídico-laboral de retribuição. Basta ver, a este respeito, o que nos diz o artigo 46.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
14. Quanto a retribuição mensal, nem esta realidade confirma a decisão impugnada pois que no conceito de retribuição mensal entram quer a retribuição base quer os duodécimos que sejam pagos – sendo assim que deve ser interpretado e aplicado o artigo 258.º do Código do Trabalho.
15. Não se provou que o valor mensalmente pago fosse o da retribuição base mensal. O que se provou, de facto, nos autos, foi o pagamento mensal de determinado valor mensal, que as partes quiseram que incluísse a retribuição, mas também duodécimos dos subsídios de férias e de Natal.
16. A sentença em crise violou, por não aplicação, ou por equivocada interpretação e aplicação, os artigos 258.º, n.ºs 1 e 2, 401.º e 403.º do Código do Trabalho e o artigo 608.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos e nos que V. Exas mui doutamente suprirão, deve a sentença ser julgada nula por falta de conhecimento do pedido reconvencional, sendo substituída ou modificada por outra em termos de ser expurgado tal vício e em qualquer caso ser julgado provado e procedente o presente recurso de apelação pelas razões e no sentido das conclusões acima apresentadas (aqui dadas como reproduzidas), alterando-se a decisão sobre a matéria de facto nos termos propugnados nas alegações e conclusões que antecedem e revogada a sentença recorrida na parte em que condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 3.088,00, com tudo se julgando totalmente improcedente a ação e absolvendo-se integralmente a R. dos pedidos contra si formulados, e, bem assim, julgando-se integralmente provado e procedente o pedido reconvencional com o que farão, como sempre, inteira e sã J U S T I Ç A !”

A Trabalhadora contra-alegou, concluindo (realce nosso):
“1. Por douta sentença proferida em 12-07-2022, foi a ação considerada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar á Autora a quantia de €3.080,00, a título de créditos laborais vencidos e não liquidados, acrescida de juros de mora.
2. A Recorrente entende que a sentença é nula por não ter apreciado a reconvenção formulada, com base na alegação de rescisão sem aviso prévio, por parte da trabalhadora, e que culmina com o pedido de indemnização correspondente a 6 semanas de retribuição.
3. Ora, apesar de não existir uma formal declaração de improcedência da reconvenção, o que decorre da factualidade fixada e da fundamentação da sentença é que o Tribunal não considerou que se tenha demonstrado a alegada rescisão por iniciativa da trabalhadora, sem aviso prévio.
4. E, com efeito, o facto de não se ter provado a ilicitude do despedimento não implica, automaticamente, que se tenha demonstrado a cessação do contrato, por iniciativa da trabalhadora.
5. O que resulta da matéria de facto provada deixa uma clara dúvida acerca das circunstâncias dessa mesma cessação, que sucedeu a um período de suspensão do contrato, por efeito das medidas de confinamento, implicou inseguranças e hesitações quanto ao retorno á normalidade e coincidiu com a alteração unilateral das condições de trabalho da Autora, no que concerne ao horário.
6. Não obstante, sempre se dirá que, a concluir-se pela cessação, por iniciativa da trabalhadora, no contexto de uma situação de insegurança sanitária, indefinição de medidas de proteção e isolamento e de alteração do horário de trabalho, imposta pela empregadora, sempre se colocaria a possibilidade de rescisão com justa causa, ao abrigo do disposto no art. 394º nº 1 e 3 b) do CT, sem necessidade de aviso prévio.
7. Por conseguinte, não subsistia, nem subsiste fundamento para a procedência do pedido reconvencional.
8. A douta sentença condenou a Ré a pagar á Autora a quantia de €3.080,00 de créditos laborais vencidos e não pagos e que diz respeito a subsídios de férias (€1.650,00) e de natal (€825,00), incluindo, ainda, a retribuição de Abril e 3 dias de Maio de 2020 (€605,00).
9. A Recorrente entende ter feito prova do pagamento dos referidos subsídios, em duodécimos, incluídos no montante mensalmente pago de €550,00.
10. O Tribunal entendeu que a Ré não ilidiu a presunção a que se refere o art. 799º do C. Civil, sublinhando que a própria Ré reconheceu, em sede de declarações de parte, que o valor/hora da retribuição era de €5,00 o que, considerando um período mensal de trabalho de 110 horas, conduz à retribuição base de €550,00/mês.
11. Mas, verificam-se outras incongruências e contradições nas alegações da Recorrente que confirmam o acerto da decisão recorrida.
12. Desde logo, a prova documental apresentada com a contestação e que inclui o “print” de uma mensagem eletrónica remetida pela Ré á Autora, onde aquela manifesta, expressamente, a sua convicção de que: “Quem recebe á hora não tem direito a subsídios.”
13. Invoca o sistema remuneratório do pagamento dos subsídios aos funcionários públicos (em que se incluía) em duodécimos e que cessou em 2018, para justificar a sua aplicação a um contrato de serviço doméstico que perdurou até 2020.
14. Depois, nunca especificou qual era, afinal, o valor que, na sua perspetiva, constituía a retribuição base da trabalhadora, sendo que, se fizesse o cálculo, com base na sua versão, atingiria o valor mensal de €471,43, completamente anómalo no contexto da celebração e vigência de um contrato de serviço doméstico, a tempo parcial.
15. Por fim, a própria Ré formula o pedido reconvencional, de indemnização por rescisão sem pré-aviso, com base na retribuição de €550,00, quando, de acordo com o disposto no art. 401º do CT, apenas deveria atender á retribuição base (€471,43), o que demonstra a pouca convicção da Ré acerca da sua própria versão dos factos.
16. Parece-nos, portanto, claro o acerto da decisão, ao considerar que a Recorrente nunca pagou à Autora qualquer subsídio de férias ou de Natal, ao longo da execução do contrato entre ambas celebrado.
17. Assim sendo, nenhum reparo merece a decisão recorrida, que se mostra absolutamente correta e bem fundamentada, com exceção do montante fixado, a título de subsídio de natal, conforme decorre do recurso apresentado pela Autora.
Pelo que se entende que tal decisão deve ser mantida nos seus precisos termos, negando-se provimento ao recurso.”

Os recursos foram recebidos como de apelação, com subida imediata e efeito devolutivo.

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer.

Cumpridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

Questão prévia:
Admissibilidade do recurso interposto pelo Ministério Público.
Concluiu a este respeito a Ré/Apelada:
- O Ministério Público pretende, pelo recurso, que o valor do subsídio de Natal que a Ré deve pagar à Autora seja de € 1.650,00 em vez dos € 825,00, no qual a R. foi já condenada.
- O valor do recurso ascende a apenas € 825,00, o que é nferior a metade do valor da alçada do Tribunal, pelo que o mesmo é inadmissível e não pode ser conhecido.
- Não foi invocado fundamento excecional pela Autora nas conclusões do seu recurso nos termos do disposto no nº 2 do artigo 637º do CPC e do nº 1 do artigo 81º do CPT.
Carece de razão a Ré/Recorrida.
Como resulta expressamente do disposto no artigo 79º, alínea a) do Código de Processo do Trabalho, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação, nas ações em que esteja em causa o despedimento do trabalhador.

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- Impugnação da matéria de facto;
- Nulidade da sentença;
- Montante do subsídio de Natal devido;
- Pedido reconvencional.

2. Fundamentação:
2.1. Fundamentação de facto:
Factos que se consideram provados (em realce a matéria aditada):
• Em 20-04-2017, a Autora foi admitida ao serviço da Ré, mediante acordo verbal, para exercer as funções de empregada doméstica, sob as suas ordens, direção e fiscalização, na residência acima indicada.
• No desempenho de tais funções, competia à A. efetuar a limpeza da casa, proceder ao tratamento das roupas (lavar e passar a ferro), fazer compras, preparar refeições e cuidar do cão.
• Cumpria o horário de trabalho das 08h30 às 14h00, de segunda a sexta-feira, num total de 27,5 horas semanais e como contrapartida, auferia a A. a quantia mensal de € 550,00.
• No mês de Março de 2020, o salário foi pago por transferência bancária.
• No dia 16 de Março de 2020, a R. dispensou a A. de comparecer no trabalho, por causa do início da pandemia de COVID 19.
• No dia 25 de Abril de 2020, a Ré propôs á Autora o regresso ao trabalho, mas num horário diferente, de apenas dois dias por semana, trabalhando 12 horas, em cada um deles.
• Na data da cessação do contrato, a A. contava 3 anos e 13 dias de antiguidade.
• A Autora auferia a título de retribuição mensal a quantia acima indicada na factualidade provada, pago numerário, sem emissão de recibos, nem realização de descontos para a Segurança Social.
• Dado que a suspensão temporária de trabalho resultou de decisão unilateral da Ré, à qual a Autora foi alheia, aquela comprometeu-se a pagar-lhe os salários do período em causa; a Autora recusou a proposta, por considerar a carga horária muito pesada e porque já tinha alguns compromissos laborais da parte da tarde.
• A Ré não pagou à Autora as retribuições correspondentes aos meses de Abril e Maio (3 dias) de 2020, no total de €605,00.
• Enquanto permaneceu ao serviço da Ré, a Autora nunca recebeu subsídio de férias; nem recebeu subsídio de Natal.
• No final de 2019, a A. decidiu unilateralmente ausentar-se para o Brasil para acompanhar o nascimento de um neto pelo período de um mês, e dispensando o pagamento do vencimento correspondente a esse mês de Dezembro.
• Ausência que a R. acedeu, sendo certo que a A. não salvaguardou qualquer substituição, como lhe tinha sido pedido pela R.
• No final de Dezembro, a A. informou a R., sem mais, que permaneceria no Brasil por mais 1 mês alegando razões pessoais, mas mostrou vontade de retomar o serviço em casa da R., se tal fosse possível.
• A ausência abarcou o mês de Dezembro de 2019 e Janeiro de 2020, sendo que o dia de regresso ao trabalho foi por múltiplas vezes adiado unilateralmente pela A. (28/01/2020, 30/01/2020 e finalmente 01/02/2020).
• A R. manifestou à A. a intenção de que a mesma retomasse o serviço a partir de 4 de Maio de 2020 (data em que já se previa o “levantamento” do estado de emergência), ainda que num quadro temporal diferente, de apenas dois dias por semana, das 08,00 às 20,00.
• Mas dispondo-se a R. a ir buscar a A. a casa. A ideia era a de evitar a coexistência na casa de morada de família da A. e de outra trabalhadora de serviço doméstico e concomitantemente evitar que a A. tivesse de andar em transportes coletivos, tudo em face das circunstâncias especialíssimas vividas e em abono da segurança de todos.
• A A. durante algum tempo nada disse e quando enfim respondeu às mensagens e tentativas de contacto da R. foi para começar por manifestar insegurança quanto ao início da retoma de serviço, só depois aludindo à questão do horário, sendo que quanto a este, tendo a A. manifestado que não queria trabalhar apenas 2 dias, logo a R. manifestou inteira flexibilidade, contrapropondo 3 dias por semana.
• Depois, a A. pediu declaração de autorização de deslocação, aceitando o modelo de 3 dias de trabalho por semana que lhe fora proposto.
• Subsequentemente, a A. retrocedeu e disse (no dia 27 de abril de 2020) que só queria trabalhar “manhãs”; em resposta, a R. enviou-lhe a declaração justificativa da deslocação à A., já no dia 30 de abril de 2020 (sempre reiterando a vontade de que a A. retomasse o trabalho).
• Mas a A. enviou nova mensagem na qual dizia que na semana seguinte não retomaria o serviço alegando “razões pessoais” e instada a dizer se queria continuar a trabalhar, ou não, a A. recusou-se a responder.
A Autora deixou de aparecer.
*
Factos não provados:
Com relevo para a decisão de mérito a proferir, os factos que se consideram como não provados, são os seguintes:
- No dia 03 de Maio de 2020, a Ré exigiu à A. a entrega imediata das chaves da casa e comunicou-lhe que, a partir dessa data, prescindia dos seus serviços, com efeitos imediatos.
*
MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal baseou a sua convicção nas transcrições das mensagens trocadas entre as aqui intervenientes e juntas aos autos com a contestação, as quais não foram impugnadas pela demandante. Salienta-se ainda que a aqui A., com exceção das suas próprias declarações, a que infra se fará referência, não apresentou qualquer meio de prova demonstrativo do por si alegado, nomeadamente, quanto à forma de cessação do seu contrato de trabalho.
No mais, consideraram-se os seguintes depoimentos:
- GG, disse que vive em união de facto com a aqui demandante e confirmou a data de início do vínculo laboral entre as aqui intervenientes, o valor da remuneração mensal que lhe era liquidada e o horário de trabalho que esta cumpria, confirmando que a R. a mandou embora, mas quanto a esta factualidade afirmou que apenas tem conhecimento do sucedido através do que a própria A. lhe contou;
- CC disse ser companheiro da aqui R. e afirmou que foi a A. quem não pretendia ser inscrita na Segurança Social, nem a emissão de recibos de vencimento dado que trabalhava noutros locais; descreveu ainda o sucedido relativamente ao trabalho prestado pela A. após o confinamento de Março de 2020, bem como a não aceitação por parte da demandante das alternativas propostas quanto à alteração do seu horário de trabalho, até que deixou mesmo de comparecer no seu posto de trabalho, e como não entregou as chaves que possuía da residência da R. esta mudou a fechadura por uma questão de segurança;
- HH disse que é técnica de contabilidade prestando serviços nessa área para a aqui R. e confirmou que a A. não pretendia efetuar contribuições à Segurança Social;
- DD, disse ser amiga da R. e afirmou que a A. auferia os seus subsídios de férias e de Natal por duodécimos, dado que também a R. e a testemunha auferiam estas retribuições desta forma, tendo também confirmado as alterações ao horário de trabalho proposto pela R. e a não aceitação por parte da A.;
- EE, disse ter sido a pessoa que indicou a A. para trabalhar em casa da R. e confirmou que foi aquela quem não quis efetuar contribuições para a Segurança Social e o modo como cessou o contrato de trabalho entre ambas, mantendo que a R. teve sempre necessidade e interesse em que a A. retomasse o seu posto de trabalho;
- FF, disse ser trabalhadora por conta da R. há cerca de 11 anos, tendo confirmado que aufere também os subsídios de férias e de Natal em duodécimos, tal como a A. os recebia;
Em sede de declarações de parte a A. confirmou a data de início do seu contrato de trabalho de serviço doméstico com a aqui R., o horário de trabalho que cumpria e o valor da sua retribuição mensal; disse ainda que à tarde trabalhava para outras pessoas e que em Abril de 2020 ficou em casa, por instruções da R. dado o confinamento imposto pela pandemia; admitiu ainda a A. o período em que esteve ausente em 2019, bem como as alterações ao horário que lhe foram propostas e foi adiando o regresso ao serviço, sem ter voltado a trabalhar por conta da R.
Por seu turno, a aqui R. afirmou que os subsídios de férias e de Natal eram pagos em duodécimos e estavam incluídos no vencimento mensal de € 550,00, que era liquidado em numerário e sem recibo de vencimento, correspondente ao trabalho prestado 5 manhas por semana a € 5,00/hora.”

2.1.2. Impugnação da matéria de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;».
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”.
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (Relatora Paula Leal de Carvalho, aqui 2ª Adjunta, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Ainda com fundamentação da mesma Desembargadora Paula Leal de Carvalho:
“Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
“Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.
E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende.
[Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.].
Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Assim também os Acórdãos do STJ de 21.09.2022, Proc. 1996/18.1T8LRA.C1.S1, constando do respetivo sumário: “I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e de 12.10.2022. Proc. 14565/18.7T8PRT.P1.S1, constando do respetivo sumário: “I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”, ambos in www.dgsi.pt].]
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.”, (realce e sublinhado nossos).
Analisando a impugnação da Ré/Apelante, começa a mesma por se insurgir contra a decisão de ter ficado não provado os seguintes factos alegados sob os artigos 10.º a 14.º da contestação: que
- As partes acordaram, na sequência de pedido da R., em que os valores de férias, subsídio de férias e de subsídio de Natal fossem pagos em regime de duodécimos.
- Tal ia de encontro às pretensões e interesse da A., que assim recebia valor mensal superior, e estava, sobretudo, em linha com as necessidades da própria R., médica do Serviço Nacional de Saúde e que durante vários anos (incluindo o da contratação da A.) estava, também ela, a receber tais rubricas em regime de duodécimos.
Concluiu que só assim se explica e compreende que o valor da retribuição seja o que a Autora refere na petição inicial, ou seja, € 550,00 por 27,5 horas de trabalho semanal.
Mais concluiu a Ré/Apelante que concomitantemente, deve ser dado como “não provado” o facto que integra o elenco dos provados:
- Enquanto permaneceu ao serviço da Ré, a Autora nunca recebeu subsídio de férias, nem recebeu subsídio de Natal.
Bem como a expressão “em contrapartida” usada no terceiro facto provado constante do elenco integrado no relatório da sentença impugnada.
Indica os depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, FF, com referência aos minutos da gravação em que ficaram registados gravados, procedendo à transcrição dos excertos tidos por relevantes, a cuja leitura procedemos integralmente.
Defendendo o acerto da decisão, ao considerar que a Recorrente nunca pagou à Autora qualquer subsídio de férias ou de Natal, ao longo da execução do contrato, concluiu por seu turno, em suma, a Autora/Apelada:
- a própria Ré reconheceu, em sede de declarações de parte, que o valor/hora da retribuição era de €5,00 o que, considerando um período mensal de trabalho de 110 horas, conduz à retribuição base de €550,00/mês.
- a prova documental apresentada com a contestação e que inclui o “print” de uma mensagem eletrónica remetida pela Ré á Autora, onde aquela manifesta, expressamente, a sua convicção de que: “Quem recebe á hora não tem direito a subsídios.”
- a Ré nunca especificou qual era, afinal, o valor que, na sua perspetiva, constituía a retribuição base da trabalhadora, sendo que, se fizesse o cálculo, com base na sua versão, atingiria o valor mensal de €471,43, completamente anómalo no contexto da celebração e vigência de um contrato de serviço doméstico, a tempo parcial.
- a própria Ré formula o pedido reconvencional, de indemnização por rescisão sem pré-aviso, com base na retribuição de €550,00, quando, de acordo com o disposto no artigo 401º do CT, apenas deveria atender á retribuição base (€471,43), o que demonstra a pouca convicção da Ré acerca da sua própria versão dos factos.
Vejamos:
Lê-se na motivação da decisão de facto, a este respeito:
“O Tribunal baseou a sua convicção nas transcrições das mensagens trocadas entre as aqui intervenientes e juntas aos autos com a contestação, as quais não foram impugnadas pela demandante.
(…)”
De resto, a respeito da matéria em causa, a Mm.ª Juiz a quo fez constar na motivação, a razão de ciência e o que foi dito pelas testemunhas GG, “disse (…) o valor da remuneração mensal que lhe era liquidada (…) afirmou que apenas tem conhecimento do sucedido através do que a própria A. lhe contou”; DD, “a A. auferia os seus subsídios de férias e de Natal por duodécimos, dado que também a R. e a testemunha auferiam estas retribuições desta forma” e FF “disse ser trabalhadora por conta da R. há cerca de 11 anos, tendo confirmado que aufere também os subsídios de férias e de Natal em duodécimos, tal como a A. os recebia”.
Mais consignou a Mm.ª Juiz a quo, o que foi referido pela Autora e o que foi referido pela Ré a este respeito, o que a Ré/Apelante não pôs em causa, em sede de impugnação.
Nada resulta consignado a propósito da credibilidade que tais depoimentos e declarações mereceram.
Ainda assim, lidos os excertos dos depoimentos transcritos pela Ré/Apelante, não chegamos a uma conclusão diversa da alcançada pela Mm.ª Juiz a quo, sendo que nenhuma das testemunhas acompanhou a celebração do contrato entre a Autora e a Ré, nem foi suficientemente explicita, antes reportando-se ao sucedido profissionalmente com elas mesmas.
Mostra-se provado o horário de trabalho das 08h30 às 14h00, de segunda a sexta-feira, num total de 27,5 horas semanais.
Ora é a própria Ré que nas suas declarações afirma que o vencimento mensal de € 550,00 era correspondente ao trabalho prestado 5 manhãs por semana a € 5,00/hora.
Pretender incluir nesse montante o que era devido à Autora, a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal, pressupunha deste logo que ficasse assente um valor diferente daquele que ficou provado como sendo auferido por aquela como contrapartida do seu trabalho, a título de remuneração – desde logo o quantum que seria devido por cada hora - sem aqueles subsídios, o que nem sequer a própria Ré alegou.
Ou seja, a Ré nunca especificou qual era o valor que, na sua perspetiva, foi acordado e constituía a retribuição base da Autora, o que se nos afigura relevante para o caso.
Como assinalado na resposta pelo Ministério Público, a Ré formula o pedido reconvencional de indemnização por rescisão sem pré-aviso, com base na retribuição de €550,00, resultando do disposto no artigo 401º do CT, ser de considerar, para o efeito, a retribuição base.
Improcede como tal também nesta parte a pretensão da Ré Apelante.
*
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Como previsto no artigo 662º, nº2, alínea c) do Código de Processo Civil, «a Relação deve anular a decisão proferida na 1ª instância, quando não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, (…) considere indispensável a ampliação desta.»
A insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções de direito plausíveis porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos essenciais e relevantes alegados.
Em concreto, importa aferir se toda a matéria de facto pertinente foi apurada ou pode considerar-se apurada pelo confronto entre as posições das partes ou os documentos apresentados.
Em sede de reconvenção a Ré/Reconvinte deu como integralmente reproduzida a matéria alegada nos artigos da contestação, tendo a esse respeito, neste articulado, nomeadamente, sido alegado (realce nosso):
“41.º
Instada a dizer se queria continuar a trabalhar, ou não, a A. recusou-se a responder.
42.º
Dúvidas não podem subsistir, portanto, de que foi a A. quem, unilateralmente pôs fim ao contrato, até porque simplesmente “deixou de aparecer”.
43.º
A partir desse momento, a troca de mensagens é absolutamente inequívoca na confirmação da vontade da A. em fazer cessar o contrato,
44.º
Sendo que nenhuma decisão de despedimento da R. lhe é transmitida,
45.º
Apenas a impotência de quem não pode, naturalmente, forçar a outra parte a trabalhar e que não pretende que a trabalhadora fique na posse da chave da casa de morada de família…
46.º
A R. junta como documento n.º 1 a troca de mensagens “Whatsapp” que atesta o evoluir das conversas entre as partes e o contexto da cessação do contrato de serviço doméstico (podendo o Tribunal determinar prova pericial sobre a mesma, naturalmente, se o considerar pertinente e/ou a A. impugnar a genuinidade da troca de mensagens em causa).
47.º
Veja-se, como sintomaticamente, já em 15 de maio de 2020, a R. diz à A. que “a AA nem sequer ponderou voltar”…
48.º
E como, eloquentemente, a A., na sua mensagem desse mesmo dia, não desmente essa declaração da R., que sabe verdadeira…
49.º
Diga-se que não só a A. não prova que a R. a despediu – ónus que sobre aquela recai,
50.º
Como a R. prova que foi a A. a denunciar o contrato de trabalho – denúncia esta que não tem de ser feita por escrito (e aqui até foi).”
No articulado de resposta a Trabalhadora, nomeadamente alegou:
“3º
Ora, os factos em que a Ré assenta o seu pedido são completamente falsos, (…)
A Ré quis, unilateralmente, alterar o horário que a Autora vinha a cumprir, há cerca de 3 anos de vigência do contrato;
Horário esse que, por não compreender a parte da tarde, permitiu à Autora contratar os seus serviços de empregada doméstica com outros empregadores.
A Autora não podia (nem queria) deixar de cumprir as suas obrigações contratuais com esses outros empregadores, em função das arbitrariedades da Ré.
E, portanto, recusou cumprir um horário que comprometia esse desígnio.
Se a Ré permitisse que a Autora continuasse a cumprir o horário das 08h30 ás 14h00, de segunda a sexta-feira, ela teria reiniciado as suas funções, logo após o “desconfinamento”.
Por esse motivo, foi a Ré, e apenas a Ré, quem decidiu que a Autora não voltaria ao trabalho.”
Ora da decisão de facto proferida na 1ª instância, consta a este respeito apenas que resultou provado:
- A Ré manifestou à Autora a intenção de que a mesma retomasse o serviço a partir de 4 de Maio de 2020 (data em que já se previa o “levantamento” do estado de emergência), ainda que num quadro temporal diferente, de apenas dois dias por semana, das 08,00 às 20,00, dispondo-se a ir busca-la a casa.
- A Autora durante algum tempo nada disse e quando enfim respondeu às mensagens e tentativas de contacto da Ré foi para começar por manifestar insegurança quanto ao início da retoma de serviço, só depois aludindo à questão do horário, tendo manifestado que não queria trabalhar apenas 2 dias e logo a Ré manifestado inteira flexibilidade, contrapropondo 3 dias por semana.
- Depois, a Autora pediu declaração de autorização de deslocação, aceitando o modelo de 3 dias de trabalho por semana que lhe fora proposto, subsequentemente, retrocedeu e disse (no dia 27 de abril de 2020) que só queria trabalhar “manhãs”; em resposta, a Ré enviou-lhe a declaração justificativa da deslocação à Autora, já no dia 30 de abril de 2020 (reiterando a vontade de que a Autora retomasse o trabalho).
- A Autora enviou nova mensagem na qual dizia que na semana seguinte não retomaria o serviço alegando “razões pessoais” e instada a dizer se queria continuar a trabalhar, ou não, a Autora recusou-se a responder.
Ainda que não se provou que no dia 03 de Maio de 2020, a Ré exigiu à A. a entrega imediata das chaves da casa e comunicou-lhe que, a partir dessa data, prescindia dos seus serviços, com efeitos imediatos.
Já em sede de motivação da decisão de facto, lê-se na sentença recorrida:
“Em sede de declarações de parte a A. confirmou a data de início do seu contrato de trabalho de serviço doméstico com a aqui R., o horário de trabalho que cumpria e o valor da sua retribuição mensal; disse ainda que à tarde trabalhava para outras pessoas e que em Abril de 2020 ficou em casa, por instruções da R. dado o confinamento imposto pela pandemia; admitiu ainda a A. o período em que esteve ausente em 2019, bem como as alterações ao horário que lhe foram propostas e foi adiando o regresso ao serviço, sem ter voltado a trabalhar por conta da R.” (sublinhado nosso)
Assim o consignou a Mm.ª Juiz a quo, não sendo objeto de questionamento, nessa parte, a fundamentação da motivação.
Ora, temos como essencial a factualidade alegada pela Ré/Reconvinte de que a Ré “deixou de aparecer”.
Procedemos à audição integral do mesmo meio de prova, ou seja, das declarações da Autora que nessa parte falou de forma pouco segura, ainda assim, admitindo que recebeu da Ré uma declaração para justificar “andar para lá e para cá nos transportes”, mas também, “como ela mudou tudo, fui ficando daquele jeito”.
Trata-se de uma declaração confessória.
Ou seja, a factualidade que temos como essencial, alegada pela Ré/Reconvinte em sede de articulado de contestação/reconvenção de que a Ré “deixou de aparecer”, ainda que sendo matéria controvertida, face à posição da Trabalhadora no articulado de resposta, foi, porém, admitida por esta em sede declarações de parte.
Justifica-se, em conformidade, a ampliação da matéria de facto, ficando a constar da mesma:
- A Autora deixou de aparecer.

2.2. Fundamentação de direito:
2.2.1. Quanto à nulidade suscitada, entendemos que a mesma se mostra verificada.
O artigo 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil prevê que é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Conclui o Ministério Público que apesar de não existir uma formal declaração de improcedência da reconvenção, o que decorre da factualidade fixada e da fundamentação da sentença é que o Tribunal não considerou que se tenha demonstrado a alegada rescisão por iniciativa da trabalhadora, sem aviso prévio.
Ainda que o facto de não se ter provado a ilicitude do despedimento não implica, automaticamente, que se tenha demonstrado a cessação do contrato, por iniciativa da trabalhadora. O que resulta da matéria de facto provada deixa uma clara dúvida acerca das circunstâncias dessa mesma cessação, que sucedeu a um período de suspensão do contrato, por efeito das medidas de confinamento, implicou inseguranças e hesitações quanto ao retorno á normalidade e coincidiu com a alteração unilateral das condições de trabalho da Autora, no que concerne ao horário.
Assim não o entendemos.
Ou seja, a sentença é nula por não ter apreciado a reconvenção formulada pela Ré/Apelante, com base na alegação de rescisão sem aviso prévio, por parte da trabalhadora e o pedido de indemnização correspondente a 6 semanas de retribuição.
A «Regra da substituição ao Tribunal recorrido» mostra-se prevista no artigo 665º, do Código de Processo Civil, no qual se estipula:
«1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.»
Concluímos assim que a nulidade agora em apreciação, se verifica, já que não foi conhecida questão suscitada.
Vejamos então se é de conhecer o pedido reconvencional, em sistema de substituição, não se justificando não se justificando a remessa dos autos à 1ª instância, para conhecer da questão omitida.
Desde já se refere que não se nos afigura necessário garantir o contraditório, tendo a Ré/Reconvinte/Recorrente, se pronunciado no recurso, sobre o mérito da mesma questão – conclusões 2 a 5 - e a Autora também o fez nas contra-alegações – conclusões 3 e 7.
Passaremos então a conhecer do pedido reconvencional, em causa.

2.2.2. Importa assim decidir se a cessação do contrato ocorreu por rescisão, sem aviso prévio, por parte da trabalhadora.
Da factualidade assente resulta claro que tal cessação ocorreu num contexto de pandemia, o que não deve aqui deixar de ser considerado, dados os condicionalismos que desta resultaram, nomeadamente em termos de limitações de várias índoles – v.g. deslocações, contactos interpessoais - e múltiplos receios, com repercussões na vida familiar e profissional de todos que viveram e sobreviveram a esse período ocorrido num passado ainda recente.
Não pode concluir-se dos factos provados que o facto de a Autora ter deixado de comparecer, foi apenas o resultado de uma vontade sua, antes importa atender também que a Ré lhe propôs uma alteração do horário de trabalho significativa.
Com efeito provou-se:
- Em 20-04-2017, a Autora foi admitida ao serviço da Ré, mediante acordo verbal, para exercer as funções de empregada doméstica, sob as suas ordens, direção e fiscalização, na residência acima indicada.
- Cumpria o horário de trabalho das 08h30 às 14h00, de segunda a sexta-feira, num total de 27,5 horas semanais e como contrapartida, auferia a A. a quantia mensal de € 550,00.
- No dia 16 de Março de 2020, a Ré dispensou a Autora de comparecer no trabalho, por causa do início da pandemia de COVID 19.
- No dia 25 de Abril de 2020, a Ré propôs á Autora o regresso ao trabalho, mas num horário diferente, de apenas dois dias por semana, trabalhando 12 horas, em cada um deles.
- A Ré manifestou à Autora a intenção de que a mesma retomasse o serviço a partir de 4 de Maio de 2020 (data em que já se previa o “levantamento” do estado de emergência), ainda que num quadro temporal diferente, de apenas dois dias por semana, das 08,00 às 20,00, dispondo-se a ir busca-la a casa.
- A Autora durante algum tempo nada disse e quando enfim respondeu às mensagens e tentativas de contacto da R. foi para começar por manifestar insegurança quanto ao início da retoma de serviço, só depois aludindo à questão do horário, tendo quanto a este manifestado que não queria trabalhar apenas 2 dias e logo a Ré contrapôs 3 dias por semana.
- Depois, a Autora pediu declaração de autorização de deslocação, aceitando o modelo de 3 dias de trabalho por semana que lhe fora proposto.
- Subsequentemente, a Autora retrocedeu e disse (no dia 27 de abril de 2020) que só queria trabalhar “manhãs”; em resposta, a R. enviou-lhe a declaração justificativa da deslocação à Autora, já no dia 30 de abril de 2020 (sempre reiterando a vontade de que a Autora retomasse o trabalho).
- A Autora enviou nova mensagem na qual dizia que na semana seguinte não retomaria o serviço alegando “razões pessoais” e instada a dizer se queria continuar a trabalhar, recusou-se a responder.
- A Autora deixou de aparecer.
Em suma, temos assim que a Ré começou por dispensar a Autora de comparecer no trabalho, por causa do início da pandemia de COVID 19. Posteriormente, a 25.04.2020, a Ré manifestou à Autora a intenção de que a mesma retomasse o serviço a partir de 4 de Maio de 2020 (data em que se previa o “levantamento” do estado de emergência), num horário diferente do contratado - das 08h30 às 14h00, de segunda a sexta-feira para apenas dois dias por semana, das 08,00 às 20,00 - dispondo-se a ir busca-la a casa. A Autora aceitou a alteração de horário para 3 dias, mas retrocedeu, dois dias depois da proposta da Ré, ainda antes de retomar o serviço, dizendo que só queria trabalhar “manhãs”, não respondeu quando instada a dizer se queria continuar a trabalhar e deixou de aparecer.
Daqui resulta ser irrelevante a proposta inicial da Ré/Reconvinte de alterar o trabalho para apenas dois dias por semana, das 08,00 às 20,00, já que a mesma não foi aceite pela Autora/Reconvinda.
A Autora aceitou sim a proposta que lhe foi de seguida feita pela Ré, de trabalhar 3 dias por semana. Tendo aceite tal proposta, não podia dois dias depois recusa-la.
Como resulta do disposto no artigo 235º, nº2 do Código Civil, «A aceitação pode ser revogada mediante declaração que ao mesmo tempo, ou antes dela, chegue ao poder do proponente ou seja dele conhecida.»
Temos, pois, como cerrado entre as partes o acordo quanto à alteração do período do trabalho para 3 dias por semana (ainda que não se tenha provado o número de horas diárias).
Da factualidade provada, desde logo mostrando-se assente que posteriormente a Autora deixou de aparecer, não se mostra possível concluir que a Ré despediu a mesma.
Concluiu a Ré/Reconvinte/Apelante que os factos provados atestam que a Autora promoveu a cessação unilateral do contrato sem observar o aviso prévio a que estava obrigada, deixando de comparecer ao serviço e de responder às mensagens pelas quais a Recorrente a exortava a retomá-lo.
E foram estas, em suma, as conclusões da Resposta da Trabalhadora que novamente se transcrevem:
- O facto de não se ter provado a ilicitude do despedimento não implica, automaticamente, que se tenha demonstrado a cessação do contrato, por iniciativa da trabalhadora.
- O que resulta da matéria de facto provada deixa uma clara dúvida acerca das circunstâncias dessa mesma cessação, que sucedeu a um período de suspensão do contrato, por efeito das medidas de confinamento, implicou inseguranças e hesitações quanto ao retorno á normalidade e coincidiu com a alteração unilateral das condições de trabalho da Autora, no que concerne ao horário.
Também entendemos que não se pode concluir que a Autora resolveu o contrato com justa causa, desde logo por não resultar dos factos assentes qualquer comunicação expressa da mesma nesse sentido à Ré, ou seja, no sentido de que pretendia fazer cessar o contrato de trabalho.
“A comunicação da cessação do contrato de trabalho pelo trabalhador ao empregador consubstancia uma declaração negocial unilateral e receptícia do trabalhador em que este transmite àquele a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho.” – cfr. sumário do Acórdão desta mesma secção de 19.04.2021 (Relator Desembargador Rui Penha, in www.dgsi.pt)
A resolução, assim como a denúncia, apenas produzem efeito chegando ao conhecimento do destinatário – artigo 224º, nº1 do Código Civil.
Ficou provado, é certo que a Autora enviou nova mensagem na qual dizia que na semana seguinte não retomaria o serviço alegando “razões pessoais” e que instada a dizer se queria continuar a trabalhar, ou não, a Autora recusou-se a responder.
Porém, tal não consubstancia uma rescisão, dado que não traduz uma declaração expressa e inequívoca da Autora, no sentido de que pretendia fazer cessar o contrato de trabalho.
Já a não comparência da Autora ao trabalho poderia consubstanciar uma situação de abandono do trabalho – regulada no artigo 34º do DL 235/92 de 24.10. -, mas apenas seria invocável pela Ré em Tribunal, caso esta tivesse dado cumprimento à prévia comunicação a que se reporta o nº5 do mesmo preceito - «A cessação do contrato só é invocável pela entidade empregadora após comunicação registada, com aviso de recepção, para a última morada conhecida do trabalhador»-, competindo-lhe o ónus de alegação e prova de tal facto, o que no caso não ocorreu.
Preceitua o artigo 342º, nº1 do Código Civil que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».
Com efeito, às partes pertence o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos do seu direito.
Quanto ao ónus de alegação, decorre do artigo 5º, nº1 do Código de Processo Civil, que «Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.»
Porém, uma coisa é o ónus de alegação, outra coisa é o ónus de prova.
“O onus probandi respeita aos factos da causa, distribuindo-se segundo os critérios definidos no artigo 342º do Código Civil. A parte a quem compete o ónus tem o encargo de fornecer a prova do facto visada, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova (MANUEL ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pág. 196). O ónus da prova tem ainda como consequência que a incerteza ou o non liquet do juiz acerca de qualquer ponto de facto, depois de consultadas as provas dos autos, se resolve em desfavor do sujeito processual ao qual incumbiu a prova do facto respetivo (idem, pág. 197)” (Acórdão do STJ de 04.06.2003, in www.dgsi.pt)
No caso e como adiantado não se pode concluir que a Autora resolveu o contrato com justa causa, pelo que improcede em conformidade o pedido reconvencional.

2.2.3. Antes de mais consigna-se que ao caso é aplicável Regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, anterior à sua atual redação.
Foi esta a fundamentação da sentença:
“Deste modo e ao abrigo do preceituado nos artigos 12º e 18º ambos da Lei nº 114/99 de 03/08 que estabelece o regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, a A. terá direito a título de subsídio de Natal a uma retribuição equivalente a 50% da sua remuneração mensal, ou seja, € 275,00 x 3 = € 825,00 (sendo a sua antiguidade de 3 anos à data da cessação do vínculo jurídico) a que acresce o montante de € 550,00 x 3 = € 1.650,00 devido a título de subsídio de férias, o que totaliza um montante de € 2.475,00 (dois mil quatrocentos e setenta e cinco euros). (…)A estes valores acrescem os juros de mora vencidos à taxa legal desde a citação e os vincendos até integral pagamento.”
Conclui o Ministério Público que é aplicável aos trabalhadores do serviço doméstico, o disposto no artigo 263º do Código do Trabalho.
Ainda que nos termos da referida norma, a Autora tem direito a subsídio de Natal, de valor igual a um mês de retribuição, no valor total de €1 650,00 (550x3) e não, apenas, a €825,00 (550/2x3).
Assim, ao total dos créditos devidos á Autora, calculados em €3 080,00, deverá acrescer o valor de €825,00, devendo a Ré ser condenada a pagar á recorrente a quantia total de €3 905,00, acrescida dos juros determinados.
Tem razão o Apelante também nesta parte.
Como se lê no acórdão desta secção de 18.12.2013 (Relatora Desembargadora Paula Roberto, in www.dgsi.pt):
“Conforme o disposto no artigo 12.º do D.L. n.º 235/02 de 24/10, o trabalhador do serviço doméstico tinha direito a um subsídio de Natal não inferior a 50% da parcela pecuniária da retribuição correspondente a um mês.
O D. L. n.º 88/96 de 03/07 veio consagrar o direito ao subsídio de Natal para a generalidade dos trabalhadores prevendo a sua aplicação aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho a quaisquer entidades empregadoras, incluindo os trabalhadores de serviço doméstico - artigo 1.º, n.º 1, sendo que, os trabalhadores tinham direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição – artigo 2º, n.º 1 do mesmo D.L..
Assim sendo, somos levados a concluir que o citado artigo 12.º, do D.L. n.º 235/92, se encontra tacitamente revogado pelo artigo 1º, n.º 1, do D. L. n.º 88/96[2].
Na verdade, a não ser assim, não faz qualquer sentido a referência expressa que é feita neste último aos trabalhadores do serviço.
Aliás, sendo óbvia a intenção de estender o subsídio de Natal a todos os trabalhadores e de valor igual a um mês de retribuição, não se vislumbra qualquer justificação para que aos trabalhadores do serviço doméstico continuasse a ser aplicado o disposto no citado artigo 12.º. Conhecendo o legislador a existência de um regime específico para o serviço doméstico, não sendo sua intenção abranger os respetivos trabalhadores, então não o teria dito, como efetivamente o fez, no citado n.º 1, do artigo 1.º do D.L. n.º 88/96.
Este D.L. veio a ser revogado pela Lei n.º 99/2003 de 27/08 (C.T. de 2003) e este pela Lei n.º 7/2009 de 12/02 (C.T. de 2009), razão pela qual é aplicável o disposto no artigo 263º, deste C.T..
(…)
[2] No mesmo sentido da derrogação desta norma, cfr. o acórdão da R.L. de 25/09/2013, disponível em www.dgsi.pt.”
Procede a Apelação do Autor.
*
3. Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a nulidade da sentença recorrida invocada pela Ré/Recorrente e em consequência:
- julgar improcedente o pedido reconvencional formulado pela Ré/Apelante, com base na alegação de rescisão sem aviso prévio, por parte da trabalhadora e o pedido de indemnização correspondente a 6 semanas de retribuição.
- julgar quanto ao demais, improcedente a Apelação da Ré;
- julgar a apelação da Autora procedente revogando-se a sentença recorrida no que respeita ao que a Autora tem direito, a título de subsídio de Natal, condenando-se a Ré a pagar-lhe a esse respeito o valor total de €1 650,00 (550x3), a que acrescem os juros de mora vencidos à taxa legal desde a citação e os vincendos até integral pagamento.
- confirmar-se no mais a sentença recorrida.
Custas da reconvenção e da apelação da Ré/Reconvinte e Apelante por esta última.
Custas da apelação do Autor, pela Ré/Apelada.

Porto, 9 de Outubro de 2023
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho