Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10608/19.5T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DUARTE TEIXEIRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REVOGAÇÃO UNILATERAL
DANO
VALOR A INDEMNIZAR
Nº do Documento: RP2020111910608/19.5T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Um contrato de prestação de serviços pode ser livremente revogado por uma das partes desde que não exista interesse comum.
II - A revogação unilateral do acordo é eficaz independentemente do prazo de antecedência com que foi efectuada.
III - O cumprimento ou não desse prazo revela apenas para a concessão e fixação da indemnização.
IV - O valor do dano a indemnizar terá de ser proporcional ao período de antecedência que não foi efetivamente cumprido.
V - Cabe ao lesado demonstrar a dimensão do seu dano real que deve ser calculado de acordo com a teoria da diferença.
VI - Não tem direito a qualquer indemnização o contraente que sofreu apenas uma diminuição de 3 dias no período de comunicação, foi remunerado pela sua prestação por mais 30 dias e não alegou e provou qualquer dano efectivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 10608/19.5T8PRT.P1

Sumário:
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I. Relatório.
B…, Lda interpôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra Condomínio do Prédio situado na Rua …, n.ºs …, …, … e …, no Porto, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia global de 32.943,43 euros, correspondente ao valor devido por 1 ano de contrato e que teria recebido se o réu, infundadamente, não tivesse não tivesse colocado termo ao contrato celebrado entre as partes, acrescido dos juros de mora devidos desde a data de interpelação.
O réu, regularmente citado, contestou dizendo em suma que o acordo foi revogado tempestivamente.
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Foi proferido saneador-sentença, sem instrução da causa nos termos do qual foi decidido queEm face de tudo o que ficou exposto, julgo a presente ação improcedente e, em consequência, absolvo o réu do pedido formulado pela autora”.
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Inconformada a ré interpôs recurso de apelação, no decurso do qual apresentou as seguintes conclusões:
I. Andou mal o Tribunal “a quo” ao decidir nos termos em que o fez! Entende o Tribunal “a quo” que o presente contrato de prestação de serviços não foi celebrado igualmente no interesse da A. e não tendo esta alegado prejuízos (no sentido restrito do termo) deve a presente acção improceder, não sendo a R. obrigada a indemnizar a A.
III. Ao decidir como decidiu, viola a douta Sentença sob recurso, entre outros, os artigos 1156.º, 1170.º e 1172.º c), todos do Código Civil (C.C.)
IV. O artigo 1156.º do C.C. o Legislador manda aplicar a regras do mandato aos contratos de prestação de serviços.
V. Conjugando o artigo 1156.º, 1170.º e 1172.º, c) do C.C., vemos que o contrato de prestação de serviços é livremente revogável, no entanto, sendo o mandato oneroso (e salvo evocação de justa causa): se o mandato tiver sido conferido por certo tempo, Ou, se o mandante o revogar sem a antecedência conveniente, Constitui-se o mandante na obrigação de indemnizar o mandatário (ou no presente caso, o prestador de serviços).
VI. O presente contrato de prestação de serviços era oneroso, tendo sido revogado sem a antecedência convencionada pelas partes, pois na data em que a A. foi notificada da revogação do contrato, já o mesmo se havia renovado automaticamente até 07/11/2018.
VII. A declaração negocial apenas produz efeitos quando chega ao poder ou ao conhecimento do destinatário, sendo que a declaração recebida pelo destinatário em condições de não poder ser por este conhecido é ineficaz. art. 224.º do C.C.:
VIII. Neste sentido vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02/03/2011, proferido no âmbito do processo 1968/05.6TBMTJ.L1.S1 e de 13-01-2000, proferido no âmbito do processo 99B318, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
IX. Vide ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-04-2006, proferido no âmbito do processo 06A205 e disponível em www.dgsi.pt.
X. A R. constitui-se na obrigação de Indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos.
XI. Não é correcto, salvo o devido respeito, o entendimento vertido na Sentença agora sob recurso, de que esses prejuízos se reconduzem aos prejuízos no sentido restrito do termo, o chamado dano emergente e já não o lucro cessante.
XII. quando o legislador faz referência a prejuízos, no referido artigo 1172.º c) do CC., pretende referir-se ao dano contratual negativo, neste se incluindo o lucro cessante!
XIII. “No cômputo da indemnização pelo interesse contratual negativo (ou dano de confiança) cabem os lucros cessantes, consistentes no proveito que o contraente fiel teria se não tivesse celebrado o contrato.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2007, proferido no âmbito do processo 06A4002 e disponível em www.dgsi.pt.
XIV. “1. A revogação unilateral de um contrato de prestação de serviços oneroso pela parte solicitante constitui-a na obrigação de indemnizar a prestadora dos serviços pelos danos provocados, abarcando tanto os danos emergente como os lucros cessantes (art. 1172º, al. c), ex vi art. 1156º do CC). 2. Tratando-se de prestação de serviços por tempo determinado, a quantificação da indemnização por lucros cessantes deve equivaler à diferença entre a situação patrimonial que existiria se o contrato tivesse sido integralmente executado e aquela que resultou da revogação antecipada. 3. A quantificação dos lucros cessantes em função das receitas projectadas para o período contratual em falta satisfaz os requisitos da probabilidade e da previsibilidade do dano a que se reportam os arts. 563º e 564º, nº 2, do CC.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2015, proferido no âmbito do processo 4747/07.2TVLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
XV. A Jurisprudência tem vindo a ser, de resto, unanime neste sentido ao longo dos anos, como se comprova pelos acórdãos: Tribunal da Relação do Porto de 06-02-2003, proferido no âmbito do processo 0232458 e disponível em www.dgsi.pt. Tribunal da Relação de Lisboa de 20-09-2007, disponível em CJ, 2007, 4.º - 99. Tribunal da Relação do Porto de 21/01/2010, proferido no âmbito do processo nº 872/06.5TVPRT.P1 e disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/15670/. Tribunal da Relação de Lisboa de 28-01-2010, proferido no âmbito do processo 5289/05.6TBCSC.L1-8e disponível em www.dgsi.pt Tribunal da Relação de Lisboa de 01-07-2010, proferido no âmbito do processo 2464/03.1TBALM.L1-6 e disponível em www.dgsi.pt Tribunal da Relação de Lisboa de 30-10-2014, proferido no âmbito do processo 2984/12.7TJLSB.L1-2 e disponível em www.dgsi.pt Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2018, proferido no âmbito do processo 1638/16.0T8PVZ.P1 e disponível em www.dgsi.pt Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2019, proferido no âmbito do processo 13908/17.5T8LSB.L1-7 e disponível em www.dgsi.pt
XVI. A A. deve ser indemnizada pelo Dano contratual negativo, aqui cabendo, forçosamente, o Lucro Cessante e não apenas o Dano emergente.
XVII. O Lucro da A. no presente contrato era de 100% pois os trabalhadores destacados para o local eram funcionários da empresa, não constituindo o seu salário um custo específico do referido contrato (que a A. tenha deixado de ter com a cessação do mesmo).
XVIII. A Sentença Recorrida deve ser revogada sendo substituída por decisão que condene a R. a indemnizar a A. no valor de € 30.140,00, correspondentes às prestações em dívida até á data em que o contrato deveria terminar, em 07/11/2018, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
XIX. Devem ainda acrescer juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal comercial, desde a data da interpelação da A. ao R. (em 11/01/2018) e até efectivo e integral cumprimento, os quais ascendiam, na data de entrada da presente acção à quantia de € 2.803,43.
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Regularmente notificada a ré/apelada veio contra-alegar, concluindo que:
1) Autora e Réu celebraram entre si Contrato de Prestação de Serviços de portaria, em 19 de Novembro de 2010.
2) De acordo com o estipulado entre Autora e Réu, “O prazo do presente contrato é de um ano, iniciando-se em 08 de Novembro de 2010 e terminando em 07.11.2011, podendo ser rescindido por qualquer das partes, desde que haja aviso prévio por escrito, com antecedência de 30 (trinta) dias” (Cfr. Cláusula Terceira do Contrato Prestação de Serviços).
3) A qualquer momento, qualquer uma das partes poderia pôr fim ao contrato de prestação de serviços celebrado, desde que fosse observado o pré aviso de 30 (trinta) dias da data pretendida para o seu termo.
4) Como tal, quando o Réu comunica à Autora a sua intenção de pôr fim ao contrato, por carta que lhe dirige e que chega à sua disponibilidade a 9 de Outubro de 2017, fá-lo em observância do disposto no contrato de prestação de serviços entre eles celebrado (designadamente, da sua Cláusula Terceira).
5) Perante tal comunicação, o contrato terminou a 7 de Novembro de 2017 (ou seja, 30 dias após a comunicação remetida pelo Réu à Autora).
6) Foi cumprido o aviso prévio do Réu à Autora, não existindo qualquer fundamento legal que justifique o pagamento de uma qualquer “indemnização”.
7) Não houve por parte do Réu qualquer violação da Lei, nem incumprimento do contratado.
8) Além de que, pagou o Réu à Autora todos os valores que lhe eram devidos, decorrentes do contrato de prestação de serviços entre ambos celebrado.
9) Não sendo, por isso, o Réu devedor à Autora de qualquer importância, seja a que título for.
10) Por outro lado, no que respeita ao montante peticionado pela Autora, não tem o mesmo qualquer razão ou fundamento legal.
11) A indemnização a fixar, a ter lugar, deveria restabelecer o status quo ante, indemnizar o interesse contratual negativo.
12) Ou seja, a indemnização deveria corresponder à diferença entre o que a Autora teria gasto e o que teria recebido deduzido do que ganhou por não ter que cumprir integralmente o contrato.
13) Acresce que, a Autora não alega sequer factos que permitam concretizar os danos que supostamente teve.
4) Ora, atendendo ao antes exposto resulta que o contrato de prestação de serviços celebrado entre Autora e Réu era livremente revogável.
15) E, mesmo que houvesse lugar a uma indemnização por alegadamente não ter sido a Autora informada com a antecedência conveniente, tal indemnização nunca corresponderia ao pagamento de todas as prestações que seriam devidas até ao prazo contratual ficar esgotado, como pretende aquela.
16) A indemnização em questão destinar-se-ia apenas a reparar o dano resultante da alegada revogação extemporânea.
17) Sendo que, não alega a Autora quaisquer prejuízos decorrentes da revogação do contrato.
18) Assim, não é o Réu devedor à Autora de qualquer importância, designadamente a peticionada nos presentes autos.
19) Não sendo o Réu devedor de qualquer valor à Autora, não existe mora; como tal, não é devida a importância peticionada a título de juros de mora.
20) Não viola a decisão recorrida qualquer normativo legal, designadamente o disposto nos artigos 1156º, 1170º e 1172º do Código Civil.
21) Pelo que, salvo melhor opinião, a Douta Sentença deve manter-se em toda a sua extensão e efeitos.
22) Negar-se provimento ao presente recurso.
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III. Questões a decidir:
1. Determinar se a rescisão do acordo efectuada pela ré é legal e tempestiva
2. Determinar depois, se a autora tem direito a uma indemnização e qual o seu âmbito.
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IV. Fundamentação de facto
1. A autora é uma sociedade comercial que tem como objeto a prestação de serviços de limpeza, manutenção de edifícios e outros fins.
2. No âmbito da sua atividade, a autora, em 19/11/2010, celebrou com o réu um acordo de prestação de serviços de portaria, com início em 8/11/2010 e fim em 7/11/2011, “podendo ser rescindido por qualquer das partes, desde que haja aviso prévio por escrito, com antecedência de 30 dias”, mediante o pagamento mensal, até ao dia 8 de cada mês, da quantia de 2.500,00 euros, acrescida de IVA.
3. A partir do ano de 2012 o valor mensal acordado e referido em 2., passou a ser de 2.800,00 euros, acrescido de IVA.
4. O acordo celebrado foi-se renovando ao longo dos anos.
5. Por carta datada de 27/9/2017, mas apresentada nos CTT em 6/10/2017 o réu comunicou à autora que rescindia “o contrato de prestação de serviços de Portaria (…) pelo que deverão deixar de exercer funções no término do mesmo, ou seja 7/11/2017.”
6. Os CTT tentaram a entrega da carta em 9/10/2017 não o tendo conseguido, tendo a autora procedido ao seu levantamento no dia 10/10/2017.
7. A autora, por carta datada de 17/10/2017, mas apresentada nos CTT em 23/10/2017, não aceitou a rescisão pretendida pelo réu afirmando que o contrato se manteria em vigor e se renovaria.
8. Por carta datada de 5/12/2017 o réu reiterou à autora o fim do contrato a partir de 7/11/2017, mas que liquidaria o valor devido desde essa data até 7/12/2107; solicitando, ainda, a entrega das chaves.
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Oficiosamente considera-se ainda provado com base no contrato aceite por ambas as partes que:
9. a cláusula 3 tem o seguinte teor:
TERCEIRA
O prazo do presente contrato é de um ano, iniciando-se em 08 de Novembro de 2010 e terminando em 07.11.2011, podendo ser rescindido por qualquer das partes, desde que haja aviso prévio por escrito, com antecedência de 30 (trinta) dias.
10. A cláusula 5 tem o seguinte teor:
QUINTA
O presente contrato pode ainda cessar, sem necessidade de aviso prévio, caso os outorgantes não cumpram as obrigações os serviços elencados neste contrato.
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V. Motivação Jurídica
Nenhuma das partes põe em causa a qualificação do contrato.
Com efeito, o artigo 1154º do Código Civil define o contrato civil de prestação de serviço como: "aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição".
Por sua vez, o art. 1155º, acrescenta que: "O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço."
E, por fim o artigo 1156º dispõe que "As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço."
Face ao objecto da prestação estamos, pois, perante um acordo subsumível a esse tipo legal.
Nos termos gerais das regras do mandato os contraentes têm a faculdade legal de por termo a esse acordo através da simples denúncia ad nutum.
Significa isso que o legislador entendeu que, nos contratos em que existe uma relação especial de confiança e que, além do mais, perduram no tempo, existe um direito de por termo ao contrato de forma livre, discricionária e imotivável. Essa é a regra que decorre do art. 1170º, do CC. Todavia, o nosso sistema limita essa faculdade no caso de o mandato ter sido conferido também no interesse do mandatário (nº2, dessa norma), exigindo ainda que nos termos do art. 1172º, do CC. o contraente que denuncie o acordo indemnize a outra parte do prejuízo que esta sofre (al. c) se “o mandato for oneroso (…) para determinado assunto”.
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5.2. Do interesse comum
A nossa lei não define o conceito de "interesse do procurador ou de terceiro" que se deva ter como relevante. A doutrina e jurisprudência têm interpretado esse requisito em termos restritivos considerando: que será de atender à relação jurídica-basilar em que a procuração se baseia, "sendo caso típico daquele interesse ou de qualquer deles ter contra o dador de poderes uma pretensão à realização do negócio ou o direito a uma prestação".[1] Acrescentam, ainda que não basta para que exista esse interesse a simples remuneração devida pelo exercício do mandato conferido ao procurador.[2]
Nesta medida, o STJ [3] tem afirmado que o interesse de que fala o n.º 2 do artigo 1 170.º do Código Civil «não pode ser uma qualquer vantagem do mandatário ou de terceiro», nomeadamente, «que o mandatário receba uma remuneração ou aufira lucros da sua actividade a qual, como se disse, implica a modelação da esfera jurídica do mandante», com a consequente livre revogabilidade do mandato em tais hipóteses, «ainda que em certos casos possa haver lugar a indemnização (gerente de sociedade, contrato de agência)
Segundo Manuel Januário da Costa Gomes, em tema de Revogação do Mandato Civil (págs. 148 a 150) este interesse «passa necessariamente pelo desenvolvimento da actividade objecto do mandato, pelo cumprimento do acto (ou da actividade) gestório»
Ou seja, para que se justifique a irrevogabilidade, o interesse do procurador tem necessariamente de ser independente do interesse do dominus, tem de ser um interesse próprio do procurador[4]; e por isso o mandato deverá ser celebrado também por causa de um interesse próprio do procurador na conclusão ou na execução do negócio que constitui a relação subjacente.
Desta forma, é claro que a ré poderia, querendo, revogar o contrato tal como, aliás, consta da cláusula 3 do mesmo.
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5.3. Da tempestividade da denúncia do acordo
A regra geral, entre nós, é que as partes não podem ficar submetidos a obrigações perpétuas. Por isso, conforme salienta Pedro Romano Martinez[5] “salvo raras exceções, não se admite que as partes fiquem vinculadas por um longo período contra a sua vontade, razão pela qual se, de um contrato que se protela no tempo, não constar o seu limite, qualquer das partes poderá fazê-lo cessar, denunciando-o.”
Mas um limite relevante ao exercício do direito de denuncia é o respeito por um prazo adequado de pré-aviso, de forma a se evitar “rupturas bruscas, em prejuízo do outro contraente”[6].
Esse pré-aviso ou antecedência é uma decorrência dos princípios da boa fé e da proibição do abuso de direito, já que, estabelece um limite ao exercício do direito de denúncia[7].
Tanto mais que, como salienta Engrácia Antunes[8], as relações de cooperação entre as empresas são “verdadeiros contratos relacionais que as partes tratam mais como casamentos do que simples encontros de uma noite”.
In casu foram as partes que livremente estabeleceram esse prazo de antecedência fixando-o em 30 dias.
Logo, será esse o prazo de antecedência mínimo.
In casu, porém a comunicação só foi entregue à autora/apelante no dia 10.10.2017, pois é seguro que a revogação é uma declaração reptícia que só produz efeitos quando é conhecida ou cognoscível pelo outro contraente.
Ora, está demonstrado que: “5. Por carta datada de 27/9/2017, mas apresentada nos CTT em 6/10/2017 o réu comunicou à autora que rescindia “o contrato de prestação de serviços de Portaria (…) pelo que deverão deixar de exercer funções no término do mesmo, ou seja 7/11/2017.” 6. Os CTT tentaram a entrega da carta em 9/10/2017 não o tendo conseguido, tendo a autora procedido ao seu levantamento no dia 10/10/2017”.
Logo, essa revogação não cumpriu o prazo contratual de antecedência de 30 dias.
Mas isso não significa que a mesma seja inválida como pretende a apelante.
Em primeiro lugar, porque, o não cumprimento do prazo de pré-aviso só releva para a fixação ou não da indemnização não para a licitude e validade da revogação. Com efeito, conforme salientamos supra, se o contrato não for celebrado com base no interesse de ambas as partes é sempre livremente revogável sem invocação de justa causa e pode apenas dar ou não direito origem a uma indemnização. Mas o incumprimento desse prazo em nada afecta a validade da revogação efectuada. Porque, como vimos esse direito de revogação depende apenas e só da inexistência de um interesse comum nos termos expostos.
Essa é a posição aparentemente pacifica entre nós, como salienta o Ac da RL de 15.9.2014 nº 2351/12.TVLSB.L1-2 [9] (Ezaguy Martins); “a inclusão, em contrato de prestação de serviço oneroso e por tempo determinado, de cláusula nos termos da qual “Qualquer das partes poderá rescindir o presente Contrato, devendo, para o efeito, comunicar a sua decisão à outra parte (…) com a antecedência de 30 dias”, não afeta a eficácia da revogação unilateral que seja comunicada em inobservância de tal prazo de “aviso-prévio”. II – Essa inobservância, pelo contratante do serviço, e na ausência de justa causa, dará no entanto lugar a indemnização ao prestador do serviço, por lucros cessantes.”
Nos mesmos termos o Ac do STJ de de 29/09/1998 (in CJ STJ Tomo III, pág.34): “Tratando-se de mandato (ou de prestação de serviço), a revogação feita contra o prazo estipulado sempre produzirá o seu efeito normal de pôr termo ao contrato, embora com a criação de obrigação de indemnizar”.
Podemos, portanto, concluir que a revogação é eficaz e válida, mesmo que só produza efeitos a partir da efetiva data do recebimento da comunicação.

5.4. Da indemnização
Segundo o artº 1172º, a obrigação de indemnizar que recai sobre a parte que revoga o contrato, apenas existe quando se verifique uma das circunstâncias referidas nas suas diversas alíneas:
a) Se assim tiver sido convencionado;
b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;
c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente;
d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente.
Ora, in casu, como vimos a única hipótese de a autora poder obter qualquer indemnização seria se concluíssemos que a mesma foi efectuada “sem a antecedência conveniente”.
As partes livremente determinaram que esse prazo seria de 30 dias não estando alegado ou demonstrado nada em contrário da adequação desse período.
Por isso, in casu está em causa uma violação de 3 dias face ao período de tempo contratualmente fixado, sendo que está também demonstrado que o acordo perdurou mais 30 dias só tendo cessado em dezembro de 2017.
É certo que a indemnização deve abranger toda a remuneração expectável deduzida das despesas não realizadas e outros proveitos obtidos.[10] Mas isso não significa que o período a atender seja a remuneração total bruta de um ano de prestação de serviços.
Pelo contrário, se esta indemnização visa apenas reparar o dano resultante da dita revogação extemporânea, nos termos dos arts.562º, 563º e 564º, do Código Civil, daí decorre que a parte que revogou o contrato não pode ser obrigada a pagar todas as prestações que seriam devidas até ao termo de nova prorrogação, que nunca ocorreu.
Desde logo decorre da doutrina[11] tradicional que: “quando o mandato (oneroso) tiver sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, o prejuízo da revogação calcular-se-à em função da compensação que o mandato devia proporcionar normalmente ao mandatário; sendo a revogação sem a conveniente antecedência, o prejuízo medir-se-á também em função do tempo que faltou para essa antecedência. Em qualquer dos casos se procura assim fixar o lucro cessante do mandatário”.
Ou seja, a indemnização é o dano efectivo e concreto (nunca a remuneração global) e pelo período em que inexistiu uma comunicação com antecedência válida.
In casu esse período foi de 3 dias e o prejuízo efetivo inferior a zero, porque a apelante exerceu a actividade no decurso de todo o mês de Novembro, logo incluindo um período de pré-aviso não de 30 mas sim de 57 dias.
Ou seja, a perda do lucro cessante desse período foi integralmente ressarcido pela ré à autora.
Acresce que o valor da indemnização mesmo que integre os lucros cessantes é sempre calculada de acordo com a teoria da diferença, art.566º, do CC, que é algo diferente do pagamento da quantia total sem dedução de despesas que deixaram de ser efectuadas (como a alocação dos mesmos meios a outras atividades e locais).
Não podia, por isso, a Autora pedir, todas as retribuições ajustadas para o período em causa, cabendo-lhe alegar e provar (art.342º, nº1 do CC) qual o prejuízo por si sofrido efectivamente, dependente, não só das receitas que não auferiu, mas também da existência ou inexistência de despesas não efectuadas. [12]
Ora, nada disso foi feito.
Por fim, basta lembrar, a propósito dos contratos sobre direitos de personalidade que, como salienta PEDRO PAIS VASCONCELOS,[13] “a outra parte não tem mais do que uma expectativa (sabe que o consentimento pode ser livremente revogável), não pode recorrer a juízo para forçar o cumprimento (…), (e) na fixação da indemnização, deve haver um particular cuidado. O valor fixado não pode ser de tal modo avultado que impeça, de facto, o exercício do poder de revogação”.
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VI. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e por via disso confirmar integralmente a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo da apelante porque decaiu totalmente.
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Porto em 19.11.2020
Paulo Duarte Teixeira
Fernando Baptista
Amaral Ferreira
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[1] Vaz Serra, RLJ, ano 109, pág. 124 e Acórdãos do STJ de 24.01.90 in BMJ, 393, 588, e de 27.09.94 in CJ/ASTJ, 111, pág. 68.
[2] Acórdão do STJ de 13.02.96, CJ/ACSTJ, 1 °, 88; Ac STJ de 19.04. 2004 in www.dgsi.pt e Vaz Serra, RLJ, 103º/239.
[3] Ac de 13 de Fevereiro de 1996 in CJ/STJ 196,1.º, 88; de 9 de Janeiro de 2003, revista n.º 4 134/02, 7.ª Secção, in dgsi.pt; de 5.5.2005, revista n.º 489/05 (Salvador da Costa) de 18.2.2014, nº 3083/11.4TBFAR E.E1.S1
[4] Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Procuração Irrevogável, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 82, e Ac Rc 27.04.2004; Ac. STJ de 15.01.2004, ambos in www.dgsi.pt.
[5] In Da cessão do contrato, pág. 59.
[6] António Pinto Monteiro. Direito Comercial: contratos de distribuição comercial, 138.
[7] Cfr. 34 Quanto à aplicabilidade dos prazos de antecedência para a concretização dos efeitos da denúncia cfr. Ac da RP de 16.4.2013 nº 812/10.7TBVLG.P1, (arrendamento) (Cecília Agantes).
[8] in Contratos de Cooperação Empresarial, Scientia Iuridica, 2009, nº 318, pág. 249 e segs.
[9] No mesmo sentido: Ac da RL de 30.10.2014, nº 2984/12.7TJLSB.L1-2 “No regime supletivo do art.º 1172º, alínea c), do Código Civil, a inobservância da antecedência conveniente, na revogação ad nutum, pelo mandante/contratante do serviço, e na ausência de justa causa, dará lugar a indemnização ao prestador do serviço, por lucros cessantes”.
[10] Cfr. Adelaide Menezes Leitão, “Revogação Unilateral do Mandato, Pós-Eficácia e Responsabilidade pela Confiança” em “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles”, vol. I, págs. 333 e 334;
[11] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol.II, 4ª ed, pág. 814.
[12] Note-se, aliás, que o que a apelante pretende, já foi considerado como nulo e sem qualquer valor, mesmo quando constava de uma cláusula contratual. Com efeito, o Ac da RC de 30.6.2015, nº 2397/13.3TBLRA.C11 decidiu que “A cláusula que estabelece que, a denúncia ocorrida sem aviso prévio, ou fora do prazo do aviso-prévio, relativamente à renovação automática do contrato, por parte do aderente/cliente, por não querer continuar a manter-se vinculado à prestadora de serviços dá a esta o direito a uma indemnização correspondente ao pagamento total das prestações vincendas exatamente nos mesmos termos que decorreria do cumprimento integral do contrato – ficando eximida da correspondente prestação de serviços naquele período- cria um desequilíbrio notório nas prestações típicas do contrato, sem justificação para tal, o que significa que a cláusula não é admissível à luz do princípio da boa-fé contratual. 2 – Assim, a referida cláusula é relativamente proibida (…), porque desproporcionada, estando, por isso, afetada de nulidade.
[13] In Teoria Geral do direito civil, pág. 55 e segs.