Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | GERMANA FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | NULIDADES DA SENTENÇA NÃO CUMULAÇÃO DE PRESTAÇÃO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA E PRESTAÇÃO POR INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DECORRENTES DE DOENÇA PROFISSIONAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP202311132023/21.7T8AVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Indicações Eventuais: | RECURSO PROCEDENTE. ALTERAÇÃO DA SENTENÇA. | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – As nulidades da sentença previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no mérito da causa, sendo que a nulidade por omissão de pronúncia está em correlação com os limites da atividade de conhecimento do tribunal estabelecidos no artigo 608.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. II - A indemnização por incapacidade temporária para o trabalho e a prestação por incapacidade permanente visam compensar o mesmo dano, o dano da perda da capacidade de trabalho ou ganho. III - Não se encontra na LAT fundamento legal para cumular relativamente ao mesmo período temporal uma prestação por incapacidade temporária absoluta com uma prestação por incapacidade permanente parcial, ambas decorrentes de doença profissional IV - Por força do artigo 67.º, n.º 1, da Lei 4/2007, de 16 de janeiro, e não havendo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si e relativamente ao mesmo período temporal duas prestações emergentes do mesmo facto (doença profissional), uma indemnização por incapacidade temporária absoluta e uma pensão por incapacidade parcial permanente, sendo certo que ambas as prestações respeitam ao mesmo interesse protegido – de garantir que ao trabalhador que padece de doença profissional é prestado tudo o que é devido pela Segurança Social, compensando o beneficiário pela perda ou redução a sua capacidade de trabalho ou de ganho decorrente da doença profissional. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação/Processo nº 2023/21.0T8AVR.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Aveiro, Juiz 2 4ª Secção Relatora: Germana Ferreira Lopes 1ª Adjunta: Paula Leal de Carvalho 2ª Adjunta: Rita Romeira Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO AA, patrocinada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, intentou ação especial emergente de doença profissional contra Instituto da Segurança Social, I.P. (Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais), pedindo a condenação do Réu a: A) Reconhecer que a Autora é portadora de doenças profissionais a nível dos membros superiores, designadamente, de tendinite calcificada do supraespinhoso bilateral; bursite peribicipital à esquerda; tenossinovite dos flexores dos dedos das mãos bilateral, desde, pelo menos, setembro de 2018; B) Prestar à Autora todas as prestações em espécie de que careça, para tratamento das Doenças Profissionais de que é portadora; C) Pagar à Autora indemnização em capital de remição da pensão que lhe couber com base na retribuição anual referida no artigo 18º da petição inicial e na IPP que vier a ser fixada no Exame Pericial Colegial com início em setembro de 2018; D) Pagar à Autora os juros de mora à taxa legal, a contar do vencimento das obrigações, nos termos do artigo 135º do Código de Processo do Trabalho. Para tanto, alegou, em síntese, que foi admitida, em Abril de 1974, ao serviço da empresa “A..., S.A.”, onde, desde o início, o seu trabalho de escolhedora e controladora de qualidade consistia em permanecer de pé, e, de cada palete, retirar, carregar e abrir as várias caixas (cujos pesos iam de 7 a 20 kg, cada) com material cerâmico (tijoleiras, azulejos de vários formatos e pesos) a fim de controlar a qualidade do fabrico, por forma a reter as peças com defeito e apor o selo verde nas paletes que só continham peças perfeitas (sem defeitos de produção), em movimentos repetitivos, usando ambos os membros superiores, controlando, em média, diariamente, 250 daquelas caixas de material cerâmico. Funções que exerceu, ininterruptamente, até setembro de 2018, data em que, não mais suportando as dores em ambos os membros superiores, entrou de baixa médica de longa duração, até à sua reforma, em 2020. Devido à realização contínua daqueles movimentos minuciosos, repetitivos e constantes, durante tantos anos, a partir de meados do ano de 2014 começou a sentir dor em ambos os ombros, mãos, pulsos e cotovelos. Tais perturbações sensoriais a nível das mãos, pulsos, ombros e cotovelos foram-se agravando com o decurso do tempo e a continuação da prestação de trabalho, ocasionando crescente dificuldade no movimento dos membros superiores, do que veio a dar queixa ao seu médico do trabalho, Dr. BB, que lhe diagnosticou a 16/10/2018 padecer de epicondilite calcificada dos cotovelos bilateral; tendinite calcificada do supraespinhoso bilateral; bursite peribicipital à esquerda; tenossinovite dos flexores dos dedos das mãos bilateral, em consequência do supra mencionado desempenho, há cerca de 44 anos, na referida empresa, de tarefas que envolvem movimentos repetitivos dos membros superiores, pelo que elaborou e subscreveu participação obrigatória à Segurança Social. O Réu, após submeter a Autora a exames, concluiu não estar a Autora afetada por doença profissional, apenas reconhecendo a epicondilite bilateral, tendo tal decisão sido comunicada por oficio de 31.08.2020, decisão com a qual a Autora não concorda, já que do exercício da sua atividade profissional, nos moldes acima referidos, resultou para si as doenças profissionais que pretende que lhe sejam reconhecidas, por força das quais se encontra definitivamente afetada na capacidade geral de ganho. Citado o Réu, foi deduzida oposição, defendendo, no essencial, que a Autora padece de doença profissional de epicondilite bilateral já reconhecida, e, nessa medida, de uma incapacidade permanente parcial de 7%. No que respeita às demais doenças participadas não as reconhece como doença profissional, já que são de origem natural, não existindo, assim, qualquer incapacidade a estabelecer. Caso se venha a concluir que a Autora padece de outra doença profissional, haverá que atender ao determinado no artigo 111.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, ou seja, atribuindo a junta médica certo grau de incapacidade e indicando a data de início da mesma. Sustenta que será sempre sobre aquele grau e data que se irá atender aos cálculos indemnizatórios, bem como de acordo com as retribuições auferidas pelo beneficiário que foram consideradas para efeitos de base da incidência contributiva para a Segurança Social, pelo que nunca a pensão que vier a ser atribuída poderá ser paga em momento anterior ao estabelecido no artigo 128.º do mesmo diploma durante os períodos de incapacidade temporária, de acordo com o estipulado no n.º 2 do artigo 50.º do citado diploma legal. Conclui pela improcedência da ação. Foi ainda junto o processo organizado pelo réu (artigo 155.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho). Proferido o despacho saneador, seguido da enunciação dos factos assentes, da fixação do objeto do litígio e da enunciação dos temas de prova, foi organizado apenso para fixação de incapacidade. No apenso de fixação de incapacidade, foi realizada junta médica, conforme auto de junta médica refª citius 125654256, aí tendo ficado a constar um coeficiente global de incapacidade de 6,435% pelas proveniências em termos de coeficientes arbitrados, capacidade restante e desvalorização arbitrada melhor discriminados no quadro constante do identificado auto. Nesse mesmo auto, em resposta à questão colocada pelo Réu sobre desde que data a Autora está afetada da sintomatologia atinente à periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, os senhores peritos responderam desde a data de 2-10-2018. Nesse apenso de fixação de incapacidade, as partes foram notificadas do resultado da junta médica, sendo que, nessa sequência e dentro do prazo geral do contraditório, veio o Réu apresentar o requerimento de 8-02-2023 refª 44667406. A Autora, representada pelo Ministério Público, foi notificada do referido requerimento do Réu, nada tendo dito. Relativamente ao referido requerimento do Réu de 8-02-2023, foi proferido o seguinte despacho no apenso de fixação de incapacidade: “Requerimento apresentado a 8.02.2023: Considerando o ali referido, constata-se que, efetivamente, o auto de exame, mediante Junta Médica contém um erro de cálculo, no que se refere ao coeficiente global de incapacidade. Como assim, ter-se-á de considerar que tal coeficiente é de 6,645% e não o aí indicado de 6,435% Notifique.”. Nesse mesmo apenso de fixação de incapacidade, subsequentemente ao referido despacho, foi proferida decisão na qual se concluiu ser de fixar à Autora “uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 6,645% desde 02.10.2018, em virtude de doença profissional de que padece – periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo.”. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “Face ao exposto, decide-se: A - Reconhecer que a autora AA, para além das doenças profissionais que lhe estavam já reconhecidas, padece também de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018. B - Fixar em 6,645% o grau de incapacidade permanente parcial (IPP) global de que a autora AA se encontra afectada, em consequência do conjunto das doenças profissionais de que padece. C- Condenar o réu Instituto da Segurança Social, I.P. – Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais- a pagar à autora AA as seguintes prestações: C.1 - a pensão anual e vitalícia no valor de €532,29( quinhentos e trinta e dois euros e vinte e nove cêntimos), sujeita às actualizações legais, previstas nomeadamente nas Portarias n.ºs 23/2018, de 18/01, 25/2019, de 17/01 e 28/2020, de 31/03, a liquidar mensalmente, sendo pago nos meses de Junho e Novembro de cada ano um montante adicional de valor igual ao da prestação respeitante a esses meses, pelo conjunto das doenças profissionais, sendo a parte da pensão respeitante à agora reconhecida doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018. C.2. Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%), até integral e efectivo pagamento, sobre parte da pensão respeitante à agora reconhecida doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018. D- Condenar, ainda, o réu a assegurar à autora as prestações em espécie de que careça, para tratamento das doenças profissionais de que é portadora, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho e à sua recuperação para a vida activa. Custas a cargo do réu (artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho. Valor da acção: fixo à acção o valor de 5.577,33 (artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho.” Inconformado, o Réu veio recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões [transcrevem-se as conclusões já aperfeiçoadas, na sequência de despacho nesse sentido]: “I. O presente recurso vem interposto da Sentença do Tribunal a quo, que decidiu julgar procedente a ação e, em consequência, decidiu condenar o Instituto da Segurança Social, IP – Departamento de Proteção Contra Riscos Profissionais, a pagar à Recorrida, o pagamento da pensão em relação à periatrite bilateral desde a data de «02/10/2018», conforme seguinte segmento decisório: «(…) C- Condenar o réu Instituto da Segurança Social, I.P. – Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais- a pagar à autora AA as seguintes prestações: C.1-a pensão anual e vitalícia no valor de €532,29 (quinhentos e trinta e dois euros e vinte e nove cêntimos), sujeita às actualizações legais, previstas nomeadamente nas Portarias n.ºs 23/2018, de 18/01, 25/2019, de 17/01 e 28/2020, de 31/03, a liquidar mensalmente, sendo pago nos meses de Junho e Novembro de cada ano um montante adicional de valor igual ao da prestação respeitante a esses meses, pelo conjunto das doenças profissionais, sendo a parte da pensão respeitante à agora reconhecida doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018. C.2. Juros de mora à taxa legal (actualmente de 4%), até integral e efectivo pagamento, sobre parte da pensão respeitante à agora reconhecida doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018. (…)» (sublinhado nosso). II. Com o devido respeito, dever-se-ia ter feito a ressalva que não estão incluídos o período de 22/10/2018 a 31/01/2020, uma vez que a Recorrida esteve de baixa por doença profissional. III. E, para tanto, o próprio Tribunal a quo tinha conhecimento que a mesma tinha estado de baixa, por doença profissional, tendo tal sido alegado pela Recorrida no artigo 6.º da sua P.I., e tendo em conta o documento junto pela própria Recorrida como doc. n.º 6 (extrato de remunerações), e ainda, através do ponto 6 do requerimento entregue pelo Recorrente, requerimento com referência 44667406, de 08/02/2023 e com referência 14132295 em citius. IV. O Recorrente tem que obedecer ao que se encontra estabelecido legalmente sobre a acumulação das prestações com rendimentos de trabalho, mormente, estipula o n.º 1 do artigo 67.º da Lei 4/2007 que «Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.». V. Na situação em concreto, a Recorrida encontrou-se em situação de Incapacidade Temporária Absoluta por doença profissional no período de 22/10/2018 a 31/01/2020, assim, a Recorrida não poderá auferir duas prestações emergentes do mesmo facto (a doença profissional), uma indemnização por incapacidade temporária e uma pensão por incapacidade permanente ao abrigo da regra de não acumulação de prestações (artigo 67.º da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social). VI. O Recorrente está em crer, salvo melhor entendimento, que a Sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, por não se ter pronunciado sobre o facto da Recorrida ter já recebido uma prestação emergente da doença profissional durante os períodos de 22/10/2018 a 31/01/2020. VII. Concludentemente, deve a Sentença do Tribunal a quo ser reformada nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, ou caso, assim não se entenda, a mesma deve ser revogada no que respeita à condenação ao pagamento da pensão pela periatrite bilateral devendo ser feita a menção da exclusão do pagamento da pensão nos períodos de 22/10/2018 a 31/01/2020. Nestes termos e nos demais de direito, pede-se a V. Exa. a reforma da Sentença nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 616.º do CPC, uma vez que do processo, constam elementos que permite uma decisão diversa quanto à exclusão da pensão nos períodos de 22/10/2018 a 31/01/2020. Caso, assim, não se entenda, que se possa proceder à reforma da Sentença, então, requer-se a subida do recurso, Termos em que, e com o sempre douto suprimento dos Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogar-se a douta sentença recorrida, devendo ser substituída por Acórdão que considere que: a) o pagamento da pensão pela periatrite bilateral, devendo ser excluído o pagamento da pensão nos períodos de 22/10/2018 a 31/01/2020. Com o que, uma vez mais, se fará a costumada Justiça!” Não foram oferecidas contra-alegações. Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, debruçando-se sobre a nulidade arguida por omissão de pronúncia nos seguintes termos: “Entende este Tribunal que inexiste qualquer nulidade, já que não houve qualquer pedido que deixasse de ser apreciado. Na verdade, o Tribunal deu cabal resposta a todos os pedidos deduzidos, sendo que a ré/recorrente em momento algum do seu articulado pugnou no sentido que agora vem alegar. Por conseguinte, e sem prejuízo de melhor entendimento do venerando Tribunal da Relação do Porto, entende-se que o que poderá estar em causa é, não uma nulidade da sentença – por não ser omissa quanto a qualquer pedido -, mas a eventual bondade da decisão proferida, o que deverá ser apreciado em sede de recurso e não a título de nulidade”. O Tribunal a quo admitiu o recurso de apelação, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. No uso dos poderes previstos nos artigos 639.º, n.º 3, e 652.º, n.º 1, alíneas a) e d), foi o Recorrente convidado a aperfeiçoar as conclusões apresentadas nos termos explicitados no despacho proferido com a refª citius 17280653, sendo que o mesmo deu cumprimento ao convite formulado apresentando as conclusões aperfeiçoadas acima transcritas. Foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. *** II - Objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da apelação do Recorrente, acima transcritas, salvo porém o que for de conhecimento oficioso [artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (diploma legal a que se reportam as demais disposições infra a referenciar, desde que o sejam sem menção expressa em sentido adverso), aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho]. Assim, são as seguintes as questões a apreciar: 1 - Nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d)). 2 – Erro de julgamento - Condenação no pagamento da pensão em relação à periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 2-10-2018, sem ter em conta o período de baixa por doença profissional que a Recorrida usufruiu no período de 22-10-2018 a 31-01-2020. *** III – Fundamentação de facto: A. Foi a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância: “1.1. Factos Provados 1.1.1. A autora nasceu em .../.../1960, sendo beneficiária da Segurança Social n.º ...26. 1.1.2. A autora foi admitida, em 1974, ao serviço da empresa de cerâmica denominada “ B..., S.A.”, com sede em ..., Aveiro. 1.1.3. Onde, desde o início, o seu trabalho de escolhedora e controladora de qualidade consistia em permanecer de pé, e, de cada palete, retirar, carregar e abrir as várias caixas (cujos pesos iam de 7 a 20 kg, cada) com material cerâmico (tijoleiras, azulejos de vários formatos e pesos) a fim de controlar a qualidade do fabrico, por forma a reter as peças com defeito e apor o selo verde nas paletes que só continham peças perfeitas (sem defeitos de produção), em movimentos repetitivos, usando ambos os membros superiores, controlando, em média, diariamente, 250 daquelas caixas de material cerâmico. 1.1.4. Funções que exerceu, ininterruptamente, até Setembro de 2018, data em que, não mais suportando as dores em ambos os membros superiores, entrou de baixa médica de longa duração, até à sua reforma, em 2020. 1.1.5. Antes de iniciar funções na referida empresa de fabrico de material cerâmico, a autora não padecia de qualquer doença, malformação ou limitação física dos movimentos dos membros superiores. 1.1.6. Devido à realização contínua daqueles movimentos minuciosos, repetitivos e constantes, a autora começou a sentir dor em ambos os ombros, mãos, pulsos e cotovelos. 1.1.7. Tais perturbações sensoriais a nível das mãos, pulsos, ombros e cotovelos foram-se agravando com o decurso do tempo e a continuação da prestação de trabalho, ocasionando à autora crescente dificuldade no movimento dos membros superiores, do que veio a dar queixa ao seu médico do trabalho, Dr. BB. 1.1.8. O Exm.º Sr. Dr. BB elaborou e subscreveu a participação obrigatória /parecer clinico de folhas 5 verso e 6 verso. 1.1.9. A ré, após submeter a autora a exames, concluiu que esta não está afectada por doença profissional, apenas reconhecendo a epicondilite bilateral, tendo-lhe atribuindo a incapacidade permanente global de 7% ( com o factor de bonificação de 1.5 já incluído) 1.1.10. Tal decisão foi comunicada à autora por ofício de 31.08.2020. 1.1.11. A autora padece de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, em consequência do modo como durante 44 anos exerceu as suas funções, descrito no ponto 1.1.3. 1.1.12. A autora está afectada de incapacidade permanente parcial (IPP) global de 6,645% desde 02.10.2018, em virtude da doença profissional de que padece elencada em 1.1.11.. 1.1.13. Nos 12 meses que precederam o momento em que cessou a sua exposição ao risco, em Setembro de 2018, a autora auferiu retribuições, com incidência contributiva para a Segurança Social, no montante global anual ilíquido de €11.443,42. 1.2. Factos não provados: Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa dos alegados na petição inicial e da contestação, excluindo-se desta apreciação os artigos que incluem matéria de direito ou conclusiva.”. * B. Facto a aditar oficiosamente O Recorrente alega que a Autora se encontrou de baixa por doença profissional no período de 22-10-2018 a 31-01-2020, pelo que a indemnização por ITA (subsídio de doença auferido) não poderá ser cumulada com a pensão. Mais alega que o próprio Tribunal a quo tinha conhecimento que a Autora tinha estado de baixa por doença profissional, tendo tal sido alegado pela Recorrida no artigo 6.º da petição inicial e tendo em conta o documento junto pela própria Recorrida como documento n.º 6 (extrato de remunerações), e através do ponto 6 do requerimento entregue pelo próprio Recorrente, requerimento com a refª 44667406 de 8-02-2023 e com a refª citius 14132295. O documento invocado pelo Recorrente como prova é o extrato de remunerações da Segurança Social junto pela própria Autora como documento n.º 6 com a petição inicial (atente-se que a tal documento é feita menção no artigo 18.º da petição inicial) e que não foi impugnado pelo Réu. Por outro lado, analisado o requerimento a que o Recorrente faz alusão, constata-se que o mesmo foi apresentado no âmbito do apenso de fixação de incapacidade, verificando-se que o ponto 6 de tal requerimento tem o seguinte teor: “Mais se informa que, a beneficiária esteve a receber subsídio de baixa por doença profissional no período de 22/10/2018 a 31/01/2020 (467 dias), o que deverá ser tido em consideração num futuro cálculo aplicável”. O requerimento em referência foi notificado à Autora, representada pelo Ministério Público, não tendo merecido qualquer oposição – cfr. tramitação do apenso de fixação de incapacidade. Ora, face ao referido documento [extrato de remunerações da Segurança Social], junto pela própria Autora, que faz prova plena do que dele consta, documento esse que, aliás serviu de suporte ao ponto 1.1.13 dos factos provados [atente-se que a referência no penúltimo parágrafo da motivação da matéria de facto da sentença da 1ª instância ao facto 1.1.15 se deveu a mero lapso, na medida em que inexiste facto 1.1.15 e o documento em causa se reporta ao ponto 1.1.13 como resulta dessa motivação], bem como ao disposto nos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, e considerando a respetiva relevância no âmbito da valoração e aplicação das regras de direito, adita-se oficiosamente à matéria de facto provada o facto n.º 1.1.16, com a seguinte redação: 1.1.16. A Autora, no período de 22 de outubro de 2018 a 31 de janeiro de 2020, esteve em situação de baixa médica por doença profissional, tendo auferido nesse período, por equivalência por prestação de doença profissional, a quantia global de €17.755,34, dos quais: - €380,20 relativamente a 10 dias de outubro de 2018; - €76,04 relativamente a 2 dias de novembro de 2018; - €1064,56 relativamente a 28 dias de novembro de 2018; - €76,04 relativamente a 2 dias de dezembro de 2018; - €1.102,58 relativamente a 29 dias de dezembro de 2018; - €1.140,60 relativamente a 30 dias de janeiro de 2019; - €38,02 relativamente a 1 dia de janeiro de 2019; - €1.064,56 relativamente a 28 dias de fevereiro de 2019; - €76,04 relativamente a 2 dias de março de 2019; - €1.102,58 relativamente a 29 dias de março de 2019; - €38,02 relativamente a 1 dia de abril de 2019; - €1.102,58 relativamente a 29 dias de abril de 2019; - €1.140,60 relativamente a 30 dias de maio de 2019; - €38,02 relativamente a 1 dia de maio de 2019; - €1.140,60 relativamente a 30 dias de junho de 2019; - €38,02 relativamente a 1 dia de julho de 2019; - €1.140,60 relativamente a 30 dias de julho de 2019; - €76,04 relativamente a 2 dias de agosto de 2019; - €1.102,58 relativamente a 29 dias de agosto de 2019; - €1.064,56 relativamente a 28 dias de setembro de 2019; - €76,04 relativamente a 2 dias de setembro de 2019; - €266,14 relativamente a 7 dias de outubro de 2019; - €798,42 relativamente a 21 dias de outubro de 2019; - €114,06 relativamente a 3 dias de outubro de 2019; - €1.026,54 relativamente a 27 dias de novembro de 2019; - €114,06 relativamente a 3 dias de dezembro de 2019; - €152,08 relativamente a 4 dias de dezembro de 2019; - €1.026,54 relativamente a 27 dias de dezembro de 2019; - €190,10 relativamente a 5 dias de janeiro de 2020; - €988,52 relativamente a 26 dias de janeiro de 2019; *** IV – Fundamentação de direito 1. Da invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d)). Importa sublinhar, em primeira linha, que as nulidades de sentença previstas no artigo 615.º sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no mérito da causa. Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta norma está em correlação com o n.º 2 do artigo 608.º, em que se prescreve que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. A nulidade invocada terá que resultar da violação do referido dever. Como constitui entendimento pacífico, importa não confundir questões com factos, argumentos, razões ou considerações. De facto, a nulidade em referência, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, “apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não, como é pacífico, os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2020, processo n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, Relatora Conselheira Maria do Rosário Ramalho, disponível in www.dgsi.pt]. A(s) questão(ões) a decidir está(ão) umbilicalmente ligada(s) ao pedido da ação e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir, bem como qualquer exceção suscitada pela defesa. Questões a decidir no sentido do artigo 608.º, n.º 2, são as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para as mesmas concorrem. Não são questões a decidir os factos, nem a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista. O facto material é um elemento para a solução da questão, não é a questão em si mesma. O juiz não está obrigado a apreciar cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da ação, sendo certo que o facto de não lhes fazer referência – eventualmente por não ter considerado tais factos como relevantes no tratamento da questão – não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. A circunstância de não ter sido feita menção a um facto que poderia relevar no âmbito da valoração e aplicação das regras de direito não determina a nulidade da sentença. A sua falta pode consubstanciar um errore in judicando ou erro judicial, mas não o indispensável errore in procedendo (vício formal), que carateriza as nulidades da sentença. Descendo ao caso dos autos, temos que o Tribunal a quo não omitiu o tratamento e a solução das questões suscitadas na ação, atenta a causa de pedir e o pedido, bem como os temas de prova de que, aliás, as partes não reclamaram. Pelo exposto, conclui-se que a sentença não enferma da nulidade prevista na 1ª parte do artigo 615.º, n.º 1, alínea d). * 2. Do invocado erro de julgamento – Condenação no pagamento da pensão em relação à periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 2-10-2018, sem ter em conta o período de baixa por doença profissional que a Recorrida usufruiu no período de 22-10-2018 a 31-01-2020.Na sentença recorrida condenou-se o Réu a pagar à Autora: “C.1- a pensão anual e vitalícia no valor de € 532,29 (quinhentos e trinta e dois euros e vinte e nove cêntimos), sujeita às atualizações legais, previstas nomeadamente nas Portarias n.ºs 23/2018, de 18/01, 25/2019, de 17/01 e 28/2020, de 31/03, a liquidar mensalmente, sendo pago nos meses de Junho e Novembro de cada ano um montante adicional de valor igual ao da prestação respeitante a esses meses, pelo conjunto das doenças profissionais, sendo a parte da pensão respeitante à agora reconhecida doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02.10.2018;”. Diz o Recorrente que: “(…) se deveria ter feito a ressalva que não estão incluídos o período de 22/10/2018 a 31/01/2020, uma vez que a Recorrida esteve de baixa por doença profissional. Sucede, porém, que para efetuar o pagamento da pensão anual atribuída à Recorrida, o Recorrente tem que obedecer ao que se encontra estabelecido legalmente sobre a acumulação das prestações com rendimentos de trabalho. Sobre isto, estipula o n.º 1 do artigo 67.º da Lei 4/2007 que «Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.». Na situação em concreto, a Recorrida encontrou-se em situação de Incapacidade Temporária Absoluta por doença profissional no período de 22/10/2018 a 31/01/2020. Assim, a Recorrida não poderá auferir duas prestações emergentes do mesmo facto (a doença profissional), uma indemnização por incapacidade temporária e uma pensão por incapacidade permanente ao abrigo da regra de não acumulação de prestações (artigo 67.º da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social). Concludentemente, deve a Sentença do Tribunal a quo ser revogada no que respeita à condenação ao pagamento da pensão pela periartrite bilateral «(…) desde 02/10/2018», devendo ser excluído o pagamento da pensão nos períodos de 22/10/2018 a 31/01/2020. E, para tanto, o próprio Tribunal a quo tinha conhecimento que a mesma tinha estado de baixa, por doença profissional, tendo tal sido alegado pela Recorrida no artigo 6.º da sua P.I., e tendo em conta o documento junto pela própria Recorrida como doc. n.º 6 (extrato de remunerações), e ainda através do ponto 6 do requerimento entregue pelo Recorrente, requerimento com referência 44667406, de 08/02/2023 e com referência 14132295 em citius. Para mais, o Tribunal a quo, na sentença deu como assente e provado no ponto «1.1.4. Funções que exerceu ininterruptamente, até Setembro de 2018, data em que, não mais suportando as dores em ambos os membros superiores, entrou de baixa médica de longa duração, até à sua reforma, em 2020».”. A Recorrida nada contrapôs. Vejamos então. Dispõe o artigo 67.º, n.º 1 da Lei 4/2007, de 16 de janeiro [Lei que aprova as bases gerais do sistema de segurança social], sob a epígrafe “Acumulação de prestações”, que “Salvo disposição legal em contrário, não são cumuláveis entre si as prestações emergentes do mesmo facto, desde que respeitantes ao mesmo interesse protegido.”. A Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, [Lei que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais – adiante designada por LAT], regulamenta as doenças profissionais no respetivo capítulo III. Prevê o n.º 1 do artigo 94.º da LAT que a proteção da eventualidade de doenças profissionais integra-se no âmbito material do regime geral de segurança social dos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho e dos trabalhadores independentes e dos que sendo apenas por algumas eventualidades efetuem descontos nas respetivas contribuições com vista a serem protegidos pelo regime das doenças profissionais. O artigo 97.º da LAT, sob a epígrafe “Natureza da incapacidade”, estabelece que: “1. A doença profissional pode determinar incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, nos termos definidos no artigo 19.º 2. A incapacidade temporária de duração superior a 18 meses considera-se como permanente, devendo ser fixado o respetivo grau de incapacidade, salvo parecer clínico em contrário, não podendo, no entanto, aquela incapacidade ultrapassar os 30 meses. 3. O parecer clínico referido no número anterior pode propor a continuidade da incapacidade temporária ou a atribuição de pensão provisória.” A incapacidade temporária pode, pois, ser parcial ou absoluta. A incapacidade permanente pode ser parcial, absoluta para o trabalho habitual ou absoluta para todo e qualquer trabalho (artigo 19.º, n.ºs 2 e 3 da LAT). Nos termos do n.º 3 do artigo 98.º da LAT, as prestações pecuniárias revestem, com as devidas adaptações, as modalidades referidas no capítulo anterior (ou seja, no capítulo II referente aos acidentes de trabalho). Do artigo 110.º, n.º 1, da LAT decorre que o montante das prestações referidas nas alíneas a) a c) e g) do n.º 1 do artigo 47.º [máxime indemnização por incapacidade temporária para o trabalho – al. a) e pensão por incapacidade permanente para o trabalho – al. c)] é determinado pela aplicação da percentagem legalmente fixada à retribuição de referência. O artigo 126.º da LAT prevê que a indemnização por incapacidade temporária absoluta é devida a partir do primeiro dia de incapacidade sem prestação de trabalho (n.º 1). Por sua vez, decorre do n.º 1 do artigo 128.º da LAT que a pensão por incapacidade permanente é devida a partir da data a que se reporta a certificação da respetiva situação, não podendo ser anterior à data do requerimento ou da participação obrigatória, salvo se, comprovadamente, se confirmar que a doença se reporta a data anterior. Prescreve o artigo 132.º da LAT que o “direito à indemnização por incapacidade temporária cessa com a alta clínica do beneficiário ou com a certificação da incapacidade permanente.”. Por último, resulta do artigo 136.º da LAT que não é cumulável com a retribuição resultante de atividade profissional a indemnização por incapacidade temporária absoluta (alínea a). Ora, a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho e a prestação por incapacidade permanente visam compensar o mesmo dano, o dano da perda da capacidade de trabalho ou ganho, não se justificando, como regra, a sua cumulação. De facto, em qualquer uma das situações, o dano que se visa reparar é sempre o da perda de capacidade de trabalho ou de ganho, sendo que tal perda pode ser temporária (por um período limitado de tempo), como pode ser permanente e a prestação por incapacidade permanente destina-se a compensar o beneficiário pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho decorrente da doença profissional. Não se trata, pois, de dois danos distintos, mas sim do mesmo dano encarado como sendo (ou admitindo-se que possa ser) transitório ou, ao invés, já caraterizado como permanente. Por outro lado, não se encontra na LAT fundamento legal para cumular, em geral, uma prestação por incapacidade temporária com uma prestação por incapacidade permanente. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-07-2022, processo n.º 133/12.0TTBCL.7.P1.S1, Relator Conselheiro Júlio Gomes, disponível in www.dgsi.pt]. Do atrás exposto, decorre que, e não havendo disposição legal em contrário, por força do citado artigo 67.º, n.º 1, da Lei 4/2007, de 16 de janeiro não são cumuláveis entre si e relativamente ao mesmo período temporal duas prestações emergentes do mesmo facto (doença profissional), uma indemnização por incapacidade temporária absoluta e uma pensão por incapacidade parcial permanente, sendo certo que ambas as prestações respeitam ao mesmo interesse protegido – de garantir que ao trabalhador que padece de doença profissional é prestado tudo o que é devido pela Segurança Social, compensando o beneficiário pela perda ou redução a sua capacidade de trabalho ou de ganho decorrente da doença profissional. Ambas as prestações se integram no âmbito do direito à reparação de doenças profissionais pelo sistema de Segurança Social. Assim, não pode a Recorrida cumular o pagamento pelo sistema da Segurança Social da pensão por incapacidade permanente parcial fixada e devida a partir de 2-10-2018 com a indemnização que recebeu desse mesmo sistema da Segurança Social por incapacidade temporária absoluta durante o período temporal de 22-10-2018 (dia do início da incapacidade temporária absoluta) e o dia 31-01-2020 (dia do termo da incapacidade temporária absoluta). Por força do atrás referido, e salvo melhor opinião, o que acontece, como defende a Recorrente, é que terá que ser excluído o pagamento da referida pensão por incapacidade permanente parcial fixada, no período situado entre 22-10-2018 a 31-01-2018. Não há dúvidas, e a Recorrente também não o questiona, que a Recorrida beneficiária padece de doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo desde 2-10-2018, que lhe determina uma incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho de 6,645%, e, bem assim, lhe confere o direito a uma pensão anual e vitalícia no valor de € 532,29 desde 2-10-2018 (data em a partir da qual lhe foi reconhecida a doença profissional em causa). Sucede que, no período de 22-10-2018 até 31-01-2020, a Recorrida beneficiária esteve em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, ou seja, esteve totalmente incapacitada para o trabalho nesse período, em situação de baixa médica por doença profissional. Por essa razão, e para compensar a perda total da capacidade para o trabalho no indicado período temporal (portanto, perda total temporária), decorrente da doença profissional, a Recorrida beneficiária recebeu indemnização por incapacidade temporária absoluta por doença profissional, na quantia global de €17.755,34, que corresponde ao montante diário de €38,02 (se tivermos em consideração os montantes parciais pagos a esse título e dividirmos pelo número de dias contemplados, verifica-se que o montante diário é sempre de €38,02). E, como vimos, a indemnização temporária absoluta não é cumulável com a retribuição resultante da sua atividade profissional (artigo 136.º, alínea a), da LAT). Tal significa que, estando a Recorrida beneficiária em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, de baixa médica, a referida indemnização visou compensar a perda absoluta, ainda que temporária, da sua capacidade de trabalho ou de ganho decorrente da doença profissional. Nesta conformidade, e no indicado período temporal, a Recorrida beneficiária não pode cumular essa indemnização com a pensão por incapacidade permanente parcial para o trabalho destinada a compensar a redução parcial permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho decorrente da doença profissional. Isto porque, naquele específico período temporal de 22-10-2018 a 31-01-2020, a indemnização por incapacidade temporária absoluta já tutela integralmente o interesse protegido, de compensar a perda da capacidade de trabalho ou de ganho decorrente da doença profissional, consumindo-o. Não se olvide que na indemnização por incapacidade temporária absoluta está a compensar-se a perda total da capacidade de trabalho ou de ganho, ainda que transitória; enquanto que na pensão por incapacidade permanente parcial está a compensar-se a redução permanente da capacidade de trabalho ou de ganho. Nesse pressuposto, a indemnização temporária absoluta no período temporal em causa fez face à perda total, ainda que temporária, da capacidade de trabalho ou de ganho da Recorrida beneficiária, correspondendo-lhe uma indemnização no valor diário de €38,02 [correspondente num período de 30 dias a €1.140,60 - €38,02x30], bem superior ao montante que a Recorrida beneficiária receberia de pensão por incapacidade permanente parcial de 6,645% [pensão anual de €532,29, a liquidar mensalmente, o que significa que a prestação mensal correspondente seria no valor de €44,3575 e o valor diário num período de 30 dias seria de €1.478583333]. Em conclusão, procede o recurso quanto à parte da sentença recorrida, no sentido de que o pagamento da pensão pela periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo fique excluído no período de 22-10-2018 a 31-01-2020. *** V - Decisão Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogando-se a sentença recorrida na parte objeto de recurso (atinente à condenação do Réu no pagamento da pensão sem menção da exclusão do pagamento da pensão no período de 20-10-2018 a 31-01-2020 – segmento C.1. do dispositivo), condena-se o réu, Instituto da Segurança Social, IP – Departamento de Protecção Contra Riscos Profissionais, a pagar à autora AA a pensão anual e vitalícia no valor de €532,29 (quinhentos e trinta e dois euros e vinte e nove cêntimos), sujeita às atualizações legais, previstas nomeadamente nas Portarias n.ºs 23/2018, de 18/01, 25/2019, de 17/01 e 28/2020, de 31/03, a liquidar mensalmente, sendo pago nos meses de junho e novembro de cada ano um montante adicional de valor igual ao da prestação respeitante a esses meses, pelo conjunto das doenças profissionais, sendo a parte da pensão respeitante à agora reconhecida doença profissional de periartrite bilateral dos ombros direito e esquerdo, desde 02-10-2018, ficando, porém, excluído o pagamento dessa pensão no período temporal de 22-10-2018 a 31-01-2020. Os demais segmentos decisórios da sentença não foram objeto de recurso e, por esse facto, mantêm-se. * Sem custas o recurso [nem o Recorrente, nem a Recorrida ficaram vencidos, nem deram causa ao recurso].* (texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente) Porto, 13 de novembro de 2023 Germana Ferreira Lopes Paula Leal de Carvalho Rita Romeira |