Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7253/21.9T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA SÁ LOPES
Descritores: DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR
IMPROCEDÊNCIA DO MOTIVO INVOCADO
PAGAMENTO DEVIDO POR FORMAÇÃO CONTÍNUA NÃO MINISTRADA
CRITÉRIOS PARA A GRADUAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO POR DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: RP202401157253/21.9T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE. ALTERADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - O despedimento por iniciativa do empregador é ilícito se for declarado improcedente o motivo justificativo invocado no processo disciplinar - alínea b) do artigo 381º do Código do Trabalho.
II - «O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua (…)»,( artigo 131º, nº2 do CT), sendo que “em caso de cessação do contrato de trabalho em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deverá liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito (e que não tenha prescrevido) quer também as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato, as quais, em virtude da cessação, por não ter decorrido o prazo previsto na lei, ainda não se converteram em crédito de horas.”
III - Tendo a Trabalhadora tido trabalho efetivo, no ano de cessação, apenas correspondente a nove meses, apenas lhe é devido, quanto a esse ano, o proporcional ao tempo trabalhado.
IV- “Nos termos do art. 429º do C. Trabalho, a graduação da indemnização entre 15 e 45 dias de retribuição deve atender ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude.
V - No que respeita ao critério retributivo, considerando o sentido útil da norma, o mesmo deve ser atendido na razão inversa da sua grandeza, isto é, quanto menor for a retribuição auferida pelo trabalhador, maior deve ser o número de dias a atender no cálculo da indemnização.
VI - No que se reporta ao critério fundado na ilicitude do despedimento, a sua maior ou menor gravidade há-de aferir-se em função dos motivos determinantes dessa ilicitude.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 7253/21.9T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto- Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

Recorrente: Centro Social de ..., IPSS
Recorrida: AA

Relatora: Teresa Sá Lopes
1 º Adjunto: Desembargador António Luís Carvalhão
2 ª Adjunta: Desembargadora Paula Leal de Carvalho

4ª Secção




Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório:
AA intentou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra o Centro Social de ..., IPSS, pedindo que se condene este a ver declarada e reconhecida a ilicitude do despedimento da Autora, bem como a indemnizá-la.
Alegou, para tanto, em suma, que foi despedida pelo Réu sem justa causa.
Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, foi designada data para realização da audiência final.
O Réu apresentou articulado motivador do despedimento, defendendo, em súmula, que ocorreu justa causa para o despedimento da Autora.
Foi realizada a audiência de julgamento.

Foi proferida sentença, a qual findou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente ação de impugnação do despedimento totalmente procedente, por provada, pelo que declaro a ilicitude do despedimento da A. AA, e, em consequência:
i) Condeno o R., Centro Social de ..., a pagar à A. a quantia de € 14 136 (catorze mil cento e trinta e seis euros) relativa a indemnização por despedimento ilícito e em substituição da reintegração;
ii) Condeno o R. no pagamento à A. das retribuições que esta deixou de auferir desde 30 de setembro de 2021 até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzindo-se o montante do subsídio de desemprego que a A. entretanto tenha recebido, sem prejuízo do estabelecido nos art.ºs 98.º-N e 98.º-O, ambos do C. P. do Trabalho;
iii) Mais condeno o R. a pagar à A., a título de crédito por formação profissional não ministrada, a quantia de €421,80 (quatrocentos e vinte e um euros e oitenta cêntimos);
iv) Ainda condeno o R. a pagar à A. juros de mora a incidir sobre aqueles quantitativos, à taxa legal, a contar desde o vencimento de cada um daqueles, até efetivo e integral pagamento.
Custas pelo R.
Fixo à causa o valor de €14.557,80 (art.º 98.º-P n.º 2 do C. P. do Trabalho).
Comunique à Segurança Social (art.º 75.º n.º 2 do C. P. do Trabalho).
Registe e notifique.”

O Réu inconformado, interpôs recurso desta decisão, defendendo a revogação da sentença, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
“1. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que julgou a ação de impugnação do despedimento totalmente procedente, declarando a ilicitude do despedimento da Autora, agora Recorrida, AA.


2.O presente recurso visa, assim, a globalidade da sentença recorrida, pretendendo o Recorrente, desta forma, sindicar a decisão de direito e de facto, da douta sentença “a quo”, a qual, com o devido respeito, se mostra eivada de manifesto erro de interpretação da matéria dada como provada, bem como a aplicação do direito.
3. Porque, o Recorrente despediu a Recorrida baseado em justa causa. Justa causa apurada em conclusão do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela Direcção do R. Centro Social.
Processo disciplinar que apurou e provou os requisitos legais mencionados nos artigos 351º do Código do Trabalho em vigor,
Nomeadamente:
4. Violação qualificada do regime jurídico que disciplina as relações de trabalho, nomeadamente os deveres de prestar o seu trabalho com zelo, diligência e cumprir e fazer cumprir as ordens emanadas de superior hierárquico, na prestação dos seus serviços de trabalhadora do Centro Social, conforme preceitos contidos no artº 128º alíneas: a), c) e e) do Código do Trabalho.
5. Requisitos que consubstanciam a licitude da deliberação tomada pela Direcção do Centro Social ... face às mencionadas violações praticadas em 17 de Agosto de 2021 pela aqui Recorrida, em casa do utente BB.
6. O Recorrente não se conformando com a douta decisão, vem sindicar a globalidade e integralidade da sentença, por não corresponder à verdade material, sindicando quer a matéria de facto – posta em causa face ao teor dos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas – fazendo-se apelo às gravações dos mesmos que foram transcritas nas alegações supra deste Recurso, face às apreciações que são expendidas pelo Mertº Juiz “a quo” e que, em nosso entender, salvo o devido respeito, que é muito, e que, erradamente, tomou uma decisão injusta, denegando a justiça que se pretende seja reposta.
7. Vai assim a sentença sindicada, quer pela matéria de facto erradamente dada como provada, como também pela decisão de direito, em violação da justiça que deveria ter sido feita e o não foi.
8. AA intentou a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento decretado pela sua entidade patronal Centro Social de ..., pedindo que este seja condenado a ver declarada e reconhecida a ilicitude do despedimento da A. bem como indemniza-la.
9. Alegou que foi despedida sem justa causa – o que não corresponde à verdade factual e legal.
10. O Tribunal “a quo” atenta a prova produzida considerou assente, com relevo para a decisão da causa, a factualidade mencionada nos pontos 1) a 30) que aqui consideramos reproduzida para os devidos e legais efeitos, por uma questão de economia processual, mas que estão contidos a fls 2 a 4 da sentença aqui sindicada.
11. O Tribunal “a quo” arrolou de seguida os factos que considerou não provados desde as alíneas a) a m) e aqui entra em algumas contradições que ferem de morte toda a decisão proferida.
12. Acontece que, no entender do apelante e salvo outra melhor interpretação, nem todos os pontos que foram considerados não provados, o foram de forma assertiva e correta, atentos, por um lado os factos que o Tribunal “a quo” deu como provados e, por outro lado, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, que estão gravados e dos quais nos socorremos nas alegações supra, com transcrição dos depoimentos, para demonstrar a verdade material.
13. Verifica-se que o Mertº Juiz de 1ª Instância apenas dá credibilidade aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora AA, descredibilizando e desvalorizando praticamente todos os depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré.
14. O que, provoca acentuado desequilíbrio na ponderação do julgamento da causa, que deveria ser equilibrado, equitativo, para uma mais saudável decisão da mesma.

15. Quanto aos factos que o Mertº Juiz “a quo” considera não provados, (…) constantes de fls.., páginas 4 a 6 da sentença e que se transcreve alínea por alínea verificando-se as contradições ínsitas na sentença aqui em causa.
Factos dados por não provados pelo Tribunal “a quo”:
16. Que quando CC se preparava para deslocar o utente BB com a cadeira de rodas para o seu quarto, local onde normalmente se efetua a lavagem e higienização, a A. não a tenha deixado efetuar o transporte e deslocação do utente para dentro de casaEste facto devia ser considerado provado pelo que consta do depoimento gravado desta testemunha.
17. Que CC após o descrito em 10) dos factos dados por assentes, haja perguntado à A. para que queria esta trazer para ali a bacia da águaEste facto devia ser considerado provado pelo que consta do depoimento gravado desta testemunha.
18. Que a A. na sequência do referido em b), tenha respondido a CC “vai e cala-te”Este facto devia ser considerado provado e consta do depoimento da testemunha, conforme gravação.
19. Que a CC tenha dito à A. que a higiene não se devia fazer naquele local pois deveria ser no quarto e na cama do utente, e a segunda haja dito “eu é que sei, vai buscar água caralho, mexe-te e cala-te”Este facto devia ser considerado provado e consta do depoimento da testemunha, conforme gravação.
20. Que o Sr. BB haja dito: “isto não se faz. Olha que isto, pôr me todo nu, aqui fora à luz do dia. É a primeira vez que me fazem isto. Isto vai saber a minha mulher” - Este facto devia ser considerado provado pelo que consta do depoimento da testemunha, conforme gravação.
21. Que CC, entretanto, fosse olhando à sua volta para ver se vinha alguém ou os vizinhos e viam o utente Sr. BB com tudo exposto, e pensando que o utente poderia cairEste facto devia ser considerado provado e consta do depoimento da testemunha, vide gravação.
22. Que os processos disciplinares referidos em 19) dos factos dados por assentes, tenham sido os seguintes: Proc. instaurado em 19/01/2012 – Concluso 06/04/2012 – Motivo desobediência a um superior hierárquico – Sanção aplicada – Repreensão Registada; Proc. instaurado em 26/11/2012 – Concluso 28/03/2013 – Motivo provocação de lesão numa utente acamada – Sanção aplicada Repreensão Registada; Proc. instaurado em 21/03/2013 – Concluso 14/06/2013 –Motivo furto de objecto nas instalações do Centro Social – Sanção aplicada 5 dias de suspensão c/ perda de remuneração – Este facto está dado por assente na douta sentença, apenas faltando referir a matéria de cada processoFactos constam dos depoimentos das testemunhas DD e EE – conforme gravações, pelo que deviam ser considerados provados.
23. Que a CC não tenha feito nenhum comentário, nem manifestado nenhum incómodo, preocupação ou desconforto, durante os poucos minutos que decorreu a muda da fralda do utentefacto contraditado pela testemunha CC, conforme gravação, devendo ser considerado provado.
Da Convicção do Tribunal “a quo”:
24. Sustenta a sentença aqui sindicada. Na sua designada “Convicção”, a fls.., 6ª página da mesma, que (transcrevemos) “o dito espaço físico onde, na altura, se encontrava o Sr. BB localiza-se nas traseiras da habitação deste, podendo ser caracterizado como um pátio que está, na sua maior área, coberto com acrílico em formato de abóbada”
25.Constata-se, que a lavagem e higienização do utente estava a ser feita fora da sua habitação, fora do seu quarto, fora do local onde a diretora da Instituição determinava que fosse efetuado tal serviço pelas colaboradoras do Centro Social.
26.Constata-se assim que o utente estava a ser higienizado fora do local próprio e em local não totalmente coberto e em total desobediência com as instruções da Direção e da Coordenadora Assistente Social, em prejuízo das ordens transmitidas e da reserva de intimidade do utente Sr. BB.
27.Refere, também, a sentença, a fls.., página 7 da mesma, confirmando que: “A testemunha DD mencionou, nesta parte de forma convicta, que, enquanto Diretora de Serviço, dá ordens aos elementos das equipas de apoio domiciliário do R. para procederem à higienização dos utentes de forma resguardada”
Quanto à Formação prestada à A.
28. Quanto aos créditos por formação profissional mencionados a que a R. vem condenada, a Instituição presta a competente formação contínua que é proporcionada nas reuniões semanais efetuadas pela Diretora Coordenadora e também pelo Encarregado do Pessoal da Instituição – conforme gravação de depoimento da Diretora Coordenadora supra transcrita.
29. Face aos depoimentos gravados se pode alcançar que, tirando o mês de férias, às colaboradoras, para além da formação externa é proporcionada formação interna, semanalmente, o que permite calcular mais de quarenta horas de formação ao longo do ano (48 semanas X pelo menos 1 hora de formação em cada sessão, alcançamos um total de mais de quarenta horas por ano).
30. Assim se pode alcançar que foi prestada formação, contínua, interna, pela Instituição, às suas trabalhadoras, nomeadamente à A.,
31. Também, por vezes a formação é prestada por Instituição exterior contratada especificamente pelos serviços administrativos da Ré. Aliás tal situação até é reconhecida pela Autora no seu artº 66º da R. que refere a formação prestada no ano de 2019.
32. No ano 2021, dado que o contrato de trabalho cessou em 30 de Setembro em consequência da conclusão do processo disciplinar, nem sequer a Autora atingiria o direito às 40 horas, porque tal apenas seria alcançável se correspondesse ao trabalho de ano inteiro,
33. Tendo trabalho efetivo, no ano de 2021, apenas correspondente a nove meses, apenas poderia reclamar o proporcional ao tempo trabalhado (9/12 avos = 30 horas) – Caso tivesse prestado trabalho o ano inteiro é que corresponderia o direito a 40 horas de formação.
Da prova testemunhal:
34. Quanto à credibilidade reiteradamente atribuída pelo Mertº Juiz “a quo” às testemunhas apresentadas pela A., e que não atribui às testemunhas arroladas pelo Recorrente, o que fere o principio da equidade de tratamento aos sujeitos processuais e, inquina a decisão final do Tribunal “a quo”.
Vejam-se a dualidade de critérios.
35. Enquanto a testemunha CC, isenta e sem qualquer complexo, prestou depoimento onde se verifica que assistiu pessoalmente ao acto e ao facto praticado pela A., depoimento que sempre manteve sem alterações, não se concede credibilidade.
36. Em comparação a testemunha FF que, prestou declarações no Processo Disciplinar, confirmando tudo o ocorrido, declarações que assinou, juntamente com o seu pai, Sr. BB mas que, depois, em Tribunal, perante a A. prestou um depoimento, impreciso, contraditório, confuso, titubeante, fazendo-se desentendida, declarando que nem sequer tinha lido o depoimento.
Do direito:
37. Pelo Recorrente não foi efetuado despedimento sem justa causa – artº 338º do C. do Trabalho – à contrario sensu.
38. Face à participação recebida de ocorrência descrita nos autos a Recorrente instaurou o competente processo disciplinar com a nomeação do instrutor.
39. Foram prestados depoimentos reduzidos a escrito da própria denunciante, e ainda da Diretora Técnica, e do utente do serviço de Apoio Domiciliário, Sr. BB e de sua filha, Dª. FF.
40. Elaborou-se a competente Nota de Culpa, nos termos e para os efeitos contidos no artº 353º e 355º do Código do Trabalho, onde era imputado à trabalhadora AA o comportamento descrito na participação.
41. Dando seguimento ao competente procedimento a Direção do Centro Social, em 19/08/2021, deliberou suspender preventivamente a trabalhadora arguida AA a partir dessa data, sem perda de vencimento, para evitar perturbação do andamento destes autos.
42. O teor da denúncia quanto aos factos e comportamento da trabalhadora AA, nomeadamente os pontos 7.1 a 7.8 da Nota de Culpa, consideraram-se integralmente provados.
43. Face ao teor da denúncia, bem como os depoimentos entretanto recolhidos e já supra descritos, deu-se como provada a matéria contida na Nota de Culpa, a fls.., nomeadamente porque a trabalhadora arguida violou os seus deveres de obediência às instruções da hierarquia da forma de tratamento a usar nos utentes acamados ou domiciliados, em vigor no Centro Social e transmitidas pela superior hierárquica, bem como de exercer as suas funções com zelo e diligência.
44. O comportamento perpetrado pela A. evidenciou uma grave violação dos seus deveres de realização do seu trabalho com zelo, diligência, de cumprir e fazer cumprir as ordens emanadas de superior hierárquico e da Direção da Instituição.
45. A atitude da A. ao praticar os atos supra descritos, evidencia um comportamento tendencialmente culposo motivando uma fatal quebra de confiança da Entidade Patronal no desempenho das funções desta trabalhadora no tratamento prestado aos idosos utentes da Instituição.
46. Tais atitudes para além de constituir matéria prevista e punida pela legislação laboral, viola ainda o dever de obediência e lealdade para com a entidade patronal bem como a ética profissional e sigilo na interação com o utente na prestação dos cuidados necessários e higienização dos utentes do serviço de Apoio Domiciliário com a melhor eficiência, respeito, reserva e discrição, pelo que desobedeceu às instruções superiores que lhe são transmitidas.
47. Aliás, com este comportamento da arguida e a sua forma negligente, sem um mínimo de cuidado e de reserva da intimidade no tratamento dos utentes idosos, impossibilita a sua entidade patronal de confiar nos seus serviços e impossibilitando a manutenção de qualquer contacto com os utentes da Instituição, quer em apoio domiciliário, quer em centro de dia, que são objeto da atividade do Centro Social.
48. O incumprimento dos seus deveres por parte da A. constituiu violação grave pondo em crise a indispensável confiança que deverá existir entre entidade patronal e uma trabalhadora ao seu serviço, pelo que face ao comportamento culposo, pela sua gravidade e consequências torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho nesta Instituição, tendo sido formalmente comunicada a intenção da sua entidade patronal, a concluir este processo aplicando a sanção disciplinar de despedimento com justa causa – cumpriu-se o que estipula o artº 351º nº 1 do C. do Trabalho.
49. Tratava-se de uma violação qualificada do regime jurídico que disciplina as relações de trabalho, nomeadamente os deveres de prestar o seu trabalho com zelo, diligência e cumprir e fazer cumprir as ordens emanadas de superior hierárquico, na prestação dos seus serviços de trabalhadora do Centro Social, conforme preceitos contidos no artº 128º alíneas: a), c) e e) do Código do Trabalho.
Foram levados em conta as seguintes atenuantes:
Os 19 anos de antiguidade da A. ao serviço do Centro Social.
São consideradas as seguintes agravantes:
50. A A. não demonstra o mínimo arrependimento e não cuidou de apresentar as suas desculpas ao utente que foi objeto e sofreu o tratamento descuidado e humilhante que a arguida lhe infligiu;
51. A A. em vez de se resguardar e ter um período de reflexão e auto análise da sua atuação incorreta para com o utente Sr. BB, ainda enveredou por um comportamento vingativo de retaliação para com a colega que a tentou corrigir, usando do seu telemóvel para a ameaçar e injuriar, o que denota a falta de ética e o nível da pessoa que faz tal uso indevido dos meios de comunicação;
52. O Mertº Juiz “a quo” na sua douta sentença nada referiu ou mencionou quanto ao este facto da A. ter ameaçado a denunciante, através de mensagens enviadas para o telefone e que estão documentadas no auto de processo disciplinar a fls.., páginas 43, 44, 45 e 46 do pº. disciplinar e foi prestado no depoimento em audiência de julgamento pela testemunha CC.
53. Agrava a sua atuação o facto de a A. , no momento da ocorrência dos factos, ser a funcionária mais antiga (19 anos), portanto a responsável da equipa, que estava acompanhada de uma ajudante (com 1 ano de serviço) a quem devia ensinar e corrigir, quando o que aconteceu foi mesmo o inverso, porque a “aluna” é que tentou ensinar maneira de trabalhar à que devia ser “professora”;
54. Tem ainda como agravantes o histórico e antecedentes disciplinares da AA que já foi objeto de três processos disciplinares (sendo o presente o quarto processo) aos quais foram já aplicadas diversas sanções disciplinares, o que, ao que evidencia, não foram pedagogicamente suficientes para a arguida corrigir os seus comportamentos.
55. E, ainda, caso a A. não estivesse suspensa enquanto decorria o procedimento disciplinar já estava indiciada para possível instauração de um quinto processo disciplinar por prestação de falsas declarações, indicando morada falsa dentro da Freguesia ..., para obter vantagem na inscrição e matricula de um neto, ultrapassando outras crianças residentes locais, que foram prejudicadas com essas falsas declarações.
56. A Instituição R. concluiu estarem reunidos os pressupostos para que fosse aplicada à trabalhadora arguido a sanção prevista no artº 328º nº 1, alínea f), do Código do Trabalho,
57. Foi lícito o despedimento decretado pela Entidade Patronal porque foi baseado em justa causa, apurada em conclusão de processo disciplinar regularmente concluído.
58. Tendo sido comprovados os requisitos do conceito de justa causa: Elemento Subjetivo – provada a culpa da A., elemento Objetivo – dada a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho, nexo causal – existente entre o comportamento da A. e a impossibilidade de a relação de trabalho subsistir é real.
59. O próprio Tribunal acolhe a existência de violação de matéria disciplinar pela A. quando na página 10 da sentença, a fls.., declara: “Se atendendo ao principio da proporcionalidade e fazendo apelo a juízos de equidade, for possível a conservação do contrato pela aplicação de sanção mais leve, é isso o que deve ser feito; o despedimento é a sanção mais grave a que se deverá recorrer apenas quando outra sanção não possa eficazmente ser aplicada”.
60. É assim, indiretamente, reconhecida pelo Tribunal a violação da disciplina pela aqui Recorrida, mas sugerindo a aplicação de sanção mais leve…
61. Mas, a esta trabalhadora já foram aplicadas três sanções mais leves: Duas repreensões e uma suspensão de 5 dias com perda de vencimento.
62. Já estava em embrião um quinto processo disciplinar, que poderia conduzir a aplicação de sanção por prestar falsas declarações em inscrição e matrícula de uma neta.
63. A quantas mais violações disciplinares tinha de se sujeitar a Entidade Patronal até justificar a aplicação da sanção mais grave?
64. Estavam já em causa princípios de prevenção geral dentro do quadro da Instituição onde trabalham cinquenta e quatro colaboradores, dado que esta trabalhadora estava a servir de mau exemplo perante todas as restantes, e que a prevenção especial não tinha surtido qualquer efeito pois que a trabalhadora ia acumulando violações sucessivas e sistemáticas das suas obrigações laborais.
65. A Recorrente como entidade patronal cumpriu com os seus deveres e aplicou a legislação em vigor, sancionando a sua subordinada, face aos deveres incumpridos, ainda por cima estando a trabalhar com trabalhadora muito mais nova na Instituição, a quem deveria ensinar, corrigir, dar o exemplo, para um melhor desempenho nas suas funções e pelo contrário foi a mais nova que tentou corrigir o mau desempenho da A.
66. Ficou demonstrado que a A. com o seu comportamento, pôs em causa os seus deveres laborais. Foi consubstanciada a justa causa de despedimento ao ser provado o comportamento da trabalhadora.
Da indemnização a pagar à A.:
67. O despedimento da A. cumpriu as regras fixadas pela legislação laboral, o processo disciplinar teve a sua tramitação legal, sendo concedidos os meios de defesa mencionados no Código do Trabalho e no Acordo Coletivo de Trabalho em vigor, concluindo com a decisão de despedimento comunicada à trabalhadora, aqui Recorrida, pelo que no entender do Recorrente o despedimento efetuado foi lícito.
68. O Tribunal “a quo”, em substituição de reintegração, deliberou fixar a indemnização em 30 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo de trabalho ou fração de antiguidade, fixando a quantia em €14.136, bem como as remunerações que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao encerramento
69. Considera a Recorrente que esta decisão, para além de ser injusta, como tudo o que supra foi alegado, ainda por cima é como um “prémio” concedido pelo Tribunal a uma trabalhadora negligente, desobediente e consecutivamente violadora das suas obrigações laborais, incumprindo as ordens que lhe foram determinadas pelos seus superiores hierárquicos.
70. Acresce que é uma indemnização demasiado pesada, para uma Instituição Particular de Solidariedade Social (I.P.S.S.), associação sem fins lucrativos, que sobrevive, com as ajudas e auxílios concedidos pelo Estado através da Segurança Social, que, nesta época de grandes restrições, de pandemia, de guerra, de grande inflação, de enorme aumento de custo de vida, sente R. que ao exercer os seus direitos/deveres de gestão dos seus recursos humanos e dos meios financeiros ao seu dispor, sente que para além da injustiça evidente nesta condenação, ainda é fixado um valor excessivo de indemnização à prevaricadora.
71. Pelo que, considera, que não seria aplicável o que dispõe o artº 390º do C. do Trabalho, face à licitude do despedimento efetuado, ou que em alternativa fosse aplicado o valor mais reduzido contido naquele artigo.
Quanto a outros créditos:
72. A R. demonstrou, que as ações de formação são prestadas quer externamente por entidades terceiras, quer internamente, pela Diretora Coordenadora e pelo Chefe de Pessoal, pelo que se reitera que esses valores não são devidos.”
Em remate, pede que seja concedido provimento ao presente recurso sendo em sua substituição decretada a absolvição da Recorrente, ou em alternativa fixado um valor mínimo de indemnização a prestar à Recorrida.

A Autora/Recorrida apresentou contra-alegações, terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
“1- Carecem, desde logo, de fundamento factual e legal as alegações de recurso apresentada pelo Apelante/Recorrente;
2- Como se alcança do recurso apresentado, o Recorrente não dá cumprimento, como lhe competia, ao disposto no art. 640.º do C. P. Civil, já que, versando a sua discordância em relação à decisão que recaiu sobre a matéria dada como provada pelo Douto Tribunal “a quo”, tinha o ónus de demonstrar de que modo é que a referida decisão devia ter sido outra, que não a que veio a ser tomada;
3- Constata-se também que as alegadas conclusões do recurso apresentado infringem o disposto nos art. 639º nº 1 e 641º, nº 2, al. b), ambos do C.P.C., o que prejudica a sua apreciação, dado que o Recorrente se limitou-se a transcrever naquelas o que já havia arengado nas alegações que as precedem, violando desse modo as regras processuais aplicáveis, motivo que igualmente deve merecer consequências jurídicas;
4- Quanto ao mais, ficou amplamente demonstrado nos autos que não se verificaram os requisitos legais cumulativos para o despedimento de justa causa da Recorrida, que o Recorrente promoveu como, aliás, a Douta Sentença esclarece de forma lapidar;
5- Pelo contrário, ficou claramente provada a ilicitude do despedimento da Recorrida;
6- Tanto mais que a prova testemunhal arrolada pelo Recorrente não foi credível e os seus depoimentos foram, inclusive, contraditórios entre si como, aliás, bem destaca também a Douta Sentença;
7- Em suma, resultou amplamente provado que os fundamentos aduzidos pelo Recorrente, para despedir a Recorrida, não tinham sustentabilidade factual e legal;
8- Ficou aliás bem patente, que os factos invocados pelo Recorrente, para despedir a Recorrida, não justificavam a aplicação da sanção mais gravosa prevista na legislação laboral, in caso, o sem despedimento com a invocação de justa causa;
9- Ou seja, considerando os factos dados como provados nos autos, nunca se justificaria a aplicação da sanção mais gravosa prevista na legislação laboral, perante os factos imputados pelo Recorrente à Recorrida, no processo disciplinar que lhe instaurou, por não estarem preenchidos os requisitos para o seu despedimento com justa causa;
10-De resto e como bem assinala a Douta Sentença, estribada nos factos provados, “É entendimento do Tribunal que as referenciadas imputações levadas a cabo pelo R. à A. não são susceptíveis de consubstanciar justa causa de despedimento, nos termos previstos nas duas mencionadas alíneas do n.º 2 do art.º 351.º. do C. do Trabalho, desde logo na medida em que não se provou um comportamento da trabalhadora integrador do conceito de culpa.” (…);
11-Acrescentando ainda – enfatizando – a Douta Sentença o seguinte: “(…), mesmo que se defendesse entendimento contrário – no sentido de estar provada a conduta imputada à A. –, sempre seria manifesto que tal comportamento nunca se poderia considerar, só por si, revestido de uma gravidade tal que tornasse imediatamente impossível a subsistência da relação laboral, assim justificando a aplicação da medida disciplinar mais grave de todas as que se encontram previstas na lei.” (…). De facto;
12-Fazendo uma análise criteriosa, cuidada e justa da matéria dada como provada, o Douto Tribunal concluiu, e bem, pela ilicitude do despedimento da Recorrida;
13-Razão pela qual, assim decidindo, a Douto Tribunal a quo fez, de facto, uma boa e correcta interpretação e aplicação do disposto nos art. 351.º, 328.º e 330.º, todos do Código do Trabalho em vigor e, por isso, deve ser integralmente mantida.”
Em remate solicita que o recurso seja considerado improcedente, por ausência total de fundamentos de facto e de direito, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

O recurso foi admitido por despacho como de apelação e efeito suspensivo.

Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer aí se lendo, nomeadamente:
“Atento o objeto dos presentes autos, do que delas se depreende, afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente no modo como impugna a matéria de facto da sentença sub iudice, incumprindo o ónus previsto no artº. 640.º, n.ºs 1, als. a), b) e c) e 2, al. a), do CPC, como o demonstra a recorrida e o que é causa de rejeição do recurso, nesta parte e a cuja tese se adere. A matéria de facto encontra-se estabilizada.
Contudo, quanto à matéria de direito, salvo melhor opinião, entendemos que merece censura a decisão proferida, por considerandos que são tecidos no item “O Direito:” relativamente à conduta da recorrida para com o utente Sr. BB e suas consequências legais.
Ocorre, neste segmento, a nulidade de sentença que não é conhecimento oficioso, conforme o artº. 615º. n.º 4 do CPC. Tal nulidade de sentença prevista na al. c) do nº 1 do mesmo normativo - os fundamentos estão em oposição com a decisão. Apesar de não ter sido arguida pela recorrente no seu recurso, resulta tacitamente, por ausência de invocação de norma processual, das conclusões formuladas sob os nº.s 47 a 49 e 57 a 59. Tal vício de invalidade da sentença é passível de ser conhecido.
A estrutura lógica da sentença, quanto à decisão proferida, seguiu um caminho contrário daquele para que apontavam os fundamentos, por verificação de seu vício intrínseco. As questões apreciadas apontavam em sentido diverso do decidido e do que resultou uma imprópria aplicação do direito – cfr. Ac.s do STJ, de 04-04-2017 e 09-11-2017 (www.dgsi.pt).
Da factualidade assente, em matéria de aplicação do direito, tem de relevar que ocorreu justa causa de despedimento, nos termos do art.º 128.º n.º 1 a), c) e e) do Código do Trabalho, tendo-se consignando na sentença “sub iudice” que “a decisão do R. de despedir a A. teve por suporte uma conduta imputada a esta, qual seja, a de não ter respeitado as instruções da entidade empregadora no que se refere à forma de efetuar a higienização dos utentes desta e a de não haver respeitado a intimidade do utente Sr. BB.”.
Independentemente de outras apreciações que neste segmento foram tecidas, de sinal contraditório, o certo é inequívoco que foi praticado ato grosseiramente desrespeitador dos cuidados que então eram devidos a tal pessoa, violadores dos seus elementares direitos de personalidade e que devem prevalecer enquanto interesse superior, para garantia de sua qualidade de vida. Mesmo considerando as características do local onde teve lugar o sucedido, ocorreu uma infração causadora da reserva da intimidade da vida privada daquele beneficiário, necessariamente contrária aos fins que ali levavam a recorrida e em execução de desígnio de bem de cariz social - cfr. pontos nº.s 1, 8, 11 e 15 da factualidade assente.
Tal conduta consubstancia a verificação dos elementos integrantes de justa causa do despedimento que foi imputado à recorrida, nos termos conjugados dos art.sº 328º. nº.1 al. f), 338º. e 381.º al. b) do C. do Trabalho, para fundamentação dos factos dados como provados. Estes evidenciaram-se para a confirmação da medida concreta de natureza disciplinar que foi lhe cominada, de acordo com os princípios da legalidade e da proporcionalidade.
No dizer de José Joaquim Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 6." edição revista, Livraria Almedina, Coimbra, 1993, pág. 520: “Os direitos de personalidade abarcam certamente os direitos de estado (por ex.: direito de cidadania), os direitos sobre a própria pessoa (direito à vida, à integridade moral e física, direito à privacidade), ...”.
Ocorreu um dano existencial que não tendo posto em causa a integridade física ou a saúde do utente, situa-se “no plano dinâmico da vida da pessoa [...]. O que os danos existenciais cobrem são, afinal, perturbações de vida” - cfr. Manuel António Carneiro da Frada, in Nos 40 anos do Código Civil português: tutela da personalidade e dano existencial in Estudos em homenagem ao professor Arnoldo Wald: a evolução do direito no século XXI, 2007, pág. 376.
A perturbação em causa e inerente conduta da recorrida assumiu, tal como se menciona na decisão em crise, “uma gravidade tal que torna[sse] imediatamente impossível a subsistência da relação laboral, assim justificando a aplicação da medida disciplinar mais grave de todas as que se encontram previstas na lei”.
Consequentemente, têm de naufragar os pontos nº.s i) e ii) do segmento decisório e o que é causa de suas revogações.
Procedem, parcialmente, as conclusões formuladas sob os nºs. 37, 44 a 49, 56 a 60, 66, 67 e 71, 1ª. parte.
A decisão recorrida merece ser mantida na ordem jurídica na parte não expurgada.
Em suma, emite-se parecer no sentido de o presente recurso ser rejeitado quanto à matéria de facto, bem como de obter provimento parcial.”

As partes, ouvidas, pronunciaram-se quanto ao douto parecer do Ministério Público.
Consta da resposta da Autora:
“(…)
2- Salvo o devido respeito por opinião contrária, da leitura da Douta Sentença recorrida não se alcança, de facto e objetivamente, que a decisão proferida esteja em contradição com os fundamentos em que a mesma assentou.
3- De resto, aceitar-se uma tal teoria seria, no limite, atribuir ao Douto Tribunal a quo um atestado de incoerência que, de todo, não resulta da sua fundamentação, que se mostra basilar e bem estruturada, para além de juridicamente inatacável.
4- O Parecer em causa considera, em termos que se entendem ser meramente conclusivos e subjetivos, claro está, “que foi praticado ato grosseiramente desrespeitador dos cuidados que então eram devidos a tal pessoa, violadores dos seus elementares direitos de personalidade e que devem prevalecer enquanto interesse superior, para garantia de sua qualidade de vida.”;
5- Acrescentando: “mesmo considerando as características do local onde teve lugar o sucedido, ocorreu uma infração causadora da reserva da intimidade da vida privada daquele beneficiário, necessariamente contrária aos fins que ali levavam a recorrida e em execução de desígnio de bem de cariz social”.
6- Sustentando tal opinião de forma parcial, uma vez que o referido Parecer apenas faz referência à matéria dada como provada nos Pontos n.º 1, 8, 11 e 15, ignorando os demais que, como é evidente, a Douta Sentença não fez.
7- Na verdade, é também importante assinalar, desde logo, que o “serviço de apoio domiciliário” realizado no referido dia (17/08/2021), visou “proceder à higiene parcial do utente” (…) – Ponto 8, da matéria dada como provada;
8- E ainda que o “utente (…) no momento em que a equipa do Centro Social chegou, estava em descanso no exterior da casa, no pátio;” (idem) – Ponto 9, da matéria dada como provada;
9- Concluindo que “O Sr. BB não é um utente acamado e esse facto faz com que a muda da fralda realizada em contexto de higiene parcial não seja uma operação complexa de ser feita em posição vertical e com o acompanhamento de duas pessoas a auxiliar, como foi o caso;” (…) – Ponto 24, da matéria dada como provada; Em suma;
10- O que esteve em causa foi, portanto, a realização de uma higiene parcial, corresponde a uma simples mudança de fralda, a um utente autónomo e, por via disso, a execução de uma operação sem complexidade de maior;
11- Assim sendo, só por evidente e injustificado exagero se pode considerar ter-se verificado um “dano existencial” na situação em apreço. De resto;
12- Como resulta do Ponto 26 da matéria dada como provada, porque não é despiciendo referi-lo, “Nem o Sr. BB [o utente] nem ninguém da sua família se queixou à R. do trabalho prestado pela A., quer antes, quer depois do dia 17 de agosto de 2021;”;
13- A própria filha do citado utente foi testemunha no processo [FF] e depôs em audiência de discussão e julgamento, reiterando que ela própria e seu pai, não ficaram ofendidos, nem sequer melindrados, com o modo como a fralda foi mudada no referido dia.
14- Refira-se, por último, que o Douto Tribunal a quo, numa manifestação de cuidado, de rigor e de procura incessante pela descoberta da verdade material – que porventura nem lhe seria exigível – “considerou pertinente uma deslocação ao local” (Vd. “Convicção” na Douta Sentença, que aqui se dá por integralmente reproduzida), que foi realizada e onde pode concluir que, sucintamente, “Mais se pôde observar que, ao contrário do afirmado pela testemunha DD, tal espaço físico, para além de, repete-se, não ser maioritariamente aberto e localizar-se na parte de trás da habitação do Sr. BB, não permite aos vizinhos, nem sequer a qualquer transeunte, ver para o mesmo. Esta constatação do tribunal aquando da sua deslocação ao local do acontecimento objeto de análise contrariou também o depoimento da testemunha EE, na parte em que esta afirmou que aquele espaço não tem cobertura” (…)
15- Esta é a realidade, clara e transparente, do que resultou demonstrado no âmbito da prova produzida nos autos e da deslocação ao local que, como resulta da Douta Sentença, foi levado em conta na decisão tomada;
16- Desse modo, alegar-se que a “lógica” da Douta Sentença recorrida “seguiu um caminho contrário daquele para que apontavam os fundamentos”, não tem nenhuma sustentabilidade com a realidade concreta do seu conteúdo e dos factos provados, como se pode verificar pela sua leitura.
17- E tanto assim cristalino que, como é assumido no Douto Parecer, nem sequer o Recorrente arguiu tal “nulidade”, ocorrendo assim aqui uma pronúncia por excesso de algo que, salvo melhor opinião, não tem nenhuma justificação factual e, principalmente, jurídica.
18- De resto, o citado Parecer refere, com o devido respeito, de uma forma que se considera desajustada, que a Douta Sentença “consignou” que “a decisão do R. de despedir a A. teve por suporte uma conduta imputada a esta, qual seja, a de não ter respeitado as instruções da entidade empregadora no que se refere à forma de efetuar a higienização dos utentes desta e a de não haver respeitado a intimidade do utente Sr. BB.”;
19- Acontece que essa referência surge na Douta Sentença, como é óbvio, no âmbito da contextualização que o Douto Tribunal a quo realizou para aferir da verificação, ou não, da existência da “justa causa” invocada pelo Recorrente no despedimento da Recorrida, com base na matéria dada como provada e não a concordar com tal afirmação que, como é bom de ver pela decisão tomada, não concorda, naturalmente. Logo;
20- Como se alcança na Douta Sentença, o que está consignado, isso sim, é o seguinte: “Ora, ponderados os factos acima fixados, não se demonstrou que a A., com a sua atuação, tenha posto em causa aqueles deveres laborais. Em primeiro lugar, na medida em que não se provou que o utente Sr. BB se tenha sentido ofendido ou agastado com a conduta levada a cabo pela A. e que visou a sua pessoa (higienização no pátio exterior da casa daquele). Tanto assim que nem aquele utente, nem a respetiva família apresentaram qualquer queixa ao R. acerca do comportamento da aqui trabalhadora. Em terceiro lugar (…) não menos verdade é que não se provou que a trabalhadora, com a sua atuação, tenha posto em causa ou feito perigar tais direitos de personalidade.” (…)
21- Como se pode ver, pois, analisando a Douta Sentença, no seu todo e não apenas de forma parcelar, de modo algum resulta que exista na mesma qualquer contradição entre a matéria dada provada, os seus fundamentos, a sua “Convicção” e, finalmente, a decisão tomada, que mereçam qualquer tipo de censura ou critica jurídica, pelo que deverá a mesma ser confirmada nos seus precisos termos, tudo com as legais consequências, a Bem da Lei e do Direito aplicáveis!”
Respondeu a Ré recorrida:
“Quanto aos pontos i) e ii) da Decisão contida na sentença “a quo”:
O Recorrente sufraga, em parte, o douto parecer do Senhor Procurador Geral Adjunto de que foi notificado.
Acrescentando os seguintes considerandos que, aliás, já tinha mencionado nas suas Alegações de Recurso,
Na verdade o Mertº Juiz do Tribunal 1ª Instância reconhece que na conduta da Recorrida existe uma violação na higienização do utente Sr. BB, e de não ter respeitado a intimidade do mesmo – vide douta sentença.
Tal conduta contém os comportamentos justificativos de justa causa de despedimento aplicado à Recorrida.
No entanto e contraditoriamente o Mertº Juiz regista na sentença aqui sindicada que “consideraria a aplicação de uma sanção disciplinar menos gravosa seria neste caso suficiente para salvaguardar as eventuais exigências de prevenção, quer geral quer especial que o R. sentisse necessidade de tomar” – in douta sentença recorrida, pág 12, 3º parágrafo, fls… dos autos.
Considera a Recorrente que uma sanção disciplinar mais branda, a aplicar a uma empregada com um curriculum já com quatro processos disciplinares, violadora das ordens superiores e de reserva de intimidade dos utentes idosos da Instituição não seria, de todo, suficiente como exemplo perante um universo de cinquenta e quatro trabalhadoras executantes das mesmas funções, que se sentiriam autorizadas a menores práticas na qualidade da prestação de cuidados aos utentes do Centro Social.
O que não é admissível, nem o Instituto de Segurança Social permitiria tais situações e responsabilizaria e sancionaria a Instituição – Vide o que se passa pelo nosso país nos diversos Centros Sociais que estão a ser encerrados por práticas menos corretas para com os seus utentes.
Com a sentença posta em crise, a confirmar-se, não só a prevaricadora ficará sem qualquer sanção disciplinar, como ainda é injustamente beneficiada com um prémio indemnizatório, como, inclusive, seria um mau exemplo para os restantes trabalhadores da Instituição que ficariam com convictos que qualquer violação dos seus deveres, ou tratamento impróprio para com os utentes, não seria sancionado ou teria uma sanção aligeirada.
O que dava abertura a eventuais situações de indisciplina.
Reitera-se:
O Recorrente despediu a Recorrida com justa causa,
Justa causa apurada em conclusão do processo disciplinar que lhe foi instaurado pela Direção do Centro Social, cuja tramitação cumpriu as regras legais aplicáveis.
Processo disciplinar que, face ao incumprimento das regras disciplinares, por parte da Autora, concluiu com o apuramento de justa causa que motivaram o despedimento da mesma.
Processo disciplinar que apurou e provou os requisitos legais mencionados nos artigos 351º do Código do Trabalho em vigor, nomeadamente:
Violação qualificada dos deveres de prestar o seu trabalho com zelo, diligência e cumprir e fazer cumprir as ordens emanadas de superior hierárquico, conforme preceitos contidos no artº 128º alíneas: a), c) e e) do Código do Trabalho.
Violação da devida reserva de intimidade no tratamento do utente em causa no ato denunciado.
Na atuação da trabalhadora despedida.
AA consubstancia uma quebra de confiança que deveria existir entre Empregador e Empregada, que face ao comportamento culposo desta, pela sua gravidade e consequência torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Requisitos que justificam a licitude da deliberação tomada pela Direcção do Centro Social ... face às mencionadas violações praticadas em 17 de Agosto de 2021 pela aqui Recorrida, em casa do utente BB.
Será legítimo perguntar: A quantas mais violações disciplinares tinha de se sujeitar a Entidade Patronal até justificar a aplicação da sanção disciplinar à negligente trabalhadora?
**
Relativamente à matéria de facto foram mencionados os concretos meios probatórios constantes da gravação dos registos tomados na audiência de julgamento, tendo sido indicadas as passagens de gravação e respetivos pontos cronológicos, nomeadamente: a fls. 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 15, 16, 17, das Alegações do Recurso.
Quanto ao ponto iii) da Decisão contida na sentença “a quo”:
Vem a Recorrente condenada a pagar à Recorrida a título de crédito de formação profissional não ministrada, a quantia de € 421,80 – vide sentença recorrida.
Com o devido respeito se constata que o Mertº Juiz de 1ª Instância em contradição com os pontos dados dados como provados, nomeadamente, pontos 20 e 21, que menciona: À Autora foi proporcionada formação interna nas reuniões semanais efetuada pela Diretora Técnica; e ainda, que por vezes a formação é prestada por instituição exterior contratada pelos serviços administrativos da R.
Mesmo dando como provados os referidos pontos acima mencionados, certo é que, contraditoriamente, o Tribunal “a quo” condenou a R. na quantia quase total das horas de formação reclamadas pela Recorrida.
Relativamente a este ponto da decisão, atente-se no seguinte depoimento:
Conforme se pode constatar pela audição de gravação de depoimento pela Diretora Coordenadora do R., em: “30/05/2022 – inicio 11’34” – ponto de gravação 16’00” – “em 2019 a Instituição cumpriu com 50 horas de formação. Eram dois módulos de 25 horas cada” (x2). Continuando o depoimento: “Se calhar a AA só fez um módulo, não quis fazer mais formação ou não lhe calhava. As empregadas fazem ou não fazem, não são obrigadas, podem não ter horários compatíveis”.
Gravação de depoimento da mesma testemunha, em “30/05/2022 – Ponto de gravação 17’20” – Internamente fazemos formação semanalmente, todas as semanas, às vezes mais por semana. São reuniões de trabalho todas as semanas, abordamos as dúvidas. Formação dada por mim e pelo GG (Encarregado de Pessoal).”
Assim, facilmente se pode alcançar que foi prestada formação, contínua, interna, pela Instituição, às suas trabalhadoras, nomeadamente à A., conforme permite a legislação em vigor – artº 131º nº 3, do Código do Trabalho,
Relativamente ao Ano de 2021:
Tendo trabalho efetivo, no ano de 2021, apenas correspondente a nove meses, apenas poderia reclamar o proporcional ao tempo trabalhado (9/12 avos = 30 horas) – Caso tivesse prestado trabalho o ano inteiro é que corresponderia o direito a 40 horas de formação.”

Foi cumprido o disposto na primeira parte do nº2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06., aplicável “ex vi” artigo 87º, nº1, do Código de Processo do Trabalho.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Questões prévias:
2.1. A Apelada invocou que as conclusões apresentadas pelo Recorrente são a reprodução das alegações.
De harmonia com o disposto no artigo 637º, nº2 do Código de Processo Civil, “o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade (…)”.
Dispõe o artigo 641º, nº2, alínea b) do código de Processo Civil – “ex vi” artigo 652º, nº1 alínea b) do Código de Processo Civil – o recurso é indeferido quando “Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões”.
O artigo 641º, nº2, alínea b) do Código de Processo Civil, fala em falta de conclusões, ou seja, quando estas não existem.
Comparando as alegações com as conclusões do recurso interposto pelos recorrentes, constata-se efetivamente que estas últimas são praticamente idênticas às primeiras. Tal não significa, porém que as conclusões não existam mas antes que o Apelante não cumpriu com a obrigação de as sintetizar, como determina o artigo 639º, nº1 do Código de Processo Civil.
Não ocorre motivo para rejeitar o recurso com fundamento no disposto na alínea b) do nº2 do artigo 641º do Código de Processo Civil.
Atenta a dimensão das conclusões, a natureza urgente dos autos e o lapso de tempo decorrido desde a chegada dos autos a este tribunal, afigura-se-nos que não se justiça o convite ao recorrente para sintetizar as alegações, nos termos previstos no artigo 639º, nº3 do Código de Processo Civil.

2.2. Nulidade da sentença:
Invoca o Exm.º Procurador Geral Adjunto a nulidade de sentença prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º, nº 4 do CPC por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e em suma:
- Tal vício de invalidade da sentença é passível de ser conhecido, apesar de não ter sido arguido pela recorrente no seu recurso, resulta tacitamente, por ausência de invocação de norma processual, das conclusões formuladas sob os nº.s 47 a 49 e 57 a 59.
- Da factualidade assente, em matéria de aplicação do direito, tem de relevar que ocorreu justa causa de despedimento, nos termos do artigo 128º nº 1 alíneas a), c) e e) do Código do Trabalho, tendo-se consignando na sentença “sub iudice” que “a decisão do R. de despedir a A. teve por suporte uma conduta imputada a esta, qual seja, a de não ter respeitado as instruções da entidade empregadora no que se refere à forma de efetuar a higienização dos utentes desta e a de não haver respeitado a intimidade do utente Sr. BB.”
- É inequívoco que foi praticado ato grosseiramente desrespeitador dos cuidados que então eram devidos a tal pessoa, violadores dos seus elementares direitos de personalidade e que devem prevalecer enquanto interesse superior, para garantia de sua qualidade de vida. Mesmo considerando as características do local onde teve lugar o sucedido, ocorreu uma infração causadora da reserva da intimidade da vida privada daquele beneficiário, necessariamente contrária aos fins que ali levavam a recorrida e em execução de desígnio de bem de cariz social - cfr. pontos nº.s 1, 8, 11 e 15 da factualidade assente.
Desde já se refere que não ocorre a apontada nulidade.
Como bem respondido pela Apelada, aquela referência surge na Douta Sentença, no âmbito da contextualização que o Tribunal a quo realizou para aferir da verificação, ou não, da existência da “justa causa” invocada pelo Recorrente no despedimento da Recorrida, com base na matéria dada como provada e não a concordar com tal afirmação.
Já sobre se ocorreu erro de julgamento, é questão a ser tratada infra em sede de fundamentação de direito.

O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1 do Código de Processo Civil), salvo as questões de conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608, nº2, in fine, e 635º, nº5, do Código de Processo Civil), consubstancia-se nas seguintes questões:
- impugnação da matéria de facto;
- saber se ocorreu justa causa para o despedimento;
- indemnização por antiguidade;
- créditos por falta formação profissional.

3. Fundamentação:
3.1. Fundamentação de facto:
3.1.1. Foi esta a decisão de facto da sentença recorrida:
“1) A R. é uma Instituição Particular de Solidariedade Social a laborar no Concelho de Vila Nova de Gaia, tendo por objeto o apoio solidário a crianças inscritas no seu Jardim de Infância e aos idosos carenciados em serviço de Centro de Dia e Apoio Domiciliário;
2) A A. foi colaboradora da R., com contrato por conta de outrem, que vigorou entre 1 de outubro de 2002 e 30 de setembro de 2021;
3) O processo disciplinar foi mandado instaurar em 18 de agosto de 2021 pela Direção do Centro Social S. ..., contra a aqui trabalhadora, ajudante de ação direta, na sequência da denúncia apresentada pela sua colega CC;
4) À relação de trabalho entre A. e R. é aplicável a Convenção Coletiva de Trabalho para as I.P.S.S., publicada no B.T.E. n.º 41, de 8 de novembro de 2019;
5) Na R. não existe comissão de trabalhadores nem comissão sindical;
6) A A. não desempenha nem desempenhou quaisquer funções como membro de associações sindicais;
7) Em conclusão do inquérito, elaborou-se a Nota de Culpa;
8) No dia 17 de agosto de 2021, cerca das 15h30min, a A. estava em serviço de apoio domiciliário em casa do utente BB, na Rua ..., em ..., e ia proceder à higiene parcial do utente;
9) O utente BB, no momento em que a equipa do Centro Social chegou, estava em descanso no exterior da casa, no pátio;
10) A A. disse a CC para trazer a bacia com água para aquele local;
11) CC foi buscar a bacia com água e quando voltou o Sr. BB estava de pé, agarrado com as mãos à mesa de pedra do jardim, com os genitais expostos;
12) A equipa de Serviço de Apoio Domiciliário (SAD) era constituída pelas funcionárias AA e CC;
13) A Direção do Centro Social, em 19 de agosto de 2021, deliberou suspender, sem perda de vencimento, preventivamente, a trabalhadora AA a partir dessa data;
14) Foi nomeado como instrutor o membro da Direção, HH, coadjuvado pela Dr.ª DD;
15) As colaboradoras em serviço no Apoio Domiciliário têm instruções para tratar e higienizar os utentes com privacidade e respeito pela sua intimidade;
16) Foi encerrada a fase de inquérito em 24 de agosto de 2021;
17) Foi remetida à A., em 30 de agosto de 2021, a Nota de Culpa, a qual foi por aquela recebida em 2 de setembro de 2021;
18) O despedimento da A. ocorreu no dia 30 de setembro de 2021, data da receção da carta em que o mesmo foi comunicado à A.;
19) À A. foram instaurados quatro processos disciplinares, contando com o dos presentes autos;
20) Foi proporcionada à A. formação interna nas reuniões semanais efetuadas pela Diretora Técnica;
21) Por vezes a formação é prestada por instituição exterior contratada pelos serviços administrativos da R.;
22) A A., sob a autoridade, ordens e direção da R., tinha e exercia as funções da categoria profissional de Ajudante de Ação Direta de 1.ª;
23) Pelo trabalho que lhe prestava a A. recebia da R., em 2021, a retribuição mensal ilíquida de € 681, a que acresciam € 63 a título de diuturnidades, para além de receber um prémio de assiduidade no valor de € 25;
24) O Sr. BB não é um utente acamado e esse facto faz com que a muda da fralda realizada em contexto de higiene parcial não seja uma operação complexa de ser feita em posição vertical e com o acompanhamento de duas pessoas a auxiliar, como foi o caso;
25) O referido utente estava instalado num espaço que se pode considerar um pátio com alguns vasos de flores, com tijoleira no chão, abrigado, seja do frio ou do calor, bem como de eventuais olhares exteriores;
26) Nem o Sr. BB nem ninguém da sua família se queixou à R. do trabalho prestado pela A., quer antes, quer depois do dia 17 de agosto de 2021;
27) A A. foi sempre uma pessoa educada e respeitadora, quer em relação aos utentes e seus familiares, quer em relação às colegas de trabalho e aos seus superiores hierárquicos;
28) A A. sempre foi uma trabalhadora assídua, competente e responsável no exercício das suas funções, o que é reconhecido quer pelos utentes com quem trabalha, quer pelos colegas de trabalho;
29) No ano de 2019 a A. realizou vinte e cinco horas de formação profissional;
30) A A. é associada do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social (cujos Estatutos se encontram publicados no B.T.E. n.º 25, de 8 de julho de 2011).
Os factos não provados:
Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa, designadamente que:
a) Quando CC se preparava para deslocar o utente BB com a cadeira de rodas para o seu quarto, local onde normalmente se efetua a lavagem e higienização, a A. não a tenha deixado efetuar o transporte e deslocação do utente para dentro de casa;
b) CC, após o descrito em 10), haja perguntado à A. para que queria esta trazer para ali a bacia da água;
c) A A., na sequência do referido em b), tenha respondido a CC “vai e cala-te”;
d) CC tenha dito à A. que a higiene não se devia fazer naquele local, pois deveria ser no quarto e na cama do utente, e a segunda haja dito “eu é que sei, vai buscar a água caralho, mexe-te e cala-te”;
e) O Sr. BB haja dito “isto não se faz. Olha que isto, pôr-me todo nu, aqui fora à luz do dia. É a primeira vez que me fazem isto. Isto vai saber a minha mulher”;
f) CC, entretanto, fosse olhando à sua volta para ver se vinha alguém ou os vizinhos e viam o utente Sr. BB com tudo exposto, e pensado que o utente poderia cair;
g) Quando as colaboradoras se foram embora, ainda o utente Sr. BB dissesse que a sua mulher iria saber do sucedido;
h) Os processos disciplinares referidos em 19) tenham sido os seguintes: Proc. instaurado em 19/01/2012 – Concluso 06/04/2012 - Motivo Desobediência a um superior hierárquico – Sanção aplicada - Repreensão Registada; Proc. instaurado em 26/11/2012 – Concluso 28/03/2013 – Motivo provocação de lesão numa utente acamada – Sanção aplicada Repreensão Registada; Proc. instaurado em 21/03/2013 – Concluso 14/06/2013 – Motivo furto de objeto nas instalações do Centro Social – Sanção aplicada 5 dias suspensão c/perda remuneração;
i) A maioria das colegas evite fazer equipa com a A. porque não gostem da maneira como ela trabalha, porque não preste os serviços com mínimos de cuidado na higiene aos utentes, não tenha cuidado, não trabalhe com gosto e com carinho, despache o serviço “à pressa”, não preste o atendimento aos utentes da forma que eles precisam;
j) Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 8), o Sr. BB, ao ver a A., tenha-lhe dito, “Ó aninhas, olhe que eu já caminhei hoje”, ao que esta respondeu “a sério? Não me diga” e, nesse momento, o utente haja-se levantado da cadeira onde estava sentado e se posto de pé, provando que o que dizia era verdade;
k) A A. tenha congratulado o utente pelo feito e, com o objetivo de o levar a persistir na melhoria da sua mobilidade, decidiu mudar-lhe a fralda naquele local;
l) O Sr. BB, durante a muda da fralda, haja passado o tempo todo a gracejar com a A.;
m) CC não tenha feito nenhum comentário, nem manifestado nenhum incómodo, preocupação ou desconforto, durante os poucos minutos que decorreu a muda da fralda do utente.
Convicção:
A A., no seu articulado, não pôs em causa a veracidade da matéria de facto vertida em 1) a 8), 10) a 14) e 16) a 18) supra.
Face à divergência dos depoimentos das diversas testemunhas inquiridas quanto à caracterização do espaço em que se encontrava o utente BB quando este foi parcialmente higienizado, designadamente quanto à questão de saber se tal espaço físico podia ser visto por pessoa ou pessoas que estivessem em prédios contíguos ou próximos, o tribunal considerou pertinente uma deslocação ao local, diligência que teve lugar no passado dia 7 de junho de 2022. A este propósito, dir-se-á desde já que, conforme elucidou, com conhecimento de causa, a testemunha FF, filha do referido utente do R., BB, aquele local, à data dos factos aqui objeto de ponderação, encontrava-se com o mesmo aspeto visual que possui no momento presente, afirmação que não foi posta em causa por nenhuma outra prova produzida. Dito isto, no decurso da apontada deslocação ao local foi possível constatar que o dito espaço físico onde, na altura, se encontrava o Sr. BB localiza-se nas traseiras da habitação deste, podendo ser caracterizado como um pátio que está, na sua maior área, coberto com acrílico em formato de abóbada. Igualmente se pôde constatar que o pátio em apreço está dotado de vasos de flores, tem tijoleira no chão e é abrigado. Mais se pôde observar que, ao contrário do afirmado pela testemunha DD, tal espaço físico, para além de, repete-se, não ser maioritariamente aberto e localizar-se na parte de trás da habitação do Sr. BB, não permite aos vizinhos, nem a qualquer transeunte, ver para o mesmo. Esta constatação do tribunal aquando da sua deslocação ao local do acontecimento objeto de análise contrariou também o depoimento da testemunha EE, na parte em que esta afirmou que aquele espaço não tem cobertura.
Ainda a propósito do recato do referenciado espaço físico, a testemunha FF referiu que as pessoas que vão de visita à casa do Sr. BB tocam sempre à campainha, não entram sem autorização ou sem se fazerem anunciar. E penetram sempre pela porta principal, tanto mais que o portão aí existente está fechado.
A testemunha DD mencionou, nesta parte de forma convicta, que, enquanto Diretora de Serviços, dá ordens aos elementos das equipas de apoio domiciliário do R. para procederem à higienização dos utentes de forma resguardada.
Relativamente aos processos disciplinares instaurado pelo R. à A. – em número de três, sem contar com o que deu origem aos presentes autos –, os depoimentos das testemunhas DD e EE revelaram-se confusos e titubeantes quanto à concreta identificação das condutas que estiveram na génese daqueles, bem como quanto às sanções disciplinares efetivamente aplicadas à aqui trabalhadora (ao passo que a testemunha DD falou das sanções de repreensão e de suspensão, a testemunha EE fez referência às sanções de suspensão e de “não subida de categoria”).
A testemunha EE, enquanto Diretora Técnica do R., aludiu ao facto de ter dado internamente formação profissional à A., o que sucedeu com uma periodicidade semanal. Sem prejuízo da formação profissional ministrada por entidades externas à aqui entidade empregadora. Não obstante, a mesma testemunha não logrou, de forma assertiva, verbalizar quantas horas de formação profissional interna a A. frequentou nos anos de 2019, 2020 e 2021.
Naquele concernente, refira-se que do documento de fls. 107 v.º, junto pela ora trabalhadora, extrai-se que esta, no ano de 2019, frequentou vinte e cinco horas de formação profissional externa.
A categoria profissional da A., bem como os montantes por esta auferidos mensalmente, retiraram-se da análise do recibo de retribuição junto aos autos a fls. 37 v.º, referente ao mês de setembro de 2021.
A testemunha EE reconheceu, por um lado, que nem o utente Sr. BB, nem algum elemento da família deste, alguma fez apresentaram ao R. queixa do trabalho prestado pela A., e, por outro lado, que esta é uma trabalhadora reconhecida em termos de mérito. Este mesmo reconhecimento foi trazido aos autos pelos depoimentos coincidentes das testemunhas II, JJ, KK, LL e MM.
O facto de a A. ser associada do Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social foi considerado provado com base no documento de fls. 92 destes autos.
No que se refere à restante matéria de facto tida por não assente e para além daquilo que já se deixou ínsito, sobre a mesma não foi produzida qualquer prova que tenha permitido concluir pela respetiva veracidade. A este propósito, refira-se que, ainda que a testemunha CC tenha dito que o Sr. BB, à data, ficou ofendido com o sucedido (a sua higienização parcial no pátio contíguo à sua habitação), tais palavras foram frontalmente contrariadas pelo depoimento conhecedor e credível da testemunha FF. Na verdade, esta mencionou que tendo estado com o seu progenitor no mesmo dia do episódio em apreciação, o mesmo não lhe manifestou nem revelou qualquer incómodo com o sucedido, chegando até, em momentos posteriores, a perguntar pela A. às outras colegas de trabalho desta. A acrescer, a mesma testemunha relatou que a própria esposa do utente Sr. BB, entretanto falecida, não valorizou muito o sucedido. Ainda a identificada testemunha referiu que, na qualidade de filha do Sr. BB, não ficou ofendida com o ocorrido, tanto assim que se a aqui trabalhadora voltasse a trabalhar na casa daquele, o mesmo, bem como a respetiva família, aceitavam-na. Numa palavra, ninguém melhor do que a filha do visado para saber dos sentimentos experimentados por este na decorrência do episódio sucedido.
Do exposto se retira que o depoimento da testemunha CC não mereceu a necessária credibilidade. A que acresce que se esta, na altura, tivesse receio que o Sr. BB caísse, certamente que não se limitaria, como declarou ter feito, a puxar as calças do mesmo para cima.
Finalmente, cumpre deixar consignado que a testemunha FF afirmou convictamente que quem estivesse na cozinha situada no rés-do-chão da casa do Sr. BB (como era o caso da esposa do dito utente) não tinha campo de visão para o local onde aquele se encontrava à data dos factos ora objeto de ponderação.”

3.1.2. Impugnação da matéria de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Dito de outro modo, cabe à Relação, enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar, de acordo com o princípio da livre convicção, toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;».
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, in www.dgsi.pt, “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão. (…)”.
Servindo-nos também do texto do acórdão desta secção de 22.10.2018, proferido no processo 246/16.OT8VLG.P1, (Relatora Desembargadora Rita Romeira, no qual foi 1ª adjunta a aqui relatora):
«Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exatidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.
Além disso, nas palavras, (…) de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac. STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).».
Ainda a este propósito, lê-se no Acórdão desta secção de 15.04.2013 (Relatora Paula Leal de Carvalho, aqui 2ª Adjunta, in www.dgsi.pt, também citado no acórdão de 22.10.2018), “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”».
Ainda com fundamentação da mesma Desembargadora Paula Leal de Carvalho:
“Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
“Sendo o objeto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e/ou dos articulados e não por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.
E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende.
(…)
Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada [ou a um conjunto de factos que estejam interligados e em que os meios de prova sejam os mesmos] de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.
Assim também os Acórdãos do STJ de 21.09.2022, Proc. 1996/18.1T8LRA.C1.S1, constando do respetivo sumário: “I- A impugnação da matéria de facto “em bloco” viola o disposto no artigo 640.º do CPC, mormente quando não está em causa um pequeno número de factos ligados entre si e um número reduzido de meios de prova (por exemplo, o mesmo depoimento), mas um amplíssimo conjunto de factos (ou, melhor, dois amplos blocos de factos) e numerosos meios de prova” e de 12.10.2022. Proc. 14565/18.7T8PRT.P1.S1, constando do respetivo sumário: “I – Para poder validamente impugnar a matéria de facto, o Recorrente tem de cumprir os ónus imposto pelo art.º 640º do CPC. II – Em princípio, a impugnação da matéria de facto não pode ser feita por blocos de factos, antes tem de ser feita discriminadamente, por concreto ponto de facto. III - E não pode ser feita por remissão genérica para determinados meios de prova, sem demonstrar a sua relevância quanto a determinado facto concreto.”, ambos in www.dgsi.pt].]
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.”, (realce e sublinhado nossos).
A este respeito concluiu a Apelada que o Recorrente não dá cumprimento, como lhe competia, ao disposto no artigo 640º do CPC, já que, versando a sua discordância em relação à decisão que recaiu sobre a matéria dada como provada pelo Douto Tribunal a quo, tinha o ónus de demonstrar de que modo é que a referida decisão devia ter sido outra, que não a que veio a ser tomada.
Analisaremos se o Apelante cumpriu os ónus a que nesta sede estava vinculado, relativamente a toda a matéria.
Concluiu o Apelante:
- Nem todos os pontos que foram considerados não provados, o foram de forma assertiva e correta, atentos, por um lado os factos que o Tribunal “a quo” deu como provados e, por outro lado, os depoimentos prestados em audiência de julgamento, que estão gravados e dos quais nos socorremos nas alegações, com transcrição dos depoimentos, para demonstrar a verdade material.
- O Mertº Juiz de 1ª Instância apenas dá credibilidade aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Autora, descredibilizando e desvalorizando praticamente todos os depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré, p que, provoca acentuado desequilíbrio na ponderação do julgamento da causa, que deveria ser equilibrado, equitativo.
A este respeito, desde já se afirma que não se trata de violação do princípio da equidade mas de convicção, relativamente ao depoimento de cada uma das testemunhas, sendo que a razão de ciência não justifica por si só a credibilidade a atribuir.
Factos dados por não provados pelo Tribunal:
- Que quando CC se preparava para deslocar o utente BB com a cadeira de rodas para o seu quarto, local onde normalmente se efetua a lavagem e higienização, a A. não a tenha deixado efetuar o transporte e deslocação do utente para dentro de casa;
- Que CC após o descrito em 10) dos factos dados por assentes, haja perguntado à A. para que queria esta trazer para ali a bacia da água;
- Que a A. na sequência do referido em b), tenha respondido a CC “vai e cala-te”;
- Que a CC tenha dito à A. que a higiene não se devia fazer naquele local pois deveria ser no quarto e na cama do utente, e a segunda haja dito “eu é que sei, vai buscar água caralho, mexe-te e cala-te”;
- Que o Sr. BB haja dito: “isto não se faz. Olha que isto, pôr me todo nu, aqui fora à luz do dia. É a primeira vez que me fazem isto. Isto vai saber a minha mulher”;
- Que CC, entretanto, fosse olhando à sua volta para ver se vinha alguém ou os vizinhos e viam o utente Sr. BB com tudo exposto, e pensando que o utente poderia cair.
Concluiu o Apelante que estes factos deviam ser considerados provados pelo que consta do depoimento gravado da testemunha CC, indicando os minutos do início da gravação em que ficaram registados os excertos tidos por relevantes, procedendo à respetiva transcrição que lemos.
Mais concluiu que a testemunha CC, isenta e sem qualquer complexo, prestou depoimento onde se verifica que assistiu pessoalmente ao ato e ao facto praticado pela Autora, depoimento que sempre manteve sem alterações, não se concede credibilidade.
Sobre os meios de prova considerados pelo Tribunal a quo, a respeito da matéria de facto não provada, consta da motivação:
“(…) não foi produzida qualquer prova que tenha permitido concluir pela respetiva veracidade. A este propósito, refira-se que, ainda que a testemunha CC tenha dito que o Sr. BB, à data, ficou ofendido com o sucedido (a sua higienização parcial no pátio contíguo à sua habitação), tais palavras foram frontalmente contrariadas pelo depoimento conhecedor e credível da testemunha FF. Na verdade, esta mencionou que tendo estado com o seu progenitor no mesmo dia do episódio em apreciação, o mesmo não lhe manifestou nem revelou qualquer incómodo com o sucedido, chegando até, em momentos posteriores, a perguntar pela A. às outras colegas de trabalho desta.”
Ainda, relativamente à mesma testemunha, CC: “não mereceu a necessária credibilidade”, “(…) se esta, na altura, tivesse receio que o Sr. BB caísse, certamente que não se limitaria, como declarou ter feito, a puxar as calças do mesmo para cima.”
A testemunha em causa foi que fez a participação.
Não temos como bastante, apenas o seu depoimento, para dar como assente a factualidade, em causa, já que nada da versão que apresentou foi corroborado por qualquer outra testemunha, considerando nós pertinentes as observações consignadas na decisão recorrida sobre as respetivas fragilidades.
Já a testemunha FF como o próprio Apelante refere ainda que tenha prestado declarações no Processo Disciplinar, confirmando tudo o ocorrido, declarações que assinou, juntamente com o seu pai, Sr. BB, em Tribunal, declarou que nem sequer tinha lido o depoimento.
Improcede nesta parte a pretensão do Recorrente.

Quanto à matéria dada como provada:
Ficou provado no item 19 dos factos dados por assentes:
- À A. foram instaurados quatro processos disciplinares, contando com o dos presentes autos;
Concluiu o Apelante que esta matéria deve ser ampliada, dando-se como assente que os processos disciplinares referidos em 19), tenham sido os seguintes: Proc. instaurado em 19/01/2012 – Concluso 06/04/2012 – Motivo desobediência a um superior hierárquico – Sanção aplicada – Repreensão Registada; Proc. instaurado em 26/11/2012 – Concluso 28/03/2013 – Motivo provocação de lesão numa utente acamada – Sanção aplicada Repreensão Registada; Proc. instaurado em 21/03/2013 – Concluso 14/06/2013 –Motivo furto de objeto nas instalações do Centro Social – Sanção aplicada 5 dias de suspensão c/ perda de remuneração.
Invoca o Apelante os depoimentos das testemunhas DD e EE, indicando os minutos do início da gravação em que ficaram registados os excertos tidos por relevantes, tão só da primeira das duas, procedendo à respetiva transcrição que lemos.
Nada refere o Apelante que ponha em causa a motivação do Tribunal a quo, a respeito dos depoimentos dessas testemunhas que sendo contraditórios entre si, não foram suficientes para se dar como assente a mesma matéria:
“Relativamente aos processos disciplinares instaurados pelo R. à A. – em número de três, sem contar com o que deu origem aos presentes autos –, os depoimentos das testemunhas DD e EE revelaram-se confusos e titubeantes quanto à concreta identificação das condutas que estiveram na génese daqueles, bem como quanto às sanções disciplinares efetivamente aplicadas à aqui trabalhadora (ao passo que a testemunha DD falou das sanções de repreensão e de suspensão, a testemunha EE fez referência às sanções de suspensão e de “não subida de categoria”).”
Improcede também nesta parte a pretensão do Apelante.
Improcede na sua totalidade a impugnação, consignando-se que nenhuma outra matéria é identificada pelo Apelante como devendo considerar-se provada, não o tendo sido pelo Tribunal a quo, nem como não provada, tendo-o sido pelo mesmo Tribunal, não obstante as considerações efetuadas a propósito da convicção deste e quanto à formação prestada à Autora..

3.2. Fundamentação de direito:
3.2.1. No final do processo disciplinar que foi instaurado à Trabalhadora, a Entidade Empregadora deliberou aplicar-lhe a sanção de despedimento com justa causa.
Atento o disposto no artigo 351º do Código do Trabalho, são elementos essenciais para a verificação de justa causa de despedimento:
- a existência de um comportamento culposo e grave do trabalhador;
- a impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho;
- o nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Do primeiro elemento resulta que o procedimento do trabalhador tem de lhe ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo: se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá, verificados os demais requisitos, dar causa ao despedimento com justa causa.
Por outro lado, a justa causa exige, ainda, consequências gravosas na relação de trabalho, de tal forma que não mais possa ser exigida a sua manutenção a um empregador normal, mercê dos factos perpetrados.
Neste particular assume especial relevo a quebra do princípio da confiança que, só por si, torna impossível a subsistência do vínculo laboral (neste sentido, cfr. Menezes Cordeiro, “Manual de Direito do Trabalho”, 1991, Almedina, págs. 823 e 826).
O conceito de justa causa de despedimento é um conceito objetivo-normativo que, não obstante dever ser preenchido, caso a caso, segundo circunstâncias concretas, não pode ser preenchido com critérios valorativos de índole subjetiva do empregador ou do aplicador, mas segundo um critério objetivo.
Finalmente, a impossibilidade de subsistência da relação laboral deve também ser valorada perante o condicionalismo da empresa e ter em vista o critério de não ser objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador sanção menos grave.
Na verdade, segundo o determinado no artigo 330º, nº1 do Código do Trabalho, «A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infração».
O despedimento é a mais grave das sanções disciplinares de que é passível o trabalhador. Por isso, para que aquele se verifique é necessário que o comportamento deste, pela sua gravidade objetiva e pela imputação subjetiva, torne impossível a subsistência das relações que o contrato de trabalho supõe, não havendo margem para uma sanção de outra natureza.
Como se lê, entre outros, no Acórdão desta secção da Relação do Porto, proferido no processo 112/14.3TTMAI.P1), com referência ao entendimento da doutrina aí identificada e da jurisprudência seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, «(…) a justa causa só pode ter-se por verificada quando, e ponderadas todas as circunstâncias que no caso relevem, não seja exigível ao empregador a permanência do contrato (…)».
E no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.03.2012, in Coletânea de Jurisprudência, Tomo I, página 258, citado no referido Acórdão da Relação do Porto, «O despedimento/sanção é a solução postulada sempre que, na análise diferencial concreta dos interesses em presença, se conclua – num juízo de probabilidade/prognose sobre a viabilidade do vínculo, basicamente dirigido ao suporte psicológico e fiduciário que a interação relacional pressupõe – que a permanência do contrato constitui objetivamente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo, desmesurada e violentamente, a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do real empregador(…)».
Daí que nos termos do disposto na alínea b) do artigo 381º do Código do Trabalho, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito se for declarado improcedente o motivo justificativo invocado no processo disciplinar.
Por sua vez, afere-se do artigo 387º nº 3 do mesmo código que é à Entidade empregadora que cabe a alegação e prova dos factos justificativos da justa causa.
Na sentença recorrida lê-se, a propósito da subsunção dos factos provados ao direito:
“Passando agora ao caso concreto, temos que a decisão do R. de despedir a A. teve por suporte uma conduta imputada a esta, qual seja, a de não ter respeitado as instruções da entidade empregadora no que se refere à forma de efetuar a higienização dos utentes desta e a de não haver respeitado a intimidade do utente Sr. BB.
Ora, ponderados os factos acima fixados, não se demonstrou que a A., com a sua atuação, tenha posto em causa aqueles deveres laborais. Em primeiro lugar, na medida em que não se provou que o utente Sr. BB se tenha sentido ofendido ou agastado com a conduta levada a cabo pela A. e que visou a sua pessoa (higienização no pátio exterior da casa daquele). Tanto assim que nem aquele utente, nem a respetiva família apresentaram qualquer queixa ao R. acerca do comportamento da aqui trabalhadora. Em terceiro lugar, se é certo que o R. deu ordens à A. e respetivas colegas em serviço no Apoio Domiciliário no sentido de a higienização dos utentes ser levada a cabo com respeito pela privacidade e pela intimidade dos mesmos, não menos verdade é que não se provou que a trabalhadora, com a sua atuação, tenha posto em causa ou feito perigar tais direitos de personalidade. Na verdade e por um lado, não se provou que o local onde à data se achava o Sr. BB fosse visível do interior da casa deste ou do exterior da mesma, sendo, pelo contrário, um local protegido de eventuais olhares exteriores. Por outro lado, o episódio em apreço ocorreu no dia 17 de agosto de 2021, altura do ano em que não faz frio (de qualquer forma, igualmente se provou que o dito espaço físico é abrigado do frio e do calor). Em terceiro lugar, igualmente se não provou que o utente Sr. BB, durante a higienização parcial a que foi sujeito, alguma vez tenha estado em risco de cair. Em quarto lugar, não se provou que, a par do próprio utente e da equipa do Apoio Domiciliário (constituída pela A. e por CC), mais alguém tenha presenciado o ocorrido.
Isto posto, é entendimento do tribunal que as referenciadas imputações levadas a cabo pelo R. à A. não são suscetíveis de consubstanciar justa causa de despedimento, nos termos previstos nas duas mencionadas alíneas do n.º 2 do art.º 351.º do C. do Trabalho, desde logo na medida em que se não provou um comportamento da trabalhadora integrador do conceito de culpa.
Não obstante, mesmo que se defendesse entendimento contrário – no sentido de estar provada a conduta imputada à A. –, sempre seria manifesto que tal comportamento nunca se poderia considerar, só por si, revestido de uma gravidade tal que tornasse imediatamente impossível a subsistência da relação laboral, assim justificando a aplicação da medida disciplinar mais grave de todas as que se encontram previstas na lei.
Com efeito, face à matéria de facto tida por assente, o ocorrido episódio foi um ato isolado (desconhecendo o tribunal as concretas condutas que foram imputadas à A. e que estiveram na base dos outros três processos disciplinares, cujo resultado, de resto, também não foi provado pelo R. como lhe competia), que não teve consequências nefastas para o utente Sr. BB, nem para a família deste. A acrescer, não podemos olvidar que a A. trabalhava no R. desde 1 de outubro de 2002. Paralelamente, a aqui trabalhadora sempre foi uma pessoa educada e respeitadora, quer em relação aos utentes e seus familiares, quer em relação às colegas de trabalho e aos seus superiores hierárquicos, bem como sempre foi uma trabalhadora assídua, competente e responsável no exercício das suas funções, o que é reconhecido quer pelos utentes com quem trabalha, quer pelos colegas de trabalho.
Assim, a aplicação de uma sanção disciplinar menos gravosa seria neste caso sempre suficiente para salvaguardar as eventuais exigências de prevenção, quer geral, quer especial, que o R. sentisse necessidade de tomar.
Concluindo: não se podem considerar verificados os pressupostos previstos no art.º 351.º do C. do Trabalho para a ocorrência de justa causa de despedimento.
Assim sendo, o despedimento operado é, também por esta via, ilícito, ao abrigo do disposto no art.º 381.º b) do C. do Trabalho, pelo que apenas resta julgar a improcedência do pedido formulado pelo empregador.”
Concluiu, em suma, o Apelante:
- A atitude da Autora viola o dever de obediência às instruções superiores que lhe são transmitidas e lealdade para com a entidade patronal, bem como a ética profissional e sigilo na interação e prestação dos cuidados necessários e higienização dos utentes do serviço de Apoio Domiciliário, com eficiência, respeito, reserva e discrição - incumprimento dos deveres de prestar o seu trabalho com zelo, diligência e cumprir e fazer cumprir as ordens emanadas de superior hierárquico, conforme preceitos contidos artigo 128º alíneas a), c) e e) do Código do Trabalho.
- Este comportamento tendencialmente culposo, sem um mínimo de cuidado e de reserva da intimidade no tratamento dos utentes idosos, por parte da Autora, constituiu violação grave, pondo em crise a indispensável confiança que deverá existir entre entidade patronal e uma trabalhadora ao seu serviço, impossibilitando a manutenção de qualquer contacto com os utentes da Instituição, quer em apoio domiciliário, quer em centro de dia, que são objeto da atividade do Centro Social, o que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, tendo sido formalmente comunicada a intenção da sua entidade patronal, de concluir este processo aplicando a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.
Concluiu por seu turno, em suma, a Trabalhadora que ficou patente a ilicitude do despedimento, não se verificam os requisitos legais cumulativos para o despedimento de justa causa por os fundamentos aduzidos pelo Recorrente não terem sustentabilidade factual e legal e não justificavam os factos a aplicação da sanção mais gravosa prevista na legislação laboral.
Já o Exm.º Procurador Geral Adjunto entende que foi praticado ato grosseiramente desrespeitador dos cuidados que então eram devidos a tal pessoa, violadores dos seus elementares direitos de personalidade e que devem prevalecer enquanto interesse superior, para garantia de sua qualidade de vida. Mesmo considerando as características do local onde teve lugar o sucedido, ocorreu uma infração provocadora da reserva da intimidade da vida privada daquele beneficiário, necessariamente contrária aos fins da recorrida e em execução de desígnio de bem de cariz social - pontos nº.s 1, 8, 11 e 15 da factualidade assente – verificando-se os elementos integrantes de justa causa do despedimento, de acordo com os princípios da legalidade e da proporcionalidade.
Cumpre apreciar e decidir, desde já se adiantando que temos como acertada a ponderação da factualidade provada efetuada na sentença recorrida, a que acrescemos o que infra se consigna.
Quanto ao indicado fundamento para a justa causa de despedimento previsto no artigo 351º, nº2, alínea d) do Código do Trabalho, desde já se refere que não ficou provado um repetido desinteresse pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do posto de Trabalho da Trabalhadora, para que tal desinteresse fosse suscetível de ser considerado justa causa para o despedimento da mesma, levado a cabo pela Entidade Empregadora/Apelante.
Nos termos previstos neste último preceito legal, constitui justa causa de despedimento «Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;», (sublinhado nosso).
Conforme previsto na alínea c), nº1 do artigo 128º do Código do Trabalho, nos deveres do trabalhador inclui-se o de «Realizar o trabalho com zelo e diligência».
A propósito do dever laboral de realizar o trabalho com zelo e diligência, seguindo de perto a doutrina e jurisprudência citada no Acórdão da Relação de Lisboa de 11.10.2017, (Relatora Desembargadora Celina Nóbrega, in www.dgsi.pt), refere João Leal Amado, in “Contrato de Trabalho”, 3ª edição, pág. 373, “Trata-se de um dever que se prende com o modo de cumprimento da prestação principal, significando que o trabalhador deverá realizar a prestação com atenção, com esforço com empenhamento da vontade e com o cuidado exigíveis a um trabalhador normal colocado na sua situação”.
Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais”, 3ª edição, páginas 418 e 419, expõe “dever integrante da prestação principal, é este dever que permite avaliar o modo de cumprimento dessa prestação.
A medida do zelo ou da diligência do trabalhador no desenvolvimento da atividade laboral deve ser aferida segundo o critério geral do bom pai de família, tendo em conta o contexto laboral em concreto. Assim, a atuação do trabalhador será diligente se corresponder ao comportamento normalmente exigível para aquele tipo de trabalhador, naquela função em concreto”.
Como se refere no Acórdão do STJ de 08.10.2015, in www.dgsi.pt “O zelo colocado no cumprimento da prestação de trabalho reflete-se sobre a forma como o mesmo é prestado, permitindo aferir se há ou não cumprimento integral da prestação, ou seja se a atividade prestada preenche ou não os objetivos que dela se esperam no contexto da atividade prosseguida pelo destinatário da prestação, a entidade empregadora.”
Exige-se uma atuação repetida ou prolongada no tempo e suficientemente grave para danificar o núcleo essencial da relação laboral.
No caso concreto, afigura-se-nos que não tendo ficado provado que outras situações idênticas ocorreram noutros momentos, a conduta não pode deixar de ser valorizada unicamente, ou seja, como uma só conduta isolada, pelo que aquela gravidade não foi demonstrada, sendo sobre a Entidade empregadora que incidia o respetivo ónus, como se referiu supra.
Passando a incidir a nossa análise no fundamento traduzido na «Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores» (artigo 351º, nº2, alínea a) do Código do Trabalho).
Nos termos do disposto no artigo 128º, nº1, alínea e) do Código do Trabalho, o trabalhador deve «Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução e disciplina do trabalho (…)».
Lê-se no acórdão desta secção de 29.04.2019, proferido no processo nº159/18.0T8PNF.P1 (Relator Conselheiro Domingos Morais, in www.dgsi.pt): “O dever de obediência é o contraponto do poder de direção da entidade patronal, isto é, o poder que o empregador tem de fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem (cf. artigo 97.º do CT).
O dever de obediência representa o corolário mais significativo da subordinação jurídica, assumindo-se, como posição passiva do poder de direcção atribuído ao empregador. O poder de direcção é susceptível de desdobramento num: (I) poder determinativo da função; (II) poder confirmativo da prestação; (III) poder regulamentar e poder disciplinar - cf. Monteiro Fernandes, em "Direito do Trabalho", 12.ª edição, págs. 250 e segs..
Na separata do BMJ, de 1979, pág. 221, sob o título, Poder disciplinar, José António Mesquita escreveu “Que o poder directivo tem sido definido como a faculdade de determinar as regras, de carácter prevalentemente técnico-organizativo, que o trabalhador deve observar no cumprimento da prestação ou, mais precisamente, o meio pelo qual o empresário dá uma destinação concreta à energia do trabalho (física e intelectual) que o trabalhador se obrigou a pôr e manter à disposição da entidade patronal (...)”.
Em concreto, ficou demonstrado que a Trabalhadora praticou factos que lhe foram imputados pela Empregadora.
Porém, não é possível concluir que, com tal conduta, a Trabalhadora violou o seu dever de cumprir as ordens da sua Entidade empregadora, respeitantes à execução do trabalho.
Provou-se que as colaboradoras em serviço no Apoio Domiciliário têm instruções para tratar e higienizar os utentes com privacidade e respeito pela sua intimidade.
Mais se provou que no dia 17 de agosto de 2021, cerca das 15h30min, a Autora estava em serviço de apoio domiciliário, numa equipa constituída por si e outra funcionária, em casa do utente BB, que não é um utente acamado e que no momento estava em descanso no exterior da casa, num espaço que se pode considerar um pátio com alguns vasos de flores, com tijoleira no chão, abrigado, seja do frio ou do calor, bem como de eventuais olhares exteriores.
Não se nos afigura que tenha sido posta em causa a privacidade e o respeito do utente.
O facto de se tratar de um serviço no domicílio – não sendo aqui de ponderar o que sucede em contextos que não este como por exemplo um lar e que pela sua natureza justificariam uma ponderação diversa - é relevante, uma vez que se em termos abstratos a higiene parcial, incluindo a muda de fralda, pode ser efetuada no quarto ou na casa de banho, certo é que da factualidade assente resulta que o pátio era, para o mesmo utente, pelo menos no momento em que a equipa de apoio chegou, um local descanso.
Nenhuma estranheza tal se nos suscita, considerando a suscetibilidade de a casa (domicílio) estar adaptada às concretas circunstancias de quem aí vive, passa a maior parte, se não a totalidade, do tempo, compreendendo-se que um pátio, além de ‘jardim interior’ com flores, seja um local prazeroso para se descansar e se inclua como tal no espaço íntimo de quem aí vive, tanto mais que no caso ficou demonstrado, como se salientou, ser um local abrigado, seja do frio ou do calor, bem como de eventuais olhares exteriores.
Não entendemos outrossim resultar demonstrado que realizar higiene parcial, nesse local abrigado, tenha posto em causa o respeito pela intimidade do utente, sendo a muda da fralda efetuada estando este de pé, agarrado com as mãos à mesa de pedra do jardim, com os genitais expostos.
Ou seja, não resulta da factualidade provada que só por ser assim realizada, a muda de fralda implicou a exposição dos genitais mas que assim não sucederia dentro de casa, nem que também aí não fosse efetuada na vertical e com a colaboração do utente, como sucedeu (apoiando-se este numa mesa). Sequer que tivesse exigido mais tempo comparativamente com o que exigiria se fosse efetuada noutro local ou em posição de sentado ou estendido. Ao invés, provou-se tão só que no caso daquele utente e com o acompanhamento de duas pessoas a auxiliar, a muda de fralda em posição vertical não é uma operação complexa de ser feita.
Ou seja, não se demonstrou um comportamento ilícito da Trabalhadora, muito menos que a atuação desta fosse de molde a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho entre as partes.
Nenhum reparo merece nesta parte a sentença recorrida.

3.2.2. Num outro segmento, insurge-se a Apelante sobre o montante da indemnização fixada de 30 dias por ano de antiguidade.
Na sequência da ilicitude do despedimento de que foi alvo e à opção da própria Trabalhadora, em sede de articulado, esta tem direito de acordo com o disposto no artigo 391º, nº 1 do CT, à indemnização por antiguidade que será fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do empregador, sempre com um limite mínimo de três meses de retribuição base e diuturnidades.
Lê-se na sentença: “(…) considerando o valor da retribuição da A. e o modo como o despedimento ocorreu, fixo a indemnização por antiguidade em trinta dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade, contando-se esta até à data do trânsito em julgado da presente decisão.
Ora, tendo a A. sido admitida ao serviço do R. em 1 de outubro de 2002, auferindo ultimamente a retribuição base de € 681, tem a mesma direito a uma indemnização no valor de € 14 136 (€ 681 + € 63 x 19).”
Cremos ser adequado fixar a indemnização em 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fração de antiguidade.
Não é aqui de atender que se trata de uma IPSS.
Acompanhando o Acórdão desta secção de 09.11.2009, (Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho in www.dgsi.pt): “A graduação da indemnização entre 15 e 45 dias de retribuição deverá, de harmonia com o citado preceito, atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no artº 429º.
No que se reporta ao critério retributivo entendemos, considerando o sentido útil da norma, que ele deverá ser atendido na razão inversa da sua grandeza, isto é, quanto menor for a retribuição auferida pelo trabalhador, maior deve ser o número de dias a atender no cálculo da indemnização e quanto maior for a retribuição auferida, menor deverá ser o número de dias a graduar entre os 15 e 45, de modo que um trabalhador que aufira uma retribuição próxima do nível do salário mínimo deverá ser contemplado com uma indemnização calculada com base num número de dias perto do máximo [7].
No que se reporta ao critério fundado na ilicitude do despedimento, a sua maior ou menor gravidade há-de aferir-se em função dos motivos determinantes dessa ilicitude.
(…)
[7] Cfr., entre outros, Acórdão desta Relação de 13.11.2006, proferido na Apelação nº 2743/06, 1ª Secção, de que foi relator o Exmº Sr. Desembargador Ferreira da Costa.
Improcede também nesta parte a Apelação.

3.3.3. Ainda a propósito das consequências do despedimento ilícito:
Nos termos do disposto no artigo 134° do Código do Trabalho, a cessação do contrato de trabalho, confere o direito ao trabalhador de receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas para formação que não tenham sido proporcionadas, ou ao crédito de horas para formação, que seja titular à data da cessação.
De acordo com o artigo 131° n° 2 do Código do Trabalho, o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de 35 horas de formação, que se convertem em crédito de horas e que não sendo utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição.
No acórdão desta secção, proferido no processo nº3915/15.8T8AVR.P1 (Relatora Desembargadora Maria Fernanda Soares, in www.dgsi.pt) lê-se: “O artigo 131º, nº2 do CT/2009 determina que “O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de trinta e cinco horas de formação contínua” (…).
Nos termos do artigo 132º do CT/2009 “1. As horas de formação previstas no nº2 do artigo anterior, que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos 2 anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador” (…) “3. O trabalhador pode utilizar o crédito de horas para a frequência de ações de formação, mediante comunicação ao empregador com a antecedência mínima de 10 dias” (…) “6. O crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passado 3 anos sobre a sua constituição”.
E o artigo 134º do mesmo Código refere que “Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação”.
Pertinente é também o referido no Acórdão desta secção de 03.06.2019, proferido no processo nº1418/18.8T8VNG.P1 (Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt), onde se lê “(…), podem subsistir no desenvolvimento da relação laboral, e assim ocorre no caso que se aprecia, simultaneamente ambos os direitos, assim o referente ao crédito de horas já constituído e que ainda não tenha cessado (n.ºs 1 e 6 do artigo 132.º) e o relacionado com a formação a que o trabalhador tem direito e que ainda não se tenha transformado em crédito de horas (n.º 2 do artigo 131.º), sendo que, afinal, a ambos os direitos se refere a norma referente à cessação do contrato, assim o artigo 134.º.
Daí que, salvo o devido respeito, a interpretação que mais se aproxima com o espírito da norma e que na sua letra encontra também sustentação não possa deixar de ser aquela que impõe que, em caso de cessação do contrato de trabalho em que haja horas de formação profissional que não tenham sido ministradas pelo empregador, este deverá liquidar quer as horas que já se transformaram em crédito (e que não tenha prescrevido) quer também as que se venceram nos últimos dois anos de execução do contrato, as quais, em virtude da cessação, por não ter decorrido o prazo previsto na lei, ainda não se converteram em crédito de horas”.
Lê-se na sentença:
“No caso concreto – em que estamos perante um contrato sem termo – a A. tem direito, por força do disposto no art.º 131.º n.º 2 do C. do Trabalho, a um número de horas de formação de quarenta anuais.
Assim, no ano de 2019 o crédito de formação foi de quinze horas (40-25) e nos anos de 2020 e de 2021 o crédito de formação foi de quarenta horas por cada um deles, num total de noventa e cinco horas.
Por outro lado e conforme resultou provado, a retribuição horária da A. era, naqueles anos, de € 4,44.
Em consequência, tem a A. direito, àquele título, à quantia global de €421,80 (€ 4,44 x 95 horas).”
Concluiu o Apelante:
- Foi prestada formação, contínua, interna, pela Instituição, às suas trabalhadoras, nomeadamente à Autora.
- Tirando o mês de férias, às colaboradoras, para além da formação externa é proporcionada formação interna, semanalmente, o que permite calcular mais de quarenta horas de formação ao longo do ano (48 semanas X pelo menos 1 hora de formação em cada sessão, alcançamos um total de mais de quarenta horas por ano).
- Também, por vezes a formação é prestada por Instituição exterior contratada especificamente pelos serviços administrativos da Ré.
- No ano 2021, dado que o contrato de trabalho cessou em 30 de Setembro em consequência da conclusão do processo disciplinar, nem sequer a Autora atingiria o direito às 40 horas, porque tal apenas seria alcançável se correspondesse ao trabalho de ano inteiro.
Relativamente às horas de formação profissional realizadas, da factualidade provada resulta apenas que no ano de 2019 a A. realizou vinte e cinco horas de formação profissional.
De resto, ficou tão só provado que foi proporcionada à A. formação interna nas reuniões semanais efetuadas pela Diretora Técnica e que por vezes a formação é prestada por instituição exterior contratada pelos serviços administrativos da Ré.
Ou seja, não é possível aferir que a formação interna e externa tenha ocorrido nos anos de 2020 e 2021, ou em 2019 para além das 25 horas de formação profissional demonstradas.
Já relativamente ao ano de 2021, assiste razão ao Apelante, tendo a Trabalhadora tido trabalho efetivo, no ano de 2021, apenas correspondente a nove meses, apenas lhe é devido o proporcional ao tempo trabalhado (9/12 avos = 30 horas).
Termos em que se julga, nesta parte, a apelação do Réu parcialmente procedente.

4. Decisão:
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida no que respeita ao crédito por formação profissional não ministrada no ano de 2021, retificando-se o item iii) do dispositivo para:
iii) Condena-se o Réu a pagar à Autora, a título de crédito por formação profissional não ministrada, a quantia de €377,40 (trezentos e setenta e sete euros e quarenta cêntimos);
Confirma-se no mais, integralmente, a sentença recorrida.

Custas do recurso pelo Réu e Autora, na proporção de 4/5 para o primeiro e 1/5 para a segunda.



Porto, 15 de Janeiro de 2024.
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão
Paula Leal de Carvalho