Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RAMOS LOPES | ||
Descritores: | PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA DÍVIDAS DE CONDOMÍNIO | ||
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Nº do Documento: | RP20120223154791/10.9yiprt-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/23/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O escopo e finalidade das prescrições presuntivas encontra-se na protecção do devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas que costumam ser pagas rapidamente e de cujo pagamento não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo. II – Considerando o pensamento normativo subjacente ao estabelecimento das prescrições presuntivas, deve ter-se por arredada a aplicação dos normativos que as prevêem nas situações em que não estão presentes os fundamentos daquelas, seja porque não é usual pagamento imediato (ou em prazo curto), seja porque não é usual o pagamento sem quitação e é regra a conservação e guarda do recibo comprovativo do pagamento. III – Estando sujeito ao dever de guarda e manutenção da documentação que lhe respeita (art. 1436º, m) do CC), não pode ter-se por usual que o pagamento das obrigações do condomínio da propriedade horizontal seja efectuado sem exigência do documento de quitação e ainda que não seja usual que ele não proceda à conservação de tais documentos. IV – Assim, o condomínio da propriedade horizontal não beneficia da prescrição presuntiva estabelecida no art. 317º, b) do CC relativamente às obrigações advindas de serviços que lhe sejam prestados para manutenção e conservação de coisas comuns. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação nº 154791/10.9YIPRT-A.P1 Relator: João Ramos Lopes Adjuntos: Desembargadora Maria de Jesus Pereira Desembargador Henrique Araújo. * Acordam no Tribunal da Relação do Porto.RELATÓRIO Apelante: Condomínio …, nº …, …, Matosinhos.* Apelada: B…, S.A.. Tribunal Judicial de Matosinhos – 3º Juízo Cível. * A apelada intentou procedimento de injunção contra o apelante alegando como fundamento ter-lhe prestado, ao abrigo de contrato a tal vocacionado, serviços de assistência e reparação de elevadores, cujos preços e datas descrimina (entre 2004 e 2008), preço que o apelante não pagou, apesar de interpelado para tanto. Deduziu o apelante oposição, excepcionando a prescrição dos peticionados créditos, por decorridos mais de dois anos sobre a prestação dos serviços em causa (art. 317º, b) do C.C.), que encara como já pagos. Convidada a pronunciar-se sobre a invocada excepção, pugnou a apelada pela sua improcedência, alegando ser de recusar no caso a aplicabilidade do art. 317º, b) do C.P.C., pois, por um lado deve considerar-se a actividade do apelante como uma indústria para efeitos de exclusão da referida norma e, por outro, que o apelante não é abrangido pelo âmbito de protecção da norma, atentas as obrigações legais que sobre si impendem de guarda de documentos. Findos os articulados, foi proferido despacho que julgou improcedente a invocada excepção da prescrição presuntiva por se entender inaplicável ao caso o preceituado no art. 317º, b) do C.C. (considerando-se que tal norma tem em vista as obrigações normalmente pagas de imediato e sem que se exija recibo de quitação, visando proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo por muito tempo – o que não ocorre no caso, pois que o condomínio não poderá deixar de exigir e conservar os documentos atinentes ao exercício das suas funções), mais providenciando pelo prosseguimento dos autos. Inconformado com o decidido, na parte em que julgou improcedente a excepção da prescrição presuntiva invocada, apela o demandado, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª- O texto do art. 317º do Código Civil não exclui, de forma alguma, as entidades ou particulares que estão obrigados a prestação de contas e, por força de tal circunstância, têm de guardar todos os comprovativos dos pagamentos efectuados, não lhe sendo aplicável a presunção de cumprimento; 2ª- A letra da lei é muito clara quando apenas exclui do âmbito de aplicação da prescrição presuntiva os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem os destine ao comércio e os créditos dos que exercem uma indústria em virtude de produtos ou serviços prestados a quem os destine ao exercício industrial; 3ª- Nada se diz quanto a demais entidades obrigadas a prestação de contas ou a contabilidade organizada; 4ª- O réu na presente acção é o condomínio e não a sua administração (que apenas o representa), considerando-se aquele como o conjunto de proprietários das fracções que o compõem e que, nessa medida, são particulares; 5ª- Não se poderá fazer impender sobre os condóminos a exclusão de uma presunção de cumprimento em virtude de uma obrigação do administrador que lhe é imposta para protecção dos próprios condóminos; 6ª- Estão em causa nos presentes autos facturas de assistência e reparação de elevadores prestados pela sociedade autora e cujo vencimento se reporta ao período compreendido entre 1/02/2004 e 17/02/2008; 7ª- O condomínio réu foi citado para os termos da presente acção em 31/05/2010; 8ª- Mostram-se integralmente preenchidos os requisitos previstos no art. 317º, alínea b) do C.C., [devendo] declarar-se a prescrição presuntiva dos créditos do autor e revogar-se o despacho saneador proferido. Contra-alegou a apelada, sustentando a improcedência da apelação e consequente manutenção da decisão recorrida (além de ter defendido também a rejeição do recurso porquanto a decisão recorrida - de não aplicação da prescrição presuntiva - tem tão só efeitos ao nível do ónus da prova e não sobre o mérito da causa, questão esta já conhecida e decidida em despacho do relator). Colhidos os vistos, cumpre decidir. * Delimitação do objecto do recurso.O objecto dos recursos é definido pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º e 685º-A, nº 1, todos do C.P.C. – na versão resultante das alterações introduzidas neste diploma pelo DL 303/2007, de 24/08 – e delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso. Assim, o thema decidendum consiste em apreciar se, como defende a apelante, o crédito que a apelada exige através da presente acção se mostra sujeito à prescrição presuntiva estabelecida no art. 317º, b) do C.C. ou não, como julgado na decisão recorrida. * FUNDAMENTAÇÃO Fundamentação de facto Para a apreciação da questão suscitada na presente apelação, devem ter-se por assentes os seguintes factos: - a autora exige do réu o pagamento de serviços de assistência e reparação de elevadores que lhe prestou, ao abrigo de contrato a tal vocacionado, serviços cujo vencimento se reporta ao período considerado entre 1/02/2004 e 17/02/2004; - o réu foi citado para a presente acção em 31/05/2010. Fundamentação de direito Fundam-se as prescrições presuntivas – art. 312º do C.C. – na presunção de cumprimento – quando o decurso de determinado período temporal implica se infira o cumprimento da obrigação a que o devedor estava adstrito. Decorrido o prazo legal, presume-se (presume a lei) que a obrigação foi satisfeita pelo cumprimento, dispensando o devedor da prova deste, em atenção à circunstância de, por via de regra (face à normalidade das coisas e à experiência da vida), não ser exigível quitação ou, pelo menos, não ser o recibo ou documento de quitação conservado pelo devedor durante muito tempo[1]. Tal presunção de cumprimento assenta na consideração de que os créditos a ela (presunção de cumprimento) sujeitos, além de serem normalmente reclamados a curto prazo pelo credor, uma vez que resultam da sua actividade profissional, da qual vive, são também, em regra, satisfeitos com prontidão pelo devedor, por corresponderem, os mais deles, a necessidades repetidas da sua vida quotidiana[2]. O seu âmbito concerne a obrigações usualmente satisfeitas em prazo curto e relativamente às quais, em regra, ou se não exige recibo de quitação ou então se não conserva um tal documento por muito tempo – a lei presume, em tais casos, e face ao decurso de determinado período temporal sobre o nascimento da obrigação, que o pagamento foi efectuado pelo devedor, dispensando-o da sua prova, já que esta poderia ser-lhe difícil ou até impossível, dada a ausência de documento de quitação (quer pela sua não emissão, quer pela circunstância de tal documento não ter sido conservado)[3]. Ao contrário das prescrições extintivas, justificadas por razões de segurança jurídica ligadas à inércia do credor, que facultam ao beneficiário recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como decorre do disposto no nº 1 do art. 304º do C.C., as prescrições presuntivas visam proteger o devedor ‘da dificuldade de prova do pagamento’ de ‘obrigações que costumam ser pagas em prazo bastante curto e em relação às quais não é costume exigir recibo de quitação’ ou em que um tal documento não é usualmente conservado por muito tempo, e por isso o seu efeito circunscreve-se ao estabelecimento de uma presunção de pagamento, dispensando-se o devedor da sua prova – ‘parte-se do princípio que o devedor pagou, dispensando-o do ónus que sobre ele impenderia de provar o pagamento, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 2 (facto extintivo do direito invocado)’, deslocando-se o ónus de prova do não pagamento para o credor (caberá ao credor ilidir tal presunção, demonstrando que o cumprimento não ocorreu)[4]. Pode dizer-se que o objectivo da lei ao estabelecer as prescrições presuntivas é tão só o de estabelecer um necessário equilíbrio na repartição do ónus de prova – não tem em vista alcançar um qualquer propósito discricionário de fazer pender o fiel da balança para um dos lados da relação jurídica controvertida, mas antes, certamente inspirado na teoria das normas que preside ao estabelecimento das regras da repartição do ónus da prova (assente na relação entre regra e excepção, presente no direito substantivo, ao prever e regular em termos gerais e abstractos as diversas ocorrências da vida real), determinar que aquilo que seja regra na vida real seja também tido por regra (e não excepção) no âmbito da realização do direito, assim obstando a que a aplicação da regra geral sobre o ónus da prova (art. 342º, nº 1 e 2 do C.C.) fizesse impender sobre o devedor o ónus de provar o cumprimento de obrigação que as regras da normalidade do comércio jurídico têm por efectuado (e de acordo com as quais se reconhece ser difícil ao devedor a sua demonstração, quer porque não é normal a exigência e emissão de recibo de quitação, quer porque não é normal que, emitido um tal recibo, ele seja conservado durante muito tempo). O escopo e finalidade (razão de ser) das prescrições presuntivas encontra-se, assim, na protecção do devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo[5] – foi precisamente ‘para valer ao devedor de dívidas que costumam ser pagas rapidamente e de cujo pagamento não é habitual cobrar recibo que as prescrições presuntivas foram criadas’[6]. Tutelam-se os interesses do consumidor comum, relativamente àquelas obrigações nascidas de relações da vida quotidiana de cujo pagamento (que costuma ocorrer sem demora) não é usual guardar ou sequer exigir quitação. O sujeito beneficiário da presunção de cumprimento é o consumidor comum que, em regra, não possui contabilidade organizada e não tem a preocupação de solicitar e/ou guardar, por muito tempo, o recibo comprovativo do pagamento[7]. Este fundamento das prescrições presuntivas (que constituem uma alteração à regra geral sobre o ónus de prova do cumprimento das obrigações) permite compreender e justificar os estritos limites em que a lei faculta ao credor contrariá-las (art. 313º do C.C.) – porque visam conferir protecção ao devedor que, pagando, não guardou quitação ou desta nem sequer se muniu, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção com quaisquer meios de prova, exigindo-se por isso que tal prova do não cumprimento provenha do devedor[8]. Tal regime das prescrições presuntivas está indelevelmente marcado pela realidade do comércio jurídico coeva à sua elaboração – foram instituídas ‘à luz de um mundo de reduzida expressão económica, em que as unidades empresariais eram incipientes, muitas sem escrituração comercial e em que, por regra, as transacções comerciais dispensavam qualquer suporte documental’[9]. Então, o comércio jurídico não originava, em regra, qualquer suporte documental – e, designadamente, era inusual o consumidor exigir e guardar o documento de quitação, sendo ainda mais inusual que o cumprimento da obrigação não fosse efectuado de imediato ou em prazo muito curto. Porém, decorridos 45 anos sobre a entrada em vigor do Código Civil, a realidade económica alterou-se profundamente, impondo-se a interpretação do regime da prescrição presuntiva à luz do ordenamento jurídico actual, designadamente no que concerne ao que no regime jurídico agora vigente se dispõe quanto à exigência e guarda de documentos de quitação[10]. A aplicação do direito e a realização da justiça não respeita tanto à aplicação da norma jurídica como à aplicação do ordenamento jurídico, esse conjunto reversivamente imbricado e interligado de normas, em que o sentido de cada uma delas se vai actualizando (ganhando novas colorações, qual camaleão) em função de outras normas que nesse ordenamento se vão incorporando, em função da necessidade de adaptar o todo que constitui o regime jurídico à evolução humana, às conquistas civilizacionais, ao desenvolvimento das ciências humanas (não estritamente filosóficas ou antropológicas), no fundo, à consciência jurídica axiológica geral que vai vigorando. O apelante é um condomínio, dotado de personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (alínea e) do art. 6º do C.P.C.). A propriedade horizontal traduz-se (art. 1420º e 1421º do C.C.) na coexistência dum direito real de propriedade singular, que tem por objecto fracção autónoma de edifício, com um direito de compropriedade que tem por objecto as partes comuns mencionadas no art. 1421º do C.C. (conjunto de direitos que é incindível – art. 1420º, nº 2 do C.C.). O condomínio ‘é a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários titulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial – daí a expressão condomínio – sobre fracções determinadas’[11]. A administração das partes comuns do edifício (e os elevadores presumem-se comuns – art. 1421º, nº 2 do C.C.) compete à assembleia de condóminos e a um administrador (art. 1430º, nº 1 do C.C.). Não podendo confundir-se o condomínio com o administrador (são entidades distintas), importa realçar que o administrador é um órgão administrativo daquele, cumprindo-lhe, além do mais, nos termos do art. 1436, alíneas d), j) e m) do C.C., efectuar as despesas comuns (pagar os débitos relativos às coisas comuns), prestar contas à assembleia de condóminos e guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio. Todavia, na primitiva versão do C.C., sendo já função do administrador proceder ao pagamento das despesas comuns, não estava ele ainda sujeito legalmente ao dever de guarda e manutenção dos documentos respeitantes ao condomínio. Só com as alterações introduzidas pelo DL 267/94, de 25/10 (designadamente com o aditamento das alíneas j) e m) ao art. 1436º do C.C.), ficou o administrador sujeito ao dever de prestar contas à assembleia e bem assim ao de guarda e manutenção de documentos. De acordo com o regime actualmente vigente, a entidade que é titular passiva da obrigação judicialmente exigida nos presentes autos, tem o dever de exigir e guardar os documentos pertinentes aos pagamentos das suas dívidas. Sublinhe-se que a titularidade passiva da obrigação que é judicialmente exigida nos autos pertence ao condomínio, e não já a cada um dos condóminos. Certo que sendo uma despesa comum (é uma despesa relativa à conservação e manutenção duma parte comum), ela será suportada por todos os condóminos, na proporção das suas quotas (art. 1424º do C.C.); porém, o credor não pode exigir o pagamento de cada um dos condóminos (ou sequer da pessoa do administrador), já que responsável e titular passivo da relação jurídica é a entidade jurídica que o condomínio constitui (pelo que não procede a argumentação de que considerar a obrigação imposta ao administrador de exigir documento de quitação e proceder à sua guarda, destinada à protecção dos condóminos, reverte contra eles). Interessa pôr em relevo que as normas que actualmente (desde 1994) regem o condomínio impõem que esta entidade disponha dos documentos comprovativos do cumprimento das suas obrigações (são guardados e mantidos pelo administrador – mas este é um órgão administrativo daquele). Resultando das normas que regulam o condomínio a obrigatoriedade de conservação e guarda dos documentos que, com facilidade, o habilitam a comprovar o eventual pagamento dos serviços que lhe foram prestados, repugna ao direito e ao sentido de justiça enquadrar juridicamente no âmbito do regime da prescrição presuntiva estabelecida no art. 317º, b) do C.C. os créditos de que tal entidade seja titular passiva relativamente a serviços que lhe sejam prestados por terceiros fornecedores (comerciantes ou pessoas e entidades que exerçam profissionalmente uma indústria). Na ‘aplicação do direito ao caso concreto, há que alargar o campo de sensibilidade axiológica de direito ao facto concreto’, numa ‘apreciação dialéctica do facto à norma’, o que ‘impõe que a ratio legis se dialectize e se veja superada pela ratio iuris’, impondo-se assim à jurisprudência, como ciência interpretativa, cumprir o pensamento normativo de realização do direito, realizando-o na solução do caso concreto com a consciência jurídica geral e com as expectativas jurídico-sociais de validade e justiça, única forma de conseguir que a justiça seja o fundamento da interpretação jurídica[12]. Considerando o pensamento normativo subjacente ao estabelecimento das prescrições presuntivas, deve ter-se por arredada a aplicação dos normativos que as prevêem nas situações em que não estão presentes os fundamentos daquelas, seja porque não é usual pagamento imediato (ou em prazo curto), seja porque não é usual o pagamento sem quitação e é regra a conservação e guarda do recibo comprovativo do pagamento (quando, pelas mais variadas razões, o devedor ao cumprir tem o cuidado de se munir, conservando-o, o recibo de quitação). A consideração de tais fundamentos da prescrição presuntiva tem determinado se venha decidindo não estarem sujeitos à previsão constante da alínea b) do art. 317º do C.C. as empreitadas realizadas em imóveis[13] (pois nestes contratos nem é usual o pagamento imediato ou em curto prazo – a maioria das vezes o pagamento é feito em prestações espaçadas no tempo –, nem é usual que o devedor não exija e conserve documento de quitação, desde logo face aos valores implicados). Justifica-se assim se considere não ser aplicável o regime da prescrição presuntiva quando esteja subjacente ao crédito judicialmente exigido uma obrigação relativamente à qual é usual, contra o pagamento, emitir-se documento de quitação e bem assim quando é expectável (quer porque é usual e regra, quer porque é dever legal) que o devedor proceda à guarda e conservação de tal recibo de quitação – designadamente em casos em que o devedor tem a preocupação de exigir o recibo comprovativo do pagamento, conservando-o no seu arquivo contabilístico, mais ou menos organizado. A inaplicabilidade do regime da prescrição presuntiva em tais casos assenta na consideração de que nenhuma tutela especial demanda o devedor, pois não corre o risco de ter de cumprir duas vezes (por estar impedido de comprovar, com o documento de quitação, a satisfação da obrigação) – nestes casos o devedor não tem qualquer dificuldade de prova do pagamento (o documento de quitação é exigido, é emitido e é conservado em arquivo contabilístico). Atentos todos estes considerandos não nos resta senão corroborar a decisão recorrida, pois não pode considerar-se, atento o referido dever de guarda e manutenção de documentos estabelecido no art. 1436º, m) do C.C., que o condomínio é um consumidor/devedor que não possui contabilidade organizada e não tem a preocupação de solicitar e/ou guardar os recibos comprovativos do pagamento por mais de dois anos, razão pela qual, estando ele habilitado a comprovar, com facilidade, os pagamentos dos serviços que lhe hajam sido prestados (exibindo os recibos de quitação ou documentos comprovativos do pagamento), não se justifica que beneficie da protecção que através da prescrição presuntiva a lei confere ao consumidor comum relativamente àquelas obrigações geradas de relações da vida quotidiana e de cujo pagamento não é usual guardar ou sequer exigir quitação. Improcede, pois, a apelação, uma vez que o condomínio da propriedade horizontal não beneficia da prescrição presuntiva estabelecida no art. 317º, b) do C.C. relativamente às obrigações advindas de serviços que lhe sejam prestados para manutenção e conservação de coisas comuns[14] (como é o caso dos serviços de assistência e reparação a elevadores). Sumariando o acórdão, nos termos do art. 713º, nº 7 do C.P.C.: I- O escopo e finalidade das prescrições presuntivas encontra-se na protecção do devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas que costumam ser pagas rapidamente e de cujo pagamento não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo.. II- Considerando o pensamento normativo subjacente ao estabelecimento das prescrições presuntivas, deve ter-se por arredada a aplicação dos normativos que as prevêem nas situações em que não estão presentes os fundamentos daquelas, seja porque não é usual pagamento imediato (ou em prazo curto), seja porque não é usual o pagamento sem quitação e é regra a conservação e guarda do recibo comprovativo do pagamento. III- Estando sujeito ao dever de guarda e manutenção da documentação que lhe respeita (art. 1436º, m) do C.C.), não pode ter-se por usual que o pagamento das obrigações do condomínio da propriedade horizontal seja efectuado sem exigência do documento de quitação e ainda que não seja usual que ele não proceda à conservação de tais documentos. IV- Assim, o condomínio da propriedade horizontal não beneficia da prescrição presuntiva estabelecida no art. 317º, b) do C.C. relativamente às obrigações advindas de serviços que lhe sejam prestados para manutenção e conservação de coisas comuns. * Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida.DECISÃO * Custas pelo apelante (art. 446º, nº 1, do C.P.C. e art. 6º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais). * Porto, 23/02/2012João Manuel Araújo Ramos Lopes Maria de Jesus Pereira Henrique Luís de Brito Araújo _______________ [1] Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª edição, p. 795. [2] Sousa Ribeiro, Prescrições Presuntivas, Revista de Direito e Economia, Ano V, nº 2, p. 393. [3] Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 106, p. 45 e in R.L.J., Ano 103, p. 254 e R.L.J., Ano 109, p. 246. [4] Ac. S.T.J. de 9/02/2010 (Garcia Calejo), no sítio www.dgsi.pt/jstj, citado pela decisão recorrida, tirado a propósito de situação idêntica à dos presentes autos (pois também aí era demandado um condomínio por obrigação relativa a serviços de limpeza prestados por sociedade, que, com fins lucrativos, se dedicava a tal actividade). [5] A. Varela, R.L.J., Ano 103, p. 254; Almeida Costa, obra e local citados. [6] Vaz Serra, Prescrição Extintiva e Caducidade, BMJ 106, p. 51. [7] Almeida Costa, obra e local citados. [8] P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, p. 280; Vaz Serra, obra citada, pp. 54 e 55. [9] Ac. R. Porto de 11/10/2011 (Maria Cecília Agante), no sítio www.dgsi.pt. [10] Cfr. o citado Ac. R. Porto de 11/10/2011. [11] P. de Lima e A. Varela, C. C. Anot. Vol. III, 2ª edição revista e actualizada, p. 398. [12] Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/99, de 12/01/99, in DR. I Série-A, de 13/02/99. [13] Cfr., v. g., Ac. R. Porto de 15/04/2004 (Fernando Batista), Ac. R. Lisboa de 16/07/2009 (Sousa Pinto), Ac. R. Lisboa de 18/05/2006 (Ferreira Lopes), Ac. R. Lisboa de 23/02/2006 (Gil Roque) e Ac. R. Coimbra de 29/04/2008 (Ferreira Barros), no sítio www.dgsi.pt. [14] Assim também considerou e decidiu o citado Ac. R. Porto de 11/10/2011. |